quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 597)


Uma Trova de Ademar  

Partiste deixando a dor, 
e eu talvez não me acostume 
a viver sem seu amor, 
seu carinho e seu perfume! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Potiguar  

Caminhando sempre ao léu 
eu percebo a meditar 
que ironia é ver o céu 
sem ter direito a voar. 
–Rodrigues Neto/RN– 

Uma Trova Premiada  

2011  -  Ribeirão Preto/SP 
Tema  -  VÍCIO  -  5º Lugar 

Rogando à Mãe de Jesus
uma ajuda, no suplício,
sofre a mãe levando a cruz
do seu filho entregue ao vício!
–Gabriel Bicalho/MG– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Se acaso, um dia, escutares 
na tua porta um lamento, 
é o pranto dos meus pesares 
gemendo na voz do vento. 
–Alcy Ribeiro S. Maior/RJ– 

U m a P o e s i a  

No exercício do garimpo
a busca é mesmo constante,
pelas pedras preciosas,
dentre as quais o diamante;
e o poeta todo dia
no garimpo da poesia
faz um verso a cada instante. 
Hélio Pedro/RN–

Soneto do Dia  

AMOR. 
–Amilton Maciel Monteiro/SP– 

Alguns me julgam peça de museu, 
De pouca ou de nenhuma utilidade; 
Um homem que, se ainda não morreu, 
Apenas serve de curiosidade...

De fato, neste mundo em que o himeneu
Agora é relegado à iniqüidade, 
O que pensar de um esposo que viveu
Feliz, dez lustros de fidelidade?

- Por certo que é um louco tal sujeito!
(dirá alguém). Não pode ele ter feito
Tamanho sacrifício em sua vida!

Mas eu responderei a esse descrente:
Jamais tem existência compungida,
Quem ao amor se dá completamente!

Nilto Maciel (Gilmar de Carvalho: Singular e Plural)


Dos personagens que constituem a geração literária surgida por volta de 1970 no Ceará é Gilmar de Carvalho um dos mais singulares. Não participa de grupos. Não está à frente de movimentos. Não promove encontros, reuniões, com vista a levantar a poeira. Não corre atrás de figurões da intelectualidade, a pedir votos, apoio, indicações. Não imita este ou aquele escritor da moda, como não imita os antigos. Por tudo isso, dizem-no avesso a greis, clãs e famílias literárias. Ovelha negra. Pastores de todos os matizes o veem passar e apenas coçam a barba. Porque Gilmar nem escuta a zoada da mutuca. Prefere a pesquisa à pescaria de peixes ornamentais. Contraditoriamente, é um erudito voltado para a cultura popular. Além disso, é compositor de cantos e não mero contista, contador de histórias, embora ame os contadores de histórias do sertão e das periferias de Fortaleza, cantadores, cordelistas, violeiros, Patativa do Assaré.  

Perguntam-me: “Você se dá bem com Gilmar? Parece tão difícil, tão arredio.” De difícil acesso, querem dizer. Poucos contatos mantive com ele; conversamos apenas o necessário. Faltaram oportunidades. Primeiro porque somos de pouca conversa. Segundo porque me mantive longe do Ceará por muitos anos. No entanto, muito me falaram dele: genial, talentoso, arrogante, besta, orgulhoso... Os melhores e os piores adjetivos acompanham sua biografia. Ou seu perfil. Traços tortos em mesas de bar, dos maledicentes, dos invejosos, dos que nada fazem ou escrevem. 

A primeira composição dele a me chegar aos olhos (antes de publicada, antes de incluída em livro) terá sido “Pluralia tantum”. Duas folhas de papel. Li-a com estranheza (admiração e susto). Que diabo era aquilo? Todos os plurais clássicos. Apenas isto. Mas me agradaram. Pela novidade, pela pesquisa, pela singularidade, pela ousadia. Nada de enredo, começo, meio e fim, protagonista, foco narrativo. Nada de usual da forma do conto. Muitos anos depois, conheci o livro Pluralia Tantum. E senti novo impacto. Mais forte, porque não mais um “texto” curto diferente de tudo, mas diversos “cantos” (não contos, não narrativas, não histórias como as que eu costumava ler) em linguagem renovada. E não só isso: a Bíblia, a mitologia grega, as lendas indígenas e da cultura negra brasileira, o candomblé, os orixás, as danças, a cultura de massas. 

