terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Asas da Poesia * 141 *




Haicai de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

“Bom dia, queridas" -
diz sorrindo o jardineiro 
bem cedinho às flores. 
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Poema de
FÁTIMA ROGÉRIO
Guaraci/PR

Menino de Rua

Oi, moço! Quero lhe falar.
Por que me evitas?…
Sou criança!
Teria que ser esperança
pois isto está escrito.

Não se desvie de mim.
Quero apenas conversar.
Não sei onde estão meus pais,
e ninguém quer me ajudar. 

Estou nesta calçada já faz um tempo.
Vi meu irmão morrer,
nas mãos de pessoas malvadas.
Mas eu quero viver!

Me ouça e me dê uma chance!
Me ajude a sair daqui.
O sofrimento é muito grande
e eu não tenho pra onde ir.

As pessoas me cospem e me xingam.
Os carros me jogam lama.
Eu queria, moço, uma família,
um prato de comida e uma cama.

Às vezes me oferecem drogas.
Eu não queria, mas acabo aceitando.
Ela me faz adormecer,
e minha dor se vai, aliviando.

Me ajude, moço, a sair daqui!
Por favor, eu não sou mau!
Vejo sua família feliz,
eu só queria ter uma igual.

Se me ajudar e cuidar de mim,
muito grato serei a ti
e pedirei todo dia a Papai do Céu
que cuide de você e de sua família.

Pra que nunca precisem ver 
o que é rua de verdade,
e que nunca precisem viver,
esta dolorosa realidade.

Obrigado, moço,
por me ouvir!
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Soneto de
FAUSTO GUEDES TEIXEIRA
Lamego/Alto Douro/ Portugal, 1871 – 1930, ????

Eu quero ouvir o coração falar

Eu quero ouvir o coração falar
e não os homens a falar por ele!
Enquanto a gente fala, há de parar
no peito a vida estranha que o impele.

Independente à forma de o expressar,
o sentimento existe, e ai daquele
coração triste que se julgue dar
na cerração em que a palavra o vele.

Astro no peito, é sobre a língua chaga.
Dizer uma alegria ou um tormento
é um mar em que sempre se naufraga.

Era a essência de Deus vista e atingida!
Se é a força da vida o sentimento,
fez-se a palavra pra mentir a vida.
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Poema de
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/Malta

Uma Estrofe sem Título

Dá-me as palavras de teus olhos, a noite escreve
Uma estrofe purpúrea sobre teu bonito rosto,
Brilha o orvalho, tuas bochechas um branco universo
De onde nada dá um passo descalço sem dor,
Toca estas mãos e sente o despedaçado coração
E nota o sangue quente, o pranto solene.
Pomba, não voes distante  come de minhas mãos,
Este é o grão que não mata, água pura.
Monótono o sino que dá a hora
Para que te vás desta janela entreaberta
Por mim para ti, monótono o suspiro
Gravado como ilusão que vem e vai.
Não voes distante, e diga comigo esta oração:
“Há raios de luz de lanterna enfocados em mim,
Há uma humilde estrela que brilha só para mim,
Há uma flor selvagem que se abre em meu peito,
Há uma chama de vela vacilante só para mim.”
(tradução: José Feldman)
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Trova Popular

Todo homem que diz que sim
depois de ter dito "não";
primeiro fala o orgulho
depois fala o coração.
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Soneto de
JOSÉ DURO
Lisboa/Portugal, 1875 – 1899

Dor suprema

Onde quer que ponho os olhos contristados
– costumei-me a ver o mal em toda a parte –
não encontro nada que não vá magoar-te,
ó minh’ alma cega, irmã dos entrevados.

Sexta-feira santa cheia de cuidados,
livro d’Ezequiel. Vontade de chorar-te...
E não ter um pranto, um só, para lavar-te
das manchas do fel, filhas de mil pecados!...

Ai do que não chora porque se esqueceu
como há de chamar as lágrimas aos olhos
na hora amargurada em que precisa delas!

