sexta-feira, 28 de março de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 29 *

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JOSÉ FELDMAN, poeta, escritor e gestor cultural nasceu em São Paulo, mas se radicou no Paraná desde 1999. Trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas em São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos. Diretor cultural. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, Assina seus escritos pela cidade de Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Newton Sampaio (O cântico)

| I |
Eu amo a luta, transfiguradora e fecunda, em seus agudos instantes de plenitude.

Eu amo, eu amo a luta como se me apresenta, quando a vida me sorri, e quando a vida me castiga. Porque a luta tem a beleza intrínseca, como a fonte tem a água e o sol tem a luz.

| II |
Eu não gosto do céu nessas noites macias em que a lua romântica vai tecendo madrigais a seu amante milenário.

Eu gosto do céu quando o sol faz doer os olhos dos homens atrevidos.

Eu gosto do céu quando o céu enche o mundo de claridades que deslumbram.

| III |
Eu não gosto do mar quando as ondas só fazem carícias à praia brancacenta.

Eu gosto do mar quando o mar é fúria desencadeada enchendo o ar com estrondejamentos de apocalipse.

| IV |
Eu não gosto do vento quando a folhagem apenas baila um bailado pequenino.

Eu gosto do vento quando os cedros descrevem curvas penosas, e toda a floresta fica gemendo na devastação absoluta.

| V |
Eu vejo refrações magníficas na pele de trabalhadores que suam em trabalhos rudes.

Eu me sinto orgulhoso quando minha própria fronte é um só porejar abundante.

Eu bebo meu suor sem nojo, como os selvagens deglutem religiosamente os restos de seus guerreiros mortos.

| VI |
Eu bendigo o rosário de inquietações que o destino me concedeu, porque por essas contas se há de medir a força de minha mocidade.

Eu bendigo os golpes com que o mundo me faz sofrer, porque esses golpes estão pondo à prova as energias de meu espírito.

Eu bendigo, eu bendigo a sanha dos que me combatem e a impiedade dos que me odeiam, porque, com esse ódio e com esses combates, incendiarei substâncias novas do meu ser.

| VII |
Eu abomino as horas longas e largadas; porque nas horas largadas e longas, não se erguerão as catedrais imperecíveis.

Eu fujo do silêncio porque o silêncio é mensagem da noite e a noite é ausência do Sol.

| VIII |
Eu não quero morrer na posição que todos ensaiam, no fim do dia.

Eu quero morrer varando o azul em saltos incríveis. Ou rasgando o chão pela força de velocidades inauditas. Ou sentindo, no fundo da vida, onomatopeias de sangue gorgolejando, de todas as carnes se abrindo...

| IX |
Porque o cântico do homem novo é um cântico de guerra.

Escreve a última frase, larga a caneta. Chega-se à janela e respira fundo, deliciado.

Consulta o relógio.

— Tão cedo! Podia passar tudo a limpo, agora. Reflete.

— Não. De noite é melhor

Arruma o cabelo, prepara o nó da gravata, enquanto relê os períodos mais importantes.

— Modéstia à parte, esse negócio está bem passável. Só que me saiu um tanto bolchevista. Mas não faz mal. De vez em quando se deve assustar os burgueses...

Veste o paletó. Examina-se ao espelho. Sai do quarto assobiando um samba vitorioso.

Na sala de jantar, Clarita estuda um figurino.

— Que é isso? Tomando vento nas costas? Não tem medo de uma pneumonia?

— De uma não. Só de duas.

— Engraçadinha!

Fecha a porta do corredor.

— Onde está meu guarda-chuva?

— Pra que guarda-chuva?

— Ora, pra quê...

— Com esse tempo firme?

— Tempo firme, nada! Então eu não conheço este Rio de Janeiro?

Mira-se no espelho da étagère (estante). E recomenda:

— Não discuta mais com seu Gonçalves, ouviu? Não quero nenhuma encrenca com vizinhos.

(Eu amo a luta, transfiguradora e fecunda...)

— Mas o rádio do português é insuportável, Raimundo.

— Embora.