Com Pluralia tantum, Gilmar se tornaria conhecido no microuniverso dos intelectuais (usava-se muito este termo) cearenses. Conhecido e admirado. Mais adiante, encontrei-o, por acaso, na Praça do Ferreira. Mostrou-me as provas de novo livro. Demonstrava euforia (nem tanto, porque não é de euforias), porque sabia da importância de sua obra. Pois, para espanto de todos, logo viria a lume o mais singular romance da segunda metade do século XX brasileiro: Parabélum. 

Gilmar se sabe homem de difícil trato. Reconhece: “Não devo ser dos mais fáceis. Faço análise, com interrupções, há 40 anos”. Vontade de mudar, de ser diferente do que é? “Talvez tenha pouca paciência com pessoas que tenham projetos diferentes dos meus. Não compreendo como o projeto de um escritor seja fazer parte de uma instituição anacrônica (como as academias de letras) fundada no século XIX. Não tenho paciência para Clube do Bode”. É verdade, as rodinhas literárias de Fortaleza estão repletas de pequenos escritores cujos sonhos maiores não são escrever obras fundamentais ou, pelo menos, de algum valor literário, mas ingressar na Academia Cearense de Letras. Ou aparecer nas páginas (colunas sociais) dos jornais da província.

Comigo o trato tem sido fácil. Conversamos como civilizados: índios do Cariri e da Serra de Baturité, negros, cafuzos, curibocas. Mas como podem julgá-lo de “difícil trato”, se não fala de ninguém, se não faz crítica literária? “Não tenho tempo para falar mal dos outros. O meu tempo é voltado para a pesquisa e a produção. Inclusive finais de semana”. Por isso, suas opiniões a respeito da literatura cearense não se tornam públicas. Prefere silenciar, embora tenha lá os seus ídolos. Gosta de Moreira Campos, Juarez Barroso e Gerardo Mello Mourão. E não esconde essa predileção. Mas quem não gosta deles? “Dos vivos, gosto muito de Marly Vasconcelos. Mas é difícil falar dos vivos”, confessou-me.

Dia desses fiz-lhe um pedido. Teria como me presentear o Parabélum e o Pluralia tantum? Não os encontramos mais nas livrarias e ambos me foram surrupiados de casa, por algum visitante inescrupuloso?

Gosto de ler Gilmar de Carvalho. Mas também de ouvir sua fala inteligente, plural. Gostaria de vê-lo mais. Entretanto, eu o tenho visto muito mais na televisão, a falar de cultura popular, em debates e homenagens, do que pessoalmente.  

            Fortaleza, janeiro de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/209

Lygia Bojunga Nunes (Corda Bamba) Parte 2


Aspectos temáticos

 As diferenças sociais é o primeiro tema abordado em Corda Bamba, pois é esse tema que desencadeia a trama. De um lado, temos o pessoal simples do circo cuja vida é difícil, arriscada e com muitas dificuldades financeiras e em contraste a este temos Dona Maria Cecília, para quem o dinheiro compra tudo, objetos e até pessoas. Assim, tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá–lo.

 Esses dois mundos se encontram quando a mulher Barbuda e Foguinho levam a menina Maria para morar com a avó, pois os pais de Maria haviam morrido em um acidente no circo.

 O segundo tema abordado são as questões trabalhistas. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitado, quando um colega de circo, Foguinho, tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo.

 Esses dois temas encontram-se como que entrelaçados entre si, em Corda Bamba, pois um deles nos remete ao outro. É a atitude da mãe de Márcia (tentar separar Márcia e Marcelo) que empurra eles para a vida de circo, e são as dificuldades financeiras, a exploração da classe menos favorecida, neste caso os artistas de circo, que fazem com que as personagens Marcelo e Márcia deixem de lado as questões de segurança no trabalho e trilhem para o caminho da morte.

Corda bamba tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma agressiva. A avó de Maria é representante dessa classe, exercendo seu autoritarismo, achando-se no direito de comprar tudo e todos. O que Lygia Bojunga Nunes deseja é explicitar, em um nível possível de ser compreendido pelo leitor criança, as contradições do momento histórico em que se vive.

 Analisando a relação criança versus adulto, a narrativa de Lygia Bojunga Nunes lida com o problema da autoridade, deslocando-o para a perspectiva da criança. A família e a escola são agentes privilegiados da opressão institucionalizada que o adulto exerce sobre a criança, sob o disfarce da proteção, e isso transparece nas obras de Lygia Bojunga Nunes.