Mas é bem mais triste aquele que olha o céu
em busca de Deus, que o livre dos abrolhos,
e só acha a luz das pálidas estrelas...
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Poema de
MARA MELINNI
Caicó/RN

O Tempo do Amor

Às vezes a resposta que eu preciso
Não vem de uma palavra, em expressão...
Mas do calmo calor do teu sorriso
Que manda embora a dor da solidão.

Se o meu gostar não encontra o jeito certo
Ou se é preciso um jeito de existir,
Que exista um jeito de estar sempre perto
E nesse jeito eu possa te sentir.

Nenhum querer possui uma medida,
Ninguém pode gostar pela metade.
Amar é o que dá vida à própria vida...
Ou ama, ou não se ama... Esta é a verdade.

O tempo não espera na estação
E o preço, embora pague um bom lugar,
Não traz escolha a quem, sem ter razão,
Não segue atrás do trem que viu passar...

As portas do destino guardam planos
Que as chaves certas abrem, logo à frente.
E às vezes, sem ter chave ou sofrer danos,
Há portas que se abrem, simplesmente.

Por isso, a cada sol, nascendo o orvalho,
Se vão, pelas manhãs, em cada flor,
As gotas tristes, no chorar do galho,
deixando suas lágrimas de amor.

A vida é a seiva mais pura do mundo,
é o mel que adoça o sonho de quem clama...
E o tempo, embora dure um só segundo,
se faz tempo bastante a quem se ama.

Eis sim, uma viagem passageira...
Que cumpre as curvas todas de uma estrada.
E um dia, já na curva derradeira,
Se não faltou amor... Não faltou nada!
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Soneto de
ANTÔNIO BARBOSA BACELAR
Lisboa/Portugal, 1610 – 1663

A umas saudades

Saudades de meu bem, que noite e dia
a alma atormentais, se é vosso intento
acabares-me a vida com tormento,
mais lisonja será que tirania.

Mas quando me matar vossa porfia,
de morrer tenho tal contentamento,
que em me matando vosso sentimento,
me há de ressuscitar minha alegria.

Porém matai-me embora, que pretendo
satisfazer com mortes repetidas
o que à beleza sua estou devendo;

vidas me dai para tirar-me vidas,
que ao grande gosto com que as for perdendo,
serão todas as mortes bem devidas.
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Poema de
ADY XAVIER DE MORAES
Rio Verde/PR

Mulher

És bela, não porque se fez bela,
mas porque tens no íntimo
o brilho de uma estrela
que durante o dia se esconde
e, durante a noite, no infinito,
mostra tua face que resplandece.

És linda, não porque se fez linda,
mas porque a natureza preparou
para nascer e brilhar.
Tu não precisas de arranjos,
porque uma flor já nasce
com toda a beleza, tenra
e perfumada.

És perfeita, não porque te fez perfeita,
mas porque a vida deu-te de tudo.
A simplicidade de um anjo.
A inocência de uma criança.
O carisma de uma rainha
quando sorri…
sorri com os olhos,
com os lábios, com o coração.

Mostras com muita esperança,
a vontade de vencer na vida
e não sabe da virtude que tens,
por isso, és linda, és bela,
como a flor do meu jardim.
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Soneto de
PADRE BALTASAR ESTAÇO
Évora/ Portugal, 1570 – 16??

A um irmão ausente

Dividiu o amor e a sorte esquiva
em partes o sujeito em que morais;
este corpo tem preso onde faltais,
esta alma onde andais anda cativa.

Contente na prisão, mas pensativa,
porque este mal tão mal remediais,
que vós comigo lá solto vivais,
e eu sem mim e sem vós cá preso viva.

Mas lograi desse bem quanto lograis,
que eu como parte vossa o estou logrando
e sinto quanto gosto andares sentindo;

cá folgo, porque sei que lá folgais,
porque minha alma logra imaginando
o que lograr não pode possuindo.
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Soneto de
SOROR VIOLANTE DO CÉU
Lisboa/Portugal, 1602 – 1693

Vida que não acaba de acabar-se

Vida que não acaba de acabar-se,
chegando já de vós a despedir-se,
ou deixa por sentida de sentir-se,
ou pode de imortal acreditar-se.

