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sábado, 18 de outubro de 2025
Chafariz de Trovas * 29 *
A. A. de Assis (Por um mundo azul)
Um mundo do bem, sem ninguém mostrando o muque. Uma ilha zen. Um mundo azul, cheio de paz, ternura e amor. Algo assim como um lugar-não-lugar, um céu na terra, um espaço onde entre aves e flores possam viver pessoas de alma livre e coração levinho. Dá para entender?
Você pode dizer que isso é coisa de poeta. E acertou: é sim. Pode dizer também que a realidade é muito diferente. Acertou de novo: é sim. Mas a realidade só é assim porque ela não aprendeu ainda a ser como deveria ser.
Hoje a realidade não é uma coisa que se possa realmente chamar de vida – é uma barbaridade, uma brutalidade. É gente brigando com gente, competindo, invejando, desconfiando, mentindo, fofocando, xingando, caluniando, matando, roubando, como se todos fossem inimigos ou rivais de todos.
Mas você acha que precisa mesmo ser assim?
Se a gente pensasse um pouco, baixasse as armas e brigasse menos, o mundo seria azul sim. Não haveria necessidade de muro, bodoque, fuzil, canhão, míssil, polícia, exército. Já pensou que beleza? A gente poderia dormir com as janelas abertas, poderia sair à rua sem medo de ser assaltado, poderia viajar pelo mundo todo sem o risco de, de repente, algum poderoso apertar um botão, detonar uma megabomba e mandar para os ares o planeta inteiro.
Será preciso mesmo a gente continuar vivendo em meio a tanta maluquice?
Se a gente fosse mais azul, mais zen, mais paz, mais ternura, mais amor, já pensou que bom seria? E quanto dinheiro seria poupado se não houvesse necessidade de gastar tanto com segurança? Sobraria o suficiente para não deixar mais ninguém morrer de fome, de frio ou de qualquer doença curável.
Cada um teria uma atividade profissional, cumpriria sua tarefa diária; depois, na maior tranquilidade, escolheria a melhor maneira de fruir o tempo: iria caminhar no parque, reunir-se com o grupo de oração, convidar amigos para um sorvete ou cafezinho, tocar violão, cantar no coral, pintar, plantar roseiras, escrever poesia, jogar futebol, nadar, jogar truco ou dominó...
Fantasia? Talvez sim, talvez não. Basta a gente pensar um pouco, baixar as armas, parar de brigar, aprender finalmente a ser gente azul.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá-PR – 16-10-2025)
Fontes:
Facebook do autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Aparecido Raimundo de Souza (O milagre do fogão)
O SILVA GANHOU um fogão praticamente novo da Comunidade religiosa onde frequentava. De posse dele, os irmãos da confraria o ajudaram a colocar o presente em suas costas. Colado nele, com muito custo, o rapaz saiu com a carga seguindo seu destino. Os primeiros passos num andar meio devagar, quase parando. Apesar do desconforto, seguiu capengando, tentando se equilibrar daqui e dali se ajeitando meio que aos trancos e barrancos. Vez em quando, dava umas paradinhas básicas para descansar. E foi ganhando terreno. Nesse para aqui e para acolá, andou mais ou menos um quilômetro e meio.
Para despistar as pessoas que certamente o veriam como um suposto ladrão, o infeliz entrou numa rua, se embrenhou por um beco, saiu numa travessa sem muito movimento. Tudo assim, contando com a sorte, na cara dura, como se carregar no lombo um fogão pelas ruas do bairro às sete horas da noite fosse a coisa mais natural do mundo. Logo à frente, ao galgar uma avenida intermediária mais movimentada que as demais, uma viatura da militar o interceptou. Quatro policias saíram às carreiras, empunhando suas armas e gritando de modo exasperado:
— Deita no chão, mãos na cabeça...
O coitado do Silva, assustado e sem saída, combaliu das pernas afrouxando o suor e o medo escorregou até a base dos sapatos:
— Como?
— Deita, deita, deita... não discute, deita...