 Em Corda bamba, nota-se que Dona Cecília exerce sua autoridade, sem respeitar o próximo. Na relação familiar de Dona Maria Cecília com Márcia e Maria, observa-se a assimetria em que a avó de Maria impõe a sua autoridade e poder.

 Foguinho e Barbuda, como Márcia e Marcelo, representam o casal em que o respeito mútuo predomina, constituindo exemplos de uma relação familiar ideal. A hegemonia do adulto se dá ainda e com igual ou maior ênfase na escola, o principal aparato ideológico do Estado. Em Corda bamba, isso transparece nas aulas particulares de Maria, em que o medo por não saber matemática é simbolizado pelo cachorro da professora que fica embaixo da mesa e ameaça Maria a todo instante, impedindo-a de prestar atenção.

 A obra tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma contundente. A avó de Maria, a protagonista, é uma senhora da mais alta sociedade, está habituada a comprar objetos e pessoas. Assim tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá-lo. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitada quando um colega de circo tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo. "Cada um que topa trabalhar do jeito que vocês estão topando, puxa para trás todo o mundo que está trabalhando também". E ainda a idéia do coletivo da classe trabalhadora formada pela luta de cada indivíduo.

 Em Corda bamba, Maria vai em busca de sua identidade por meio da corda bamba, um elemento circense. A atividade artística é vista como forma de o indivíduo liberar suas tensões, a fim de melhor integrar-se ao grupo social, livre dos conflitos existenciais.

 O uso do elemento simbólico para revelar os problemas existenciais da criança é original em suas obras, possibilitando ao leitor identificar-se com as situações apresentadas, ajudando-o a elaborar seus próprios conflitos.

 Embora se possa verificar uma postura engajada de Lygia Bojunga Nunes no que se refere às questões políticas, sociais, demonstrando uma opção ideológica de esquerda em Corda bamba, percebe-se que a escritora trata dessas questões em sua obra com sutileza, por meio das ações dos personagens, dos relatos dos acontecimentos, recorrendo a imagens simbólicas e alegóricas, sem usar discurso moralizante, panfletário. Lygia Bojunga escapa do panfleto porque ela não dá recado nem faz mensagem. Ela narra com seu olhar e deixa a formulação crítica por conta do leitor. Sua literatura é critica e engajada, utilizando-se da fantasia e da paródia, transfigurando o real, fazendo arte poética.

 É possível observar, em Corda bamba, uma preocupação com assuntos ligados à sociedade, como a luta pela igualdade social e questões como a situação de exploração em que vivem as pessoas menos privilegiadas economicamente, trazidas ao texto de modo especial. É o caso de Marcelo, símbolo do homem explorado, humilhado, engolido pelo sistema. Por necessitar sobreviver na “corda bamba” da vida, arrisca-se para ter uma existência mais digna, como pode ser constatado pelo relato de sua história a Márcia, em que trata das dificuldades por que passava, da miséria de sua infância, feita de “uma porção de nada”, e do seu trabalho no circo, quando ainda era solteiro. No circo, sujeita-se à exploração do dono, fazendo o número da corda sem rede de proteção, com o objetivo de conseguir mais público.

 Aceita o desafio a fim de ganhar fama e melhorar o salário. No entanto, não consegue realizar o número, pois o medo o domina, e ele é despedido. O sonho de um trabalho digno, que atenda às normas de segurança, com seguro de vida e defesa contra acidentes, além de um salário condizente, torna-se distante. Esse fato traumatiza-o e ele não consegue emprego em outro circo, visto que foi humilhado. Assim, é obrigado a procurar outro tipo de serviço, resolvendo ser pintor de parede de prédio.

 Devido ao desrespeito às necessidades dos outros, os pais de Maria acabam morrendo depois de terem sido obrigados a realizar o espetáculo sem rede de proteção para liquidarem as dívidas contraídas na busca da filha que fora raptada pela avó. As circunstâncias da vida fazem com que não cumpram a promessa feita de nunca trabalhar sem a rede de proteção.

 Sem utilizar-se do tom moralista, comum da literatura infanto-juvenil, a autora vai registrando o esquema vigente nas sociedades capitalistas, em que o individualismo se tornou mola propulsora do progresso econômico.

