terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Renato Benvindo Frata (Piá* de Homem)


- O menino tá ficando homem - disse meu pai - irá comigo... - ao que ela sorriu, puxou-me para o quarto dando-me para vestir uma calça comprida, camisa e a cinta que ele ajustara para minha cintura. E logo me apresentei.

- Ahl bom... vestido igual a mim... como homem. Vamos, que o seu Chiquinho nos espera.

Era alto, espadaúdo, magriça e de pele tão branca que o avermelhado do sangue, em relação aos cabelos claros, fazia-o mais branco.

Deu-me o dedo indicador que agarrei com força, e foi nesse toque que senti o quão forte era a sua mão. A junção de calor me deu segurança; afinal, era a primeira vez que eu iria a uma barbearia, e a se comparar as ferramentas do barbeiro com a tesoura de costura de minha mãe, picotando-me as mechas, o aparato dele com tesoura, pente, escova, navalha, talco, toalhas e Gumex a gosto, era a novidade a quase me deixar nervoso. Que logo se desfez, quando seu Chiquinho, ao me cumprimentar, estendeu–me um pirulito que foi logo desembrulhado e colocado na boca.

- Como quer o corte? - perguntou - à la Humphrey Bogart ou a Yul Brynner?

Dei de ombros, sem entender, até que meu pai interveio:

- Bodinho, no capricho!

E riu da piada sobre os artistas, um de cabelo alinhado, garboso e belo a atrair olhares femininos, e o outro completamente careca, cara de rude, cenho fechado, que vim conhecer e admirar só depois, nos filmes em Cinemascope. O Hamphrey era namorador, o Yul, matador de bandidos. Humphrey Bogart provocava suspiros às moças casadoiras nos filmes de romance, enquanto Yul Brynner se destacava nos de ação a arrancar aplausos da molecada, coisas que a memória armazena para não esquecer.

Terminado o trabalho, segurei de novo seu indicador e o contato das mãos grandes, como na vinda, me deu sensação de segurança, ao tempo que me levou a ver no pai não o mandão que era, mas um homem forte e decidido. 

Deu-se ali a ligação de firmeza, de certeza, altivez que só eu desfrutava perante as outras pessoas das calçadas, porque aquele homem alto de pele avermelhada que unia sua mão à minha, era o meu pai e ele estava ao meu lado a provocar em nós sentimento da cumplicidade de amigos caminhando lado a lado, devotando amizade, companheirismo, confiança, crédito e, por consequência, felicidade e demais adjetivos que se queira dar à relação que se fazia diferente das até então.

Eu estava a sair pelas ruas sem a presença da mãe que geralmente me guiava como criança, e poderia ter ido ao banco com ele, ao bar, ao jogo de bocha, às discussões políticas, mas não: fora ao barbeiro, como faziam os homens a cada mês, incursão primeira que marcou indelével o relacionamento.

Mão com mão vale mais que um abraço apertado, quando há no toque a reciprocidade.
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* Piá = termo utilizado no Paraná que significa criança do sexo masculino.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil..

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Aparecido Raimundo de Souza (Só ficou, de fato, a escuridão)


AS MINHAS MENINAS se foram. De repente, partiram, bateram asas como pássaros assustados numa manhã solitária. Minhas princesas voaram para longe. Alçaram um voo sem volta para um planeta desconhecido que não sei dizer com precisão onde fica situado. Acredito, inclusive, que viajaram para um lugar onde meus passos não alcançam. Ficou por aqui morando comigo o silêncio. De roldão, além do silêncio, se engrandeceu o eco das risadas que antes preenchiam a casa. Se solidificou o choro convulso quando eu ralhava por alguma discordância, ou por uma arte não prevista. Ficou mais, se fez presente um vazio denso que se alastrou com a ausência infame que pesa mais do que qualquer lembrança. Igualmente restou o vácuo dos carinhos que me endereçavam; uma com os olhinhos perdidos num ponto distante; a outra, chupando o dedinho como se pensasse num amanhã que ainda nem havia chegado para nós. 

