quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Santinha do pau oco”

A língua portuguesa possui inúmeros dizeres interessantes, que permanecem imutáveis ao longo do tempo, representando um forte viés cultural para o idioma. Esses dizeres podem ser fundamentados na cultura do próprio país ou ainda, ter influência estrangeira, mitológica, religiosa, histórica, etc. 

Sabe-se que a partir dos cinco ou seis anos, as crianças começam a usar pelo menos algumas delas, que são repetidas com frequência em casa pelos pais e amigos, e esse procedimento de expressões populares repetitivas acaba por se incorporar ao acervo cultural de uma pessoa, contribuindo assim para o enriquecimento do dicionário mental de cada qual na vida adulta.

Existe uma justificativa histórica para a expressão “SANTINHA DO PAU OCO”, que utilizamos para designar uma pessoa de caráter duvidoso, mentirosa ou falsa, surgida ainda no tempo do Brasil Colônia, por volta do Século XVII em Minas Gerais, berço da mineração do ouro, na época pesadamente tributado em 20% a título do “quinto”, que constituía a parte imposta pela coroa portuguesa como condição básica para quem se dedicava à garimpagem, extração e comercialização de metais preciosos em solo brasileiro.

Vivíamos o apogeu do domínio do catolicismo nas cidades e no campo, pela forte influência da Igreja Católica num Estado não laico, pontificando o talento dos artesãos que esculpiam em madeiras previamente selecionadas, a imagem dos santos que mais tarde viraram cobiçadas relíquias do barroco brasileiro, confeccionados propositadamente ocos, para que pudessem ser recheados de ouro em pó, assim driblando a rígida fiscalização vigente, que impunha um escorchante tributo cobrado pelas “Casas de Fundição”, repartições incumbidas de arrecadar os impostos sobre a mineração no Brasil.

A partir de então, a dita expressão invariavelmente alude à pessoa conhecida como sonsa, que aparenta ter um temperamento cordial, agradável e inocente, mas na realidade é o oposto, pois age de modo sorrateiro, escondendo suas intenções, no mais das vezes malévolas e o que é mais grave, com o obscuro e inconfessável propósito pessoal de levar vantagem, de tirar proveito.

Cairon e Márcio Oliveira aproveitaram o tema para enriquecer o cancioneiro popular, com um texto poético que revela o sentido pejorativo da expressão:

Eu pensava que você era santinha
eu jurava que você era só minha
mas foi tudo ilusão
e o meu pobre coração
você fez de bobo
Sua santinha do pau oco...

Na esteira dessa composição musical, os cantores e compositores Jefferson Morais, Luís Marcelo e Gabriel, Márcio Dhuka e Marreta, também lançaram suas canções com a mesma denominação - “SANTINHA DO PAU ÔCO” - evidenciando que não constitui motivo de orgulho para ninguém ser assim rotulado, por exprimir um conceito negativo, rebarbativo, quase sempre de pessoa falsa ou dissimulada, na qual não se deve confiar, nem mesmo rimando: 

Com a santinha de pau oco
todo cuidado é pouco!
Confiou, ela te engana
e te deixa no sufoco...

E assim se consolidou essa expressão que atravessou gerações e até hoje surge quando no meio social em que vivemos aparece alguém - homem ou mulher, jovem ou idoso - que por razões insondáveis, lança mão da dissimulação e da esperteza, para ludibriar outrem. 

E basta olhar em volta, pois em qualquer aglomerado humano, dos mais modestos aos requintados, essa nefanda figura pode ser identificada com facilidade, bastando que se observe seu agir manhoso, astuto e disfarçado, visto pela psicologia como inerentes a quem oculta seus sentimentos reais, ludibriando quase todo mundo, para só depois mostrar suas verdadeiras e turvas intenções. 
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fonte: Enviado pelo autor

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Jerson Brito (Asas da poesia) 06



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Jerson Lima de Brito, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.

Renato Frata (Il Maestro Dorfo)

À memória de meu pai
A casa da Mamma Luigia seria igual a tantas de imigrantes italianos nos fins do século dezenove, não fosse seu jeito de ser; alta, esguia, nariguda, magriça e mandona, a ponto de fazer seu marido Ângelo, coadjuvante no trato das coisas

A família ocupava uma residência com tarefas definidas: as noras e filhas - que não estivessem de resguardo cuidavam da cozinha, da ordenha, da roupa e da casa, enquanto os filhos e genros, da roça, da tarefa de pilar arroz, do moinho de fubá, dos animais. Aos bambini cabia o trato das galinhas e a obrigação de levar, aonde os homens estivessem, água fresca e café com broa por duas vezes ao dia. 

A vida seguia na aspereza dos dias e nas noites nos aconchegos dos enormes colchões de palhas e, de resto, a lentidão do tempo em que a natureza com suas cores, clarões e vozes, comungava com a simplicidade do povo tendo Deus e os santos por guardiões do amor que gestava, de permeio.

Nessa labuta passou o tempo, até que num momento Mamma Luigia despejou:

- O "Dorfo" vai pra escola, precisamo de alguém mais sabido que noi, que leia o que 'essa gente' põe na nossa frente.

Tratava-se de Rodolpho, o caçula, e do contrato de meação que o proprietário da terra os fazia assinar para garantir sua estada no trato do cafezal. Daí a preocupação em ser menos lesados nos preços das compras, da entrega, pesagem, das somas e subtrações.

Ninguém se opôs. Já haviam passado da idade para a escola, e às mulheres, não era dado esse direito. Ângelo fez a matrícula do menino, comprou os materiais e um saco branco, para o embornal. O bambino Dorfo foi levado na manhã seguinte. De carroça. Depois iria sozinho, a pé, com a obrigação de sendo sabido, aprender para conseguir resolver os problemas de conhecimento da família.