 Já Dona Maria Cecília poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, excedeu-se em suas prerrogativas de dono absoluto do poder. Ela, por ter dinheiro, acha-se no direito de mandar e desmandar nas pessoas, como fez com sua filha Márcia, controlando-a desde pequena, escolhendo suas roupas, colégios, amigas e até seu namorado. Quando Márcia se apaixona por Marcelo, pintor de paredes e artista de circo, opõe-se ao namoro pelo fato de o rapaz ser pobre e lhe oferece um cheque de alto valor, para que desistisse de se casar com sua filha. Para não se tornar apenas mais um “bem consumível” da sogra, o rapaz rasga o documento e vai-se embora, seguido de Márcia. Os dois a abandonam, para não se deixarem envolver por princípios valorativos baseados no dinheiro.

 Dona Maria Cecília não consegue “comprar” Marcelo com seu dinheiro, mas “compra” seus três primeiros maridos, mostrando o alcance de seu poder econômico. São pessoas pertencentes à classe média da população.

 Por comodismo, esses maridos se deixaram cooptar pela atração por postos que lhes garantissem melhores condições de vida, para poderem dedicar-se ao prazer do seu trabalho, sem se preocuparem com o sustento. No entanto, apesar de, aparentemente, se venderem ao poder econômico, simbolizado pela Dona Maria Cecília, não se deixaram subjugar aos desmandos da autoridade.

 O quarto marido de Dona Maria Cecília, seu Pedro, é símbolo de uma visão humanista do mundo, opondo-se aos três primeiros. Seu Pedro não se deixa comprar e nem pretende impor-se pela autoridade, sabe respeitar o próximo: “nem eu mando em você, nem você manda em mim”.

 No entanto, o ápice do poder, do autoritarismo, da opressão, do desrespeito pelo ser humano por parte de Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é mostrado quando ela “compra”, utilizando seu prestígio econômico, uma velha contadora de história, um ser humano, apenas para dar um presente diferente à neta.

 Há a denúncia da miséria em que vivem as pessoas, que precisam se vender para poderem sobreviver. A Velha da História simboliza o povo humilde, sofredor, faminto, os sem-teto, os descamisados, os miseráveis deste planeta que necessitam de se vender a troco de comida. Não possuem o mínimo necessário para sua sobrevivência e se submetem a qualquer humilhação, além de viverem em situações subumanas. Lygia Bojunga Nunes trabalha isso de forma humorística, para enfatizar a ironia da vida dessas pessoas, pois quem passou fome a vida inteira acaba morrendo de tanto se fartar com o que mais desejava – comida.

 Lygia tece a narrativa fundada em dois planos: o inconsciente e o consciente. No plano do inconsciente, verifica-se o interior de Maria, sua situação interna. No plano do consciente, observa-se a criança incompreendida, privada de quaisquer direitos, submetida a uma relação de dependência absoluta. Assim, a vida de Maria é relatada de forma que sua biografia vai fragmentariamente sendo compreendida, à medida que a menina vai recuperando a memória, desvelando o seu passado e recriando a sua história.

 O aprendizado de Maria no circo, as instruções que a mãe lhe proporciona não são valorizados pelas demais personagens. Segundo a avó e a própria escola, a menina está atrasada em conhecimentos e precisa igualar-se às demais crianças, por isso freqüenta aulas particulares com Dona Eunice. A professora é um protótipo de tirania, um falso educador, ministrando lições mas dando muito pouco de si, incentivando a submissão e menosprezando o medo que Maria sentia do cachorro.

 A escola descrita em Corda bamba ensina valores e modos de comportamentos da classe dominante, ignorando a bagagem de conhecimentos e experiências que a menina já traz consigo. A realidade escolar com que Maria se defronta, com conteúdos desconexos e desvinculados do conhecimento, nada acrescenta à interioridade da personagem.

Corda bamba exemplifica o realismo humanista, por focalizar o assunto da angústia e da crise existencial do homem do nosso tempo, esmagado pela opressão social.

 Tanto Maria como os protagonistas de outras obras de Lygia Bojunga Nunes buscam o auto-conhecimento na integração dos vários planos da consciência à realidade de um mundo exterior percebido sob diferentes ângulos e nas suas diversas faces.

 A personagem não é fixada de modo rígido, quer nos traços psíquicos, quer nos físicos. A personagem Maria é registrada de forma indireta, pelo seu tipo miúdo, sua idade e seu temperamento reprimido. Sua figura, embora apresentada como centro do processo diegético, interessa sobretudo no plano discursivo, como instrumento de veiculação de valores e de idéias.