Vida que já não chega a terminar-se,
pois chega já de vós a dividir-se,
ou procura vivendo consumir-se,
ou pretende matando eternizar-se.

O certo é, Senhor, que não fenece,
antes no que padece se reporta,
por que não se limite o que padece.

Mas, viver entre lágrimas, que importa?
Se vida que entre ausências permanece
é só vida ao pesar, ao gosto morta?
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Cantiga Infantil de Roda
FESTA DOS INSETOS 

A pulga e o percevejo
Fizeram combinação.
Fizeram serenata
Debaixo do meu colchão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga toca flauta,
O Percevejo violão;
E o danado do Piolho
Também toca rabecão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga mora em cima,
O Percevejo mora ao lado.
O danado do Piolho
Também tem o seu sobrado.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

Lá vem dona pulga,
Vestidinha de balão,
Dando o braço ao piolho
Na entrada do salão.
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Hino de 
Catanduva/SP

Sob o sol escaldante dos trópicos,
um pioneiro chegou a esta terra;
terra crua que não prometia
um futuro de tanto esplendor.
 
 O viajante fincou a bandeira
com coragem, confiança e amor,
e o intrépido aventureiro
consagrou-se como fundador.
 
 A semente foi plantada e mudou a paisagem,
nossa terra ficou fértil, floresceu.
E a mão firme do trabalho operou mais um milagre:
fez nascer um povo forte, um povo honesto e lutador.
  
Catanduva, Cidade Feitiço!
Quem pisa teu chão não se esquece jamais.
Teu feitiço é mais que um encanto
que inspira meu canto de amor e de paz!
Teu feitiço é mais que um encanto
que inspira meu canto de amor e de paz!
= = = = = = = = =  

Poema de
ANTÓNIO FLORÊNCIO FERREIRA
Lisboa/Portugal, 1848 – 1914

1

Vês aquele enterro humilde,
sem padre, sem cruz, sem nada?
Vês aquel'outro, pomposo,
do templo a frente enlutada?

O primeiro é d'um honrado;
talvez o do outro o não seja...
Mas ambos, de igual doutrina,
são filhos da mesma igreja.

O que me admira e me assombra
é o afeto desta mãe,
que ao rico dispensa afagos
e ao pobre atira o desdém!
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

A prática do bem

Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!

Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de  Luz!

Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!

Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!

Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O porco, a cabra e o carneiro

Uma cabra, um carneiro e um porco gordo,
Juntos num carro, iam à feira. Creio
Que todo o meu leitor será de acordo
Que não davam por gosto este passeio.

O porco ia em grandíssimo berreiro
Ensurdecendo a gente que passava;
E tanto um como outro companheiro
Daquela berraria se espantava.

Diz o carreiro ao porco: «Por que gritas,
Animal inimigo da limpeza?
Por que, trombudo bruto, não imitas
Dos companheiros teus a sizudeza?

— Sisudos, dizes?!... Quer-me parecer
Que não têm a cabeça muito sã,
Porque pensam que apenas vão perder,
A cabra o leite, o companheiro a lã.

Mas eu, que sirvo só para a lambança,
Envio um terno adeus ao meu chiqueiro...
Pois cuido que à goela já me avança
O agudo facalhão do salchicheiro!»

Pensava sabiamente este cochino,
Mas para quê? pergunto eu. Se o mal é certo,
É surdo às nossas queixas o destino;
E o que menos prevê é o mais esperto.
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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Anderson Rocha (O poder das palavras)


Sempre num lugar onde passavam muitas pessoas, um mendigo sentava-se na calçada e ao lado colocava uma placa com os dizeres:

– Vejam como sou feliz! Sou um homem próspero, sei que sou bonito, sou muito importante, tenho uma bela residência, vivo confortavelmente, sou um sucesso, sou saudável e bem humorado.

Alguns passantes o olhavam intrigados, outros o achavam doido e outros até davam-lhe dinheiro.