O moleque arruivado logo aprendeu a ligação das letras compondo palavras e a formação de frases, que um mais um dá dois e muita coisa mais, o que chamou à atenção da professora. Fora feito para a escola, especialmente quando os cadernos voltavam com frases como: "parabéns, vá em frente", "isso mesmo! Estou satisfeita." escritos na parte superior das folhas.

- Buonno, buonno, bambino mio -, sorria ela, embevecida enquanto lhe gadanhava os cabelos. O Dorfo fora feito para os conhecimentos de que tanto precisavam. E teria um horizonte inteiro a si descortinado com as oportunidades derriçadas aos seus pés como os grãos de café, na colheita, a leitura e o aprendizado faziam dos homens pessoas importantes, traziam-lhe as chances dos bons negócios e até o céu derramaria em suas mãos a abençoada chuva da prosperidade, tal como aquela que volta e meia escorria dos telhados, ganhava as lavouras e as faziam florescer.

Bastasse seguir as regras da humildade e da decência: o mundo das letras, das mãos macias, do ordenado certo, enquanto eles continuariam a depender da lavoura, do meeiro-proprietário, do atravessador que os fiava na entressafra e cobrava em dobro depois. Da lida inglória do homem da roça.

Quanta sabedoria naqueles sonhos!

Quando o moleque chegou mostrando resolvidas as contas mais complicadas de aritmética, todos se empolgaram. Era mesmo o mais sabido, e chegara a hora dele começar a pagar pelo benefício. Então, ela ordenou:

- Dorfo, tu sarai il maestro de noi tutti.

Foi o que bastou para que nos começos das noites, ao redor da grande mesa da cozinha iluminada com lamparinas, lápis começassem a riscar copiando nos cadernos, as primeiras letras desenhadas por Dorfo na lousa improvisada: A-E-I-O-U.

Mamma Luigia observava a segurança do bambino que, apesar do respeito que dedicava aos irmãos, mostrava destreza e paciência diante da dificuldade que tinham em desenhar nas entrelinhas, os complicados rabiscos.

Com o tempo, mais familiarizados com os instrumentos de escrita e com suas pontas finas e frágeis, as mãos calosas foram se adaptando a juntar as letras em carreirinha e a montar seus nomes, os sobrenomes, as frases curtas do dia a dia como; o sol está quente, a lua está clara; e mais tarde, pensamentos longos e enigmáticos, saídos do coração.

O mestre Dorfo havia alfabetizado seus irmãos e cunhados como num passe de mágica, tão capaz, tão dono de si com um pedaço de giz na mão. Era um verdadeiro professor. E só não o fez, ensinando a mamma e su padre Angelo, porque eles não quiseram: - estavam tropo vecchi  para pegar num lápis; era per i Giovani. 

O vento que leva o cisco, leva também palavras e, nesse soprar, a notícia correu pela colônia. Foi o que bastou para que a cozinha da grande casa, de hora para outra, ficasse pequena para o abrigo de vizinhos que chegavam com cadeiras e lamparinas, dispostos a aprender. Homens de mãos calosas, mulheres de toucas e xales puseram-se ali, sentados em união, às lições encantadoras da aprendizagem das coisas estupendas que o pequeno Dorfo tinha a oferecer.

Il mestre Dorfo, agora de calças compridas, contava histórias dos navios de Cabral, dos textos de Machado de Assis sobre a aurora de esperança do país a cada amanhecer, da terra que nunca negou frutos a quem plantasse a semente, e explicava sobre os astros do céu, sobre as constelações, as mudanças da lua com a sua importância à pesca e agricultura, os planetas do cosmo, as intrigas políticas do poder republicano que o jornal semanal trazia, as coisas intrincadas da Primeira Guerra, o amor ao Ser Supremo e, pacientemente, os ensinava ler e escrever seus nomes, as datas, os acontecimentos, a fazer contas de mais, de menos, de dividir e de multiplicar.

Era il maestro, che solo deto la verità, como vaticinara a mamma.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
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Vereda da Poesia = Vanda Fagundes Queiroz



José Feldman (Estrepolias de um insone)

Era uma vez, em uma cidade não muito longe daqui, um sujeito chamado Tico. Ele era conhecido por uma peculiaridade: ele não conseguia dormir. Enquanto a maioria das pessoas se entregava aos braços de Morfeu, ele passava as noites em claro, contando carneirinhos, assistindo a infindáveis maratonas de programas de culinária e fazendo listas de coisas que nunca faria. Com o tempo, a insônia foi se agravando, e ele decidiu que, se não podia dormir, pelo menos poderia se divertir à custa dos que estavam.

Em uma noite particularmente longa, enquanto o relógio marcava 3 da manhã, Tico teve uma ideia brilhante. Ele se vestiu como um ninja (ou, pelo menos, como um ninja que não tinha um bom senso de moda) e decidiu que iria “visitar” seus vizinhos que, ao contrário dele, estavam desfrutando do sono dos justos.

Primeiro, ele foi até a casa da Dona Efigênia, uma senhora que sempre reclamava do barulho na rua. Com um sorriso travesso, ele começou a bater na porta, fazendo imitações de vários animais. Primeiro, ele grunhiu como um porco, depois miou como um gato e, por último, uivou como um lobo. A Dona Efigênia, que estava tendo um sonho maravilhoso com um bolo de chocolate, acordou assustada, pensando que um zoológico tinha se instalado em sua sala. Quando abriu a porta, encontrou Tico agachado, fazendo a pose de um gato.

— O que você está fazendo, Tico? — perguntou ela, com os olhos arregalados.

— Apenas testando se a senhora está sonhando! — respondeu ele, tentando conter o riso.

A Dona Efigênia, com um olhar de quem não tinha a menor paciência para brincadeiras, fechou a porta na cara dele. Mas Tico não estava disposto a desistir. Ele seguiu para a casa do Seu Joaquim, um aposentado que sempre sonhava em voltar a pescar.

