domingo, 27 de outubro de 2024

José Feldman (Poetizando) * 5 *

 

Carina Bratt (Lembranças de momentos que não vingaram)

A NOSSA VIDA cotidiana, com a sua tendência de desenhar o futuro com as cores as mais variadas, de um passado, muitas vezes um ‘ontem’ ainda recente, nos presenteia com lembranças que se entrelaçam no tempo. Em meio a uma dessas alfombras, destacaria um par de memórias que persistem até hoje, como marcas de um amor bonito, que se foi para sempre. A primeira, dá conta de um passeio pelas areias da praia da Avenida Atlântica, em Copacabana, ao tempo em que um final de tarde se engrandecia de cores as mais variadas. O sol, em seu derradeiro ato de esplendor, mergulhava, lá longe, no horizonte, como um artista que se despede de seu público. Tudo tingia o céu em tons inesquecíveis. Caminhávamos, eu e o meu amor, lado a lado, os pés na areia fria e molhada, enquanto o vento brincava com nossos cabelos. 

Conversávamos sobre sonhos e medos, e um futuro incerto que, naqueles momentos, parecia repleto de possibilidades. As ondas, suaves e ritmadas, se faziam testemunhas silenciosas da nossa cumplicidade. A sensação de estar imerso naquele instante, nada mais que a plenitude, como se o tempo (o nosso tempo) tivesse decidido estancar para nos deixar aproveitar a perfeição de cada segundo. A outra lembrança, me remonta para uma noite enfeitada por um manto de estrelas que iluminava o firmamento claro e profundo. Estávamos deitados na rede da minha varanda enorme, encolhidos embaixo de um cobertor que cheirava a vinho gelado e uma porção de queijos fatiados. O Cristo do Corcovado, iluminado, parecia nos abraçar. A Borges de Medeiros gritava socorro para a Lagoa Rodrigo de Freitas, em vista dos carros que passavam buzinado num alarido incontrolável. 

Conversávamos em sussurros, nosso calor corporal se misturando ao calor do ambiente. Havia uma espécie de serenidade naquele momento, tipo uma intimidade que parecia transcender as palavras. As conversas se tornavam confissões, sonhos e esperanças sussurradas aos calcanhares de nossos escutadores de novelas. O mundo exterior desaparecia, e o espaço entre nós se tornava um refúgio acolhedor e seguro. O amor, assim como essas lembranças, é efêmero e, muitas vezes não, ou seja, difícil de manter. O passeio à beira-mar e à noite, na varanda do meu "apê", apenas capítulos de uma história de amor (de amor?!), que inevitavelmente nem aconteceu e, da mesma forma, se encerraria num minuto de segundo que marquei como ‘estranho.’ 

Mas, mesmo após a partida dessa pessoa, esses mimos permaneceram como marcas indeléveis na minha memória. Eles são como pequenas âncoras no tempo, nos permitindo, nos revisitando num ‘ontem passado,’ onde o amor parecia eterno e incontestável. Amor? Não foi! Hoje, essas ‘quimeras', de vez em quando surgem como ecos suaves, em momentos de solitude —, ou melhor dito —, de uma completude, nos moldes de uma tapeçaria de emoções que nos lembra, em segundos de fraquezas, que apesar da transitoriedade do amor, ele deixou um rastro de beleza, mas sem nenhum significado para ser auspiciado ‘para depois.’ E assim, mesmo, após a figura se ter ido embora (eu disse amor no sentido figurado, bem entendido) essas memórias permaneceram imutáveis como testemunhas de algo verdadeiro e profundo (não —, não foi verdadeiro e menos ainda profundo). 

Euzinha diria, sem medo de bater com a cabeça nos teclados do meu piano, nada além de um lembrete que, por mais breve que tenha sido o amor, ou algo parecido com ele, deixou dentro de mim... não —, não deixou porcaria nenhuma. Esse encontro foi muito rápido e rasteiro, sem banho, sem cama, sem calcinha jogada no chão, sem roupa cheirando a suor... não rolou nada na precipitação de dois ou três copos de vinho e minúsculos pedacinhos de queijos fatiados. Em seguida, nenhum telefonema, nenhum vídeo com a gravação de um ‘olá’ ao vivo, no WhatsApp.  De tudo, restou por aqui a bela figura grandiosa do Cristo iluminado, a Borges de Medeiros ensurdecendo os meus tímpanos com buzinadas chatas de algum idiota e, para variar, um casal, no andar de baixo, trocando efusivos palavrões e se estapeando —, um atirando pratos e talheres no outro. 