Hoje, preso e acorrentado nesta solidão, procuro caminhos, sendas, trilhas e veredas. Invento mapas, crio expectativas, ensaio palavras, faço músicas, escrevo crônicas, mas o destino delas, o paradeiro, eu sei, (não, eu não sei), se esconde atrás de janelas e portas invisíveis. E eu, aqui, aos setenta e dois anos, sigo perguntando ao vento: como chegar até onde elas estão? O vento não responde. Não sei! As minhas meninas desapareceram como quem fecha uma porta sem fazer barulho. Não houve aviso, não houve bilhetes na mesa. Apenas o vazio pesado e denso, esse hóspede antigo que sabe se instalar sem pedir licença. De repente, elas, as minhas meninas, se tornaram sombras em outro quintal — risos em outras casas, segredos em mãos que não conheço o calor do toque. E eu, meu Deus, eu fiquei aqui, permaneci estancado, tentando decifrar o mapa de um território que não existe, 

E ainda agora, aqui estou, procurando incansável e atônito, atalhos em ruas e vielas, alamedas e desvãos que não levam a lugar algum, a não ser para dentro da minha própria solidão. Venho aprendendo, dia após dia, que o tal do desconhecido é uma espécie de labirinto de Dédalo. Sei que há vida lá dentro, ouço barulhos, distingo vozes, risos — por vezes choros, mas não consigo enxergar, ver claramente o âmago da realidade. É como se o tempo tivesse engolido as minhas meninas e cuspido apenas lembranças frágeis como migalhas de um vidro enorme quebrado em mil pedaços. No silêncio da noite, tarde da noite, a coisa fica mais insuportável. Escuto, mergulhado nos meus medos, passos que não vêm. Invento diálogos, imagino retornos, contudo, do nada, o tudo, o tudo se dissolve como fumaça em meio à forte ventania. 

Talvez seja isto: eu preciso urgentemente aprender mais, ou seja — careço de conviver com o que não se alcança, com aquilo que se perde sem explicação. Enquanto não distingo, sigo assim, me abalando entre o peso da ausência e a leveza da esperança. Vou à frente, mas à esmo, ao Deus dará, como um autônomo — tipo uma espécie de robô que escreve cartas ao vento, na expectativa de que um dia ele descubra o caminho de volta. E nele, traga as minhas meninas. Pois é, meu Deus! As minhas meninas se foram. Não houve despedida, não houve promessas de retorno. Apenas um silêncio pesado, denso, volumoso, insípido, que se instalou como poeira sobre móveis antigos, cobrindo cada canto da casa. De repente, elas se tornaram invisíveis, como se tivessem atravessado uma fronteira secreta — um portal que só elas conheciam. 

Eu, eu fiquei aqui, permaneci do lado de cá, tentando decifrar sinais, rastros, pegadas, qualquer vestígio que me indicasse o caminho para chegar até elas. O desconhecido é um senhor sem rosto, sem voz, sem saída, e cada tentativa de alcançá-lo me devolve ao mesmo ponto, qual seja, a ausência. Sei que é inusitado pensar que o tempo continua, segue adiante, mesmo quando a vida parece suspensa. As horas passam, ou melhor, voam, os dias se acumulam, se atropelam e eu sigo colecionando perguntas sem respostas. Onde, onde estão? Quem as guarda? Que vozes as chamam agora? Às vezes imagino que se tornaram personagens de um livro-romance que nunca li, vivendo capítulos que não me pertencem. Outras vezes, penso que são como estrelas: astros distantes, mas ainda brilhando em algum lugar lá em cima, no imenso céu, mesmo que eu não consiga vê-las.