Ao chegar lá, decidiu que a melhor estratégia seria imitar o barulho de um peixe fora d'água. Ele se jogou no chão e começou a se contorcer, fazendo ruídos estrondosos. O Seu Joaquim acordou, pulou da cama e correu para a sala, armado com um taco de beisebol que mantinha para "emergências".

— O que está acontecendo aqui? — gritou ele, olhando para Tico se debatendo no chão.

— Estou apenas fazendo uma pesca noturna, Seu Joaquim! — respondeu Tico, gargalhando.

Naturalmente, o Seu Joaquim não achou graça nenhuma. Ele deu uma rápida olhada para Tico e saiu para a rua, murmurando algo sobre “juventude perdida” e “jovens insensatos”.

Com uma sensação crescente de missão cumprida, Tico decidiu que ainda não era hora de parar. Ele se dirigiu para a casa do Luís, o estudante que sempre tirava notas altas, mas que tinha uma aversão a qualquer tipo de perturbação. Tocou a campainha e, assim que Luís abriu a porta, ele começou a fazer uma apresentação de stand-up, mas com piadas completamente sem graça.

— Você sabe por que a galinha atravessou a estrada? Para ir do outro lado! — disse Tico, enquanto Luís, sem paciência, tentava entender o que acontecia àquelas horas da noite.

Luís, que estava prestes a fazer uma prova importante, não achou muita graça e, em um impulso, empurrou Tico para fora de casa, fechando a porta com força. Tico, no entanto, não se deixou abalar. Em vez disso, decidiu que era hora de uma nova abordagem.

Ele foi até o parque, onde alguns jovens costumavam se reunir à noite para tocar violão.  Juntou-se a eles e começou a cantar, mas em vez de músicas conhecidas, ele fez versões paródicas de clássicos, como “Garota de Ipanema” transformada em “Garoto de Insônia”. A letra, que falava sobre coisas totalmente sem sentido, fez com que todos se unissem a ele, rindo e se divertindo.

No entanto, a festa logo atraiu a atenção dos vizinhos, que saíram de suas casas, sonolentos e irritados. A cena era hilária: pessoas de pijama, com cabelos desgrenhados, tentando descobrir o que estava acontecendo. Tico, percebendo que havia criado um verdadeiro show improvisado, decidiu que era hora de encerrar a apresentação.

— Obrigado, pessoal! Espero que tenham gostado! E lembrem-se: a insônia pode ser divertida! — gritou, antes de sair correndo, rindo da confusão que deixara para trás.

Na manhã seguinte, enquanto os moradores da rua tentavam recuperar o sono perdido, Tico percebeu que talvez estivesse indo longe demais. Ele sentiu uma pontinha de culpa ao ver a Dona Efigênia, o Seu Joaquim e o Luís todos com olheiras profundas. Mas logo essa culpa se transformou em uma nova ideia.

— Que tal uma festa do pijama? — pensou, já imaginando a diversão.

E assim, ele começou a planejar um evento que traria todos os vizinhos para uma noite de risadas e histórias, prometendo que, ao menos uma vez, eles poderiam se divertir juntos, mesmo que isso significasse perder algumas horas de sono.

Enquanto isso, ele continuava a infernizar a vida dos que dormiam, mas agora com uma pitada de humor e um convite para a festa do pijama. Afinal, quem disse que a insônia não poderia ser uma bênção disfarçada? Só não se sabe para quem.
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Fontes:
 José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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domingo, 5 de janeiro de 2025

Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 06


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Luiz Gilberto de Barros, registrado como Luiz Poeta, nasceu em 1950, no Rio de Janeiro/RJ. Escritor, Poeta, Contista, Cronista, Ensaísta, Trovador, Aldravianista, Sonetista, Músico, Compositor, Produtor Musical, Artista Plástico, Gestor Educacional e Docente Aposentado  de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa. Destacou-se no meio artístico como produtor fonográfico, violonista, guitarrista, compositor, poeta e artista plástico. Acadêmico da AVLBL membro da UBT, é Verbete do Dicionário de Música Popular Brasileira Antônio Houaiss e detentor de  relevantes títulos acadêmicos. Fundador de diversas entidades culturais Nacionais e internacionais. Autor premiadíssimo em inúmeros concursos no Brasil e no Exterior. Foi Presidente da Academia Pan-Americana de Letras e Artes; do Centro Cultural Leopoldina de Souza Marques, da Faculdade Souza Marques, e Diretor Presidente do Jornal “O Coruja“, de circulação universitária. Membro da Confraria Brasileira de Letras, Academia Luso-Brasileira de Letras; Academia Paulista de Letras; Cerc Universal des Ambasssadeurs de la Paix; Divine Academie Française de Letters y Arts; Associação dos Acadêmicos da Academia Brasileira de Letras; Diretor Cultural da Associação Cultural Encontros Musicais; Inbrasci (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, entre outros. Sua obra artística é eclética e engloba mais de 10.000 trabalhos (músicas, poesias, ensaios contos, novelas, textos dramáticos e crônicas – além de telas e trabalhos artesanais ). Tem CDs e DVDs gravados, tendo publicado mais de 100 obras publicadas entre livros-solo, antologias, CDs, DVDs, jornais e revistas.

Eduardo Affonso (Deu bode)

Meu pai era maçom. Nunca soube muito bem o que significava isso. Mas sabia que era como ser de capricórnio – algo que eu nunca seria.

Havia a lenda de que os maçons se reconheciam à distância, como os cachorros. Mas era só um toque de mão, um jeito de cumprimentar, de coçar a orelha, ou três pontinhos ao final da assinatura. Coisas assim, bem mais banais. Como as formigas, batendo as antenas. Abelhas dançando no ar.