Motivo? Muitos! Vou trazer à baila, apenas o essencial. O menininho deles, um sapeca de três anos, aos cuidados de uma cadeira irresponsável e irrequieta, quase deixou que o guri se aventurasse a dar uma de Ícaro. O engraçadinho piá, ao invés de voar em direção ao Corcovado, tentava se projetar dela, se esgueirando acima do peitoril, para o precipício distanciado da calçada fria deitada ao longo da via, lá no térreo, essa via, coitada, os sentidos a mil por hora,  porém, emudecida, sem ação, a língua presa, o coração a quase duzentos (calçada também tem coração) sem poder, sequer, avisar ou interfonar para os irresponsáveis pais do pestinha, o perigo iminente —, a grosso modo —, voar na jugular do seu Moacir (o nosso porteiro do turno da noite). Graças a Deus, o molequinho foi resgatado, a mãe do menino entrou no hospital da Lagoa, cheia de hematomas. A cadeira, no lixo, sem direito a reclamar seu salário e o pai, ainda no calor da contenda, aos berros, espinafrando ele mesmo e as paredes.

Fonte: enviado por Aparecido R. de Souza

Vereda da Poesia = 143 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Dia de chuva.
Ruazinhas esburacadas
pra desviar das poças d’água
o rapaz pulava amarelinha
com a namorada.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Contradição bem marcada,
que teima em nos separar:
- Meu amor toca a alvorada,
e o teu não quer acordar..
= = = = = = 

Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Grãos

A palavra tem o poder da semente,
Que às vezes não tem outra alternativa
A não ser tornar-se forte e resistente,
Para que seu conteúdo sobreviva.

Vejo plantas, que já foram frágeis grãos,
Germinarem, comprovando as escrituras,
Procurando esgueirar-se pelos vãos
Do concreto, sem nem ter semeadura...

Solos férteis são corações preparados
Para o fado de abrigar tantas sementes...
Quando os caules já não são fragilizados,

Às raízes se espalham pelo chão...
É assim com as palavras envolventes
Que alicerçam-se, criando novos grãos.
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
ANTÔNIO GONÇALVES HUDSON 
Santo Antônio do Grama / MG

Encanta-me ver na luta
do artista muito inspirado
emergir da pedra bruta
o gesto mais delicado...
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Gotas de luz e sombra

Em forma de conchas
Com textura
De pétalas brancas
A flor retém as gotas d’água,
Enquanto
Delicados riscos
Em tons de magenta
Mesclam-se
Nessa taça diáfana - líquida
Gerânio em gotas,
Espelhos...
= = = = = = 

Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Princesa e a Serpente

Na terra de Malavi, uma princesa tão bela,
Nia, a destemida, com sabedoria singela.
Um dia, uma serpente, em seu caminho se aprumou:
“Liberte-me, princesa, e o poder eu te dou.”
Nia, com cautela, refletiu sobre a oferta,
“Prefiro meu valor, a liberdade é certa.”

A serpente, com raiva, atacou enfurecida,
mas Nia, ágil, desviou da investida.
Com um golpe rápido, a serpente caiu,
e a princesa, vitoriosa, seu caminho seguiu.
A liberdade é qual tesouro que deve ser guardada,
e Nia, a guerreira, nunca foi dominada.

O verdadeiro poder vem da liberdade,
e a coragem é a chave da felicidade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Venci! Cheguei a subir!
Nada! Ninguém me ajudou!
Mas comecei a cair,
toda gente me puxou!...
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Doce fada

Melífico, teu beijo verte enlevo, fada
Viajo nos sabores pelo ardor cingido
No vício imerso quero a boca aveludada
Tocando os lábios meus... Delírio é garantido

Teu corpo é sinuoso, encantadora estrada
Desejo imensamente nela estar perdido
Sorver a sedução das curvas emanada
Romper as convenções, fazer o proibido

Na teia irresistível me envolvi contente
Contemplo, arrebatado, um brilho nobre, etéreo
Não posso me negar refém desse fulgor

Faceira, aprisionaste um coração carente
Tingiste de emoção aquele céu cinéreo
Grilhões nos pensamentos colocaste, amor
= = = = = = 

Trova de
RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo (1926 – 2013)

Se na Bondade te elevas
e a mão do bem te conduz,
nenhum príncipe das trevas
irá roubar tua luz!
= = = = = = 

Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC

Chave da vida

Mulher és a fonte de luz,
És o amor que conduz,
Através de ti que a espécie é garantida
Isto porque és a chave de vida!