— Você fala assim porque não passa o dia inteiro em casa, como eu.

Não retruca. Faz o último exame no traje.

— Bem. Vou indo.

— Há mais tempo.

Ganha a rua. Um automóvel passa chispando. Tapa o nariz com o lenço, por causa da poeira.

— Maluco!

Espera que o sinal fique bem aberto, antes de atravessar.

— Vou eu aí quebrar a cabeça, por imprudência...

(Eu quero morrer varando o azul em saltos incríveis).

Perto do poste de parada, os homens da Companhia trabalham ruidosamente. Um negro exibe ao sol o dorso nu. Sua em bica.

— Xexéu safado!

(Eu vejo refrações magníficas na pele de trabalhadores...)

O veículo não tarda.

— Fazem um barulho, estes bondes...

(Eu fujo do silêncio porque...)

Procura lugar, pedindo licença a meio mundo. Senta-se.

A perspectiva de mais um inútil dia de repartição lhe dá certa melancolia. Conforta-o, entretanto, o acontecimento da nova página.

O bonde faz a volta da rua Bambina, e Raimundo dos Santos Filho começa a recapitular, inteiramente absorto, o “Cântico do Homem Novo”.
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NEWTON SAMPAIO natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 235


Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

AOS QUE COMEÇAM...

Se escreves, nesse humilde e obscuro anonimato,
a enfrentar, com denodo, os lances audaciosos,
para a glória de um texto ou graça de um relato,
que não te anule o brilho, astral, dos mais famosos!

Sabes bem que o trabalho é teu fiel retrato.
Se és capaz de conter delírios ambiciosos,
no labor hás de ter o perfil mais exato
do ideal que conduz à frente os vitoriosos!

Quem folheia um jornal, pela manhã bem cedo,
desconhece, por certo, a nobre e intensa lida
que envolve o jornalista em seu diurno enredo.

Mas, quanto o valoriza aquele que, enfim, pensa:
- como seria o mundo apático e sem vida,
sem o bravo clamor... das máquinas da imprensa!
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

INCÓGNITO

Parti no alvorecer, ainda menino,
à procura do Amor e da Verdade
mas antes de se por o sol a pino
entre pedras perdi a identidade.

Debalde tento agora reencontrá-la
em cada esquina, em cada gesto e olhar...
- Quem sou?  -  pergunto ao céu e ele se cala;
- Que sou? – desesperado indago ao mar.

E sem respostas – pássaro sem ninho –
vou pela vida na indefinição
de quem procura, às cegas, um caminho
para o porto inseguro da ilusão.
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Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ

ESPERANÇA ANTE A PRAGA

Tantos se foram, Pai, ante esta maladia 
arrepiante que arrebata tantas vidas!
Toda a alegria viu-se filha da agonia!
Tantas famílias hoje mortas e falidas! 

Valas comuns a gente amada em galhardia!
Pilhas de corpos lado a lado desvalidas!
Um frio intenso pela espinha me aturdia 
até que ouvi sacras palavras perseguidas. 

Tal como a praga pipocara ardentemente,
uma esperança veio a então cristalizar-se
na ponta doce duma agulha que nem arde!

Santa vacina abençoada, um grão presente
como o do trigo a gerar pão, multiplicar-se 
e salvar vidas cedo, agora e mesmo tarde! 
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

A dor que meu peito tem,
meu coração não publica.
Tome amor com quem quiser
que essa mágoa cá me fica.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O BAILE NA FLOR

Que belas as margens do rio possante, 
Que ao largo espumante campeia sem par! 
Ali das bromélias nas flores doiradas 
Há silfos e fadas, que fazem seu lar... 

E, em lindos cardumes, 
Sutis vaga-lumes 
Acendem os lumes 
P'ra o baile na flor. 

E então — nas arcadas 
Das pet’las doiradas, 
Os grilos em festa 
Começam na orquesta 
Febris a tocar... 
E as breves Falenas 
Vão leves, 
Serenas, 
Em bando 
Girando, 
Valsando,
Voando no ar! …
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

TUDO É IMPORTANTE?
NÃO!

Só é importante o que eu quero que seja!
Os teus lábios cor de cereja
O teu sorriso que abraça o meu
O teu corpo mel
E, o meu corpo, extensão do teu…

O teu olhar que me encanta
No rio ou no mar sempre me espanta
A maneira do sorriso do teu olhar

Quando me canso do dia
volto para ti,
tudo é harmonia.
Foram minutos que perdi
que são preciosos todos os dias

Nas madrugadas despertas
Nas horas tão incertas
O sol sempre nasce
mesmo que não apareça

Tu sentes o calor do abraço
Não existe espaço entre nós
O coração bate no mesmo compasso
No mundo que é só nosso!
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

BEIJOS MORTOS

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Folhas pelo chão,
São meus sonhos que se arrastam
cheios de ilusão!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

CAÍRAM, UMA A UMA, PELO CHÃO
(Verso de Glória Merreiros)

Caíram, uma a uma, pelo chão
As perlas que eu chorei e tu choraste
Nessa hora em que, triste, me abraçaste
Fugindo ao mundo vil da solidão.

Tão frágil, a sofrer, teu coração
Batia no teu peito feito haste
Ao vento dessa dor que recusaste
E punha o teu olhar na escuridão.

De amor puxei teu corpo contra o meu
E quando a força usada me doeu
Eu cri que os nossos braços deram nó.

Mais forte do que nunca o nosso abraço
Deixou entre nós dois tão pouco espaço
Que eu soube que no amor somos um só.
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Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

LINDÓIA

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Sou uma leve brisa,
o beijo do dia.
Uma lágrima na noite
fria, solidão sombria.
Sou doce perfume,
suave sangria.
Gargalhada aprisionada
ou veneno, sua alforria.
Sou a rosa do tango,
drama na alegria.
Rodopiando na valsa
sorrio, faço poesia.
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

MEU VERSO

Cheguei aqui para escrever meu verso,
trago papel, caneta e o pensamento.
Quero implorar à musa do Universo
inspiração e amor no meu intento.

Se este mundo se mostra tão perverso,
quero a flor, o perfume e o sentimento,
que o coração, contrito, esteja imerso
neste festim da rima, o meu alento.

Que a natureza, então, em vivas cores
seja mostrada em todos seus valores
e no meu verso não tenha rival.

Minha esperança é ver a natureza
amada, respeitada e com certeza;
- meu soneto seria universal! 
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

FALA-ME…

Fala-me ao nascer do dia,
no primeiro raio de Sol.
Fala-me com o perfume das flores
e eu pintarei o arco-íris com outras cores.

Fala-me ao entardecer,
quando o céu encontra o mar.
Fala-me com o voar das andorinhas
e eu mandar-te-ei lembranças minhas.

Fala-me no silêncio da noite,
na tranquilidade da cidade.
Fala-me com um simples olhar
e eu deixar-me-ei por lá ficar.

Porque entre nós as palavras são escassas,
são os nossos gestos que falam por si.
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Apressados
passos
passam.
Por que
não passeiam?
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Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

O ORATÓRIO

Ao atender meu apelo
se a vida se faz ingrata,
chego a sentir o desvelo
com que Deus sempre me trata!
* * *

A casa, da fazenda, imensa e bela!...
No quarto, que o lampião iluminava,
um oratório... e, à noite, acesa a vela,
alegre ou triste, minha avó rezava.

A casa, na cidade, bem singela!...
No quarto, quando o dia se apagava,
um oratório... e eu lembro a imagem dela,
alegre ou triste, minha mãe orava.

No quarto simples, quando a noite cai,
um oratório... e, a sós, eu clamo ao Pai,
alegre ou triste, muito Lhe agradeço

os dons da paz, saúde, vida e amor
e, de mãos postas, louvo ao meu Senhor,
pois deu-me muito mais do que mereço.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

GOSTOSA EMBRIAGUEZ

No teu abraço encontro placidez,
No teu sorriso, singular dulçor,
Na tua boca provo do licor,
Motivo da gostosa embriaguez.

Provoca-me teu corpo sedutor
E, assim, quando passeio em tua tez,
Mergulha o coração em calidez,
São toques revestidos de furor.

Se te entregares, linda, notarás
Meus olhos radiantes a fulgir.
Na busca do prazer sou fera edaz.

Confesso que teu mágico elixir
Maravilhosamente me compraz,
Não posso aos teus encantos resistir.
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Poetrix de
DALTON LUIZ GANDIN
São José dos Pinhais/PR

ARTE
 
Meu papel foi natura.
Agora,
eu imprimo cultura.
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

DESEJO

Sou feita de atos e pensamentos
corpo e alma das letras em ação.
Mas o que mais me identifica e desenha meu perfil
são  as  palavras.
Eu sou o que escrevo, sou a palavra que me  revela
nas  entrelinhas dos meus poemas.
Queria tocar os corações das pedras,
queria que as pedras me lessem!
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

QUEM HÁ DE...

- Quem há de... - indagaste-me, vaidosa- 
fazer minha razão titubear?
Bailávamos... estavas tão charmosa, 
e eu, perdido inteiro, em teu olhar. 

- Quem há de... - retruquei - que causa às rosas-
inveja, mesmo ao se despetalar? 
e tu sorriste tão... maravilhosa... 
que nem meu coração quis mais pulsar. 

Fazendo, do salão, a alegoria
do enredo de um sonho particular, 
o enlevo conduziu-me à fantasia

e quando  me dei conta, despertei... 
- Quem há de ser feliz sem se deixar
levar por este sonho que eu... sonhei?
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Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

AMIGOS

Deus proíbe a livre escolha de um irmão,
Consanguíneo ser gerado pelos pais;
Mas as forças dos Céus não negam, jamais,
Um amigo de verdade a nossa opção.

Quando a dúvida me vinha por inteiro
Face a algumas derrocadas frente à vida,
Foram teus braços abertos a acolhida,
À maneira de um confrade verdadeiro.

Pelas mãos firmes do amigo, pus-me em pé...
Teu apoio proporciona-me energia.
Nossa troca de instruções é sinergia
Que nos faz crescer na vida pela fé.

Horizontes amplos, tem nossa amizade!
Aprendi muito com teus ensinamentos
E também já te passei conhecimentos;
São pilares de total fraternidade.

Sobre o próximo, nós temos convergência
Com propósitos cabais de paz e amor...
Num planeta sem conflitos e sem dor,
Com o "ser" vencendo o "ter" na convivência.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

PARCERIA

Como não te sorrir, se vens tão mansa?…
Silente e a passos lentos me acompanhas,
sem nada me exigir, sem artimanhas;
parceira a me seguir desde criança!…

E como não chorar pelas façanhas, 
tornando-se retalhos de lembrança,
se a idade pesa o prato da balança
e não me deixa chances de barganhas?…

Mas sem queixumes vãos… e sem tolice!
Nascemos “um pro outro”, (eu e a velhice),
e se estou vivo e aqui, é o que interessa.

Acato as leis do tempo, de bom grado,
e até feliz em ter-te, do meu lado…
Se assim não for, eu morro mais depressa!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
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Marcelo Spalding (O uso de pseudônimos para o escritor)

A escolha do nome para um escritor parece simples, mas não é. Muitos alunos entram em crise existencial na hora de escolher o nome para sua primeira participação em coletânea. Eu mesmo só adotei de vez o Marcelo Spalding no meu segundo livro (meu nome completo é Marcelo Spalding Perez, e meu pai não ficou muito feliz de eu ter aberto mão do nome Perez).

Mas há casos que são mais complicados do que uma simples escolha de sobrenome: quando a pessoa não quer ser identificada e escolhe usar um pseudônimo.

Eu diria que há dois casos de pseudônimos: o primeiro é quando a pessoa escolhe o pseudônimo por uma questão comercial, como uma marca. Ela acredita que o pseudônimo vai ser melhor do que usar o nome dela pessoal, às vezes até as pessoas ao redor já conhecem ela por esse pseudônimo. Tony Ramos, por exemplo, é o pseudônimo do grande ator chamado Antônio de Carvalho Barbosa. O nome de nascimento da Xuxa é Maria da Graça Meneghel. E por aí vai, são pessoas que adotam esse nome artístico como sendo seu. Caso ela vá criar uma rede social, vai criar com nome artístico, as pessoas do seu convívio social a conhecem com nome artístico, então este caso é um uso de pseudônimo em substituição ao nosso nome original.

Outro caso é quando a pessoa não quer ser identificada pelos leitores, quer usar um pseudônimo para não misturar sua carreira de escritora com sua vida pessoal, profissional ou acadêmica, pois acredita que terá prejuízo em caso de misturá-las. O caso mais famoso é o de Fernando Pessoa, que foi além e criou os heterônimos (personalidades próprias para cada pseudônimo que usava).

Hoje, em tempos de rede social e grande interesse pela figura do autor, por vezes maior do que pela obra, acredito que um autor iniciante só deve usar esta estratégia quando o trabalho que faz ou a vida que ela leva é incompatível com a produção literária que vai produzir. Por exemplo, uma professora de escola infantil que planeja publicar romances de literatura erótica. Ou uma pessoa que trabalha em uma posição vulnerável, como promotor de justiça ou repórter investigativo, e não costuma aparecer em redes sociais por questões de segurança. Mas são situações muito específicas, não é a regra.

Mais comum é que a pessoa opte por preservar sua identidade por medo da reação de colegas, amigos ou familiares a seu tipo de literatura. Sim, a pessoa pode em uma empresa, universidade ou até por questões familiares ou religiosas ficar pouco à vontade de tratar alguns temas que ela trataria na sua literatura, mas não no seu dia a dia. A pessoa pode estar disposta a escrever sobre sua sexualidade, por exemplo, mas não querer discutir esse tema em círculos pessoais, por exemplo. São casos em que criar um pseudônimo paralelo na nossa vida civil nos deixa mais confortáveis.

Não é uma decisão fácil porque não se trata apenas da escolha de um nome, vai afetar, por exemplo, a escolha do nosso perfil nas redes sociais (fundamental para divulgarmos nosso trabalho como escritor). Sempre digo que o ideal é usar o perfil do Instagram que a pessoa já tem, o ideal é usar o nome que a pessoa já é conhecida. Como essa escolha de Marcelo Spalding ou Marcelo Perez eu fiz com 16, 17 anos, estava começando, foi tranquilo escolher usar o Spalding e não usar o Perez. O meu irmão já é conhecido como Perez no banco onde ele trabalha há muitos anos, se de uma hora para outra ele quiser trocar o nome de Perez para Spalding, vai complicar a vida dele.

Então trocar esse nome no meio do caminho é confuso, mesmo que a pessoa não esconda seu rosto, mesmo que a pessoa não tenha algum desses dilemas mais sociais ou políticos envolvidos. Desde adolescente eu tenho gente que me deu aula quando era criança, que me acompanha em rede social, compra meus livros, então a gente traz uma história toda quando a gente começa a produzir literatura, e usar o nome pelo qual se é conhecido desde sempre ajuda muito. Especialmente, claro, quem tem algum nome forte para isso.

Há pessoas que têm nomes um pouco mais comuns. Eu tive uma aluna chamada Paula Fernandes, por exemplo. Quando ela colocava no Google o nome dela, só aparecia a cantora Paula Fernandes. Quem tem nomes que combinados funcionam como um nome específico, um nome sem tanta gente assim conhecida, um nome que no Google ainda consegue aparecer nas primeiras posições, com o qual no Instagram consegue ter um perfil, de preferência a ele.