Tinham segredos.
Montavam bodes.
Faziam pactos de sangue.
Adoravam o diabo.

Não conseguia ver meu pai fazendo nada disso, principalmente montar um bode. Então nunca levei essas crendices muito a sério.

Mas gostavam, sim, de símbolos.
E de roupas estranhas.
Aventais.
Babadores.
Anéis.

Não conseguia imaginar meu pai de avental, como minha mãe, e de babador, como meu irmão caçula.

Mas isso não queria dizer nada, porque eu tampouco conseguia imaginá-lo fazendo sexo com minha mãe – eu tinha doze anos, já tinham me contado tudo na rua, e, como éramos cinco filhos, eu sabia não apenas que já tinham feito, como que não fora uma vez só.

Mas entre acreditar e conseguir imaginar vai uma boa distância.

Eu via os maçons como uma espécie de templários genéricos, fora de época, sem armadura, sem cavalos, sem jerusaléns a conquistar.

Seu templo era, naquela época, uma série de valetas escavadas no terreno baldio em frente à nossa casa, onde seriam as fundações da sua Loja.

Brincávamos por ali, tentando adivinhar onde era a sala da caveira, o calabouço, a sala do bode.

Só quando começaram a subir a construção é que perceberam que havia um erro no projeto. O engenheiro rabiscara a planta apenas com linhas, sem considerar a espessura das paredes.

Com 50 cm perdidos nas alvenarias externas, mais 15 descontados aqui, 15 esquecidos ali e outros 15 acolá, as salas menores se tornaram corredores.

Alheios às sérias discussões dos adultos sobre como resolver o problema e salvar a Loja, brincávamos do mesmo jeito no corredor da caveira, no corredor do calabouço, no corredor do bode.

Nisso que dava acreditar num Supremo Arquiteto do Universo e contratar um engenheiro na hora de fazer o projeto.
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Eduardo Affonso é arquiteto mineiro de Belo Horizonte, 1950. Colunista do jornal O Globo. Coordena a Oficina Literária Eduardo Affonso, voltada para cronistas. Participa do coletivo literário Flique. Nenhum livro publicado.

Fontes: 
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Eduardo Martínez (Os cunhados e a discórdia)

Laureano, solteirão mais do que convicto, não se dava com Deóclides, o cunhado. Os dois não trocavam palavras, apesar de morarem no mesmo sítio. Aliás, o modo como essa situação se deu é até curiosa e, por isso, vale a pena ser contada.

Deóclides, aos 23 anos, se viu apaixonado por Gilda. A moça pareceu interessada, tanto é que aceitou o pedido de casamento sem esboçar qualquer indício de desapontamento. Talvez fosse boa atriz ou, então, tímida o suficiente para contrariar a aprovação da família, ainda mais porque o noivo apresentava boa procedência, sem contar que era proprietário de bom comércio na cidade e residia em bela propriedade rural.   

O casal, apesar de algumas rusgas, viveu uma vida harmoniosa. Deóclides a tudo aceitava, inclusive o pedido da mulher para que o irmão dela, Laureano, residisse no sítio. Obviamente em um pequeno galpão, logo transformado em moradia. Gilda sabia que o irmão e o marido não se bicavam, mas Laureano, com as finanças às minguas, precisava de um teto. 

O que parecia ser circunstância momentânea se estendeu por décadas. E, durante todo esse tempo, nenhuma palavra foi trocada entre os cunhados. Se precisassem se comunicar, usavam Gilda como intermediária. Mas eis que, por mera distração, Gilda tropeçou numa pedra qualquer de Drummond e bateu a cabeça em outra menos poética. 

O enterro se deu no dia seguinte. Laureano e Deóclides, cada um no seu canto, verteram lágrimas sinceras. Em seguida, voltaram para o sítio, onde se isolaram ainda mais um do outro. É verdade que, diante de tamanha perda, pensaram em se reconciliar, fato que jamais aconteceu. Rabugentos que eram, deixaram de lado qualquer tentativa de aproximação. 

Mais um par de anos, foi a vez de Laureano deixar o plano material. O corpo enrijecido foi encontrado na poltrona. Quem o achou foi Chiquinha, empregada de Deóclides. Não que ele estivesse preocupado com o sumiço do cunhado. Era mais por curiosidade sobre o que havia acontecido com o desafeto.

— Chiquinha, vá ver o que aconteceu com o irmão da falecida.

Assim que retornou, a mulher, cara mais branca do que vestido de noiva intocada, balbuciou:

— Patrão, o homi morreu.

— Desgraça! Agora vou ter que pagar até pelo enterro daquele traste. 

Durante o velório, Deóclides não fez questão de manter as aparências. Tanto é que chegou bem perto do defunto e disse o que estava represado durante mais de 40 anos. Só não cuspiu no rosto do cunhado porque pensou que não valia a pena gastar ainda mais saliva.

Deóclides retornou à noite para o sítio. Sentou-se na cadeira de balanço na varanda e, pensativo, fitou a residência de Laureano madrugada adentro. Acabou adormecendo, sendo despertado pelo canto dos galos no amplo terreiro. Resmungou algumas palavras e ergueu o corpanzil dolorido. 

Quase uma semana após o enterro, Deóclides mandou atear fogo no barraco do desafeiçoado.  Foi momento de puro regozijo. Abriu a melhor garrafa de vinho tinto e a sorveu por inteiro, enquanto as labaredas tomavam paredes, telhado, assoalho e móveis do antigo abrigo do finado.

Livre! Finalmente livre! Deóclides não precisaria mais se preocupar com o cunhado. Ele até imaginou que o desagradável sujeito estivesse tendo uma conversinha com o Demônio em pessoa. 

— O bate-papo deve estar fervendo! 