És da espécie humana, a escolhida.
Para que através de ti o amor seja dissolvido,
Provado, bebido, sentido e o homem esteja onde estiver...
...nunca se esqueça que se ele aqui esta!
Deve muita a ti mulher.

És a luz que ilumina nossos dias!
Muitos deles cheio de tristeza e dor,
Mas com a tua presença, nos fortalece...
Isto porque tu és o amor

Quantas vezes no meu refúgio...
Eu começo a refletir e chego a me emocionar!
Lembrando-me daquela que me colocou no mundo!
E me ensinou a dar os primeiros passos e a caminhar.
= = = = = = 

Trova de
HELOÍSA ZANCONATO PINTO
Juiz de Fora/MG

Orçada em peso e medida,
em valor e qualidade,
tem, por certo, a despedida,
preço igual ao da saudade!
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Bem-querer

Meu coração calou a sua voz;
não quer mais se expressar de nenhum jeito.
fechou-se mudo dentro do meu peito,
qual indeiscente fruto, estranha noz...

E, assim, nesse ostracismo, insatisfeito,
mal-humorado e rude está feroz
porque eu lhe disse que, vivendo a sós,
nós iremos perder nosso conceito...

Francamente, não sei que mais fazer
para ver se ele assume o velho amor,
mesmo à moda de um simples bem-querer...

Então, quem sabe, volte a ser feliz
vivendo junto a quem lhe dá valor
e que outrora provou quanto lhe quis!
= = = = = = 

Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Amor - sentimento forte!
Palavra odiada e querida...
Se é causa de tanta morte,
é a própria razão da Vida!...
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Noite de saudade

A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu ouço a noite imensa soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão’ scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem…
Talvez de ti, ó noite!… Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Dizem que almas não morrem
são imortais... não têm fim...
A minha faz exceção
'stá morta dentro de mim!
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Na simplicidade
fiz-me poesia

Aprendi que nas
nuances da vida
sou viva demais.

Entendi que no minimalismo sou
insana na minha poeticidade raiz
ritmada, em versos não normais.
Entre as novas mesmices, sorrio,
porque menos sempre será mais.
= = = = = = 

Trova Humorística de 
REGINA CÉLIA DE ANDRADE
Magé/RJ

É fome de tal maneira,
que o comilão assumido,
quando vê a cozinheira...
já fica de garfo erguido!
= = = = = = 

Poema de 
BENJÚNIOR
(Benevides Garcia Barbosa Júnior)
Porto União/SC

Ao entardecer...
 
Às vezes fico olhando
Os raios de sol na água
Que vibram como música
Enquanto a tarde se vai...
Outras, me pego cantando
Canções sem rimas
Que surgem a esmo, sem pensar...
Têm dias que o sol não aparece
E fica um tempo triste de se ver;
Então meus passos
Seguem direções impossíveis de saber
Se o horizonte é uma mancha na penumbra
Ou se é o dia que está a morrer...
Os últimos raios tingem o lago sereno
E um vento ameno
Passa trazendo uma saudade fria.
Os primeiros sinais da noite
Chegam com a luz pálida do casario
Enquanto mais além
Com ares suaves de poesia
Uma janela se abre para o amor
Que não vem...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Avó é a mãe que imagina 
que a sua parte já fez... 
mas, quando a missão termina, 
começa tudo outra vez!
= = = = = = 

Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto de Lembrança Antiga

Bom dia ! pé de bugre e aroeira!
Cumprimento essas árvores nativas,
qual se fossem a ausente companheira,
de minha infância das imagens vivas...

Aquela que deixou-me, de maneira
tão bruscamente, em horas aflitivas,
hoje, surge-me à mente toda inteira,
para trazer-me flores sempre-vivas...

Busquei não recordá-la e foi em vão
meu intento sincero e imorredouro,
querendo sepultar essa ilusão...

Depois fiquei sabendo que partiu,
sem saber que pra mim era um tesouro
e nem que me deixava este vazio...
= = = = = = 

Poetrix de
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO 
Salvador/BA

A chave

No âmago de tudo o que sentes...
Mas não adianta me perguntar,
eu também estou procurando...
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

A rosa e o lírio
 
Às horas tantas de uma tarde amena
Um lirio enfeita um prado reflorido
enquanto a rosa confessa à dracena
Antigos ais de um tempo já esquecido...
 
Ao lado canta a gentil açucena
E o prado aos poucos fica colorido
E o vento sopra, observando a cena,
Suavemente,  num doce gemido...
 
Então a rosa, rubra e cintilante
Bebe o alvor do lírio embevecido
E o Tempo pára por um breve instante.
 
O lírio abraça a rosa esfuziante,
E no calor do prado florescido
Revive o amor com sua doce amante…
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Gritei: “- Pare, seu Joaquim”,
quando o trem apareceu...
Ele ainda olhou pra mim,
falou: “Ímpare!” e morreu...
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Sossega, coração! Não desesperes!

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Liberdade, em termos sãos,
vale mais se, humildemente,
podendo retê-la em mãos,
nós a damos de presente!
= = = = = = 

Hino de 
Além Paraiba/MG

Cidade Força e Trabalho
- Grandiosa, hospitaleira -
Tu és Além Paraíba
- Glória da terra mineira! (bis)

É o teu céu de um azul muito azul
- Que o sol de prata ilumina.
E o Paraíba que histórias ensina
Sob o Cruzeiro do Sul!

Terra bendita de ordem e de paz
Terra riqueza e fartura:
Ser um teu filho que doce aventura!
É ser ditoso assaz!
= = = = = = 

Trova de
ODENIR FOLLADOR
Palmeira/PR, 1948 – 2021, Ponta Grossa/PR

Quisera ninguém mais visse
nem ódio, guerra ou maldade,
que todo mundo se unisse:
em raça, cor e amizade.
= = = = = = 

Soneto de 
BERNARDO TRANCOSO
(Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso)
Vitória/ES

Micro-Sentidos

Eu queria ser bem pequenininho,
Prás curvas do teu corpo atravessar;
Grutas, vales secretos decifrar;
Escalar as montanhas, com jeitinho.

Tão logo me cansar, ir rumo ao ninho;
Num carinho, por tua boca entrar,
Buscando o coração; quando alcançar,
Me alojar dentro dele, de mansinho.

Lá, só não sei se vou ter condição
De aguentar teu calor, sem derreter;
De aceitar outro ser: mãe, pai, irmão.

Pequeno, ao ver tão grande amor nascer
Que, por maior que seja o coração,
Nem no meu, nem no teu, não vai caber.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Não temo o mar que me nega
ser mais branda a travessia.
Temo sim, a mente cega
que me bloqueia a ousadia!

José Feldman (Mini-contos) 1 –> 5


A Solidão do Pintor 
Na pequena sala, o pintor observava a tela em branco, seu único companheiro. As cores dançavam em sua mente, mas o medo da crítica o paralisava. Dias passavam, e as sombras se acumulavam. 

Uma tarde, ao misturar tintas, descobriu que a solidão podia ser sua musa. Com cada pincelada, sua dor se transformou em arte. Finalmente, a tela revelou não apenas suas cores, mas sua alma. 

Felicidade na Simplicidade 
Certa manhã, Maria acordou com o canto dos pássaros. Decidiu preparar um café especial e sentou-se à mesa. Observou as flores pela janela e sorriu ao lembrar de momentos simples. A felicidade, pensou, não estava nas grandes conquistas, mas nas pequenas alegrias. Ao dar o primeiro gole, compreendeu que a vida era feita de detalhes. E assim, a simplicidade se tornou seu maior tesouro. 

O Abandono do Cachorro 
No canto da rua, um cachorro esperava. O frio da noite não o intimidava, mas a solidão do abandono o marcava. Havia sido amado um dia, mas agora, seu olhar refletia tristeza. Um menino, ao passar, parou e se agachou. Com um gesto suave, acariciou o animal e levou-o para casa. O amor resgatou o pequeno ser, e a solidão se desfez no calor de um novo lar. 

Lições da Escola 
Na escola, Ana se sentia invisível entre os colegas. As risadas e conversas pareciam distantes, como ecos em um túnel. Um dia, a professora pediu que escrevessem sobre um sonho. Ana, hesitante, compartilhou sua paixão por dançar. Ao final, recebeu aplausos sinceros. Naquele instante, percebeu que, mesmo na solidão, sua voz poderia ser ouvida. A escola, então, tornou-se um lugar de descoberta. 

Um Dia de Chuva 
A chuva caía, formando poças nas calçadas. Lucas decidiu sair, mesmo com o tempo inclemente. Cada gota que caía parecia lavar a tristeza acumulada. Ele pulava nas poças, rindo como uma criança. O som da chuva era uma sinfonia, e a solidão se dissipava. Naquele dia, aprendeu que até mesmo a chuva pode trazer alegria. 

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

Recordando Velhas Canções (Saudade da Bahia)

(samba, 1957)


Compositor: Dorival Caymmi

Ai ai que saudade eu tenho da Bahia
Ai se eu escutasse o que mamãe dizia
“Bem não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão”

Ai se eu escutasse hoje eu não sofria
Ai essa saudade dentro do meu peito
Ai se ter saudade e ter algum defeito
Eu pelo menos mereço o direito
De ter alguém com que eu possa me confessar

Ponha-se no meu lugar e veja como sofre
Um homem infeliz  
que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz

A Melancolia e a Nostalgia em 'Saudade da Bahia'
A música 'Saudade da Bahia', composta e interpretada pelo icônico Dorival Caymmi, é uma expressão lírica da melancolia e da saudade, sentimentos profundamente enraizados na cultura brasileira, especialmente no que diz respeito ao apego às origens e à terra natal. A letra reflete a dor de um indivíduo que, distante de sua terra natal, a Bahia, sente um vazio emocional que é exacerbado pela distância e pela lembrança dos conselhos maternos ignorados.

A canção começa com um lamento, uma confissão de arrependimento por não ter ouvido os conselhos de sua mãe. A figura materna é apresentada como uma voz da sabedoria e da prudência, alertando sobre as maldades e ilusões do mundo. A saudade é descrita não apenas como uma falta, mas como uma condição que pode ser vista como um defeito, algo que o protagonista da canção sente que precisa confessar, como se fosse um pecado ou uma fraqueza.

A música também aborda a crítica social ao ideal de felicidade associado à glória e ao dinheiro, sugerindo que esses valores são insuficientes para preencher o vazio deixado pela ausência da terra amada. A saudade, portanto, é mais do que uma simples falta; é um estado de espírito que revela uma verdade mais profunda sobre o que realmente importa para a felicidade humana. A canção de Caymmi é um convite à reflexão sobre as escolhas de vida e sobre o que realmente nos faz felizes, além de ser um retrato da identidade cultural baiana e brasileira.

"Saudade da Bahia" nasceu numa tarde calorenta do verão de 1947. "Eu estava sozinho num bar perto de minha casa no Leblon, o Bar Bíbi, chateado com a agitação da cidade, quando me ocorreu a ideia", recorda Dorival Caymmi. "Era uma ideia tão melancólica - logo eu que sou otimista - que resolvi guardar a canção para mim, mostrando-a apenas a alguns amigos mais íntimos."

Daí se passaram dez anos até o dia em que Aloísio de Oliveira, um desses amigos, convenceu o compositor a gravar "Saudade da Bahia". Diretor artístico da Odeon na ocasião, Aloísio estava ansioso para faturar na esteira do sucesso de "Maracangalha" e, como Caymmi não tinha composições novas, sugeriu: "E por que não aquela que fala de saudades da Bahia?" Assim, programada às pressas, "Saudade da Bahia" foi gravada, batendo recordes de vendagem, o que lhe proporcionou um prêmio especial de uma cadeia de lojas de São Paulo.

Fontes:
https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/401202/significado.html
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo - Vol. 1.

sábado, 26 de outubro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 62: Luzes da Ribalta

 

José Feldman (Os caçadores das compras perdidas)

Era uma manhã ensolarada quando Epitáfio de Carvalho Troncoso, um homem de meia-idade, decidiu que era hora de fazer compras no supermercado. Sua esposa, Dona Etelvina, uma mulher de coração grande e paciência infinita, concordou em acompanhá-lo. Afinal, a última vez que Epitáfio foi ao mercado sozinho, ele trouxe para casa uma caixa de chá de hibisco, um item que ninguém lembrava de ter pedido.

Assim, armados com uma lista de compras que, segundo Dona Etelvina, era "um pouco mais longa do que o habitual", eles adentraram no supermercado. A atmosfera estava cheia de aromas de pão fresco e frutas maduras, e Epitáfio, que por anos havia se considerado um expert em compras, estava confiante.

"Vamos começar pela seção de frutas", sugeriu Dona Etelvina, já mirando as maçãs. 

Epitáfio, no entanto, estava mais interessado em fazer uma competição com ele mesmo: quantas maçãs conseguiria pegar de uma vez? Ele se agachou, esticou os braços e, no meio da sua acrobacia, acabou derrubando uma maçã que rolou para longe.

"Uma já foi", ele disse, rindo. 

Mas a coisa não ficou por ali. Enquanto tentava pegar a maçã perdida, ele se distraiu e, sem querer, esbarrou em uma prateleira de latas de molho de tomate, que começou a desabar como uma cascata descontrolada. Latas rolavam para todos os lados, e Epitáfio ficou paralisado por um momento, tentando avaliar a situação.

"Querido, você não acha que está exagerando?", perguntou Dona Etelvina. "Isso é um supermercado, não um circo!"

Epitáfio, em sua defesa, apenas deu de ombros e continuou a coleta das latas caídas. Ao menos algumas delas estavam intactas.

Após o "incidente do molho de tomate", eles prosseguiram para a seção de cereais. Dona Etelvina sempre dizia que era a parte mais tranquila, mas Epitáfio, que não conseguia resistir a um bom desafio, decidiu que era hora de testar a resistência dos pacotes de cereal. Ele começou a empilhar os pacotes um sobre o outro, como se estivesse construindo uma torre de Babel.

"Se essa torre cair, vai ser um desastre", alertou Dona Etelvina. 

No entanto Epitáfio estava determinado. "Confie em mim, vai dar certo!" 

Naquele momento, tudo parecia tranquilo, até que, em uma fração de segundo, um pacote de cereal escorregou e, como um efeito dominó, derrubou todos os outros. Cereais voaram para todos os lados, e Epitáfio estava, mais uma vez, cercado por uma cena digna de comédia pastelão.

"Você é mesmo um talento para desorganizar tudo, Epitáfio!", comentou uma senhora que passava, rindo da situação. 

Epitáfio, com um sorriso amarelo, começou a juntar os pacotes, enquanto Dona Etelvina tentava ajudar. Mas na tentativa de recolher os cereais, Epitáfio começou a se irritar.

"Por que sempre eu?", ele resmungou, olhando ao redor, como se estivesse no centro de um espetáculo de teatro. "Todo mundo aqui é tão calmo, e eu sou o único que parece um maluco!"

Dona Etelvina, tentando aliviar a tensão, disse: "Querido, relaxe! Isso é só um dia de compras. Não vale a pena perder a paciência."

Finalmente, após o que parecia uma eternidade, Epitáfio e Dona Etelvina conseguiram completar a lista. Mas, ao se dirigirem para o caixa, a carrinho de compras, já cheio de itens, parecia um verdadeiro campo de batalha: frutas, cereais, e uma quantidade razoável de latas de molho de tomate estavam misturados, parecendo uma obra de arte moderna.

Assim que passaram pelo caixa, Epitáfio se distraiu novamente, olhando para uma promoção de biscoitos. E, claro, foi o suficiente para que o carrinho, que já estava em estado de colapso, cedesse. Tudo se espalhou pelo chão: biscoitos, frutas, e até um pacote de arroz que, por alguma razão, decidiu se juntar à festa.

"Não, não, não!" gritou Epitáfio, em um momento de desespero. Ele se agachou para pegar as coisas, enquanto outros clientes olhavam, divertidos. 

Algum tempo depois, ele se levantou, tentando manter a dignidade, mas a cena era insustentável.

"Eu não aguento mais!", ele exclamou, olhando ao redor. "O que eu fiz para merecer isso? Até o arroz está me olhando com desprezo!"

Dona Etelvina, rindo, colocou a mão no ombro dele. "Amor, acho que precisamos de mais do que apenas compras. Precisamos de uma boa dose de calma! Vamos para casa e esquecer isso tudo."

Epitáfio, ainda um pouco frustrado, concordou. 

