CAROLINA RAMOS
Santos/SP
E O CARNAVAL COMEÇA
Rompem-se os diques da alma. Nas retinas,
confundem-se as visões do Bem e o Mal.
Momo sacode os guizos! Nas esquinas
e nos salões, estronda a bacanal!
No entanto, há mais Pierrôs e Colombinas,
Palhaços e Arlequins, na vida real,
que os que atiram confetes... serpentinas,
alegria a fingir no Carnaval!
Cinzas! Máscaras rolam! Mas... só a morte,
a derradeira máscara é quem tira.
Momo sorri - talvez da própria sorte!
E o amargor numa dúvida se expressa:
- O Carnaval findou?! - Cruel mentira!
– A vida marcha... E o Carnaval começa!...
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Soneto de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
SE QUISERES
Se quiseres palmilhar o meu caminho
abandona tuas asas e teu ninho
que impedem teu livre caminhar.
Se quiseres pernoitar na minha tenda
retira, antes de entrar, a venda
que não te deixa ver a estrela-guia.
Se quiseres repousar na minha cama
remove do teu corpo a lama
comprada no igapó das ilusões.
Se quiseres meu amor, rasga teu peito
e arranca dele o preconceito
que não te deixa ver-me como sou.
E se afinal quiseres decifrar meu canto,
destrói na sarça ardente o cetro e o manto
e só então verás a essência do meu ser.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
O MEU SERTÃO IV
O meu sertão virou quase cidade:
as terras divididas em herança
vão partindo os talhões pela metade
e aproximando, assim, a vizinhança.
Ganhou a noite tanta claridade
e incrivelmente chega a insegurança,
na gente que era só simplicidade
e sofre o destempero da mudança.
Os vagalumes, feito lamparinas,
faziam noites tão mais genuínas,
o céu mais parecia um véu de estrelas…
Mas já não vejo tantas qual outrora,
com tanta luz, eu acho, vão-se embora…
e eu olho o céu e não consigo vê-las!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Coração de pedra dura,
da mais dura que houver;
eu jurei de te amar,
enquanto vida tiver.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
CANÇÃO DO BOÊMIO
Que noite fria! Na deserta rua
Tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
Ladram de tédio vinte cães vadios.
Nini formosa! por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vós?... Meu coração é triste
Como um calouro quando leva ponto.
A passos largos eu percorro a sala
Fumo um cigarro, que filei na escola...
Tudo no quarto de Nini me fala
Embalde fumo... tudo aqui me amola.
Diz-me o relógio cinicando a um canto
"Onde está ela que não veio ainda?"
Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?
Quero aquecer-te rapariga linda."
Em vão a luz da crepitante vela
De Hugo Garcia uma canção ardente;
Tens um idílio — em tua fronte bela...
Um ditirambo— no teu seio quente...
Pego o compêndio... inspiração sublime
Pra adormecer... inquietações tamanhas...
Violei à noite o domicílio, ó crime!
Onde dormia uma nação... de aranhas...
Morrer de frio quando o peito é brasa...
Quando a paixão no coração se aninha!?...
Vós todos, todos, que dormis em casa,
Dizei se há dor, que se compare à minha!...
Nini! o horror deste sofrer pungente
Só teu sorriso neste mundo acalma...
Vem aquecer-me em teu olhar ardente...
Nini! tu és o cache-nez dest'alma.
Deus do Boêmio!... São da mesma raça
As andorinhas e o meu anjo louro...
Fogem de mim se a primavera passa
Se já nos campos não há flores de ouro...
E tu fugiste, pressentindo o inverno.
Mensal inverno do viver boêmio...
Sem te lembrar que por um riso terno
Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..
No entanto ainda do Xerez fogoso
Duas garrafas guardo ali... Que minas!
Além de um lado o violão saudoso
Guarda no seio inspirações divinas...
Se tu viesses... de meus lábios tristes
Rompera o canto... Que esperança inglória...
Ela esqueceu o que jurar lhe vistes
Ó Paulicéia, ó Ponte-grande' ó Glória!...
Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...
Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
Nini! pequei... dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços... do martírio a cruz!…
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
A música faz sonhar
Lembrar, sorrir
Ficar sentada
Fluir no oceano
Que nos acolhe
E escolhe o que merecemos
E queremos tudo de bom
Porque queremos
Ser como somos
Ser nós!
Com os abraços amigos
Sem estarmos sós
Queremos o som
E, na madrugada
Saborear fruto bom
Antes de irmos para a estrada
Somos quem somos
E, não temos de ser mais nada!
Chegamos, partimos
Andamos a deambular pela estrada
Sempre pensamos em quem nos ama
Sempre somos acarinhados pelos amigos
Somos nós
Com todas as imperfeições
e. se não estivermos sós
somos bons nas nossas relações
de amizade, da amor e carinho
assim vamos caminhando
nesta estrada dura do destino!
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Aquele sem teto,
que tem a noite por leito,
precisa de afeto!
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
DOS GESTOS COM QUE AMOR SE MANIFESTE
(Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés" p. 206)
Dos gestos com que Amor se manifeste
De todos o sorriso é tão primeiro
Que sendo puro, aberto e verdadeiro
Parece a luz que vem do azul celeste.
Se de um sorriso o olhar se enfeita e veste
O nosso coração bate ligeiro
Parece o peito ser quente braseiro
E de rubor o rosto se reveste.
Quando o sorriso nasce nada é feio
E as almas ficam presas nesse enleio
Que tanta coisa diz sem dizer nada.
Ficam palavras presas na garganta
E aquela que de todas mais encanta
É no fundo da alma que é guardada.
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Soneto de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ
TENTE MAIS TARDE
O destino, às vezes, contraria
aquilo que imaginamos ser o certo
e transfere sempre para outro dia
tudo que imaginávamos estar perto.