No dia seguinte, Deóclides foi se certificar de que só havia cinzas. Para seu espanto, percebeu um cofre intacto. Chegou mais perto, pegou o lenço no bolso da calça e limpou o objeto, que estava trancado. Qual o segredo? Tentou pelos próximos dois dias, até que mandou vir o chaveiro.

— Seu Deóclides, faço o serviço.

— Pois faça!

— Hum... Quer o modo ligeiro ou demorado?

— Ligeiro, homem!

Menos de meia hora após, o cofre estava arrombado. Deóclides, precavido, pagou o preço combinado para o chaveiro e, em seguida, mandou o chaveiro ir embora. O dono do sítio observou o profissional entrar no automóvel e sumir na estrada de chão. 

Somente após ter certeza de que ninguém o estava observando é que Deóclides, finalmente, abriu a porta do cofre. Caiu para trás, ofuscado pelos raios do sol refletidos nas diversas barras de ouro devidamente empilhadas. O miserável do cunhado, apesar de ter levado uma vida de favores, era milionário.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes: 
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Vereda da Poesia = João Batista Xavier Oliveira


José Luiz Boromelo (Tenha paciência!)

Nessa época atribulada em que as pessoas vivem correndo de um lado para o outro, a falta de paciência é a face mais visível desse novo conceito de vida moderna. No ambiente doméstico casais vivem às turras por deixarem o diálogo e a paciência de lado. Os filhos carecem de paciência para superar a fase quase sempre instável da adolescência. Os namorados brigam por qualquer coisa, por mais ínfima que seja. No trânsito a coisa é pior ainda. Sempre apressados, motoristas, ciclistas e pedestres travam uma batalha diária por um espaço cada vez mais raro em nossas vias públicas. Nos serviços essenciais nossa paciência é colocada à prova a todo o momento. Quem ainda não perdeu a sua, além do tempo precioso diante de uma fila completamente estática nas agências bancárias de nosso país? E o exercício de se manter a estabilidade emocional em dia não para por aí. Tente fazer alguma reclamação, solicitação ou coisa parecida para algum serviço de atendimento telefônico do tipo 0800. Além de esperar por um bom tempo e em alguns casos por horas o cidadão tem que ser dotado de muita paciência mesmo, para não mandar às favas os atendentes e ainda conseguir atingir seus objetivos.

Mas sem paciência não conseguimos nada, inclusive uma senha na madrugada para atendimento no caótico ambiente dos hospitais públicos, mais parecidos com um “front” de guerra. E haja uma dose cavalar dela ao esperar por dias e até meses para se agendar uma cirurgia, por mais urgente que seja. Exercite sua paciência para suportar o aperto nos ônibus, metrô e trens urbanos, comparados a latas de sardinha. Nesse caso específico, a paciência é um equipamento de porte obrigatório, pois a população não encontra alternativas para evitar esse tão importante meio de transporte.

Outras situações também colocam nossa pouca paciência à prova: ao ligar a TV temos a impressão que as emissoras competem entre si para nos brindar com o que há de pior; há que se ter ainda a paciência de Jó ao enfrentar longas filas para depositar nas urnas o nosso voto e outras tantas mais, que requerem uma dose extra dessa incrível capacidade em suportar as adversidades do cotidiano.

 De tanto falar em paciência lembrei-me do saudoso amigo Anacleto, uma pessoa exageradamente tranquila, que não tinha pressa alguma na vida. O que ele mais tinha era paciência. Quando encontrava os amigos, vinha sempre com uma de suas tiradas impagáveis: “Tenha paciência nessa vida, pois tudo é passageiro. Menos o cobrador e o motorista”. Obrigado companheiro, por seu exemplo de como levar a vida com paciência, mesmo que ultimamente eu não tenha seguido à risca seus conselhos. E você leitor, que teve paciência suficiente para ler tudo isto, faça como o Anacleto: no seu dia a dia, tenha um pouco mais de paciência...!
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José Luiz Boromelo, é de Marialva/PR, policial rodoviário aposentado, escritor, cronista e agricultor, colaborador da Orquestra Municipal Raiz Sertaneja.

Fontes:
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5253583
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José Feldman (O Encontro no Cemitério)

Era uma noite tranquila em Piracicaba, e a lua cheia iluminava a rua Boa Morte, onde o Leandro, dono da funerária "Pé na Cova", fazia sua última checagem nas flores do altar no cemitério. Ele sempre achou que as flores eram como os clientes: tinham que estar sempre bem apresentáveis, mesmo que a maioria não estivesse mais entre os vivos.

Enquanto isso, Belarmino, um vendedor ambulante que passara os últimos anos viajando pelo Brasil, finalmente decidira voltar à sua cidade natal. Ele carregava uma sacola cheia de bugigangas variadas — desde chaveiros de plástico até garrafinhas de água com a imagem do Cristo Redentor. Seu retorno, no entanto, não era apenas para vender suas quinquilharias, mas também para visitar os túmulos dos pais.

Assim que Belarmino chegou ao cemitério, avistou Leandro, que estava concentrado em arrumar as flores. Um sorriso brotou em seu rosto ao ver o amigo de infância.

— E aí, Leandro! — gritou Belarmino, acenando com a mão. — O que você está fazendo tão tarde aqui? Esperando alguém?

Leandro virou-se, surpreso, e logo reconheceu a figura conhecida. 

— Belarmino! Que surpresa! Você não mudou nada, só adicionou algumas bugigangas a mais! — riu Leandro, enquanto se aproximava.

— É, meu amigo! O mundo é cheio de coisas inúteis, e eu sou o mestre em vendê-las! — respondeu Belarmino, piscando.

— Que bom que você voltou! Estava pensando em quem eu poderia contratar para ajudar na funerária. Você não quer trabalhar comigo? Poderíamos usar alguém com seu talento de vendas.

Belarmino arregalou os olhos, como se Leandro tivesse sugerido que ele vendesse almas.