O desconhecido é mais que um senhor sem rosto, é uma sombra tenebrosa que não se revela.  Mesmo tapa, uma porta fechada, sem chave, um nome que não se pronuncia. E eu, aqui, eu aqui, sigo escrevendo cartas que nunca serão entregues, tentando dar forma ao vazio, como se pedisse socorro a alguém que nunca virá para me dizer “ei, ser vivente, elas apesar dos pesares, voltarão, se acalme, estão chegando”. Talvez seja isto que restou: eu no meu oco tentando aprender a toque de caixas, a porradas de uma vida vazia e cruel a conviver com o invisível, com o que me escapa das mãos. Aceitar que há histórias que não se contam, destinos que não se alcançam — tendo consciência de que a perquisição de toda esta infelicidade atroz segue sendo uma só: até quando? Só Deus tem as respostas. Enquanto estas indagações não são respondidas, eu sigo.

Me embrenho, me descabelo, entre o peso esmorecido e consternado da ausência e a leveza gélida, perversa e lancinante da imaginação. Me infiltro às apalpadelas, entre o silêncio mordaz e pétreo que dói e as palavras impiedosas que tentam preencher o meu “eu interior”. Sigo como quem caminha em direção ao nada. Me enlaço acreditando que o nada também pode guardar segredos. Talvez seja isso: eu, aqui, sem saída, sem horizonte, aprendendo de alguma forma, ainda que meio destrambelhado e feérico, que nem tudo precisa ser efetivamente revelado. Tenho urgência em tomar ciência, ou consciência, de que há histórias as mais diversificadas que se escrevem no invisível. Mesmo modo, destinos que se cumprem longe dos nossos olhos. E que, mesmo sem saber como chegar, colocar na cabeça, de uma vez para sempre, que ainda é possível, ainda é possível ESPERAR.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Guirlanda de Versos * 45 *

 

Mensagem na Garrafa 148 – Luiz Otávio (Oração do Poeta)

 

LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP
Oração do Poeta 

Senhor!

Eu vos agradeço, humildemente, por terdes, entre muitos, dado a mim o dom da poesia!

Fazei que jamais eu esqueça de que nada sou, e que de Vós, tudo me veio!

Não permitais que eu use os meus versos para bajular os poderosos e humilhar os pequeninos!

Nas vitórias de meus irmãos que eu sinta a mesma alegria que sentiria se elas fossem minhas!

Se generosamente, a mim trouxerem coroas de louro, que eu as receba com a mesma humildade com que Vós aceitastes a coroa de espinhos!

Que na realidade eu não seja outro diferente daquele mostrado na minha poesia!

Que eu ouça com serenidade as críticas dos amigos, as invejas dos invejosos, e os elogios dos bajuladores!

Que eu cante singelamente, como um pássaro liberto, o canto que Vós me destes sem me preocupar com os aplausos deste mundo!

Que meus versos sirvam de estimulo aos jovens,
de consolo aos velhos,
de esperança aos aflitos,
e de paz aos angustiados.

Que minha vida e minha poesia, nos minutos de alegria

e nos momentos de dor, sejam sempre condensadas numa só palavra: 
A M O R!…

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domingo, 30 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 137 *


Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP 1884 – 1937

O que se escuta numa velha caixa de música

Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
ou permuta-se, mas naturalmente.
Em seu sabor seria diferente
se, em vez de ser trocado, se furtasse.

Todo beijo de amor, longo ou fugace,
deve ser u prazer que a ambos contente.
Quando, encantado, o coração consente,
beija-se a boca, não se beija a face.

Não toquemos na flor maravilhosa,
seja qual for a sedução do ensejo,
vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

Como os árabes, loucos de desejo,
amemos a roseira, olhando a rosa,
roubemos a mulher e não o beijo.
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Aldravia de
DORÉE CAMARGO CORRÊA
Rio de Janeiro/RJ

mãe
natureza
espalha
ruídos
palavras
amor
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Soneto de
CID SILVEIRA
São Vicente/SP, 1910 – ????

