terça-feira, 18 de novembro de 2025

O Trovadorismo no Brasil (Introdução)

                                                            (organização e pesquisa por José Feldman)
O trovadorismo é um dos movimentos literários mais antigos e marcantes da história, surgido na Europa medieval, especialmente no sul da França, por volta do século XII. No entanto, no Brasil, o trovadorismo não surgiu como um movimento literário formalizado e alinhado às características do trovadorismo europeu, mas foi reinterpretado e adaptado ao longo do tempo. Aqui, as manifestações poéticas com características trovadorescas emergiram principalmente através da influência portuguesa e se desenvolveram de maneira singular, conectando-se tanto à tradição oral quanto à escrita.

INFLUÊNCIAS PORTUGUESAS NO BRASIL COLONIAL

O trovadorismo como movimento literário original não existiu no Brasil colonial, pois ele já havia declinado na Europa antes mesmo da descoberta do país em 1500. Contudo, sua herança foi transmitida ao Brasil por meio da cultura portuguesa. O trovadorismo europeu, caracterizado pelas cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer, influenciou a literatura oral e popular trazida pelos colonizadores. No Brasil, essas formas de poesia ganharam novos contornos, misturando-se com a cultura indígena e africana, o que deu origem a manifestações poéticas híbridas.

No período colonial, os jesuítas desempenharam um papel importante na difusão da poesia lírica e religiosa, que incorporava traços do trovadorismo. Um exemplo notável é a obra do padre José de Anchieta, que utilizava versos para catequizar os índios. Embora sua produção literária fosse mais voltada para a poesia religiosa e pedagógica, alguns de seus textos apresentavam traços líricos que lembravam as cantigas trovadorescas, com sua musicalidade e simplicidade.

O SÉCULO XVIII E O NEOTROVADORISMO TROPICAL

No século XVIII, com o advento da escola literária conhecida como Arcadismo, alguns poetas brasileiros retomaram elementos do trovadorismo em suas obras. O Arcadismo, com sua valorização da simplicidade, da natureza e do bucolismo, abriga certa afinidade com a poesia trovadoresca, especialmente nas cantigas de amor e amigo. 

Entre os principais nomes desse período está Tomás Antônio Gonzaga, autor de “Marília de Dirceu”. Embora sua obra esteja mais alinhada ao Arcadismo, ela contém elementos líricos que ecoam o espírito trovadoresco, sobretudo na expressão do amor idealizado e na musicalidade dos versos. Outro destaque é “Cláudio Manuel da Costa”, cujos poemas líricos apresentam uma sensibilidade que dialoga com a tradição trovadoresca medieval.

SÉCULO XIX: O ROMANTISMO E A REINTERPRETAÇÃO DO TROVADORISMO

No século XIX, com o Romantismo, o Brasil viveu um momento de forte resgate e reelaboração das tradições literárias do passado. O trovadorismo inspirou muitos poetas românticos, especialmente no que diz respeito à exaltação do amor, da natureza e da melancolia. A poesia romântica brasileira muitas vezes ecoava o lirismo trovadoresco, com sua musicalidade e idealização amorosa.

Entre os principais expoentes desse período, destaca-se Gonçalves Dias, cuja obra poética apresenta traços líricos que remetem ao trovadorismo, especialmente na idealização da mulher e na musicalidade dos versos. Em poemas como “Seus Olhos” e “Canção do Exílio”, percebe-se o uso de uma linguagem simples e direta, com forte apelo emocional e musical.

Outro poeta que dialoga indiretamente com o trovadorismo é Álvares de Azevedo, com sua poesia marcada pela melancolia, pelo amor idealizado e, frequentemente, por um tom confessional. Embora inserido no contexto do Ultra-Romantismo, seu lirismo intenso e sua sensibilidade podem ser associados à tradição trovadoresca.

SÉCULO XX: O RESSURGIMENTO DO ESPÍRITO TROVADORESCO

O século XX trouxe novas formas de manifestações poéticas no Brasil, mas o espírito trovadoresco continuou a se manifestar em diferentes contextos. Durante esse período, o trovadorismo foi reinterpretado e reinventado, especialmente por movimentos literários que valorizavam a tradição oral e a cultura popular brasileira.