— Trabalhar em uma funerária? Ah, não, Leandro! Você sabe que eu sou supersticioso! — disse ele, dando um passo para trás, como se afastasse um espírito maligno.

— Supersticioso? E desde quando? Você sempre foi o primeiro a se arriscar em tudo! — provocou Leandro, cruzando os braços.

— Olha, eu já vendi de tudo, de cuia de chimarrão a saquinho de erva-dos-gatos. Mas trabalhar em um lugar que lida com a morte? Isso é de dar medo! — respondeu Belarmino, olhando ao redor como se esperasse ver fantasmas.

Leandro riu e gesticulou dramaticamente.

— Ah, vai! Você não precisa ter medo! Morto não morde! Venha passar um tempinho aqui. Você ia adorar. Podemos até criar promoções! “Compre um caixão e leve um jazigo de brinde!”

Belarmino fez uma careta.

— E se as almas não gostarem da promoção? Já pensou que eu posso atrair uma maldição? — a expressão no rosto era de receio genuíno.

— Maldição? Você já vendeu itens com zumbis e ainda está aqui, vivinho da silva! Olha, a gente poderia fazer um grande evento: “O Dia da Morte com Desconto!” — sugeriu Leandro, rindo.

— Isso é um marketing pesado, meu amigo! — Belarmino balançou a cabeça, tentando se conter. — E se, em vez de clientes, aparecerem só almas penadas?

— Então a gente oferece um pacote promocional: “Traga um amigo e ganhe uma lápide personalizada!” — Leandro se divertia com a ideia.

Belarmino não conseguia mais se conter. 

— Você é maluco, sabia? Mas não posso negar que a ideia é boa! E quanto mais eu penso, mais eu imagino o caos que isso ia causar no cemitério. 

Leandro, agora sério, perguntou:

— Mas, sinceramente, o que você tem contra a morte? Todo mundo vai passar por isso um dia. A diferença é que eu ajudo a tornar a passagem mais tranquila.

Belarmino suspirou, um pouco mais sério agora.

— Olha, eu só não gosto de lidar com essas coisas. É como se eu fosse um vendedor de sonhos e você fosse o vendedor do fim. Não dá! Eu prefiro o lado alegre da vida!

Leandro assentiu, compreendendo a perspectiva do amigo. 

— Tá certo, Belarmino. Mas uma coisa é certa: se precisar de caixão, você sabe onde me encontrar! — disse, piscando.

— E se precisar de bugiganga, é só me contatar! — Belarmino respondeu, estendo a mão com um cartão.

Os dois se entreolharam e, por um momento, a amizade que os unia desde a infância se fortaleceu ainda mais. 

— Então, vamos tomar uma cerveja? — sugeriu Leandro, mudando de assunto. — Para celebrar nossos trabalhos!

— Com certeza! E nada de ultrapassar os limites do cemitério, hein? — Belarmino disse, enquanto os dois caminhavam em direção à saída.

A cerveja que Leandro e Belarmino escolheram era uma artesanal local chamada "Pira Pura". Servida em canecos de vidro gelado, sua cor âmbar brilhante refletia a luz da lua, criando um brilho dourado que parecia dançar entre as bolhas.

Leandro e Belarmino estavam sentados em uma mesa de madeira rústica, com os canecos de "PiraPura" à frente. A conversa começou a fluir naturalmente, acompanhada de risadas. 

Leandro começou a contar casos que ocorreram com ele: “Houve uma vez em que um cliente pediu um caixão "temático", sabia? Ele queria um que parecesse uma guitarra!”

 Ah, claro, lembro vagamente! E você acabou fazendo um caixão que mais parecia um palco de rock! O cara deveria ter sido enterrado com um microfone! (Fingindo ser solene) "Aqui jaz o grande roqueiro, que nunca parou de tocar até o fim!" E o que foi aquele funeral? Todo mundo dançando e batendo cabeça ao som de "Highway to Hell"!

Ambos riram muito.

Leandro abrindo os braços disse: “Foi o primeiro enterro que eu vi ser animado! Aposto que até as almas estavam batendo palmas!  Mas teve uma vez que eu fui fazer uma visita a um cemitério onde um "cliente" pediu para ser cremado com seu gato. Fui até lá e, surpresa! O gato estava mais vivo que nunca!"

— O que você fez? Deu um jeito de convencer o gato a entrar no caixão? - disse, rindo.

— Até que tentei convencer o gato, ele simplesmente se recusou a entrar, deu um miado e sumiu de vista.

— É, gato é um bicho complicado. Eles têm um senso de sobrevivência bem apurado!” – disse Belarmino, rindo. 

— E você, Belarmino? Alguma história engraçada das suas vendas de bugigangas?

— Ah, teve uma vez que eu tentei vender chapéus de palha em uma feira. Um cliente pegou um e disse: "Esse chapéu é tão bonito que me faz parecer rico!" E eu respondi: "Se você comprar dois, eu garanto que você vai parecer um milionário!" 

Leandro rindo: “E o que aconteceu? O cara comprou dois?”

— Não! Ele ficou tão distraído que saiu correndo e deixou o chapéu pra trás!

Leandro se divertindo: “Então você se tornou o primeiro vendedor a vender chapéus invisíveis!” 

— Exatamente! E ainda consegui um novo slogan: ‘Se você não vê, é porque é caro!’

Os dois gargalharam, e a cerveja "Pira Pura" descia suave, acompanhada de histórias que só reforçavam a amizade deles. 

Leandro levantando o caneco: Às nossas aventuras! Que venham mais histórias malucas!

— E que cada caneco venha cheio de boas risadas! Saúde!

Os canecos se chocaram mais uma vez, ecoando na noite, enquanto eles continuavam a compartilhar suas memórias hilárias, cada gole de cerveja trazendo à tona mais risadas e lembranças.