Apavorado e tremelicando pior que caniço em ventania, ao tentar colocar o eletrodoméstico na calçada, se desequilibrou. O aparelho, foi com tudo fazendo um estardalhaço dos diabos, se espatifando no meio fio rente à rua. A tampa de vidro se partiu, os queimadores saíram rolando, o mesmo acontecendo com outras peças internas.
— Meu Deus, — gritou — e agora?
O policial se aproximou, arma em punho:
— Ta indo pra onde?
— Pra casa, senhor...
— Mora em que lugar?
— Na rua do Caco...
— Que caco?
— Ali no morro Cara do Cavalo Bombadão.
— E essa Brastemp?
— Qué isso, senhor?
— A marca do fogão, sua besta.
— Ah, eu ganhei...
— Cadê a prova?
— Que prova?
— A prova de que realmente não roubou de alguma loja... ou da invasão de alguma residência aqui pelas redondezas...
— Nessa altura, que fogão? Não tô vendo nenhum...
O policial inopinadamente lhe aplicou uma série de tapas no rosto:
— Imbecil, tá me tirando? Faço referência a esse fogão que você está levando e jogou no chão. Cadê a nota?
— Não tem nota, seu guarda. Tem um papel que prova que eu ganhei... e quando eu disse que “não tô vendo nenhum fogão é porque... olha o que sobrou dele...”.
— Mostra. Devagar, sem movimentos bruscos e suspeitos. Está armado?
— Sim.
— Cadê a peça?
— Não tem nenhuma peça, senhor...
— Idiota, você disse que está armado. Cadê o berro, o trabuco, a arma, o cano?
— Senhor, eu estou armado de boa vontade...
Outros tapas zuniram em pleno ar. O Silva foi ao chão:
— Engraçadinho. Não tem arma?
— Não senhor...
— Vamos, estou perdendo a paciência. Cadê a nota?
— Que nota, seu policial?
— A desse fogão, ladrãozinho barato. De onde você o roubou?
— Eu ganhei, seu policial. E fui buscar lá na comunidade...
— Que comunidade?
— Da igreja “Pé no Saco da Fome” que eu frequento...
— OK. Vamos supor que esteja falando a verdade. Tem alguma prova?
— Sim.
— Onde está?
— No meu bolso...
— Mostra... devagar...
A muito custo, o Silva se colocou em pé. Tirou um papel amassado do bolso. Exibiu aos representantes da ordem:
— Aqui...
O policial passou a mão na tal nota e leu:
— Você está vindo desse endereço?
— Sim, senhor...
Colocaram o desgraçado na viatura, algemado. Solicitaram pelo rádio uma camionete. Coisa de vinte minutos pintou uma segunda viatura também da polícia, ou mais precisamente uma Montana 2010, 1.4 com carroceria e dois agentes. Nela colocaram os restos mortais do fogão. Seguiram para o endereço. Ao chegarem, os policiais viram um ajuntamento de pessoas que entravam e saiam. Mandaram chamar o responsável pelas doações. Uma leva de criaturas simples, saia com sacolas de roupas, sapatos, outras com aparelhos eletrodomésticos, cestas básicas e uma série de itens os mais variados.
— Quem é o responsável?
Uma senhora que estava no portão, respondeu:
— O Pastor Tobias Baygon...
Nem foi preciso anunciar. Com a chegada dos dois carros e a retirada do Silva de um deles algemado e do outro o fogão, o pastor se apresentou correndo:
— Pois não, cavalheiros?
— O senhor conhece esse rapaz?
— Sim, é o nosso irmão Silva. Ele é membro da nossa comunidade. Qual o problema?
Começou a juntar gente:
— O senhor deu a ele aquele fogão que acabamos de descer daquela viatura?
— Sim, seu tenente. Fizemos uma doação. Ele congrega aqui na comunidade, é pobre e resolvemos lhe agraciar com esse fogão. Como ele tinha urgência de chegar em casa e a esposa o esperava para preparar a comida dos filhos menores, o irmão Silva resolveu levar o aparelho nas costas. Só poderíamos fazer a entrega na segunda. E como hoje é sábado... mas o que houve, afinal?