Um exemplo marcante é o movimento modernista, que, embora fosse essencialmente vanguardista, resgatou aspectos da poesia popular e da tradição medieval, adaptando-os para um contexto contemporâneo. Poetas como Mário de Andrade e Manuel Bandeira incorporaram em suas obras elementos da oralidade, da musicalidade e da simplicidade que remetem ao trovadorismo.

Além disso, o século XX assistiu ao fortalecimento da literatura de cordel, que, de certa forma, pode ser vista como uma herdeira do trovadorismo. Os cordelistas, com suas histórias rimadas e sua musicalidade, mantiveram viva a tradição de criação poética ligada à oralidade e à cultura popular. Autores como Leandro Gomes de Barros e Patativa do Assaré revitalizaram o espírito trovadoresco, adaptando-o à realidade nordestina e às questões sociais do Brasil.

MODERNISMO E A GERAÇÃO DE 45 (SÉCULO XX)

O Modernismo brasileiro, em suas diferentes fases, buscou a nacionalização da arte e a valorização da cultura popular. Embora a primeira fase fosse de ruptura, a terceira fase modernista, ou Geração de 45, viu um retorno à métrica e à forma fixa, o que ajudou a resgatar a estrutura da trova.

Expoentes desse período:

J. G. de Araújo Jorge: Poeta popular de grande sucesso na metade do século XX, organizou concursos de trovas ("Jogos Florais") na TV Rio em 1959, popularizando o gênero e incentivando novos trovadores.

Adelmar Tavares: Conhecido como o "Rei da Trova", foi um grande expoente e pioneiro na organização do movimento trovadoresco no Brasil, ajudando a fundar a União Brasileira de Trovadores (UBT).

Luiz Otávio: Outro nome importante na organização e difusão da trova no Brasil, também envolvido na promoção dos Jogos Florais.

O TROVADORISMO NAS DÉCADAS RECENTES

Nas últimas décadas, o trovadorismo tem sido reinterpretado por poetas contemporâneos e artistas que buscam resgatar a musicalidade e a simplicidade lírica características do movimento original. Em tempos de globalização e cultura digital, muitos artistas têm se inspirado na tradição trovadoresca para criar obras que dialogam com o passado e o presente.

O trovadorismo também se manifesta em movimentos artísticos ligados à música popular brasileira, onde a poesia e a musicalidade encontram terreno fértil. Compositores como Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Caetano Veloso podem ser vistos como "trovadores modernos", cujas obras combinam lirismo, musicalidade e uma profunda conexão com a tradição poética.

EUROPA E BRASIL , DIFERENÇAS

O trovadorismo europeu e o brasileiro apresentam diferenças marcantes, especialmente porque o trovadorismo, como movimento literário formal, não surgiu de maneira autônoma no Brasil. 

O trovadorismo europeu, datado entre os séculos XII e XIV, foi uma manifestação cultural e literária característica da Idade Média, enquanto no Brasil ele foi reinterpretado e adaptado, influenciando diferentes formas de expressão poética ao longo do tempo. 

ORIGEM HISTÓRICA

Europa:
O trovadorismo surgiu na Europa medieval, mais precisamente no sul da França, com os trovadores provençais. Ele se desenvolveu como uma arte poética e musical ligada às cortes feudais, com forte influência dos valores da Cavalaria e do Amor Cortês. Era um movimento literário bem definido, marcado pelas cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer.

Brasil:
O trovadorismo não existiu como um movimento literário formal. Ele chegou indiretamente, por meio da colonização portuguesa, como uma herança cultural. Elementos da poesia trovadoresca foram transmitidos através da tradição oral, da literatura popular e das influências líricas trazidas pelos jesuítas e colonizadores. Aqui, ele foi reinterpretado em diferentes períodos e estilos literários, como o Arcadismo, o Romantismo e a Literatura de Cordel.

CONTEXTO CULTURAL

Europa:
O trovadorismo europeu estava diretamente ligado à cultura das cortes feudais e aos ideais cavaleirescos, como o amor platônico e a exaltação à dama. Era uma expressão elitista e aristocrática, pois os trovadores compunham para as classes nobres, que eram os principais mecenas das artes.