A Rua da Vida
À Affonso Schmidt

Esta é rua da vida. E a vida se revela,
a rua sem pudor, completamente nua.
Mas, mostrando-se nua, a vida não é bela
e não é boa a vida através desta rua.

O convite que sai da entreaberta janela
tem a fascinação indizível da sua
promessa de pecado! E, atraída por ela,
a sombra do homem pelas portas se insinua ...

Marítimos gingando o corpo forte e suado,
malandros de chinelo, asiáticos franzinos,
toda esta malta vil que o homem detesta

vem deixar, nesta rua, um pouco do passado;
vem cumprir, nesta rua, os seus torvos destinos
para que possa haver a nossa rua honesta! 
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Poema de
ONÉSIMO DA SILVEIRA
Ilha de São Vicente/Cabo Verde

As águas

 A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

(Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)   

Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!   

 Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!  
Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...
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Quadra Popular

Eu amante e tu amante,
qual de nós será mais firme?
Eu como o sol a buscar-te,
tu como a sombra a fugir-me?
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Soneto de
REGINALDO ALBUQUERQUE
Campo Grande/MS

Soneto ao soneto

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade… 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!
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Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Dilema

Tenho vivido um dilema
que tem me tirado o sono,
na cama vejo o problema...
já não sei mais quem é o dono.

Deitado, quando eu me viro
vocês podem até rir,
sinto na nuca um respiro...
minha cadela a dormir.

Fico pensando, portanto,
afinal, eu mando ou não?
A safada estica tanto,
que acabo caindo no chão.

A vida é tão engraçada...
"Êta" cadela folgada!!!
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Sextilha de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Teia de Trovas

Se teia tem as aranhas
para pegar seu sustento
não vejo nada de mal
este seu mais novo intento
de criar "Teias de Trovas"
para tecermos as novas
trovas em encadeamento!
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Escada de trovas de
FILEMON FRANCISCO MARTINS
São Paulo/SP

“A lua divina e bela,
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito.”
Hedda Carvalho 
Nova Friburgo/RJ

“E Vem Sonhar No Meu Leito”
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

“Invade A Minha Janela”
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

“Num Capricho Assim Desfeito”
ainda há luz e beleza
que o clima fica perfeito
- o amor é paz e  certeza.

“ A Lua Divina E Bela”
reina perene no céu,   
lua que a todos,  revela
quem ama, não vive ao léu.
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Soneto de
ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Pacatuba/CE, 1923 – 2014, Fortaleza/CE

Do Amor

O amor, este vasto querer bem,
Esse entregar-se quando se é tomado,
Essa estrada de luz, esse ar sagrado,
Esse sentir-se em vésperas, também.

Essa fonte que júbilos contém,
Esse rio em que nado, deslumbrado,
Esse momento retransfigurado, 
Esse fogoso e louco palafrém

– É a força infinita da esperança,
Tão poderoso, que se nos alcança,
Alvorada repõe em nossa vida.

E sendo a longa estrela dos caminhos,
É rosa a nos ferir com seus espinhos,
Do eterno, porém, sendo a medida.
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete, 1906 – 1994, Porto Alegre

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!...Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso
Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho…
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Spina de
CARLA BUENO OLIVEIRA
São Paulo/SP

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
Desde que conheci
Você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida
A razão de tudo, enfim,
De existir cada novo verso
Foi tão bom isso acontecer
Não poderia ser o inverso!
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Glosa de
NEI GARCEZ 
Curitiba/PR

Curitiba, Mocidade! 

MOTE:
Curitiba, tanta graça,
só você não fica idosa ;
sempre que no tempo passa,
cada vez é mais formosa!

GLOSA:
Curitiba, tanta graça
que recebe de seu povo,
aqui mesmo desta praça,
ou turista, sempre novo.

De esmerado tratamento
só você não fica idosa,
pelo próprio sentimento
desta clã tão generosa.

Exubera tanta graça
ao turista mais viajado:
sempre que no tempo passa
seu visual é elogiado.