E assim, sob a luz da lua e com risadas ecoando pelo cemitério, Leandro e Belarmino se afastaram, cada um com suas peculiaridades, mas unidos pela amizade que transcendia até mesmo a linha da vida e da morte.
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Fontes:
 José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Erigutemberg Meneses (Cascata de versos) 06

 
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José Erigutemberg Meneses de Lima nasceu em Fortaleza/CE, radicou-se em Blumenau/SC. Advogado aposentado do Banco do Brasil, com graduação em Ciências Econômicas e Direito pela FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau, dedica-se às letras, escrevendo prosa na forma de crônicas, contos, ensaios, textos jurídicos e poesia, especialmente, sonetos. Publicou “Raptos Líricos” - Sonetos, 2005; Portas da Solidão pela Fundação Cultural de Blumenau, 1996. 

Humberto de Campos (A derradeira "morada")

O administrador do cemitério de S. Geraldo, Alfredo Costa Ximenes, residia, há anos, à rua Real Grandeza, quando, em março último, forçado a mudar de casa, foi alugar um prédio de segunda ordem, de que era proprietário o comendador Augusto Gonçalves Teixeira, que lhe foi dizendo, logo, sem circunlóquios:

- O aluguel da casa é quinhentos e vinte mil réis, fora a pena d'água e a taxa sanitária. Além disso para que eu lhe dê a chave, o senhor terá de pagar-me seis contos de réis de "luvas".

Debalde o honrado funcionário da Morte chorou, suplicou, implorou; o comendador mostrou-se inabalável na sua exigência, e ele teve de arranjar, mesmo, as "luvas", para se não ver, de uma hora para outra, lançado à rua com a família.

Dois meses depois desse episódio, estava o administrador, uma tarde, no seu posto, na secretaria da necrópole, quando parou ao portão, buzinando e rolando, um cortejo funerário. Levada às suas mãos a papeleta fúnebre, o funcionário viu pelo nome, que o morto era, nada mais, nada menos, do que o seu senhorio, o comendador Gonçalves Teixeira e teve, de repente, a ideia de uma represália: chegou ao portão, onde o esquife já repousava, agaloado, na carreta do cemitério, e, recebendo da família a chave do caixão, mandou rodar o ataúde no rumo da sepultura.

Terminadas, ali, entre lágrimas e vertigens, as angustiosas despedidas da praxe, um filho do defunto mandou chamar o administrador, a quem havia dado a chave do esquife, para que fosse identificar o morto, e fechar o caixão.

- Pronto! - apresentou-se Ximenes, apertado na sua sobrecasaca preta. - Que desejam?

- A chave, - explicou um parente do defunto.

- Suspendam a tampa do esquife, - ordenou o administrador.

Um amigo abriu o caixão funerário, onde jazia, inteiriçado, vestido de preto o corpo do desventurado capitalista.

Ximenes passou, meticuloso, a vista sobre o cadáver, e, vendo-lhe as mãos nuas, cruzadas sobre o peito bojudo, reclamou, severo:

- E as "luvas"? Querem, então, que ele desça à derradeira "morada" sem as "luvas"?

E não entregou a chave!
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes: Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
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Vereda da Poesia = Eva Yanni Garcia (Caicó/RN)





Estante de Livros (7 livros de Júlio Verne: resumos)

1. Keraban, o cabeçudo (1883)

Keraban é um rico comerciante turco que se recusa a pagar um imposto para atravessar um rio. Determinado a não ceder, ele opta por uma jornada difícil e cheia de aventuras, que o leva a explorar a natureza e a cultura da região. Durante sua travessia, Keraban enfrenta desafios e perigos, ao mesmo tempo em que aprende sobre a importância da amizade e da solidariedade. 

Combina humor e crítica social, refletindo sobre a teimosia e a obstinação do protagonista.

2. Norte contra Sul (1887)

Neste romance, Verne retrata a rivalidade entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos durante a Guerra Civil. A história acompanha um grupo de personagens que, em meio ao conflito, se deparam com dilemas morais e questões de lealdade. 

Verne utiliza a narrativa para explorar os efeitos da guerra nas vidas das pessoas comuns, mostrando suas esperanças e desilusões. A trama é marcada por uma crítica à guerra e à busca por um futuro melhor.

3. Os Filhos do Capitão Grant (1866)

A história começa quando um grupo de amigos encontra uma mensagem em uma garrafa, que pertence ao Capitão Grant, desaparecido em uma expedição. Com a ajuda dos filhos do capitão, eles embarcam em uma aventura marítima para resgatar Grant. A jornada os leva a diferentes partes do mundo, repleta de perigos e descobertas. 

Ao longo da história, temas de coragem, lealdade e a busca pela verdade são explorados, enquanto os personagens enfrentam desafios inesperados.

4. Robur, o Conquistador (1886)

Robur é um inventor brilhante que cria um gigantesco aeróstato, desafiando a ciência e a tecnologia da época. Ele sequestra membros da elite científica para provar sua invenção e demonstrar que a aviação pode revolucionar o transporte. 

A história mistura aventura e reflexão sobre o progresso tecnológico, à medida que Robur enfrenta seus opositores e luta por reconhecimento. O conto também explora a ambição e a visão de futuro do protagonista.

5. A Ilha da Hélice (1895)

Um grupo de cientistas e aventureiros se une para explorar uma misteriosa ilha que aparece em mapas antigos. A ilha é cercada por mistérios e perigos, revelando segredos sobre civilizações perdidas e tecnologias avançadas. 

À medida que os personagens se aprofundam na ilha, eles enfrentam desafios físicos e morais, levando a reflexões sobre a ambição humana e o desejo de conhecimento. A narrativa combina elementos de ficção científica com aventuras emocionantes.

6. O Farol do Fim do Mundo (1905)

A história se passa em um farol isolado na costa da Patagônia, onde um grupo de faroleiros enfrenta a ameaça de piratas. Com coragem e determinação, eles lutam para proteger o farol e a comunidade local. 