Brasil: 
No Brasil, a poesia com elementos trovadorescos não estava vinculada a uma aristocracia feudal. Ela foi incorporada à cultura popular e adaptada às realidades locais, como o ambiente rural, a religiosidade e as influências indígenas e africanas. Essa adaptação tornou o "espírito trovadoresco" mais democrático e acessível, manifestando-se especialmente na oralidade e nas tradições populares, como a literatura de cordel.

TEMAS E LINGUAGEM

Europa:
Os temas do trovadorismo europeu eram bastante específicos e formalizados:
  - Cantigas de Amor: Amor cortês, idealizado, geralmente com o eu lírico masculino exaltando uma dama inatingível.  
  - Cantigas de Amigo: Relacionadas à saudade e ao lamento amoroso, com o eu lírico feminino.  
  - Cantigas de Escárnio e Maldizer: Sátiras diretas ou indiretas, com críticas sociais ou pessoais.  

  A linguagem era sofisticada, repleta de metáforas e simbolismos, e seguia normas rígidas de composição (versificação, rimas e métrica).

Brasil:  
Os temas ganharam um caráter mais popular e regional. A poesia influenciada pelo trovadorismo brasileiro incorporou o cotidiano, o amor simples, a religiosidade e as realidades locais. A linguagem, em geral, tornou-se mais direta e menos formal, com forte influência da oralidade. Exemplos disso aparecem na literatura de cordel e na poesia popular, que muitas vezes preservam a musicalidade e a métrica, mas com um tom mais acessível e próximo do povo.

MÚSICA E ORALIDADE

Europa:  
O trovadorismo europeu estava profundamente ligado à música. Os trovadores não apenas escreviam poesia, mas também as cantavam, acompanhados de instrumentos musicais, como o alaúde e a viela. A poesia trovadoresca era essencialmente uma arte performática, destinada a ser ouvida nas cortes.

Brasil:  
Embora a poesia trovadoresca europeia tenha influenciado a tradição musical e oral brasileira, a música se desvinculou do poema escrito. No entanto, a literatura de cordel, que pode ser vista como uma herança indireta do trovadorismo, manteve a oralidade ao ser recitada ou cantada pelos cordelistas, especialmente no Nordeste. A música popular brasileira também incorporou o lirismo trovadoresco em canções de amor e sátira.

ESTRUTURAS POÉTICAS

Europa:  
A poesia trovadoresca seguia formas fixas e rígidas, como a balada, a canção e a tenson (debate poético). As cantigas tinham uma métrica específica (geralmente redondilhas maiores ou menores) e apresentavam esquemas de rima bem definidos, com uso de paralelismos e refrãos.

Brasil:  
Embora houvesse influência das formas fixas, a poesia brasileira adaptou-se às características locais. No Arcadismo, por exemplo, a métrica clássica (decassílabos e redondilhas) foi herdada do trovadorismo. Na literatura de cordel, predominam a redondilha e a rima simples, mas com mais liberdade na composição e maior foco na narrativa.

EXEMPLOS DE PRODUÇÃO

Europa:  
Entre os principais trovadores europeus estão:
  - Bernart de Ventadorn (cantigas de amor);  
  - Martim Codax (cantigas de amigo);  
  - João Garcia de Guilhade (cantigas de escárnio e maldizer).  

  Suas obras eram curtas, líricas e altamente estilizadas, voltadas para o entretenimento e a admiração nas cortes.

Brasil:  
Tomás Antônio Gonzaga (Arcadismo), Gonçalves Dias (Romantismo) e os cordelistas nordestinos (como Leandro Gomes de Barros e Patativa do Assaré) mantiveram vivo o espírito trovadoresco. Eles adaptaram o lirismo, a musicalidade e a crítica social ao contexto brasileiro.

CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO

Europa:  
O trovadorismo europeu surgiu em um contexto de feudalismo, onde a arte era patrocinada pelos nobres e estava diretamente associada à vida nas cortes. Era uma literatura elitista, voltada para um público específico e restrito.