Curitiba, mocidade,
de beleza majestosa,
quanto mais aumenta  idade
cada vez é mais formosa!
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Soneto de
CHARLES BAUDELAIRE
Paris/França, 1821 – 1867

A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, onde todos vem buscar a dor,
É feito para ao poeta inspirar esse amor
Mudo e eterno que no ermo da matéria medra.

No azul, qual uma esfinge, eu reino indecifrada;
Conjugo o alvor do cisne a um coração de neve;
Odeio o movimento e a linha que o descreve,
E nunca choro nem jamais sorrio a nada.

Os poetas, diante do meu gesto de eloquência,
Aos das estátuas mais altivas semelhantes,
Terminarão seus dias sob o pó da ciência;

Pois que disponho, para tais dóceis amantes,
De um puro espelho que idealiza a realidade.
O olhar, meu largo olhar de eterna claridade!

(Tradução de Ivan Junqueira)
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sábado, 29 de novembro de 2025

Leonardo Da Vinci (A Aranha e o Buraco da Fechadura)

Após ter explorado a casa toda, por dentro e por fora, uma aranha resolveu esconder-se no buraco da fechadura.

Que esconderijo ideal! Pensou ela. Quem jamais havia de imaginar que ela estava ali? E além disso podia espiar para fora e ver tudo o que acontecia.

Ali em cima, disse ela para si mesma, olhando para o alto da porta:

- Vou fazer uma teia para moscas - ali em baixo, acrescentou, observando a soleira - farei outra para besourinhos. Aqui, ao lado da porta, vou armar uma teiazinha para os mosquitos.

A aranha estava exultante. O buraco da fechadura proporcionava-lhe uma nova e maravilhosa sensação de segurança. Era tão estreito, escuro, e era revestido de ferro. Parecia-lhe mais inexpugnável que uma fortaleza, mais garantido que qualquer armadura.

Imersa nesses deliciosos pensamentos, a aranha ouviu o som de passos que se aproximavam. Correu de volta para o fundo de seu refúgio.

Porém a aranha esquecera-se de que o buraco da fechadura não havia sido feita para ela. Sua legítima proprietária, a chave, foi colocada na fechadura e expulsou a aranha.
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Leonardo de Ser Piero da Vinci nasceu em 1452 na Itália e morreu em 1519, na França, era para seus contemporâneos um personagem discutido e controvertido. Como pintor era mal visto, porque jamais terminava as obras iniciadas; como escultor despertou suspeitas por não ter forjado em bronze o monumento equestre a Francisco Sforza; como arquiteto era perigosamente ousado; como cientista era de fato um louco. Sobre um ponto, no entanto, seus contemporâneos viam-se obrigados a concordar: Leonardo era um argumentador fascinante, um polido conversador, um contador de histórias “mágico” e fantástico, um gênio da palavra acompanhada da mímica. Falando da ciência, fazia calar os cientistas; argumentando sobre filosofia, convencia os filósofos; inventando fábulas e lendas, conquistava os favores e a admiração das cortes. Sempre, e em qualquer lugar, Leonardo era o centro das atenções. E jamais decepcionava seu auditório porque tinha sempre, alguma história nova para contar. As fábulas e lendas de Leonardo têm um objetivo e finalidade moral, algumas foram traduzidas por Bruno Nardini e publicadas no Brasil em 1972. O único personagem constante dessas fábulas e lendas é a natureza: a água, o ar, o fogo, a pedra, as plantas e os animais têm vida, pensamento e palavras. O homem, pelo contrário, aparece como instrumento inconsciente do destino, e sua ação, cega e implacável, destrói vencidos e vencedores.
“O homem é o destruidor de todas as coisas criadas”, escreveu Leonardo no “Livro das Profecias”; e nunca, como hoje em dia, na longa história de nosso planeta, uma asserção foi mais verdadeira e tão tragicamente atual..