Todos os dias, antes de dormir, ele contava o dinheiro e notava que a cada dia a quantia era maior.

Numa bela manhã, um importante e arrojado executivo, que já o observava há algum tempo, aproximou-se e lhe disse:

- Você é muito criativo! Não gostaria de colaborar numa campanha da empresa?

- Vamos lá. Só tenho a ganhar!, respondeu o mendigo.

Após um caprichado banho e com roupas novas, foi levado para a empresa. Daí pra frente sua vida foi uma sequência de sucessos e a certo tempo ele tornou-se um dos sócios majoritários.

Numa entrevista coletiva à imprensa, ele esclareceu de como conseguira sair da mendicância para tão alta posição.

Contou ele: 

“– Bem, houve época em que eu costumava me sentar nas calçadas com uma placa ao lado, que dizia: ‘Sou um nada neste mundo! Ninguém me ajuda! Não tenho onde morar! Sou um homem fracassado e maltratado pela vida! Não consigo um mísero emprego que me renda alguns trocados! Mal consigo sobreviver!’

“As coisas iam de mal a pior quando, certa noite, achei um livro e nele atentei para um trecho que dizia: - Tudo que você fala a seu respeito vai se reforçando. Por pior que esteja a sua vida, diga que tudo vai bem. Por mais que você não goste de sua aparência, afirme-se bonito. Por mais pobre que seja você, diga a si mesmo e aos outros que você é próspero.

“Aquilo me tocou profundamente e, como nada tinha a perder, decidi trocar os dizeres da placa para: ‘Vejam como sou feliz! Sou um homem próspero, sei que sou bonito, sou muito importante, tenho uma bela residência, vivo confortavelmente, sou um sucesso, sou saudável e bem humorado.’

“E a partir desse dia tudo começou a mudar, a vida me trouxe a pessoa certa para tudo que eu precisava, até que cheguei onde estou hoje. Tive apenas que entender o Poder das Palavras. O universo sempre apoiará tudo o que dissermos, escrevermos ou pensarmos a nosso respeito e isso acabará se manifestando em nossa vida como realidade. Enquanto afirmarmos que tudo vai mal, que nossa aparência é horrível, que nossos bens materiais são ínfimos, a tendência é que as coisas fiquem piores ainda, pois o Universo as reforçará. Ele materializa em nossa vida todas as nossas crenças.”

Uma repórter ironicamente questionou:

- O senhor está querendo dizer que algumas palavras escritas numa simples placa modificaram a sua vida?

Respondeu o homem, cheio de bom humor:

- Claro que não, minha ingênua amiga! Primeiro eu tive que acreditar nelas!
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Anderson Rocha é formado em administração de empresas e especialista em gestão de pessoas, comunicação e desenvolvimento de líderes. Foi consultor do programa da qualidade no Serviço Público do Governo Federal e membro do comitê Gestor e do Fórum da Qualidade do Estado do Espírito Santo. Ocupou funções de assessoria, direção, coordenação de programas, instrutoria de treinamento e facilitação de grupos. Foi docente do Senac, Sebrae, IEL, ESESP, Professor de Oratória da Faculdade de Direito de Vitória - FDV, da Pós-graduação Pitágoras e da Pós-graduação da EMESCAN. Autor de artigos publicados em diversos sites, revistas e jornais, no Brasil e exterior. Colunista e colaborador de principais sites do país, nas áreas de Gestão de Pessoas, Liderança, Administração, Vendas, Motivação, entre outros. Escritor, colunista do Jornal A Tribuna) e de diversos outros Jornais e Revistas. Criador do revolucionário método FALE BEM, que consiste no conhecimento das técnicas mais modernas e poderosas de comunicação e oratória, aplicação na prática das técnicas e obtenção por parte do treinando de retorno imediato a sua performance. Palestrante nas áreas de liderança, comunicação, atendimento e motivação, um profundo estudioso do desenvolvimento e comportamento humano

Fontes:
Metáforas.
https://andersonrocha.com.br/?13/pagina/metaforas
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José Feldman (O Crepúsculo dos Justos)

 
A cidade roncava lá fora, um organismo indiferente feito de buzinas e pressa. Dentro das paredes que um dia abrigaram risadas fartas e jantares de fim de semana, agora reinava um silêncio pesado, quebrado apenas pelo tique-taque melancólico de um relógio de pêndulo. Ali vivia Horácio, um homem que a vida havia dobrado, mas não quebrado — pelo menos não até agora.