"Ok, mas da próxima vez que você me acompanhar para o mercado, prometo não fazer mais malabarismos com as maçãs!"

E assim, com o recolhendo as compras espalhadas pelo chão, Epitáfio e Dona Etelvina deixaram o supermercado, prontos para enfrentar a próxima batalha da vida a dois: a cozinha.

Retornando para casa, foram organizar a cozinha.

Epitáfio: (segurando um pacote de arroz aberto) Olha, Etelvina, acho que esse arroz decidiu se rebelar contra nós. Está mais espalhado do que dentro da embalagem!

Dona Etelvina: (rindo) É, parece que ele queria ver o mundo. Ao menos, agora temos um "arroz à la chão".

Epitáfio: (suspirando) Se eu soubesse que ia ser assim, teria me limitado a comprar um pão e um queijo.

Dona Etelvina: Ah, vai! Você sabe que as compras nunca são só pão e queijo com você. Sempre tem uma aventura à vista!

Epitáfio: (brincando) Aventura é uma coisa. Mas eu não assinei para ser o protagonista de um filme de comédia!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você está se saindo muito bem na sua atuação. Olha só essa cena do arroz!

Epitáfio: (começando a rir) Verdade. Vou me candidatar ao Oscar de “Melhor Desastre em Supermercado”.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) A gente poderia fazer um filme sobre isso. “Os Caçadores de Compras Perdidas”!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca!

Dona Etelvina: (com um olhar divertido) E eu seria a heroína que tenta salvar o dia, mas acaba rindo da situação.

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) E o vilão? Quem seria o vilão da nossa história?

Dona Etelvina: (pensativa) Acho que seria o molho de tomate. Sempre pronto para causar uma explosão!

Epitáfio: (apontando para o chão) Ou o arroz, que decidiu se espalhar como um exército rebelde!

Dona Etelvina: (rindo) Isso! Precisamos de um grande final, com todos os ingredientes se unindo para fazer um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Que tal um arroz carreteiro? Assim, o arroz rebelde se redime!

Gato (Bolota): (entrando com um ar de desdém) E eu aqui, esperando um pouco de respeito. Esse chão não é um buffet, sabia?

Epitáfio: (surpreso) Olha quem apareceu! O nosso crítico gastronômico felino! O que você acha do nosso “arroz à la chão”, Bolota?

Bolota: (lambendo as patas) Precisamos conversar sobre a apresentação. Não é assim que se serve um prato!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você, o que sugere, senhor gourmet? Um prato sem arroz?

Bolota: (com um olhar arrogante) Bem, um pouco de atum na receita não faria mal. Mas, por favor, nada de bagunça!

Epitáfio: (brincando) Atum? Você não foi ao supermercado, foi? Se fosse, teria visto o que aconteceu lá!

Bolota: (com um olhar cético) Isso não é desculpa. A organização é fundamental, mesmo em meio ao caos.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) E você, o que vai fazer? Ficar sentado enquanto nós limpamos a cozinha?

Bolota: (dando um salto para uma prateleira) Eu estou aqui para garantir que nada do que vocês preparam venha a me incomodar. E se sobrar algum atum, eu aceito!

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) Olha, Bolota, se você nos ajudar, prometo que vou procurar um atum especial na próxima compra.

Bolota: (sorrindo com um ar de superioridade) Isso é um bom começo. Mas não se esqueçam da apresentação!

Dona Etelvina: (brincando) Claro! Atum em um prato bem decorado, com um toque de arroz do chão!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca, enquanto o gato dá as ordens!

Bolota: (com um olhar de aprovação) Finalmente, você entendeu seu papel.

Dona Etelvina: (rindo) Vamos lá, então! Com as nossas forças e a ajuda do nosso crítico felino, faremos um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Combinado! E que venha o próximo supermercado, porque com você e o Bolota, sempre há histórias para contar!

Bolota: (com um ar de sabedoria) E lembrem-se: a próxima vez, menos bagunça, mais atum!

Dona Etelvina: Perfeito! Vamos juntar nossas forças na cozinha e fazer isso acontecer. E, claro, sem mais malabarismos!

Epitáfio: (com um olhar determinado) Combinado! Agora vamos fazer esse jantar e deixar as aventuras para o próximo dia de compras!

Dona Etelvina: (com um sorriso) Isso! E que venha o próximo supermercado, porque com vocês haverão histórias para contar!

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.