Fontes:
Blog Era uma vez…  – 04.01.2015
https://byblosfera.blogspot.com/2015/01/a-aranha-e-o-buraco-da-fechadura.html
Biografia = Coisinha Literária. 14.08.2020
https://coisinhaliteraria.wordpress.com/2020/08/14/fabulas-e-lendas/

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Contos e Lendas do Paraná (Lenda da Lagoa das Visões)


No interior do município de Planalto, uma lenda chama a atenção de todos os moradores, especialmente nas proximidades de São Vicente e Barra das Flores. A lenda da Lagoa das Visões, onde se acredita que exista muito ouro enterrado. A Lagoa mede aproximadamente 100 metros de largura, com comprimento ainda maior e mais de 5 metros de profundidade. Esta lenda perpassa os anos e até hoje não se sabe ao certo se há alguma coisa no funda da lagoa, ou não.

Conta-se uma história de que, inclusive, há um contrato de compra para tirar o que há dentro, porém até hoje nada foi encontrado, ou dela retirado. Algumas pessoas, no entanto, garantem que alguns indivíduos ficaram ricos com o ouro que dela foi retirado. A histórias são várias. Inúmeras tentativas de secar a lagoa foram realizadas, inclusive com o uso de máquinas, que trabalharam, ininterruptamente, por mais de 8 dias, mas sem nenhum sucesso. A lagoa chegou a ser drenada até que sobrasse somente um metro e meio de água. Segundo o proprietário já houve várias tentativas de esvaziá-la, mas a água escorre e o nível da lagoa continua o mesmo.

O segredo da lagoa nunca foi descoberto e as tentativas de esvaziá-la já atraíram centenas de pessoas, além de inúmeros curiosos que dormiram no local. Muitos deles contam que se ouvem crianças chorando e, em dia claro, chegaram a ver um objeto do outro lado da lagoa; quando, porém, pegaram uma canoa com cerca de seis metros de comprimento e um de largura para a travessia, o objeto some e aparece virando a canoa. Neste caso, perdeu-se a arma de fogo do proprietário.

Já foram utilizados aparelhos que acusaram a existência de alguma coisa no fundo da lagoa das visões, mas todas as tentativas de secá-la deram em nada, pois sempre volta a encher, como se a água brotasse do chão. Pescadores contam que à noite veem uns homens no meio da lagoa segurando uma corrente enorme. Mas, assim como essa imagem surge, ela desaparece. Os moradores mais antigos contam que toda madeira que cai na lagoa fica boiando e que ouvem, também, à noite, pessoas cantando em forma de procissão, começando no vale e terminando no centro da lagoa. Muitos acreditam que sejam padres jesuítas, que antigamente estiveram no local.

Fontes:
Lendas Folclóricas do Paraná
https://www.lendas-do-parana.noradar.com/lenda-da-lagoa-das-visoes/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 136 *


Soneto de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

Por um beijo

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades que trago do chão de onde venho,
as promessas que eu faço, piedoso, ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança, que insisto em manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!
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Soneto de
RITA MOUTINHO
Rio de Janeiro/RJ

Soneto da clareação do breu

Anos a fio, busco os ancestrais
desta angústia que sinto — precisão
de entender os contornos de entes duais
que se amam no ar e não no esteio-chão.

Interno-me no breu. Não saturnais,
temos, porém, orgíaca união
quando nos encontramos nos beirais
das palavras melífluas da emoção.

Preciso saber se fui real amada,
se se aplicam os vernáculos "amante"
e "amor" na nossa história. A alma apurada

exige este radar na madrugada.
Depois de anos, — serena concludente —
posso dizer que somos mago e fada!
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Poema de
JOSÉ USAN TORRES BRANDÃO
Maringá/PR

O médico

Entre quatro paredes, seu mundo restrito
De grandes emoções, suas horas, dia-a-dia
Aliviar a dor, salvar vidas, está escrito
Sua missão, um sacerdócio sem hipocrisia.