A obra explora temas de heroísmo e sacrifício, revelando a importância da união em tempos de crise. Verne descreve a vida no farol com detalhes vívidos, criando uma atmosfera de tensão e aventura.

7. Miguel Strogoff (1876)

Miguel Strogoff é um mensageiro do czar que recebe a missão de atravessar a Rússia até a Sibéria para entregar uma mensagem crucial. Durante sua jornada, ele enfrenta muitos perigos, incluindo inimigos e adversidades naturais. 

O livro é uma emocionante história de coragem, lealdade e sacrifício, à medida que Miguel luta para cumprir sua missão e proteger sua família. Verne explora a resiliência humana em tempos de desafio, transformando a viagem em uma épica aventura.
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Júlio Gabriel Verne nasceu em 1828, em Nantes, na França. Fez faculdade de Direito, em Paris, mas não exerceu a profissão, optou por não seguir esse rumo profissional e investiu na carreira de escritor. Em 1855 foi acometido por uma paralisia facial. Disposto a se casar com Honorine de Viane (1831–1910), ele se tornou corretor da bolsa de valores em 1857, até atingir grande sucesso como escritor, a partir da publicação de seu livro Cinco semanas em um balão, em 1863. Para sobreviver, foi secretário do Teatro Lírico. Foi eleito vereador em Amiens. Em 1892, se tornou oficial da Legião de Honra. Mas, com a morte de seu irmão Paul, em 1897, os problemas de saúde do escritor se agravaram. Ele morreu em 1905, na cidade de Amiens, é tido como o pioneiro da ficção científica. Assim, seus principais livros são direcionados ao público infantojuvenil e apresentam narrativas que também trazem conceitos científicos. 
Algumas obras, além das acima citadas: Cinco semanas em um balão (1863); Viagem ao centro da Terra (1864); Da Terra à Lua (1865); Vinte mil léguas submarinas (1870); A volta ao mundo em oitenta dias (1872); A ilha misteriosa (1874); A escola dos Robinsons (1882); A estrela do Sul (1884), etc.

Fonte: José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem organizada por JFeldman

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 13 *

 

José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

José Luiz Ricchetti (Caminhos do Tempo)

“Há um silêncio que chega com os anos, e ele não é feito apenas da ausência de ruídos, mas da transição suave entre o que éramos e o que nos tornamos. 

Aos 60, você começa a sentir a sutileza do distanciamento. A sala que antes pulsava com suas ideias agora parece cheia de vozes que não pedem mais sua opinião. Não é uma rejeição, é o ritmo da vida. É quando aprendemos que nossa contribuição não está no presente imediato, mas nos rastros que deixamos nos corações e mentes ao longo do caminho.

Aos 65, você percebe que o mundo corporativo, outrora tão vital, é um fluxo incessante. Ele segue, indiferente ao que você fez ou deixou de fazer. Não é uma derrota, é a libertação. Esse é o momento de olhar para si mesmo, despir-se do ego e vestir a serenidade. Não se trata mais de provar, mas de ensinar, de compartilhar, de ser mentor. A verdadeira realização não é a que se exibe, mas a que inspira.

Aos 70, a sociedade parece lhe esquecer, mas será mesmo? Talvez seja apenas um convite para reavaliar o que realmente importa. Os jovens não o reconhecerão pelo que você foi, e isso é uma bênção disfarçada: você pode agora ser apenas quem você é. Sem máscaras, sem títulos, apenas a essência. Os velhos amigos, aqueles que não perguntam “quem você era”, mas “como você está”, tornam-se joias preciosas, diamantes que brilham no crepúsculo da vida.

E então, aos 80 ou 90, é a família que, na sua correria, se afasta um pouco mais. Mas é aí que a sabedoria nos abraça com força. Entendemos que amor não é posse; é liberdade. Seus filhos, seus netos, seguem suas vidas, como você seguiu a sua. A distância física não diminui o afeto, mas ensina que o amor verdadeiro é generoso, não exigente.

Quando a Terra finalmente chamar por você, não há motivo para medo. É a última dança de um ciclo natural, o encerramento de um capítulo escrito com suor, lágrimas, risos e memórias. Mas o que fica, o que realmente nunca será eliminado, são as marcas que deixamos nas almas que tocamos.

Portanto, enquanto há fôlego, energia, enquanto o coração bate firme, viva intensamente. Abrace os encontros, ria alto, desfrute os prazeres simples e complexos da vida. Cultive suas amizades como quem cuida de um jardim. Porque, no final, o que resta não são as conquistas, nem os títulos, nem os aplausos. O que resta são os laços, os momentos partilhados, a luz que espalhamos.

Seja luz, seja presença, e você será eterno.

Dedico a todos que entendem que o tempo não apaga, mas apenas transforma.”

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José Luiz Ricchetti é natural de São Manuel/SP, 1952.  Formado em engenharia mecânica, com pós-graduação pela FGV de SP, em Administração de Empresas e Comércio Exterior e MBA em Gestão de TI e Telecom pelo INATEL-UCAM - RJ. Atuou por mais de 40 anos, como executivo de grandes empresas brasileiras e multinacionais no Brasil e no exterior. Posteriormente fundou suas próprias empresas, com escritórios nos Estados Unidos, Portugal e Peru. Residiu no exterior por vários anos e realizou inúmeras viagens pelo mundo, onde teve a oportunidade de entrar em contato com as várias culturas, nos três continentes, América, Europa e Ásia.  Retornou ao Brasil em 2003 e fixou residência em São Paulo. Em 2017 se mudou para a cidade de São Carlos/SP, onde encerrou sua carreira de executivo para se dedicar a escrever livros de crônicas, contos.

Fontes: 
Texto enviado por Elisa Alderani.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing