sábado, 8 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 123 *


Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Refém feliz

A cada vez que minha dor me diz bom dia,
A poesia brinca com meu pensamento...
Meu coração convida minha fantasia
E anestesia o meu próprio sofrimento.

Meu riso fácil mansamente se projeta,
Poeta ri, quando a poesia é seu espelho,
Mas também chora, quando lhe foge o poeta
E ele se curva à própria dobra de um joelho.

A cada vez que a dor se torna mais severa,
Amanso a fera, afinal, sou domador
Da própria dor que não resiste a essa quimera
Que faz de mim, refém feliz de um sonhador.

Estou aqui e sou feliz... esse é meu jeito
De abençoar meu coração com a alegria
E se o amor mais fraternal bate em meu peito
Ele transforma minha dor em poesia.

Tenho uma história e toda vez que a reconto,
Não ponho ponto, quando finda a narrativa,
É só alguém me ouvir, que encontro o contraponto
Da minha vida e pronto: encontro outra saída.

Deixo um legado para a dor que me provoquem:
A piedade... mas não sei silenciar,
E se eu chorar, quando eu sorrir, não me retoquem,
Preciso rir, sentindo a dor se dispersar.

A cada vez que o desamor me deixa triste,
A dor insiste... mas se ela não me doer,
Sinto-me morto e esse amor que ainda resiste,
É que me faz, sentindo dor, sobreviver.

As dores físicas não pedem permissão...
São atrevidas... sempre vêm sem avisar,
Mas se um rancor atinge em cheio um coração,
A solidão faz razão se emocionar.

E eu não nasci para sofrer, pois Deus me fez
Para sonhar... viver... amar... e ser feliz
E sempre busco me curar a cada vez
Que alguém me fere com palavras pueris.

A minha dor é espontânea e atrevida,
Ela revida toda vez que a desacato,
Mas eu a mato, porque se ela ganha vida,
Brinca com a vida que ainda há no meu retrato.

Faço uma selfie, meu sorriso é imortal
E debochado, quando a dor é insistente,
Pois cada vez que ela vem e me faz mal,
Deus ri comigo e volto logo a ser contente.
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Soneto de 
ALFONSINA STORNI
Capriasca/ Suiça (1892-1938) Mar del Plata/Argentina

A súplica

Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
ainda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.

Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria...
E o outono ainda me encontra à sua espera.

Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estala, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos,

que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!
(Tradução de Oswaldo Orico)
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Trova Popular

Quem tiver filhas no mundo
não fale das malfadadas;
porque as filhas da desgraça
também nasceram honradas.
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Soneto de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
(José Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

Bom dia, amigo sol!

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreendê-la quase nua!
Doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho,
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...
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Poema de
FERNANDO PAGANATTO
São Paulo/SP

Jardineiros

Como é frágil
a planta que nasce
no ventre dos nossos quartos.
Flor de pétalas de seda
e aroma dourado,
de tão duros cuidados.

Floresce na encruzilhada
da magia com a crença
e quando a encruzilhada
encontra-se em nossas camas.

Depois, lá só morre
pela falta de um regador
de olhares.
De um regador de olhares
que rega olhares das manhãs,
das tardes e também das noites,

ou porque, antes,
morreu o solo
acabou-se a magia
ou a crença.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Estado d´alma

O que reflete o meu estado d´alma,
de tudo quanto vi e já conheço,
é a poesia amiga, quando espalma
tão bem a dor do amor, no qual padeço

Quem lê meu verso com bastante calma,
por certo me conhece até no avesso,
pois minha inspiração jamais empalma
tudo que às outras almas ofereço.

Quem lê meu verso sabe, num instante,
se estou tristonho, ou até feliz bastante.
- Mais claro ainda?  -  Olhe nos meus olhos!

As minhas vistas são também janelas,
bastando apenas ver através delas,
se tenho um grande amor... ou só abrolhos!
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Poema de
GERSON NEY FRANÇA
São Paulo/SP

Crepúsculo

O crepúsculo não faz jus
Ao silêncio do teu sono
Se abandona toda a luz
E a luz ainda é incômodo

A mudez da madrugada
Vem fazer tanto barulho
No rugir do som do nada
Seus arroios, seus arrulhos...

Mesmo o ar se faz atrito
Ao fluir do teu suspiro
E o ambiente tranquilo
É a mordaça do não-grito

Se atinge um quê de clímax
No apogeu desse crepúsculo
Quando em ti nada por cima
Faz crispar todos os músculos
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Trova Funerária Cigana

Já que não posso morrer
contigo, minha Adelaide,
aceita o pranto sem fim
de uma perpétua saudade.
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Soneto de 
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP

Tempo

O tempo apaga um sonho já desfeito
na aridez de uma vida mal traçada,
uma paixão que se evolou do peito
como essência do frasco evaporada.

Tudo finda, como água já passada
que não retorna nunca mais ao leito:
do tempo que se foi não resta nada,
é verbo no pretérito perfeito.

Mas no incontido caminhar dos anos,
paciente, a transportar os desenganos,
ele ameniza o nosso sofrimento.

Lava que esfria e se transforma em rocha,
se algum desgosto ainda nos arrocha,
o tempo é o óleo bom… do esquecimento.
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Soneto Livre de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Solidão (2)

Se a solidão é a musa que me guia, 
nos versos tristes, a dor se revela, 
um labirinto de sombras principia… 
o tempo, inexorável, é uma gazela. 

A hora se arrasta, pesada, lenta, 
e cada instante pesa como um fardo. 
No peito, um grito, vozes que acalenta, 
um eco profundo, um amor que é guardado. 

Mas entre as nuvens, há uma luz que se acende, 
uma chama intensa, que nunca se apaga, 
e mesmo só, a esperança se estende. 

Na solidão, a alma nunca se desapega, 
pois o amor, mesmo em dor, se defende, 
e na ausência, à vida se entrega. 
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Poema de 
MÁRCIA SANCHEZ LUZ
São Paulo/SP

Lareira acesa

Em frente à lareira acesa
Contemplo o fogo que aquece
E que em brasa, a madeira
Meu amor transparece.

Meu coração não te esquece
Não te perde quando sonha
Enlouquece, entontece
Fica aceso feito chama.

Feito fogo em álcool embebe
Fico afoita, doida, rouca !
Te desejo, tonta e pronta
Te apercebes, me recebes.

Defronte à lareira acesa
Aqueço meus sentimentos!
Meus pensamentos se aquietam...
Aquieto-me frente à beleza
Que me convida a sonhar...

Com sua chama
Com sua calma
Acalma meus medos
Alerta-me
Fita-me
Incita-me
Faz-me sorrir.
= = = = = = = = =  

Ramalhete de Trovas de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Meu livro...

Dos livros que ainda não li,
tenho por um grande anelo
em lê-lo, pois o escrevi...
porém não foi para o prelo!
 
Quem sabe, daqui a vinte
ou trinta anos o publique;
ou será que, por acinte,
o "escritor" já foi a pique!?
 
Mesmo assim eu os convido,
a fazerem-se presentes,
por favor, não deem olvido;
não quero "vê-los" ausentes!

Todo livro deve que ter
"título" bem eficaz...
pois não é que o meu vai ser:
Leia-me... (se for capaz).
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Soneto de
DELMIRA AGUSTINI
Montevidéu/Uruguai, 1881 – 1914

Explosão

Se a vida é amor, bendita seja então!
Quero mais vida, se esse amor aumento;
que não valem mil anos de razão
um só minuto azul de sentimento.

Meu coração morria triste e lento
e hoje é uma flor de luz em combustão!
A vida canta como um mar violento
quando a mão de um amor a agita em vão!

Esfuma-se na noite triste, fria,
de asas rotas - minha melancolia;
como a indelével mancha de uma dor

que na sombra distante já perdi...
A vida toda canta, beija, ri,
numa explosão como uma boca em flor!
(Tradução de J. G. de Araujo Jorge)
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Hino de 
Laguna/ SC

Minha Laguna
Contarei tua história
E os feitos de glória
Que ofertaste ao Brasil.

E falarei
Das belezas sem par
Deste céu, deste mar
Destas praias sem fim.

Minha Laguna
Falarei do teu povo
Que adora o que é novo
Sem matar o passado
E mostrarei
O valor desta gente,
Nesta canção dolente,
Que orgulhosamente
Eu fiz pra te ofertar.

Laguna amada
Sob este céu que é tão azul
Foi que a Pátria deslumbrada
Deu a grande caminhada
Em direção ao sul.
= = = = = = = = =  

Poema de 
WAGNER LUIZ ANICETO
Santos Dumont/MG

Porto de Solidão

Porto de solidão,
Num cantinho de mar, abandonado.
Pedaço de madeira flutuante,
Resto de naufrágio!...

Já foste ancoradouro em outras eras,
E acolheste milhões de visitantes
Em teus limites:
Homens, barco, fragatas e navios.

Hoje, és meramente um marco inglório,
Camuflado sob dunas, musgos e detritos,
Serves simplesmente de abrigo
Às aves errantes, ociosas...

Porto de solidão!
Os reis também já te esqueceram.
Ninguém recorda a tua glória.
O teu cartão-postal envelheceu.
Morreu tua beleza transitória!

Porto de solidão!
Há algo comum em nossa história!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O cão que leva o jantar ao dono

Marchando com grande entono,
Um cão esperto e sagaz
Levava o jantar do dono
Em um pequeno cabaz.

Passa outro cão — e atrevido,
Entra a rosnar, a rosnar,
E mostra-se decidido
Em lhe tirar o jantar.

Mas o que pensa não faz,
Que o primeiro cão, valente,
Da boca larga o cabaz
E ao ladrão refila o dente.

Um bando de cães acode;
Vê-se o jantar em perigo;
E o fiel cão, que não pode
Combater tanto inimigo,

Diz aos irmãos com bons modos:
«A questão é de barriga;
Reparta-se isto por todos,
E não pensemos na briga.»

Este atira-se a um bocado,
Aquele a um outro cobiça;
Cada um puxa para seu lado...
Foi — fogo viste, linguiça!

É semelhante este cão
Ao empregado zeloso
Que arrecada, escrupuloso,
Os dinheiros da nação;

Mas não podendo estorvar
Que os outros comam do bolo,
Não quer que lhe chamem tolo
E é o primeiro a roubar.
= = = = = = = = =  

Carina Bratt (Às vezes alguns momentos difíceis resolvem nos tirar do foco. Não permitam!)

“Não deixe que nada lhe tire a visão do amanhã, por mais triste que o dia amanheça, ainda que o destino tenha se esquecido de endereçar um mero sorriso para alegrar você.”
(Do romance “Médico e Amante” de Frank G. Slaughter, com tradução de Nelson Rodrigues – Distribuidora Record, 1952). 

HOJE, EUZINHA acordei com a ideia de que há um vazio que ecoa entre os meus desejos e a minha realidade. É tudo o que eu não tenho e precisava, tipo assim, um abraço que não veio, uma palavra amiga que não foi dita, o tempo que se esvaiu e não voltou. Para variar, me flagro distanciada de sonhos, de muitos sonhos que não couberam no meu kit de maquiagem que trago sempre dentro da minha bolsa, tipo assim, o batom, o pó facial, o lápis de olho, e o perfume que jamais deixo distanciado de mim. 

Parece que, por algum motivo inexplicável, todas essas coisas, quando acordei, ficaram presas em algum lugar aqui dentro do apartamento, qual seja, em algum desvão que não espiei direito, ou um escondidinho entremeado a outras vontades que acredito também tenham se perdido no caminho onde fica a minha penteadeira com um espelho maior que eu. Engraçado que o que nesta manhã eu não tenho, ou sei lá, me falta, me move e ao mesmo tempo me desafia. Não tenho certezas, mas enquanto tomo meu desjejum, espio da varanda a vida bonita, ao tempo em que me afogam os pensamentos com um amontoado de indagações. 

Não tenho tudo o que eu gostaria, nesta manhã de sábado. Lá embaixo, a Borges de Medeiros me parece vazia. Não está, mas me parece. A Lagoa Rodrigo de Freitas se faz sem o sorriso grandioso do sol, sem a presença das pessoas que caminham todas as manhãs, de um lado para outro, da galera que voa desesperada com suas bicicletas. Até o Cristo, imaginem, minhas caras amigas, até o Cristo lá do alto do morro do Corcovado parece meio cansado.  Pois é. Não tenho nesta manhã tudo o que gostaria, mas me socorre o bastante do cotidiano para continuar.

Acredito que não tenha o que queria, mas talvez me sobre, de alguma forma, o que não preciso. Entendo, ou pelo menos tento, que o que eu não tenho, ou o que eu acho que me falta, me ensina a valorizar o que há, o que me faz correr atrás do que me falta, e me lembra que a ausência de algumas coisas faltosas é também a presença, ou seja, a presença da esperança, da continuidade da luta e da transformação. Volto à cozinha. Renovo meu café. Faço um novo misto quente e, nessa hora, me dou conta de que, por hoje, é tudo o que eu não tenho… mas ainda assim posso conquistar. 

Volto à varanda e me dou conta de que acordei meio triste, “macambuziada”, como diria o Aparecido, com aquela sensação estranha de que faltava alguma coisa. Mas raios, o quê?! Não era o café, nem o celular esquecido na sala, em cima do piano. Ou o livro que estou lendo e deixei na minha mesinha do quarto, onde trabalho conversando com o Galaxy Book ligado. Era outra ausência. Uma falta mais sorumbática e silenciosa. Sei que às vezes não tenho a coragem que invejo nos outros. Não tenho o tempo que escorre pelos meus dedos enquanto olho para tudo e os ponteiros não me dizem nada. 

Não tenho aquela paz que parece morar nos sorrisos alheios. E, às vezes, só às vezes, não tenho nem palavras para explicar o que me falta. Mas é curioso, o que eu penso, ou acho que nesse momento me falta, é igualmente o que me constrói. A falta de alguma coisa, por certo, desenha contornos poderosos. Cria espaços grandiosos, abre caminhos ainda não percorridos. 

O que eu não tenho me empurra para a frente e me faz desejar, sonhar, buscar... buscar... buscar... Lembro de quando mais jovem, aí pelos dezenove, queria ter tudo, notadamente todas as respostas, todos os amores, todos os planos. Um emprego que garantisse a minha sobrevivência. Hoje, aos 36, olhando aqui da minha varanda, entendo que o vazio ou o algo que me falta também é parte do que construí. Que o silêncio do que acho que não tenho também fala. Que o que eu não tenho me atiça, me move em busca constante e me ensina sobre o que realmente me importa.

Talvez eu nunca tenha tudo. Talvez ninguém tenha tudo. Mas enquanto tomo meu café de frente para o Cristo de braços abertos, tomo consciência e faço isso plenamente, imaginando que entre essas pequenas ausências e desesperanças, percebo que há uma beleza magistral no meu incompleto. Que, às vezes, o que eu não tenho… é exatamente, percebam que loucura, que “piração endoidecida”, é exatamente o que me move. A ausência de meu pai Francisco, em compensação, graças ao Altíssimo, tenho com saúde a minha mãe Marcela (minha primeira professorinha) ainda está bem e está lá em Vila Velha, no Espírito Santo, e sei que está sempre, haja o que houver, orando por mim.

Concluindo, talvez eu não tenha tudo. Porém, tenho saúde, tenho vida, esperança, vontade de viver, de viver, de viver e ser feliz. Tenho o Aparecido, dois andares acima do meu (ainda não me ligou hoje... nem me convidou para o café). Juro que aperto o pescoço dele quando me interfonar.  Entre tapas e beijos, penso que “não estamos na obra do mundo para aniquilar o que é imperfeito, mas para completar o que se encontra inacabado”. Esta frase está inserida no livro “Vinha de Luz”, pelo espírito de Emmanuel, capítulo 32, psicografado por Francisco Candido Xavier.

Fontes:
Texto enviado por Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 122 *


Soneto Livre de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Solidão (3)
 
Oh, solidão, que na alma se adensa, 
teus laços frios me prendem em grilhões, 
um mar de silêncio, onde a vida é tensa, 
e as lágrimas bailam em corações. 

Nos sussurros da brisa, sinto a falta, 
de risos, de abraços, de companhia, 
mas mesmo sem voz, a dor não se exalta, 
e a paz, em sua forma, se anuncia. 

Em cada instante, a vida se ressignifica, 
e o ser que sou, se entrega ao que é…
Solidão, tu és minha amiga antiga. 

No teu abraço, o tempo não é só maré, 
e mesmo só, a dor se modifica, 
transformando a tristeza em fé. 
= = = = = = = = =

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Leveza

Tu te concretas na leveza dos meus sonhos...
Sou um poeta: deixo o vento me levar,
Meu coração, de pensamentos tão tristonhos
Ainda sabe, como flor, o que é sonhar.

Tu polinizas meu amor, quando diluis,
Na tua luz, meu coração que é tão carente
De emoção... e eu já nem sei mesmo onde pus
A minha dor mais arbitrária e incoerente.

Para a escrever, a pena é mero instrumento...
Cada momento é um reflexo do ser
E eu, por viver a insensatez de um sentimento,
Louvo o momento que me faz sobreviver.

Eu me protejo no teu beijo mais carente,
O amor pressente o que o sonho proporciona,
Por isso, quando um coração diz o que sente,
A pulsação a dois dilui-se... e emociona.

Quando a razão nos diz que não, o amor revida,
O amor convida o coração dançar
E se o salão de um coração é uma avenida,
Faço da vida o meu momento de sonhar.

Se és meu par, põe nos meus ombros, o calor
Das tuas mãos, deixa a canção nos embalar,
Pois na penumbra é que a Lua faz amor
Com o sonhador que sempre a quer admirar.

Tu te projetas, não és mero holograma,
És uma chama carinhosa que flutua
E me sorri... mostrando um rosto que me ama,
Ante o olhar mais sedutor da luz da lua.

És tão concreta... e irreal, mas... se te evoco,
Tu sempre vens e me aconchegas no teu seio
E eu, tão menino, a cada vez que eu te toco,
Retoco a calma mais feliz... de um devaneio.
= = = = = = = = =

Soneto de 
ENY SANTOS JÚDICE
São Fidélis/ RJ

 Carta para o amor ausente 

Nesta manhã nevoenta de fumaça
estou morrendo de saudades tuas;
há na minha alma convulsões de luas,
há no meu peito a angústia que amordaça.

Amor, estou sorvendo a amarga taça,
a taça amarga das verdades cruas;
e busco em vão no retinir das ruas,
sufocar este amor que me desgraça.

Inútil! . . . E a obsessão dos teus abraços?!
Sinto em mim ainda as mãos do teu carinho,
dedilharem as cordas dos meus braços,

e a tua ausência, e o teu silêncio enorme,
vivem cantando para mim baixinho,
ninando esta saudade que não dorme!
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Trova Popular

Quando o sobreiro der baga
e a cortiça for ao fundo,
só então se hão de acabar
as más línguas deste mundo.
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Poema de
DORA DIMOLITSAS
São Paulo/SP

Poetas em sarau

Da sacada do prédio ao lado
Vejo poetas em deliciosos saraus,
Muita gente circulando
Bebendo as palavras poéticas,
Vejo os rostos das pessoas
Que na noite deixam a alma falar
Transitando nos corredores.

Paro e me pergunto
A poesia é sonho ou é real?
Chego à conclusão:
Bem vivida a vida é poesia
= = = = = = = = =  

Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
(José Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

De  Mãos  Dadas 

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança...

- E para que falar em esperança?

Não sei onde me levará esta ansiedade,
ou esta melancolia
cheia de umidade,
a me envolver como uma cerração...

Para a loucura?
Para a felicidade?
Ou para este morrer de cada dia
de quem vai tateando em noite escura ...
cego do coração?

Que fazer?  Ando na vida
como quem anda
- perdido, andando em vão...

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança,
a fazer roda em silêncio... numa triste ciranda
sem canção…
= = = = = = = = =  

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Minhas Quatro Estações

Foi plena Primavera a minha infância
vivida com carinhos de meus pais,
sentindo sempre, em toda circunstância,
que o amor dos dois é o que valia mais!

Na juventude tive a incrível ânsia
de tudo ver bem rápido demais!
E abrasador Verão, em discordância
ao que hoje sei que não terei jamais!

E todo o Outono meu, de certa forma
foi de pacata vida cidadã:
fiel marido e pai, dentro da norma...

E agora neste inverno em que convivo
com as dores próprias de minha alma anciã,
= = = = = = = = =  

Poema de
DORA TAVARES
(Maria Auxiliadora Tavares Duarte)
Pedro Leopoldo/MG

Solidão

Exceto o coração
Tudo se acalma
E faz-se preciso o silêncio.

Há muito não se sobe a escada
E o último táxi entregou em domicílio
Um retardatário da noite.

Por que a queixa
Se não há ouvidos
E esta dor é tão antiga
Como o poder de chorar?

O que nos resta é sorver um chá
Como se nada houvesse
E aconchegar na noite
Em que os pés são frios.
= = = = = = = = =  

Trova Funerária Cigana

Aqui descansam os restos
de meu filhinho adorado:
— Botão de flor de minh'alma,
tão rudemente arrancado.
= = = = = = = = =  

Soneto de 
ENOCH LINS
(dados desconhecidos)

Você

Você é para mim a síntese da vida!
O espírito que eleva; a matéria que prende,
o gozo que nos põe em perenal subida
e as nossas ilusões pelo infinito estende.

É o tédio que caminha á trágica descida
e o orgulho do prazer impiedoso que ofende;
você é para mim essa lição comprida
que a gente, sem saber, rapidamente aprende.

Só você me faz bem e é todo o meu encanto!
Só você, quem de longe o meu pesar ouvindo
vem depressa e num beijo aniquila o meu pranto.

Só você quem me espera os minutos contando...
Só você, quando eu chego, abre a porta sorrindo,
só você quando eu vou... fecha a porta chorando!
= = = = = = = = =  

Poema de 
GERALDO CARNEIRO
Belo Horizonte/MG

O espelho

do outro lado um estranho
faz simulações como se fosse
um demônio familiar
é sempre noite, um assassino sonha
com mulheres assassinadas em série
sob as palmeiras de Malibu
o mundo é só uma ficção plausível
a imagem que baila ao rés-da-lâmina
é um último improvável vestígio
da existência de Deus
os restos são ecos de outras faces
gestos de espanto e despedida
a música dos relógios, a morte
= = = = = = = = =  

Soneto de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Sacrifício

Inda lembro os botões daquela blusa,
à noite, a provocar meu pensamento…
Desviava o olhar, mas, no momento,
a voz da tentação dizia: – Abusa!

Imaginava o tom de uma recusa,
um afastar-se por acanhamento.
Deveria frear o atrevimento,
não queria perder a minha musa.

Que sacrifício nos impõe a vida!
(Já não retornam mais tantas venturas).
Investir e travar essa investida,

colocar o chapéu em boa altura,
aguardar ser a mão bem recebida
pra não causar transtornos, desventuras.
= = = = = = = = =  

Soneto de
EUCLIDES DIAS
(Belém/PA)

Viver dormindo 

Beijava-te. . . e beijando-te na face
oh! que doce prazer então sentia...
Se, assim, feliz, eu sempre assim sonhasse...
Se, assim, sonhando me passasse o dia...

Apertava-te ao peito em doce enlace,
com suave e terníssima alegria...
Se assim, sonhando, eu sempre te abraçasse
oh! que noites felizes eu teria!

E se eu te visse, assim, sempre a meu lado,
pálpebras roxas, colo perfumado,
lânguida, terna, e boa, e feiticeira,

eu quisera sonhar sempre, dormindo,
e, se sempre, a sonhar, te visse rindo,
passar dormindo a minha vida inteira.
= = = = = = = = =  

Hino de 
Icapuí/CE

Salve terra de um povo que é grande
Generoso e feliz de verdade
Que no afã do trabalho se expande
A grandeza sem par da cidade

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra dos verdes coqueiros,
Que se embalam aos ventos dos mares,
Hoje a ti, todos nós, altaneiros,
Elevamos os nossos cantares.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra! Pela autonomia
Esperavas com fé renovada.
Os teus filhos ergueram-se um dia
E tornaram enfim libertada.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra tão bela e querida
Nós saudamos a tua vitória.
Haverás de crescer forte e unida
E terás um futuro de glória!

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra de praias e dunas,
Pelas quais o teu mapa é bordado!
Tu és livre entre livres comunas
Para o bem e o progresso do estado.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal
= = = = = = = = =  

Poema de 
JÂNIA SOUZA
Natal/RN

Noturno

Orfeu abandonou-me em plena alcova
A ouvir o burburinho instigante da cama
Com suas falas lúgubres, interrompidas
Pelo estridente cicio da noite desnorteada
Acreditando ser verão em vez de primavera.
Ouço da noite mornas confidências
Verdades, mentiras, ilusão de vagos sonhos
Não compreende o próprio vagar entre  montanhas.
Procuro ignorar insistente convite
Mas suas quimeras prendem-me numa teia
De desejos inconfessáveis de fogo.
Ininterruptamente me fala seus deleites, fraquezas
Queixumes irrequietos de dores paridas.
Seus róseos sentidos arrancam-me gemidos
No frescor da quente brisa florida dos trópicos
Tocando os leques das mamonas, plumas
De avestruzes em meu corpo semi-adormecido.
Ó noite irrequieta, voraz, que tens a revelar-me?
Será que não percebes meus navegares ensandecidos
Em douradas linhas de pensamento, embalo
De teimosos versos incontroláveis, sedentos
Da língua da lira rouca em meu profundo peito?

Arquejo, engasgada nos anéis das letras
Sopradas do ninho de prazer d'Orfeu adormecido.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O raposo e os perus

De cidadela uma árvore servia
A perus, contra assaltos do raposo.
Tendo o velhaco dado volta aos muros,
Visto cada peru em sentinela:
«E zombará de mim tal raça? Os únicos
Serão que à lei comum escapem? — Logro!
Voto aos numes do céu...» Cumpriu palavra.
Brilhava a lua, como que quisesse
Amparar a ninhada perueira
Contra o velhaco. Ele não sendo novo
No mister de assaltadas fraudulentas,
Recorre ao saco das maldosas manhas.

Dá visos de trepar; com os pés se guinda,
Faz-se morto; ressurge. Arlequim mesmo
Tais papéis não faria, e tão de molde.
Alta a cauda, cambiava-lhe os reflexos;
Mil outras trejeitos... Nesse entanto
Tosquenejar nenhum peru ousava,
Cansando-os o inimigo, e assim cravando-lhes
Sempre a vista no brilho. A pobre raça
Encadeada ao fim, vinha caindo.

Tantos caídos, tantos apanhados,
Fazem monte. Mais de a metade cai;
E o marau foi depô-los na despensa.
A sobeja atenção fita nos perigos
Nos faz neles cair bastantes vezes.
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