Brasil:  
A poesia influenciada pelo trovadorismo brasileiro se desenvolveu em um contexto muito mais amplo e heterogêneo. Ela foi incorporada à cultura popular, sendo usada como uma forma de expressão coletiva e muitas vezes ligada à luta social, como acontece na literatura de cordel ou na música popular.

A REALEZA DO MOVIMENTO TROVADORESCO NO MODERNISMO NO BRASIL

Adelmar Tavares e Luiz Otávio desempenharam papéis fundamentais na modernização e revitalização do trovadorismo no Brasil. Eles foram figuras centrais no movimento que trouxe o espírito trovadoresco para o século XX, resgatando e adaptando as características medievais do gênero para o contexto contemporâneo. Seus títulos de "Rei da Trova" e "Príncipe da Trova" refletem o reconhecimento de suas contribuições poéticas e de seus esforços para popularizar a trova no Brasil.

ADELMAR TAVARES: O REI DA TROVA

Adelmar Tavares (1888–1963) é uma das figuras mais importantes da poesia brasileira no período moderno. Ele foi um poeta, jurista e membro da Academia Brasileira de Letras. Recebeu o título de "Rei da Trova" pelo seu excepcional talento em construir trovas e pela sua dedicação à forma poética, que o tornou um mestre incontestável no gênero.

CONTRIBUIÇÕES E DESTAQUE NO TROVADORISMO

Resgate da Forma Tradicional: 
Adelmar Tavares destacou-se por revitalizar a trova, trazendo-a de volta à cena literária brasileira em um momento em que a poesia moderna, com suas formas mais livres, dominava o cenário. Ele manteve a estrutura tradicional da trova (quatro versos, redondilhas maiores, rimas rigorosas e musicalidade), conectando-se às raízes do trovadorismo medieval europeu.
  
Temas Universais e Populares: 
Suas trovas exploravam temas como o amor, a saudade, a fé e a vida cotidiana, mas com uma sensibilidade que transcendia os limites da poesia popular. Ele conseguia equilibrar simplicidade e profundidade, atingindo tanto o público erudito quanto o popular.

Reconhecimento Nacional: 
Sua maestria no gênero o levou a ser chamado de "Rei da Trova", um título que reflete o respeito que ele conquistou entre seus pares e leitores. Ele foi celebrado como o maior representante da trova em sua época, sendo uma referência para as gerações posteriores.

Influência no Movimento Trovadoresco: 
Adelmar Tavares influenciou diretamente o renascimento do trovadorismo no Brasil ao demonstrar que a trova, mesmo com suas raízes medievais, podia continuar relevante na literatura moderna. Seu trabalho serviu como inspiração para outros poetas, que passaram a valorizar e explorar essa forma poética em suas obras.

LUIZ OTÁVIO: O PRÍNCIPE DA TROVA

Luiz Otávio (1916–1977), pseudônimo de Gilson de Castro, foi outro grande nome da trova no Brasil. Ele recebeu o título de "Príncipe da Trova" por sua habilidade poética e pelo esforço em organizar e promover o trovadorismo como um movimento literário e cultural no século XX.

CONTRIBUIÇÕES E DESTAQUE NO TROVADORISMO

Luiz Otávio é conhecido como o fundador de uma entidade trovadoresca que reunia poetas de todo o país, em 1966, promovendo concursos, eventos e publicações dedicados exclusivamente à trova.  Essa organização foi fundamental para a consolidação da trova como um gênero poético reconhecido no Brasil. 

Divulgação e Valorização da Trova: 
Luiz Otávio não apenas produziu trovas de alta qualidade, mas também dedicou sua vida a divulgar essa forma poética. Ele acreditava no poder da trova como uma expressão artística acessível, capaz de tocar tanto os letrados quanto o público em geral.

Estilo Poético: 
Suas trovas destacavam-se pela perfeição técnica e pela sensibilidade. Ele abordava temas como o amor, a amizade, a natureza e a espiritualidade, sempre com uma linguagem clara e musical. Sua habilidade em capturar sentimentos profundos em apenas quatro versos o tornou um modelo para outros trovadores.

Influência no Movimento Trovadoresco:
Luiz Otávio consolidou o trovadorismo moderno no Brasil, não apenas como poeta, mas como organizador e incentivador de outros trovadores. Seu título de "Príncipe da Trova" reconhece tanto sua produção literária quanto seu papel como líder do movimento trovadoresco no século XX. Ele foi o responsável por transformar a trova em um gênero vivo e ativo, com uma forte base de seguidores e praticantes.

OS TÍTULOS DE REI E PRÍNCIPE DA TROVA

Os títulos de "Rei da Trova" para Adelmar Tavares e "Príncipe da Trova" para Luiz Otávio não foram meramente simbólicos, mas um reconhecimento de seus papéis fundamentais na preservação, revitalização e popularização da trova no Brasil. Enquanto Adelmar Tavares foi celebrado como o maior trovador de sua época, Luiz Otávio foi reconhecido como o principal articulador e organizador do movimento trovadoresco moderno.

Adelmar Tavares: Rei pela excelência técnica e sensibilidade poética, ele foi o maior expoente do gênero em sua geração.

Luiz Otávio: Príncipe por sua liderança e pelo papel central na criação de uma comunidade organizada de trovadores, garantindo a continuidade e o reconhecimento da trova como forma literária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferenças entre o trovadorismo europeu e o brasileiro refletem as realidades históricas e culturais de cada contexto. Enquanto o trovadorismo europeu foi um movimento aristocrático e formalizado, o brasileiro reinterpretou essa tradição de forma mais popular e democrática, adaptando-a às influências locais e à diversidade cultural do país. No Brasil, a musicalidade, o lirismo e a simplicidade típicos desse movimento continuam a ecoar em várias manifestações artísticas e literárias.

Embora o trovadorismo não tenha surgido de forma autônoma no Brasil, ele deixou marcas profundas na literatura e na cultura do país. Desde a influência portuguesa no período colonial até as reinterpretações modernas, o espírito trovadoresco continua a inspirar poetas, músicos e artistas. Seja nas cantigas medievais adaptadas pelos jesuítas, na poesia lírica do Arcadismo e do Romantismo, ou na literatura de cordel e na música popular brasileira, o trovadorismo permanece vivo e relevante, ecoando sua musicalidade e lirismo ao longo dos séculos.

Adelmar Tavares e Luiz Otávio foram os pilares do trovadorismo moderno no Brasil. Enquanto o primeiro resgatou o lirismo e a musicalidade da trova, o segundo institucionalizou o movimento, ampliando sua prática e alcance. Ambos não apenas revitalizaram um gênero poético de raízes medievais, mas também demonstraram que a trova, com sua simplicidade e profundidade, podia ser uma forma de arte viva e relevante, capaz de conectar gerações e públicos diversos. Seus títulos, de "Rei" e "Príncipe", são uma justa homenagem ao impacto duradouro de suas obras e ações.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas), “Chafariz de Trovas” e “Asas da poesia”.


Fontes:  Chafariz de Trovas. Floresta/PR: Plat.Poe. Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 130 *


Poema de
RENATO BENVINDO FRATA
Paranavaí/PR

Decisão
 
 Fiz do coração um forno
Botei nele tampa retrátil
E o aqueci com minha dor.
 
Bastaram poucas horas
E o resultado veio.
 
Com único objetivo:
Queimar letras do alfabeto.
 
Não todas, mas as que me afetam,
E queimei o A, passei para o M, para o O
Para chorar amargamente no R
 
Com o peito vazio e mãos chamuscadas,
Junto as cinzas... disformes do amor.
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Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

A trova do coração

Minha trova tem poesia
colorida de paixão.
Tenho no rosto alegria
e trova no coração.

Todas as trovas que escrevo,
como se fossem missão,
dizer com gala me atrevo:
São trovas do coração.

A trova do coração
tem sempre sinceridade;
até mesmo sem razão,
no sentimento há verdade.

A essas trovas me apego,
pois são de fina emoção;
nelas, amor é que prego
por serem do coração.
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Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC

Lisboa tu és divina
 
Lisboa tu és divina...
Sabes quanto me fascinas!
Quantas vezes te adorei!
Pois és tu que me iluminas.
 
Cidade maravilhosa!
Cheia de amor e carinho...
Quantas vezes te adorei.
Pois estas no meu caminho!
 
Oh Lisboa dos poetas!
E dos grandes escritores...
Como posso te esquecer.
Se sou um dos teus amores!
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Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKI
Brusque/SC

Natal
 
A alegria se respira em dezembro:
Vermelhos, verdes, dourados e geada
Presentes tentam expressar afeto
e emoções saltam dos corações.

Por muito tempo, anseiei por um Natal
Uma árvore, um presépio e uma casa decorada
Para sorrir novamente e apagar tantos sofrimentos
Quantas noites poderiam ter sido boas,
Se não fossem os problemas!

Quantos fantasmas e silêncios não sepultados!
Quantos pesadelos não afogados em álcool!
Só peço a Deus: Dignidade, respeito e amor
Lutar para sobreviver nunca foi fácil!

Talvez Deus nos ouça e nos ajude.
Dediquei meu amor a pessoas inocentes com deficiência
Aos idosos, aos doentes e aos esquecidos.

Noite de paz! Noite de amor para todos!
(tradução do espanhol por José Feldman)
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Soneto de
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Estação final

Ó Deus! para onde foram os meus pais,
No trem, que já partiu com ferro a sina?
A marcha embala fúnebre, a menina,
Vestida em breu, na dor dos funerais.

Triste menina, alheia e tão franzina,
Leva nas mãos, os três galhos florais,
Sem cor, ceifados dos trilhos mortais
Oferta de uma flor cadavérica.

Ao Deus que abriga os mortos desse trem,
Soturnos, Já imóveis e sem vida,
Tais olhos cegos, no trem de partida.

O delelém-dém-dém, funéreo sino,
Avisa e vem o trem! Passa sem tino,
Sobre a menina que embarca também.
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Soneto de
GONÇALVES DIAS
Caxias, 1823 – 1864, Guimarães

Ando abaixo

Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas,
Afronto a tempestade, o vento, o frio,
Qual se fora ambulante corropio,
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.

Do meu engenho e arte gasto as molas
Em suspiros quebrar que à luz envio;
E, já por teima só, render porfio
A cabeçuda, por quem rompo as solas.

E a amo, ela me adora com loucura,
Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Paga-me até; se insisto... adeus ternura!

Do matrimônio a estátua se levanta,
Negro espectro! ela torna-se brandura,
Eu a imagem do horror que me aquebranta.
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Poema de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Bilhete a Baudelaire

Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira

Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat

Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...

Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!
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Trova Popular

Vossos cabelos na testa
é o que vos dá tanta graça;   
parecem meadas de ouro
aonde o sol se embaraça.
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Soneto de
WILLIER CARLOS PEREIRA
Goiânia/GO

Adão e Eva

 Deus fez a mulher tão bela,
 De uma simples costela de Adão.
 Só Ele pode fazer de uma costela,
 A mulher, símbolo da perfeição.

 E Adão se apaixonou por ela,
 Dando-lhe inteiro seu coração.
 Viu mil e um encantos nela,
 Que perdeu o juízo e a noção.

 Eva era seu verdadeiro paraíso...
 Razão de alegria e de sorriso,
 Por aquela criação tão bela.

 Para ter outras Evas iguais aquela,
 Por certo ele não titubearia:
 Várias outras costelas ele daria.
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Amor bastante

quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante
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Soneto de 
EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João Del Rey/MG, 1886 – 1963, Petrópolis/RJ+

Meu céu

És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.

Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...

Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,

Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...
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Poema de
DINA SALUSTIO 
(Bernardina Oliveira)
Santo Antão/Cabo Verde

Éramos Tu e Eu

Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.

Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.

Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.

Éramos tu e eu
Dentro de nós.

As contrações cada vez mais rápidas
O descontrole
A emoção
A ciência atenta
O oxigênio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.

São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.

Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.

A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
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Trova Funerária Cigana

Ao filho que a mão da morte
roubou com desgosto tanto,
contai as tristezas minhas
meu sentimento e meu pranto.
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Sol das almas

À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das almas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade.
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Poema de
JANSKE NIEMANN SCHLENKER
Amsterdã/ Holanda

Um Pequeno Túmulo

Lá na campina, queria ser flor
para que tua mão me colhesse,

ou ser o capim,
para que pudesses descansar em mim,

ou ser o caminho
por onde voltasses a ser meu,

ou ser um pequeno túmulo
- sem nome e sem data -
á beira da tua estrada
... e só tu saberias onde estou...
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Soneto do “Príncipe dos Poetas Capixabas”
NARCISO ARAÚJO
(Narciso da Costa Araújo)
Vila de Itapemirim/ES, 1877 – 1944

Casa triste

Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.

Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.

Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,

Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
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Hino de Tatuí/SP

Tatuí, Cidade Ternura,
Terra querida onde vivemos
Tens filhos de grandes méritos,
É justo que os louvemos:
Nas letras, Paulo Setúbal,
Recebeu seu galardão;
Na caridade, Chico Pereira,
Foi exemplo de cristão.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje

No progresso industrial,
Manoel Guedes foi pioneiro;
Na música, Nacif e Bimbo
Brilharam no estrangeiro;
No polo e no futebol,
Na justiça e na arte
No carnaval e no fandango,
Tatuí fez estandarte.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
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Soneto de
EMÍLIO DE MENEZES
Curitiba/PR (1866– 1918) Rio de Janeiro/RJ

Pinheiro Morto
(Ao Paraná)

Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.

Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!

Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"

Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A Gota e a Aranha

Ao dar o inferno à luz a Gota e a Aranha,
«Ufanem-se, lhes disse, filhas minhas,
Em maldade, bem má, ninguém lhes ganha.
Nem feitas de encomenda há tais praguinhas!

Cuidemos de dispor-lhes aposentos.
Dou-lhes à escolha alcáçeres (castelos) dourados,
Choças gretadas ao raivar dos ventos,
Aos lutos, à miséria. Minhas filhas,
Façam, de mútuo acordo, estas partilhas,
Ou louvem-se nos dados.

— Choupana, acode a Aranha, não me agrada.»
A Gota, vendo os paços apinhados
Da raça dos Galenos,
Teve medo a grandezas de pousada.

Cativa-se do menos:
Arma a tenda em casebre esburacado.
Repete-na à larga, a fome ceva
No artelho dum coitado.
«Aqui não falta que fazer, exclama.
Nem conheço Esculápio que se atreva
A trocar-me o fofinho desta cama
Pelo do andar da rua.»
No entanto a Aranha vai urdindo a sua,
Sumida no seu ninho,
Um friso de ouro e azul, tão rija, e fera,
E senhora de si, como se houvera
Aforado a seus donos o cantinho.
Estende a teia e espera.
Quase de gáudio estoura:
Chovem-lhe as moscas do artesão vizinho,
Eis senão quando arranca-lhe a vassoura,
Em punhos de criada,
Teia, esperanças, alegria, tudo!
A cada nova teia, vassourada.
Em vão se muda o nosso animalejo;
Quer recanto mais fundo, e cego, e mudo:
Vem a vassoura, e intima-lhe despejo!

Vai de visita à Gota, que na aldeia
Vive mil vezes mais afortunada
Que a própria Aranha do varrer da teia.
Seu hóspede, um grosseiro,
Sai com ela a sachar (lavrar) de madrugada,
Faz de azemel (carregador), simula de moleiro,
Lida a fartar, pois gota bem lidada,
Dizem que é meia cura.

«Não posso mais, — suspira. A desventura
Prostra-me, irmã e amiga. Se consente,
Troquemos de pousada. Fica assente?»
E a Gota logo: «Aceito.»

Pega-lhe a Aranha na palavra, e a jeito
Se hospeda na choupana,
Onde ri de vassouras e criadas.
E, de sorrate (dissimulada), a mana
Embebe-se nas juntas dum prelado,
Que sepulta em perpétuas almofadas.
Cataplasmas receita a medicina,
Oleoso xarope, amarga quina,
Enxúndias (gorduras) e tisanas (cozimentos):
E vê sem grande pejo, nem cuidado,
Oh, cura inteligente!
Que engorda o mal à custa do doente.

Só lucraram na troca as duas manas.
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