Achamos que é defeito do destino,
mas no final as coisas vão mostrando
que nos faltava o principal: o tino
para saber o quê, o onde e o quando.
O que termina foi melhor assim,
e sábio, o destino armou o fim
que de algum jeito foi anunciado.
Veja o exemplo que ocorre a mim,
que tento te ligar e ouço enfim
que está fora do ar ou desligado.
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
PERSISTÊNCIA
Sou persistente como o garimpeiro
que busca a joia rara e deslumbrante,
cavando a terra, construindo aceiro,
para encontrar, altivo, o diamante.
Sou incansável pelo tempo inteiro,
busco a palavra e o brilho fascinante
do verso ardente, puro e verdadeiro
que brilha como o sol, inebriante.
Ninguém me deterá neste garimpo,
irei, se for preciso até o Olimpo
buscar minha divina inspiração.
E nestes versos pobres, mas floridos
meus sonhos ficarão mais coloridos,
oriundos do Amor, do coração!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Ninguém é grande
sozinho.
Mesmo o Amazonas,
gigante,
de afluentes precisou.
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Poema de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
HERANÇA POÉTICA
(Homenagem a Mário Quintana)
Pede cautela a razão,
no labirinto da vida...
mas, sei que o meu coração
também conhece a saída.
* * *
Na sua ruazinha sonolenta,
a velha casa, onde nasceu, resiste.
Da porta aberta quando à noite, venta
do "catavento" eu ouço o canto triste.
Sua "cadeira de balanço" tenta
ninar meus sonhos... quanto pede e insiste!
Mas, a saudade chega e ciumenta
ocupa o seu lugar e não desiste.
Abro o "baú de espantos", comovida!...
Seu "sapato florido", ao ganhar vida,
vai procurar seu dono... e, por instinto,
eu levo o seu "espelho com magia",
que me fará cativo da poesia
e hei de encontrar você no "labirinto".
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Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
PLANGÊNCIA
Disseste adeus, pereci nesse instante,
Faltou-me o chão, foi-se o brilho da vida,
Senti cravado um punhal lacerante,
Resta aqui dentro a saudade doída.
Os arrebóis não mais têm formosura,
Lágrimas rubras me escorrem na face
Extravasando a perversa tristura,
Sofro lembrando o cruel desenlace.
Sem teus afagos decerto definho,
Prevejo ser a ruína completa,
Um negro manto recobre o caminho
Em que vagueio, princesa dileta.
Eis o meu brado plangente, sincero
Se decidires voltar, inda espero.
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Poema de
MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS
NEM SEI PORQUE SOU ASSIM
Nem sei porque sou assim:
Cada sonho que acalento
Se agarra tanto aqui dentro
Que vira parte de mim.
Fui assim desde criança
Sonhadora incorrigível
Procurando no impossível
Uma luz ... uma esperança.
Pareço pombinha mansa
Mar não gosto de enganar
Se um sonho me faz voa
Nem um corisco me alcança.
O sonho nos assegura
Que o céu não é tão distante
Ele grita... e nos garante
Que vale a pena a procura.
Quem sonha se transfigura
Mudando o brilho do olhar,
Que sonha pode mudar
Qualquer sorte... por mais dura.
Nem sei porque sou assim:
cada sonho que acalento
se agarra tanto aqui dentro
que vira parte de mim.
Por isso é que choro tanto
Ao ver um sonho morrer
Sonhar é mais que viver:
É da vida ter o encanto.
Cada sonho é um acalanto
Que embala nossa alma...E traz
Um misto de guerra e paz
No feitiço do seu canto.
Um sonho pode fazer
O inverno virar verão,
Pode entrar num coração
Quietinho...sem ninguém ver
Pode até mesmo acender
Alguma estrela apagada,
E as vezes, sem trazer nada
Enche a gente de prazer.
Sonhar é uma forma bonita
De atender o que a alma exige
Somente um sonho corrige
qualquer vida mal escrita.
E quando agente acredita
Torna reto o rumo torto
E até mesmo um sonho morto
Muitas vezes ressuscita.
Se sonhando eu sempre vim
Porque é assim meu coração,
Pouco me importa a razão
Desse meu sonhar sem fim.
Nem sei porque sou assim:
cada sonho que acalento
se agarra tanto aqui dentro
que vira parte de mim.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
SERENANDO TUA DOR
Tu serenas, quando o verso que tu traças,
descompassa tua dor e harmoniza
todo amor que ainda tens e que suaviza
teu silêncio, pois desfaz tuas mordaças.
E são tantas... tantas vezes te calaste
ante cada infeliz perspectiva
de viver uma aventura expressiva,
quando nela, muito mais te aprofundaste.
O nostálgico sentir te dissocia
do amor que tu precisas despertar.
mas se a dor é a artéria da poesia,
tua doce fantasia há de mostrar
o caminho que produz toda magia
que conjuga, na poesia, o verbo... amar.
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
ESTANCA TEU PRANTO!
Não!... Não chores, estanca teu pranto;
Doutro Plano, não sejas omisso!
Tinhas que sofrer o desencanto
Pra quitar, de vez, um compromisso.
Nesta tão prematura partida
De alguém muito querido em teu lar,
Não te olvides, é etapa vencida
De um pretérito a se resgatar.
Apesar de profunda essa dor
Do trespasse de um filho querido,
Agradece aos Céus, ao Criador,
O ditoso resgate assumido.
A agonia que sentes agora
Não é síndrome que te convém.
Calma, pois o ser que foi embora
Certamente te espera no Além!
A presente Passagem é acúmulo
De um saber tal que se perpetua.
E ele mostra que além do vil túmulo,
Nossa vida, por Deus, continua...
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
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