Cuide apenas que você se sinta à vontade com esse pseudônimo, afinal o que se deseja é que sua carreira prospere e você precise lidar com ele por um longo tempo.
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MARCELO SPALDING é de Porto Alegre/RS, jornalista, professor, escritor e editor, com 8 livros individuais publicados e mais de 120 livros editados. Professor de oficinas de Escrita Criativa presenciais e online desde 2007, fundou e dirige a Metamorfose Cursos. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor e mestre em Letras pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras. Ex-professor universitário, atuou como professor de Escrita Criativa e Jornalismo na graduação e no PPG Letras da UniRitter, além de coordenar o Pós-graduação em Produção e Revisão Textual e a Editora UniRitter. É idealizador do Movimento Literatura Digital, editor dos sites minicontos.com.br e escritacriativa.com.br e autor do livro Escrita Criativa para Iniciantes, além de ter criado o primeiro jogo de tabuleiro de Escrita Criativa do Brasil.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 27 de março de 2025

Adega de Versos 142: Washington Daniel Gorosito Pérez

 
 

Eduardo Martínez (Boteco do Paulete)

Sabe aquela sensação de que algo entrou no ouvido? Não bobagens que entram e saem, mas algo concreto. Digo, concreto no sentido palpável, não massa de cimento para chapiscar paredes. Zumbido! Lembrei! Eis o verbete.
 
— Isso é coisa de velho, Adamastor.

Tal diagnóstico foi proferido por Paulo, vulgo Paulete, dono do boteco perto do meu apartamento. Grande sujeito, anda com um pano de prato no ombro esquerdo, que usa como arma para tirar a poeira ou, então, acertar as moscas que cismam em pousar sobre o balcão. Mas não se engane, pois o sujeito, além de otorrinolaringologista, é desinibido ao ponto de prescrever medicamentos apropriados para qualquer depressão, inclusive dor de cotovelo, aquela mesma que costuma ser proveniente do coração.

— Adamastor, tenho uma cachacinha da boa, que vai resolver seu problema. Basta colocar algumas gotinhas de limão e mel a gosto. Dois goles curtos a cada cinco minutos durante duas horas sentado naquele banco mais ao fundo. 

— Mas resolve mesmo, Paulete?

— Ô, Adamastor, tá duvidando?

Isso aconteceu quando a Judite... Ah, Judite, por que me abandonastes? O que o Gilmar tem que eu não tenho? Dinheiro? Tem razão. Mas e o amor? Onde é que fica o amor?

Tempos de Judite. Por onde será que anda a mulher? Soube que largou o Gilmar, pois vi o gajo, não faz muito tempo, recebendo o mesmo tratamento que recebi. O gajo parece que ficou pior do que eu, pois a medicação durou quase dois meses pelas madrugadas adentro no boteco do Paulete.

Frequento o local por praticidade, já que é quase extensão do meu ser. A cerveja é sempre gelada, o tira-gosto não é dos melhores, mas a freguesia, tirando um ou outro chato de galocha, não é das piores. 

— Paulete, desce aquela gelada!

— Ô, Plínio, tu pensa que sou trouxa, é?

Plínio, um dos tais malas, tem fama de caloteiro. Não que não pague, mas parece que possui certo preconceito em meter a mão no próprio bolso, ainda mais quando vislumbra a menor possibilidade de fiado. Meu vizinho de porta, não raro, me pede uma xícara de café ou açúcar. Ainda menos raro, pede as duas. 

Teófilo é um dos ilustres frequentadores do bar do Paulete. Um tipo vulgar, que poderia facilmente ser confundido com qualquer outro vira-lata das redondezas. Convive pacificamente com Napoleão, felino de hábitos ociosos como muitos de sua espécie. Não há quem nunca os tenha visto dividindo um ovo colorido, generosamente ofertado pelo dono do estabelecimento, que tem o costume de fazer certas confidências aos dois.

— Se a clientela fosse que nem vocês, aqui seria uma paz completa.

 Carol, mulher com certos atrativos, não sai do local. Tem até mesa cativa, onde lhe é servido café ou guaraná, dependendo da hora do dia. Seu sonho parece que era ser veterinária, mas o vestibular tem lá suas artimanhas. Não conseguiu entrar na faculdade, o que não a impediu, de certo modo, trabalhar com 25 espécies diferentes de animais.

Acredita que o zumbido voltou? Isso, aliás, estava me consumindo. Imaginei até que a coisa pudesse desandar para algo mais grave. Pensando no pior, fui me consultar com o Paulete.

— Ô, Adamastor, já falei que não pode misturar remédio pra labirintite com álcool. Você vai acabar dormindo de novo aqui no meu boteco.

Diante da recomendação, voltei para meu cafofo, onde passei o dia deitado. Afinal, não dá para contrariar o doutor.
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EDUARDO MARTÍNEZ possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 234 =

 

Soneto de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

SECA...

O sol delira! Abrasa! A terra exangue
abre os lábios sedentos! Sem valia,
os rios secam, veios nus, sem sangue,
sugados pelo solo em agonia!

Pele crestada, passo frouxo e langue,
o retirante segue... tem por guia
uma esperança de que o céu se zangue,
lançando sobre a terra a chuva fria!

Chovesse... e voltaria ao mesmo beco...
que enfrentar a caatinga é seu destino!
Mas a chuva não vem... O pranto é seco!

Reza!... O sol, em delírio, mais abrasa!
O céu rubro gargalha! E o nordestino
parte... deixando a própria alma em casa!
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

QUANDO

Quando o fogo destes versos consumir
teus segredos, virtudes e pecados,
eu estarei à margem do caminho
qual Prometeu furtivo te espreitando
para roubar a chama imorredoura
que arde na redoma indestrutível
do teu peito risonho de criança.

 Quando a fome do amor comer meus olhos
impedindo-me de ver as mariposas
que copulam sobre as pétalas noturnas
de um rubro girassol filosofal,
tu estarás oculta entre as miragens
de um sonho metafísico gravado
numa canção latino-americana.

Então, quando isso tudo acontecer,
não seremos , simplesmente, macho e fêmea:
seremos sementes de vida e esperança
a germinar nos campos da existência,
a florescer no amor e dar ao mundo
os cobiçados pomos da poesia.
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Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ

ÀS TUAS JABUTICABAS

O teu olhar de marabá me apresentou
um mundo novo de alegrias e de amor
que até então eu jamais vira com candor
tão denso assim, porquanto Deus me abençoou!

As frutas nobres com que o Pai te galhardeou 
na porcelana dos teus pratos com alvor
eu beijo sempre acalentado usando o ardor
que o bom frecheiro há muitos anos me entregou.

Jabuticabas mui maduras mergulhadas
em meio ao leite nos teus pratos tão morninho
são-me um colírio duplicado com carinho!

Jabuticabas - ó Jesus! - abençoadas
que eu amo tanto, como pérolas douradas
de ostras de atol de um céu azul: do amor um ninho!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quando eu era galo novo
comia milho na mão.
Hoje eu sou galo velho
cato com o bico no chão.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

ONDE ESTÁS

É meia-noite. . . e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?
" Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
"Oh! minh'amante, onde estás?...

Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu'eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?..

Estrela—na tempestade,
Rosa—nos ermos da vida,
Iris—do náufrago errante,
Ilusão—d'alma descrida!
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
. . . E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
"Oh! minh'amante, onde estás?..."
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Porque dizes não quando pensas sim?
É timidez, medo do que eu possa dizer?
Sabes que os teus olhos se focam em mim
Lês tudo o que eu não consigo escrever

Nas entrelinhas dos meus versos
Existe um segredo que se esvai no nevoeiro
Todas as palavras inversas se cruzam
Todos os medos ficam pendurados no bengaleiro

Estou protegida quando chove
Quando ninguém me vê no nevoeiro
Não sou D. Sebastião
Sou mais guerreira!
Não desaparecia do nada para a vida inteira!

Quero ser tudo o que sonho
Sim! O impossível vive em mim!
Perco-me no horizonte e amo o infinito
Sei que o amor é e será assim…
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Cai a tarde mansa.
No por do Sol, no poente,
sombras de esperança!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O QUE SOMENTE UM LOUCO HÁ-DE SONHAR
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)

O que somente um louco há-de sonhar
Uma criança alegre há-de sorrir
Um pobre velho e triste há-de pedir
E um gênio criativo há-de inventar.

Só o que um braço forte há-de alcançar
Uma vontade férrea há-de exigir
Um coração fraterno há-de servir
E a Virgem milagrosa há-de escutar.

Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.

Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há-de ser perfeito.
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Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
= = = = = = 

Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

VIVENDO A DOIS

Recordo, com saudade, a caminhada
que fizemos ao longo desta vida.
Curtimos nosso amor na madrugada,
sem medo de cansaço na subida.

O tempo foi passando em disparada,
como a brisa que sopra na avenida,
e a ventura chegou tão encantada
que nos levou à Terra Prometida.

Andamos devagar pelos caminhos,
trocamos beijos como os passarinhos
e nos amamos com intensidade.

Mas, quando terminar esta jornada,
serás ainda a minha doce amada,
pois te amarei por toda a eternidade!
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Saudade?
Ela é assim
como se fosse
uma ex-felicidade. 
= = = = = = = = =  

Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

LAR... DOCE LAR…

Volto à casa, que "era minha",
risco a calçada e, feliz,
vou pular amarelinha
mas, o pranto apaga o giz!
* * *

Hoje, saudosa, eu volto ao lar antigo
e escancarando a porta semiaberta,
procuro em vão... vasculho o doce abrigo...
Nem pai... nem mãe... a casa está deserta!

E volto ao lar, que dividi contigo...
- Vaivém dos filhos, pela porta aberta...
- Visita alegre de um ou de outro amigo...
E, hoje, é a saudade que o meu peito aperta.

Mas, por deixar pegadas nos caminhos,
não fiquei só!... Cercada de carinhos,
eu sou feliz!... Se volta o sonho louco

do teu amor, acalmo o coração
pois, ao sentir que chega a solidão,
no amor dos filhos eu te encontro um pouco.
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

VENERAÇÃO

Teus contornos gentis, das quimeras senhores
Embebedam de ardor o meu sôfrego peito
Deslumbrado, decanto o desenho perfeito
Donde vertem, querida, aprazíveis olores

Dominou-me a paixão... Ah, confesso que quero
Desse aroma provar saborosos açoites
Te entregar minhas mãos em miríficas noites
Tua pele sentir... O teu corpo venero!

Desde que tu deixaste essa marca escarlate
Impregnaste dulçor nos meus lábios felizes
Transformando em refém da loucura este vate

Com teu vívido olhar maravilhas me dizes
D'alegria fizeste o mais pleno resgate
Não sem causa do amor me deitaste raízes
= = = = = = = = =  

Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

DEPOIS DO VOO

Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me  as  reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha  sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas  estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até  o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram  as  metáforas.
Depois do voo.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

A MAGIA DA PRESENÇA

A nossa triste solidão mais egoísta
tira da lista os amigos mais fiéis...
É sempre assim que a gente perde o que conquista,
pois nossa lista passa a ter poucos viés.

São tão cruéis as solidões propositais,
matam a paz de quem escolhe o abandono
e ter um pouco só de amor nunca é demais, 
porque a dor é que nos faz perder o sono. 

Por mais que a voz chegue gritante ou digitada,
nunca diz nada, comparada à  companhia,
porque a magia da presença inusitada

é iluminada  pelas cores fraternais 
que são capazes de enfeitar de fantasia,
essa alegria que nos torna tão... iguais.
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

A PRÁTICA DO BEM

Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!

Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de  Luz!

Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!

Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!

Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

MEU CHÃO

Maravilhoso, o meu país inteiro:
o manto verdejante que o reveste,
o sul friento, as praias do sudeste;
Copacabana, o Rio de Janeiro...

Sou capixaba, filho de mineiro,
neto de avô que amava o chão do agreste,
amante da cultura do nordeste;
grato por ter nascido brasileiro!...

Mil vidas eu tivesse, com certeza,
eu pediria aos céus, a gentileza 
de conversar com Deus, o Pai gentil...

E, se possível, todas outras vidas,
ao seu humilde servo, concedidas,
de preferência, fossem no Brasil!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

NOITE

Úmido gosto de terra,
cheiro de pedra lavada
— tempo inseguro do tempo! —
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.

Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
— lábio da voz sem ventura! —
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.

A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
— sozinha, com o seu perfume! —
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.

Bem que a vida estava quieta.
Mas passava o pensamento...
— de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
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