— Ele nos pareceu suspeito, senhor. Ninguém sai com um fogão novo às costas em pleno sábado e ainda mais nesse horário...
O pastor Tobias Baygon não levava desaforos sem dar o troco. E pior, não se calava diante de certas barbaridades. Ao verificar o estado lastimoso do fogão, explicou:
— Senhores, eu dei a ele esse fogão. Ou melhor, a nossa “Comunidade” fez isso de bom grado. E pelo visto, creia no que vou lhe dizer, tenente, esse fogão não é o mesmo novinho que saiu daqui...
— Ele tropeçou e o fogão foi ao chão, pastor...
— Tenente, com todo respeito. Se ele tropeçou vocês devem tê-lo assustado... ou, quem sabe...
— Senhor, o fogão...
O pastor Tobias Baygon interrompeu o que o policial pretendia dizer:
— Por gentileza, tenente, me aguarde um instante. Tenho aqui um pessoal da imprensa que veio filmar o nosso evento. Vou chamá-los para que registrem o ocorrido. E mais um detalhe, meu caro. Com todo respeito, me perdoa, temos por sorte, hoje, aqui na nossa comunidade, dois advogados. Me dê uns minutos. Vou pedir a eles que venham até aqui e o senhor, por gentileza, se entenda com esses profissionais e explica com mais detalhes a história do fogão...
O que aconteceu, a seguir foi um milagre. Os seis policias se entreolharam. Em seguida sem que fosse dito uma palavra, todos os fardados coçaram os bolsos. Na volta do pastor com a imprensa e os advogados, o tenente se antecipou e fez a entrega ao pastor de uma quantidade significativa em dinheiro que daria para ser comprado três ou quatro fogões:
— Pastor, – disse o tenente, se desculpando em nome dos colegas. – aqui está a nossa oferta. Providencie, por gentileza, um fogão novo para o nosso amigo. Como pode ver, estou, em nome dos seis colegas do destacamento militar deixando um valor a mais para a compra de um outro igual ou melhor. E se o senhor nos permitir, marque o dia e a hora que voltaremos aqui e faremos questão de disponibilizar aquela viatura ali com carroceria para que o presente seja, enfim, entregue na residência do seu Silva. Desculpe o transtorno. Boa noite.
Os seis policias, saíram cabisbaixos, calados. E o melhor de tudo: com os rabinhos entre as pernas.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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Renato Benvindo Frata (Entre a canção e a pedra)
Pela postura da pedra na correnteza, diria que não era mera espectadora como a garça assentada nela, e sim a maestrina a comandar o som na passagem da água tal a desenvoltura das tranças que, ao ganharem velocidade, seguiam em algazarra até saltarem em gritos borbulhantes na cachoeira.
O acalanto que o murmúrio produziu pôs-me enlevo a conduzir ao vago pensar em questões irrespondíveis: por quem cantaria tão indulgente o rio? Teria um propósito a pedra ali a dificultar a passagem da água? Por que a garça olhava curiosa o leito? Como ficaria aquela sinfonia em época de chuva quando o rio engorda, ganha força e ruge embravecido? Nesse caso, a pedra colocaria junto a si sopranos-água a darem novo som ao seu passar?
Talvez. Seria a solução para que rugidos vibrantes se musicassem em composições diferentes... e foram tantas as indagações sugeridas pela paz do recanto que sorri perdido em mim, afinal, um encantamento retira qualquer reação de desistência.
Todavia, como nem o todo belo é perene, a linda garça, menosprezando a canção, ameaçou voar. Agachou-se e ao saltar, cuspiu com o traseiro sujando a pedra; e aí a incoerência: gozou dos acordes e depois cacarou... em mau exemplo.
Indignado, compreendi que muitas vezes o encantamento vale pouco quando posto a olhos despreparados que não conseguem captar a enlevação oferecida, como a garça que fez depositário de dejetos a quem lhe oferecia pouso, sem se ater ao suprassumo da música nascida do atrito.
Entretanto, a pedra sisuda, altiva e conscienciosa ao se ver intrusa a criar dificuldade àquela, provou que em havendo persistência até na extrema confrontação, a felicidade se torna viável, como um cantar aos anjos, por exemplo.
Sim, o marulhar é melodia celestial na sensação de nuvem espraiada na campina ao sabor do vento, onde os anjos fazendo coro transformam o canto da água em fascínio que invade e colore em acordes nossas almas.
(Menção Honrosa no IV Concurso Literário Foed Castro Chamma, Irati/PR - 2023)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas. Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
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sexta-feira, 17 de outubro de 2025
Asas da Poesia * 113 *
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR
Letras
Há letras
que dizem mais
que mil
palavras:
dia D,
X da questão,
ponto G,
pingo no I,
plano B,
hora H,
mas é o T
forma de cruz
que lembra
que somos
mortais.
= = = = = =
Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
Webdesigner
Para o carinho de todas as artistas que fazem da
formatação a melhor e mais sublime maneira de
celebração vida, da arte e da poesia.
Em cada verso, eu me solto e transponho
Cada limite do meu próprio pensamento,
Mas se diluis a tua tinta no meu sonho,
O que eu componho. ganha forma e movimento.
É no desenho que tu fazes, que iluminas
O meu poema, dando alma ao que eu sinto
E é na luz das minhas límpidas retinas
Que nasce a cor do sentimento que te pinto.
Tu crias vida, onde a vida é restrita
À solidão de um coração solto na tela;
A tua página é mar... meu verso é vela
Riscando a tela onde a visão é mais bonita.
Possibilitas que as tintas da pintura
Escorram leves sob os olhos do leitor
Que se enternece... quando vê, com mais ternura,
Toda ternura do poeta e do pintor.
Deus dá o dom que tu transformas em talento,
Em dada página feliz, quando ele cria
Na tua alma, teu mais puro sentimento,
Emoldurando a cor da minha poesia.
= = = = = =
Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR
O portão e o vento
Num piscar de olhos
Distancia-se o pensamento,
Busco encontrar-te
Em cada folha do Plátano
Das minhas telas
E pétalas de rosa que guardei...
Imagino que esteja próximo à esquina
Vindo em minha direção,
Ah, meu Amor lindo...
Quase sinto, o calor dos teu abraço,
Mas, num piscar de olhos
Aos meus sonhos retorna
E o portão abre-se com o vento...
= = = = = =
Trova Popular
Coração que a dois ama,
e que depois quer agradar,
não ande enganando os outros,
veja com quem quer ficar.
= = = = = =
Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926
Felicidade (II)
Basta saberes que és feliz, e então
Já o serás na verdade muito menos:
Na árvore amarga da Meditação,
A sombra é triste e os frutos têm venenos.
Se és feliz e o não sabes, tens na mão
O maior bem entre os mais bens terrenos
E chegaste à suprema aspiração,
Que deslumbra os filósofos serenos.
Felicidade... Sombra que só vejo,
Longe do Pensamento e do Desejo,
Surdinando harmonias e sorrindo,
Nessa tranquilidade distraída,
Que as almas simples sentem pela Vida,
Sem mesmo perceber que estão sentindo…
= = = = = =
Soneto de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
Araxá/MG, 1932 – 2025, São Paulo/SP
Meu sonho
Partiste, meu filho, num belo alazão
deixando-me a vida, tristonha em pedaços,
calando os meus versos e minha canção,
deixando vazios e frios meus braços...
Agora eu te busco no céu e no chão
e, em sonho parece que escuto teus passos,
e assim a saudade se faz oração
seguindo comigo, juntando cansaços...
E em meu dia a dia, vazio e tristonho,
de estradas desertas e de sol sem brilho
eu vou caminhando, atrás do meu sonho...
E, à noite, descubro, quando posso vê-las,
que tu não morreste, partiste meu filho
e, lá no infinito, cavalgas estrelas!...
= = = = = =
Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Mistério
A nossa vida em si já é um bom mistério...
Mas até onde meu juízo alcança,
Eu vejo que o sofrer, se é muito sério,
Aumenta sempre em nós a esperança!
Foi Deus que quis assim; não sem critério,
Mas só visando a nossa segurança...
Porque o Criador, mais que cautério,
Aspira a nossa bem-aventurança!
A dor tem sempre a sua utilidade,
Quer para alertar de um mal maior,
Ou tendo em vista a nossa santidade.
Por certo o sofrimento foi criado
Só pra que a gente possa ser melhor
E chegue, assim, ao céu, tão almejado!
= = = = = =
Poema de
PAULO VINHEIRO
(Paulo Vieira Pinheiro)
Monteiro Lobato/SP
Vinhas
Lá acima de aquele monte brilha
Ouro que cristalina água espalha
Sem mata, sem sentido, esconde
Tudo que os meus olhos procuram
Estronda todo o sabor em música
Oculto
Perfeito
Esquálido e escuro
Tramo tudo que o amor trama
Esbarro em tudo que te ama
Divido meus olhos com os teus
E parto de longe a buscar-te aqui
= = = = = =
Trova Funerária Cigana
Quem chorará no sepulcro
de quem a vida foi só?
De quem tantas vezes triste
de si mesmo teve dó?
= = = = = =
Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP
Memórias da Saudade
Nas pálpebras pesadas
o vento pousou...
Em folhagens abafadas
sentiu o peso, sussurrou
herege, o pranto secou.
Lápides esquecidas
no amarelado passado
sentem o abafo, ressequidas.
Ouço um apelo cansado...
Um elo pagão, embaçado.
É só um velho balanço
levado pela brisa fria.
Em um breve relanço
aquela que outrora sofria
veste no espelho sua alforria.
= = = = = =
Poema de
VITÓRIA VITTI
Rio Claro/SP
Onde o amor morou
O amor chegou meio sem jeito
Tímido, acanhado
Fazendo mil juras de fidelidade
Se aninhou onde eu menos esperava
De mansinho, com carinho
E passou a aquecer meu coração
Com ele, esqueci de tudo
Até mesmo quem eu era
Foram momentos incríveis
Insaciáveis
Inesquecíveis
Ele fazia meu mundo ficar perfeito
Tudo era colorido, do seu jeito
Até que um dia
Ele me trouxe a notícia
De que precisava deixar sua morada
Onde eu já estava acostumada
Era a minha fonte de felicidade
Meu alimento, minha vontade
Partiu sem aceitar minhas súplicas
Nem olhou pra trás
Deixou plantado no lugar
Um sentimento de impotência
O amor foi embora
E nem mesmo eu consegui fazê-lo ficar...
= = = = = =
Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016
Derrubada onomatopaica
Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante
rolam troncos em longa choradeira.
Aqui um jequitibá soberbo! Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.
O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.
E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.
= = = = = =
Poetrix de
DALTON LUIZ GANDIN
São José dos Pinhais/PR
Arte
Meu papel foi natura.
Agora,
eu imprimo cultura.
= = = = = =
Poema de
ANTERO KALIK
Paris/França
Um gesto previsto apagou
o riso do dia.
Trouxe o céu,
de volta o riso
despretensioso, lunar,
o brilho ofuscou a dor
e trouxe à tona
a beleza e hálito fresco
do silêncio noturno
= = = = = =
Poema de
CRIS COUTO
São Bernardo do Campo/SP
Abrigo
Porque te gosto
Te quero comigo
E na tempestade
Ser seu abrigo
Porque te gosto
Te quero ter
E da tempestade
Te proteger
Quero você no meu colo
Vem descansar
E quero ser seu abrigo
Vem para ficar
Te quero dar
Todo amor e carinho
E em meus braços
Te envolver
Vem transformar
Essa água em vinho
E entre abraços
Nos aquecer
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Hino de
Tremembé/SP
O belo por do sol da Mantiqueira
Manoel Costa Cabral se encantou
Da mata imaginou uma bandeira
E a nossa Tremembé ele fundou.
Ó Tremembé dos trapistas
Tua história nos conduz
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
Teus campos se cobriram de dourado
Nas mãos que semearam arrozais
A ordem dos trapistas do passado
Semente que não morrerá jamais.
Ó Tremembé dos trapistas
Tua história nos conduz
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
O nobre rio tens beijando aos pés
Murmurando feito mil madrigais
Em tributo a ti, minha Tremembé
Passarinhos gorjeiam em corais.
Ó Tremembé dos trapistas
Tua história nos conduz
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
Tuas igrejas de sinos tangentes
De sonoros chamamentos de paz
O labor com a fé de tua gente
Te engrandece e muito orgulho nos traz.
Ó Tremembé dos trapistas
Tua história nos conduz
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
Ó Tremembé dos trapistas
Tua história nos conduz
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
A um passado de conquistas
Terra do Senhor Bom Jesus.
= = = = = =
Poema de
GISELDA CAMILO
Olinda/PE
DesEsperança
Quando tento alcançar as estrelas
E elas ficam distantes, distantes...
Quando tento enxergar delas o brilho
E elas ficam opacas, opacas, opacas...
Quando corro atrás da esperança
E ela se afasta, se afasta, se afasta...
Quando, das flores, tento sentir o perfume
E elas permanecem fechadas...
Quando quero o sorriso no rosto estampar
E ele não vem, não vem, não vem...
É quando mais preciso de você
E você por perto não está
A distância levou..
E levou o brilho das estrelas
Hoje é dia de estrela sem brilho
De flor sem perfume
De (des)esperança
Queria tanto que não fosse assim.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
A corte do leão
Um dia, a leonina majestade,
Forte no dente e unha,
Quis saber com verdade
De que povos seu reino se compunha;
E convocou por circular firmada
Com o selo real
A vária bicharada.
Dizia o papelucho, por sinal,
Que o rei daria audiência,
E que esta, por maior magnificência,
Seria aberta ao grito
Do macaco em caretas mais perito.
O monarca entendeu,
Para ostentar grandeza entre os vassalos,
Ao seu real palácio convidá-los...
Mas que palácio o seu!
Depósito de restos da matança,
De exalações ingratas
Que obrigam o urso, mal na entrada avança,
A tapar os narizes com as patas.
O rei, vendo isto, pula
E da vida e do enjoo lhe dá cabo.
A sacudir o rabo,
O mono aplaude a ação, e em prosa chula
Tece grande louvor
À cólera dum rei tão justiceiro,
E diz que não há flor
Que vença do antro o delicado cheiro.
Sua lisonja tola
Teve por prémio a morte.
Este senhor, a quem não lhe ia à bola,
Não sabia ensinar por outra sorte.
Estava a raposa perto,
E o leão lhe pergunta em sério tom:
«Com franqueza, este cheiro é mau ou bom?»
Responde o bicho esperto:
«Pronto o vosso desejo aqui cumprirá,
Se um defluxo que tenho o consentirá.»
Os contos são úteis, de ensino são ricos:
Se acaso na corte puderes entrar,
Faz sempre o teu jogo com pau de dois bicos,
Terás a certeza de ali agradar.
= = = = = = = = =
Eduardo Martínez (Entre devaneios e pôneis coloridos)
Uma coisa muito legal para o escritor é receber elogios. É óbvio que, não raro, chega um ou outro desaforo por algo que o leitor desgostou. Seja como for, prefiro guardar na lembrança os agrados, ainda mais aqueles que me chegam carregados de exageros, como aconteceu recentemente por um leitor-amigo, ou seja, o tipo quase incapaz de enxergar defeitos, mas que vislumbram qualidades que, bem sei, não sou merecedor. Ou sou?
Pois bem, o leitor-amigo a quem me refiro é o renomado astrólogo Francisco Seabra, que costumo chamar de Meu Guru. Ele, talvez embevecido por algum destilado diante da aprazível praia da Ponta Negra, em Natal, me mandou essa mensagem: "Minhas mãos estão perdendo as digitais de tantas palmas para você!!!"
Devaneio? Extravagância? Impulso por causa daqueles momentos de euforia? Sei lá! Não faço a menor ideia! No entanto, causa-me arrepios por todo o corpo, tal como os doces beijos da minha amada, a Dona Irene. Mas nada que me mantenha nas nuvens por muito tempo, mesmo porque a minha filha mais nova, a Malulinha, perto de completar quatro meses, vez ou outra, me lembra de que preciso trocar suas fraldas.
Entretanto, não é apenas de louros que vive um escritor. Tenho quase certeza de que até o incomparável Machado de Assis também recebeu críticas desfavoráveis. Não sei como o maior dos maiores as recebeu. No meu caso, digo-lhe que é uma diversão, que compartilho com a minha esposa antes de deitarmos no nosso leito tão acolhedor.
Já que expus o Meu Guru, bem que poderia falar um pouco sobre uma leitora, cujo nome prefiro manter no anonimato, mas que sempre me dá aquelas alfinetadas. É que a dita cuja não suporta os desfechos dos meus contos e crônicas: "Que mania você tem de sempre colocar esses finais trágicos!"
Não sei se essa leitora-inimiga (será que estou criando uma nova classe de leitores?) espera encontrar pôneis coloridos nos meus escritos. Creio até que ela, ao usar esse exagero de palavra que é "sempre", tem lá sua razão. O problema, parece, estar em mim, que há muito deixei de acreditar em coelhinhos da Páscoa ou, então, sou um cruel manipulador das emoções alheias. Que seja! Nada me dá mais prazer do que fugir do tradicional e esperado "e viveram felizes para sempre".
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.
Fontes:
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Afrânio Peixoto (Trovas populares brasileiras) – 20 (Saudade)
Se os meus suspiros pudessem
aos teus ouvidos chegar,
verias o quanto custa
esta ausência suportar.
2
Ausente de ti, distante,
não posso a vida sofrer,
sentindo tantas saudades,
como é possível viver?
3
Os meus amores perdidos,
que em minh'alma se criaram,
fazem hoje meu martírio
nas lembranças que deixaram.
4
Já não há papel, nem tinta,
nem pena em toda a cidade,
com que te escreva, meu bem,
tão rigorosa saudade.
5
Por ti vivo, por ti morro.
Por ti levo a suspirar:
O meu coração não pode
tua ausência suportar.
6
O ferro, mais a ferrugem,
e o tempo, tudo consome.
Só não posso consumir
a lembrança do teu nome.
7
Saudades que por ti passo,
não posso mandar dizer;
algum dia hei de contar-te,
se um dia puder te ver.
8
Antes eu nunca te visse
nem te tomasse amizade,
para agora me deixares
no rigor desta saudade.
9
Suspirar é meu sustento,
quando estou de ti ausente.
Nada me alegra o sentido,
só contigo estou contente.
10
Lá se vai meu coração,
amarrado com uma fita;
já que lá não posso ir,
aceita a minha visita.
11
Vai-te carta venturosa,
vai ver a quem quero bem;
Dize-lhe que eu fico a chorar
por não poder ir também.
12
Vai-se a tarde, vem o dia,
eu só de ti me lembrando,
faço a cama de suspiros,
quando me deito é chorando.
13
Passo as noites sem dormir,
passo os dias a gemer,
curtindo tantas saudades
como é possível viver?
14
Põe-se o sol e põe-se a lua,
põem-se as estrelas também,
só eu não posso me por
aos pés de quem quero bem.
15
Saudades que te persigam,
como me têm perseguido!
Por ti só falta morrer
ou perder os meus sentidos.
16
A saudade é matadora,
minha vida quer tentar;
Choro, suspiro e padeço,
já não posso mais penar.
17
As folhas do mato virgem
dá-lhes o vento, todas bolem.
Meu benzinho não te aflijas,
de saudades ninguém morre.
18
Se as saudades matassem
eu havia de morrer,
só não morro porque tenho
esperanças de te ver.
19
Se os meus suspiros pudessem
a teus ouvidos chegar,
verias que uma saudade
é bem capaz de matar.
20
Tristes ais, negras saudades
não me mates de repente,
que para matar não basta
querer bem, viver ausente...
21
A saudade me constrange
e me mata sem querer;
Esse teu peito, menina,
meu túmulo há de ser.
22
A gente só quando morre
é na terra consumida:
A saudade é sofrimento
que consome mesmo em vida.
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Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis/BA, 1876 – 1947, Rio de Janeiro/RJ) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador brasileiro. Ocupou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, e a cadeira 2 da Academia Brasileira de Filologia, da qual foi fundador. Passou sua infância no interior da Bahia, na cidade de Canavieiras (onde há uma biblioteca e rua com seu nome), vivenciando situações e paisagens que influenciariam muitos dos seus romances. Formou-se em Medicina, em Salvador, no ano de 1897. Sua tese inaugural, "Epilepsia e crime", despertou grande interesse nos meios científicos do país e do exterior. Em 1902, mudou-se para a capital do país, na época, Rio de Janeiro, onde foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de Alienados, em 1904. Ministrou aulas de Medicina legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1915 e diretor da Instrução Pública do Distrito Federal no ano seguinte. Em 1916, após 3 anos ministrando a disciplina de Medicina Legal, torna-se professor titular da cadeira na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi eleito deputado federal pela Bahia, ficando no cargo no período de 1924 a 1930. Após isto, voltou à atividade do magistério sendo professor de História da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1932. Em 1934 foi agraciado com a Grã-Cruz da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico de Portugal. Foi reitor da Universidade do Distrito Federal em 1935 e, após 40 anos de relevantes serviços, aposentou-se. Iniciou na literatura no ano de 1900 com a publicação do drama Rosa mística. Drama em cinco atos, luxuosamente impresso em Leipzig, com uma cor para cada ato. Entre 1904 e 1906 esteve em vários países da Europa, a fim de adquirir novos conhecimentos. Ao retornar ao Brasil esqueceu-se da literatura e pensou apenas na medicina. Nesse período foi grande sua produção de obras de cunho médico-legal-científica. O romance foi uma implicação a que o autor foi levado em decorrência de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 7 de maio de 1910, para a qual fora eleito à revelia, quando se achava no Egito, em sua segunda viagem ao exterior. Quase como que por obrigação, começou a escrever o romance A esfinge, o que fez em três meses antes da posse da Cadeira nº 7. O Egito inspirou-lhe o título e a trama novelesca. O romance, publicado no mesmo ano, obteve um sucesso incomum e colocou seu autor em posto de destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Afrânio Peixoto obteve, na época, grande aprovação de crítica e prestígio popular. Existe no Palácio Imperial, em Petrópolis, uma placa comemorativa onde se lê: "Nesta sala, durante cinco verões, Afrânio Peixoto disse cousas. Que cousas! e como as disse!". Como ensaísta escreveu importantes estudos sobre Camões, Castro Alves e Euclides da Cunha. Como médico, conheceu e estudou as ideias e teorias de Freud, levando-as para muitos de seus romances. Teve colaboração na publicação periódica Atlântida (1915–1920) e na revista luso-brasileira Atlântico.
Algumas obras: Rosa mística — drama (1900); Lufada sinistra — novela (1900); A esfinge — romance (1911); Trovas brasileiras (1919); Fruta do mato — romance (1920); As razões do coração — romance (1925); História da literatura brasileira (1931); Livro de horas (1947), etc.
Fontes:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. Disponível em Domínio Público.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Afrânio_Peixoto
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