Horácio era a personificação da generosidade. Um homem cuja biografia poderia ser escrita com os gestos de bondade que dedicou a todos ao seu redor. Divorciado há uma década, ele investiu o restante de suas energias em amigos que ele considerava sua família estendida. Ele era o ombro para chorar, o caixa para emprestar dinheiro sem juros e o motorista do dia e da noite. Dedicação incondicional. Amor em sua forma mais pura e desinteressada.

Mas o tempo é um cobrador impiedoso. A idade é implacável, o corpo de Horácio começou a falhar antes do espírito. O caminhar virou arrastar, a memória, uma peneira fina onde os nomes recentes se perdiam, e a independência, uma miragem distante. Ele precisava de cuidados, de presença, de uma mão que o guiasse no labirinto da velhice frágil.

Foi então que a verdadeira face da "amizade" começou a se revelar, não em um ato de traição, mas no silêncio ensurdecedor da omissão.

A reunião aconteceu na sala de estar, a mesma sala onde, anos atrás, eles brindavam a aniversários e conquistas. Estavam lá Mário, o empresário a quem Horácio tirou do buraco da falência; Lúcia, cuja faculdade foi paga com um empréstimo que jamais foi cobrado; e Beto, o afilhado que Horácio ensinou a andar de bicicleta e a viver com dignidade.

A conversa começou com eufemismos, palavras polidas que tentavam mascarar a crueza do abandono.

"Horácio, pensamos muito em você", começou Mário, ajustando os óculos caros. "Você precisa de um lugar com mais estrutura, com médicos 24 horas por dia."

"Sim, um lar de idosos", completou Lúcia, olhando para as próprias unhas. "Lá tem atividades, outros velhinhos para conversar... é melhor para o seu astral."

"É o melhor para você, padrinho", Beto tentou, evitando o olhar mareado do velho.

Eles falavam de "lares" e "clínicas de repouso" com a mesma naturalidade que se fala de um resort de férias. O eufemismo era a cortina de fumaça para a verdade brutal: eles não queriam a responsabilidade. A gratidão tinha prazo de validade. As promessas de "para sempre amigos" se dissolviam diante da perspectiva de trocar fraldas, agendar médicos ou, pior, abrir mão de uma hora de sua vida ocupada para simplesmente fazer companhia a Horácio.

Horácio não discutiu. Ele apenas ouviu. E em cada palavra vazia, sentiu o peso da rejeição cair sobre seus ombros já curvados. O asilo não era uma solução de cuidado; era uma solução de descarte.

Naquela noite, sozinho em seu quarto, Horácio encarou o espelho. Não viu o homem generoso que dedicou sua vida aos outros, viu apenas um estorvo, uma bagagem que seus amigos — sua suposta família — estavam ansiosos para despachar.

O descaso é uma forma de violência silenciosa, um veneno de ação lenta. A atitude deles não apenas minou sua saúde física, mas aniquilou seu espírito. A autoestima de Horácio, que sempre se baseou em seu valor como pilar de apoio para os outros, desabou. Ele se sentiu o homem mais solitário e mal-amado do mundo.

A rejeição doeu mais do que a artrite nos joelhos ou a falha da memória. Doeu na alma. A ingratidão daqueles a quem ele amou incondicionalmente transformou seus últimos anos em um inverno perpétuo.

Ele não foi para um asilo. Foi para um depósito. Um depósito de memórias, onde o amor que ele distribuiu jazia esquecido, e onde a única companhia era a sombra da solidão, tecida pela indiferença daqueles que um dia chamou de amigos. 

A crônica da sua vida terminou não com um rugido, mas com o sussurro triste de um adeus silencioso a um mundo que ele amou, mas que se recusou a amá-lo de volta quando ele mais precisava.

Arthur Thomaz (Pegasus e Edgard)


Edgard, morador de um tranquilo condomínio em uma cidade do interior, levava uma vida pacata, sendo muito comunicativo com seus vizinhos.

Certa manhã, recebeu em seu WhatsApp uma mensagem que, mesmo sendo cordial, o intrigou profundamente. Era de Pegasus, que solicitava permissão para uma visita.

Concordou imediatamente e foi até o estacionamento aguardar o impressionante ser mitológico.

Após um longo abraço, Pegasus foi logo dizendo que iria conduzi-lo a uma aventura inimaginável, uma peripécia inesquecível.

Edgard aquiesceu, ligeiramente apreensivo com o que poderia advir, e disse:

– Espere, vou avisar Dona Zila, minha esposa.

Voltou com um casaco, orientação dela, para não “pegar friagem”.

– Antes de partirmos, gostaria de saber, por mera curiosidade, quem forneceu meu contato do WhatsApp para você?

– Edgard, um morador do seu condomínio, com quem você conversa diariamente sobre diversos assuntos: livros, astronomia, ecologia, plantas, política, esportes e muitos outros. Ele também me contou que você está escrevendo três livros, sendo que um deles, em especial, atraiu o interesse dos habitantes do Olimpo.

Prosseguiu:

– O “Dicionário da Mitologia”. Zeus até solicitou um exemplar para nossa biblioteca.

– Ah, meu alado amigo, assim que o livro estiver editado, enviarei para vocês.

Pegasus acomodou gentilmente Edgard em sua sela e partiram.

Sobrevoaram lindas regiões, incluindo um voo rasante sobre a cidade de Analândia, onde Edgard pôde matar a saudade de sua querida propriedade, com frondosas árvores frutíferas que plantara com as próprias mãos, motivo de grande orgulho.

Continuando o voo, Edgard percebeu que as imagens alteravam-se, revelando épocas passadas. Questionou Pegasus a respeito e foi informado de que realmente estavam voltando no tempo.

Edgard, como bom historiador, extasiou-se com o fato.

Algum tempo depois, sobrevoaram o que ele identificou ser uma feroz batalha entre guerreiros romanos e um povo bárbaro. Solicitou que Pegasus se aproximasse mais do conflito.

O cavalo, sorrindo, disse:

– Sim, meu caro amigo, isso faz parte da aventura que imaginei para você.

Pegasus colocou uma armadura para protegê-lo e deu-lhe um escudo e uma espada. Lembrou-o de que um homem moderno não conseguiria levantar aquela antiga espada, mas que, no momento da batalha, tudo mudaria e ela se tornaria leve.

Edgard respondeu:

– Confesso não ser dos melhores espadachins, mas já tive algumas aulas de Esgrima. Quando chegar a hora do entrevero, entre os guerreiros e a horda de bárbaros, lutarei bravamente, dentro das minhas forças.

Como não poderia descer no meio da batalha, Pegasus deixou Edgard na retaguarda do exército de bárbaros. Ele começou a desferir golpes e dizimar dezenas de inimigos. Esses, hoje, devem estar no inferno, chamando-o de covarde por atacá-los pelas costas.

– Paciência, não se pode agradar a todos, pensou Edgard.

Vencida a batalha, com apenas alguns arranhões, juntou--se aos guerreiros para bradar os gritos de vitória ao verem a horda bárbara em fuga.

Uma equipe médica cuidou dos ferimentos. Derramaram uma poção sobre os arranhões sofridos por Edgard, que ardeu tanto que o fez sentir saudade dos tempos em que sua mãe passava Merthiolate em seus machucados.

Já estavam comemorando, comendo carne de javali assado, bebendo vinho e outros destilados, quando viram a sombra de Pegasus sobrevoando o local.

Ele pousou em frente aos surpresos soldados. Edgard despediu-se rapidamente, montou e voaram, ouvindo os gritos que os chamavam de “bruxos”.

De volta ao condomínio, despediam-se quando ouviram a voz de Dona Zila:

– Edgard, venha para dentro colocar um Band-aid nesse arranhão. Depois vou costurar sua camisa rasgada.

– Até breve, meu amigo alado. Acho mais prudente eu entrar. Nos veremos na próxima aventura.
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Este conto é uma homenagem ao casal Zila e Edgard, que se mudaram para outro local, deixando em nós muita saudade. 
Muito obrigado pela partilha, Zila Bastos e Edgard Alves Bastos.
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ARTHUR THOMAZ é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: Inimagináveis. Santos/SP: Bueno Ed., 2025. Livro enviado pelo autor.   
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 7 de dezembro de 2025

Asas da Poesia * 140 *



Haicai de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

Sopra o vento as pétalas. 
Narinas correndo atrás 
do perfume delas.
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Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Carnaval 

São ricas as fantasias
dos meses de fevereiro.
Carnavais - que ironias!
- motivam o ano inteiro.

Arlequim faz palhaçadas
aos olhos das colombinas.
Dançam drogas nas calçadas
— oh, vis armas assassinas!

Tantos pierrôs delinquentes
nestes tempos tão carnais!
Assanham impertinentes
as colombinas sensuais.

Consequência indesejada
por imprudente cegueira,
a aids vem por um nada
e condena a vida inteira.

São lindas alegorias
que se vê passar ali.
Ficam, porém, agonias
no chão da Sapucaí.

Carnaval! Quanta ilusão
de um bloco de tanta asneira!
Eis o vazio coração
numa vida feiticeira!
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Poema de
NÉLIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Quem ampara os animais
É gente que faz
O mundo parecer melhor
Gente que não para na dó
Faz do amor, verbo de ação
Tira as amarras do coração 
Diante de um corpo desnutrido
Com um olhar perdido
A suplicar por atenção
Um pedaço de pão
Um gesto de carinho
Apenas um tempinho
Longe do desamparo e da solidão
Quem ama, protege, acode
Não se sacode
Desvia e vai embora
Sem demora
Cuidar do que mais importa
Sem entreabrir uma porta
Para a visita da compaixão
Com todos os seres da criação
Quem respeita os animais
Não estará só jamais
Tem a alma bafejada pelos canais
Que abençoam a boa vontade
Dos que deixam rastos de caridade
Por onde passam nesse mundão
Gente que anda pela rua
Iluminada pelo sol ou pela lua
A receber o balsamo merecido
Na pureza de um olhar agradecido
De um cãozinho amparado e protegido

Quem ama de verdade os animais
Acorda feliz e dorme na paz
= = = = = = = = =  

Quadras de
ANTÓNIO FLORÊNCIO FERREIRA
Lisboa/ Portugal, 1848 – 1914

XVI

Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Há de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.

De musgo, lírios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro há de ser.

Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, belos, perfumados,
Os meus olhos, da vigília,
Tristes, lânguidos, magoados...
= = = = = = = = =  

Haicai de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Aromas florais
libertam a poesia—
sinto a primavera.
= = = = = = = = =  

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Para o amor 
Não desbotar,
Palavras diárias de carinho 
São como lápis de cor
Que dão vida
Aos espaços vazios.
= = = = = = = = =  

Trova Popular

Pobre louco apaixonado,
ai de mim! Que não mais via,
que seu amor, pouco a pouco,
esfriava dia a dia.
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Poema de
DIVANI MEDEIROS
Natal/RN

Setembro 

Primavera, mês do florescer, 
Flores desabrocham no alvorecer. 
Muitas adormecem com a chegada da lua, 
Outras acordam para enfeitar a rua. 
Despertam  sorrindo com o sol aquecendo 
Ornamentam jardins e residências.
Com cores variadas,  deixam pétalas nas calçadas, 
Adornam os dias e causam admiração. 
Inspiram  contos,  cordéis, músicas e poesias, 
Presenteando a diversidade  todos os dias...
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Poema de
ATÍLIO ANDRADE
Curitiba/PR

O viaduto 

O viaduto serve de ponte
Para transpor, atravessar 
Para o outro lado 
Mas, também  há  um monte
Embaixo dele a morar
Sem nenhum cuidado
Quando a noite chega
A disputa  acelera
Há  cochichos e gritos da galera
Tornando  a vida um pega
Enquanto  ao redor 
Ninguém  nada vê 
Não  sente a dor
Que sente  você
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Poema de
SONIA CARDOSO
Curitiba/PR

Como já não durmo 
Também não sonho 
O que me inspira 
É o respirar 
Dos pirilampos, em 
Seu efêmero vórtice 
Na espiral de luz.
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Poema de
DANIEL RODAS
Campina Grande/PB

De relva e folhas

acordo cada célula 
de espanto

quando me ponho 
sozinho
na grama sob as estrelas

e meu olhar se
funde
difuso junto aos galhos

como o fluir da
vida
sobre a ferida das horas
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Cantiga de Infantil de Roda

Oh! Sindô le-lê

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Oh! Maria quer ser freira.
Não, senhor, quero casar;
Tenho o dia pro trabalho
E a noite pra descansar

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia curta,
Do cabelo de retrós;
Bota a chaleira no fogo,
Vai fazer café pra nós.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia verde,
Não pise neste lameiro;
Não se importe, meu senhor,
Não custou o seu dinheiro.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Eu subi naquele morro,
De sapato de algodão;
O sapato pegou fogo
E eu voltei de pé no chão.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá
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Hino de 
Gramado/RS

No alto da Serra Gaúcha
Num verde planalto ondulado
Vislumbram-se em meio aos outeiros
O velho e benquisto “Gramado”.

Cantemos num brado festivo
Com calma de ardor juvenil
O amor que nos liga a “Gramado”
Parcela do vasto Brasil.

Descendo as alturas do centro
Por vales, peraus e escarpadas,
Dos homens do campo, as lavouras
Desdobram-se ao longo espalhadas.

Indústria, comércio e colônias,
Num único esforço aplicado,
Retratam o ardor progressista
Que anima o porvir de Gramado.

Riquezas da mãe natureza
Que Deus semeou nesta terra
Ofertam aos muitos turistas
Saúde nos ares da Serra.
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Sacode as mágoas das vestes
Arranca os espinhos do peito
Nesse peito que se insufla rarefeito 
Desesperando por alento
Quando tudo parece desabar

És um viajante na estrada
Carregas nas costas a coragem
Dos que sabem trilhar seu caminho
Um guerreiro a iluminar
Os que em ti se sabem abraçar

Ama-te em sentimento primeiro
Sorri à imagem que de ti reflete
És capitão do teu destino
Esse é o maior tesouro
O segredo que terás que desvendar

Ama-te inteiro e em verdade 
Nada menos que isso
Não te conformes com a metade
Verás toda a força que em ti transportas
Guerreiro de luz predestinado a amar.
(do livro Na pele do sentir)
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

Os dois galos

Dois galos se meteram em peleja
A fim de se saber qual deles seja
O capataz de um bando de galinhas:
Unhadas e picadas tão daninhas
Levou um, que se deu por convencido,
E andava envergonhado e escondido.

O vencedor se encheu de tanta glória,
Que para fazer pública a vitória,
Pôs-se de alto, voou sobre umas casas;
Ali cantava, ali batia as asas.

Andando nestas danças e cantares,
Veio uma águia, levou-o pelos ares;
E saindo o que estava envergonhado,
Gozou do seu ofício descansado.

Quem contemplasse bem quão pouco dura
Neste mundo qualquer prosperidade,
Livre estava de inchar por vaidade
Com um leve sucesso de ventura.
O que tem a alegria por segura,
É doente, e o seu mal fatuidade;
Que ela passa com muita brevidade,
E vem logo a tristeza, e muito atura.

De mudanças o mundo está tão cheio.
Que hoje rio, amanhã estou sentindo
Uma grande desgraça que me veio:
Delira quem dos tristes anda rindo;
Que é absurdo gostar do mal alheio,
Quando o próprio a instantes está vindo.
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