Marcas do tempo, cedo batem à sua porta
Esclerose, enfarte, cansaço, depressão
Seu lar, que não é seu ninho, teme sua sorte
Médico, imagem tão mudada neste mundo cão.

Já não se fala dele como ser superior
Hoje, nome desgastado, luta pra viver
Como qualquer ser, anônimo, sem valor
Num mundo de mercado em que mais vale ter.

Médico, operário de Deus, salvando vidas
Também chora, também ama e também sonha
Na sua labuta com alma e corpo, suas feridas
Leva uma existência bem tristonha.

Não é sem luta que ele ganha fama
Nem é na flor que ele vê espinho
Num pedestal também joga-se lama
Médico, não ligues, segue o teu caminho.
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Quadra Popular de 
JOÃO BAPTISTA COELHO
S. Domingos de Rana/Portugal

Foi por não ter ido à escola
com a atenção que é devida,
que ando, hoje, a pedir esmola
na outra escola : a da Vida.
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Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

MOTE: 
As minhas mãos calejadas 
plantam sementes de amor,
que nascem e são cuidadas 
e se transformam em flor! 
Marilene Lima 

GLOSA:
As minhas mãos calejadas 
na semeadura do Amor 
serão sempre abençoadas 
pelo Sumo Lavrador! 

Todos que no seu canteiro 
plantam sementes de Amor 
colherão, o ano inteiro, 
os frutos do seu labor! 

Quando fizeres lavradas 
planta sementes de Amor, 
que nascem e são cuidadas 
pelas mãos do Criador! 

As sementes mais assentes 
são as sementes de Amor; 
formam rebentos latentes 
e se transformam em flor!
= = = = = = = = =  

Soneto de
OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Música Brasileira

Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé*, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
= = = = = = = = = = = = = = = =
* Poracé = arrasta-pé, baile
= = = = = = = = =  

Poema de
ANTONIO MÁRIO MANICARDI
Maringá/PR

Tormento da Noite

Quantas noites
eu passo acordado
com os olhos fechados
e o sono não vem!…
Nesta horas
que a tristeza invade
eu sinto saudade
do meu querido bem.

Tormento da noite
me deixa nervoso
meu ser amoroso
me maltrata assim!…
Se acaso adormeço
o sono é um lampejo
eu sinto que A vejo
bem junto de mim.

Estribilho:
Vem, vem querida
nestas noites tristonhas que eu passo
vem em sonho trazer-me guarida
vem em sonho dormir nos meus braços.

Eu falo com ela
nos sonhos que faço
aperto-a em meus braços
com tanta emoção
se acordo de novo
com tristeza a chamo
a mulher que amo
não esqueço não.
= = = = = = = = =  

Rondel* de
DENISE SERVEGNINI
Novo Hamburgo/RS

Arrependimento

Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas
Bate, descomposto, fazendo alarde
Nas tormentosas nuvens que habitas

Tu não sabes das alegrias benditas
Nem queres entender, esta verdade:
Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas

Para teres tanta dor, fui covarde
Que te fiz? Foram ações malditas?
Abandonei-te! Querida, será tarde?
Teu jeito mulher, em mim, incitas
Chama intensa de amor que ainda arde.
= = = = = = = = =  

* O Rondel é um gênero de poesia francesa. Sua forma é sempre a mesma, não varia nunca. É formado por duas estrofes de quatro versos e uma de cinco versos, nesta mesma ordem. Pela maneira que é estruturado, o Rondel irá sempre ter apenas duas rimas. As rimas são: ABAB/BAAB/ABAB.

Tem uma peculiaridade que é o seguinte: os dois primeiros versos da primeira quadra vão ser os dois últimos versos da segunda quadra. Temos que cuidar ainda, que o primeiro verso da primeira quadra será o último verso do poema (da estrofe de cinco versos).

A preferência do versos é de sete ou oito sílabas poética (não é rígido).
(Fonte: Dicionário InFormal http://www.dicionarioinformal.com.br/rondel/)