Corda bamba apresenta uma visão pequeno-burguesa do mundo, estruturada de modo a realçar o fenômeno da reificação, visão essa dominada pelos efeitos do poder do capital sobre a vida de cada pessoa, sendo, portanto, contraposta a uma visão humanista do homem.

 Verifica-se na personagem Maria o desequilíbrio da personagem ocorre a partir do motivo gerador da sua amnésia (a visão da morte dos pais). Após lembrar-se das experiências passadas, reestrutura-as na tentativa de buscar o equilíbrio da sua vida presente. Esse equilíbrio é atingido ao final da diegese, porém, por um discurso aberto, sugerindo o não fechamento da história de vida da personagem.

 Lygia enfatiza o aspecto social em suas narrativas e, por meio de uma linguagem simples, inocente no seu plano expressivo, emprega os símbolos e as alegorias, dados que são, no plano criativo, expressões curiosas do estado das idéias nas décadas de 60 e 70, de um Brasil sofredor das conseqüências de uma política repressora.

 Em relação à linguagem descritiva, Corda bamba enriquece-se de detalhes aparentemente supérfluos, por exemplo, a respeito da professora particular que dá aulas a Maria (o braço cheio de pulseiras, as unhas grandes e esmaltadas etc.), pois tais elementos são fundamentais para a caracterização do realismo humanista da autora. Segundo a estudiosa, a descrição não tem a função de inventariar exaustivamente pormenores do objeto, mas sim uma função mais elevada de embasar o universo simbólico da ficção.

 No processo de recuperação da memória de Maria, Lygia Bojunga Nunes faz uso de um vasto campo de símbolos, como portas, cores, compartimentos fechados, flores, sonhos, corredor, corda, arco, mar, água, barco.

 A perda da memória de Maria ante a morte dos pais e todo o processo de sua recuperação tornam-se significativos quando transposto para o plano do real, visto que a anistia tem como característica intrínseca o esquecimento. A perda da memória de Maria pode-se relacionar com a perda de memória do povo brasileiro, assim como a necessidade de Maria recuperar a memória, com a própria necessidade de a sociedade brasileira não se deixar impregnar pelo esquecimento e lutar pelo reavivamento do passado. Com a trajetória de Maria, que não se conforma com a perda da memória e empreende um retorno ao passado, desvendando paulatinamente os mistérios das portas coloridas que lhe desvelam a história de sua vida e de sua família, o que lhe cria condições para inserir-se no presente e projetar o seu futuro, Lygia Bojunga Nunes aponta a mesma trajetória para a sociedade brasileira.

 Em Corda bamba há características reveladoras do sistema autoritário e opressivo da sociedade. Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é representante desse sistema, visto que nela se encontra a junção do autoritarismo com a corrupção, exercidos por meio do poder do dinheiro. Essas características podem ser percebidas nas suas relações interpessoais, que são exclusivamente monetárias. Quando Dona Maria Cecília se apaixonou, não soube conquistar os maridos, foram todos comprados. Para separar a filha de seu namorado, ela usou do dinheiro para afastá-lo. Para agradar a neta, ela comprou um ser humano.

 A avó de Maria poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, se excedeu em suas prerrogativas de dono absoluto do poder.

 Como vimos, Lygia Bojunga Nunes dá atenção especial à escola, que é vista como uma extensão do poder central, pois reflete o mesmo sistema hierárquico daquele, em que um detém o poder e os outros se submetem a ele. A pesquisadora observa que a valorização do ensino como um bem necessário para a formação integral do indivíduo e a crítica à forma como esse ensino se processa caminham paralelamente nas obras da escritora. Portanto, para ela, a importância do saber e a descrença na transmissão desse saber coexistem nas obras de Lygia Bojunga Nunes, refletindo o pensamento crítico daqueles que, analisando o Brasil das últimas décadas, constatam a crescente degradação do ensino.

 Além disso, faz referência à miséria, à instabilidade no emprego, à sujeição do indivíduo aos perigos de uma profissão que põe em risco a vida e à falta de união da classe em busca de melhores condições de emprego.

 Em Corda bamba é possível observar um processo de renovação. Maria, ao perder a memória, necessita reconstituir a vida, pois se encontra sem identidade. Para resgatá-la, ela realiza um processo de regressão de forma simbólica. Assim, é apresentado ao leitor o resgate da identidade da garota, ao mesmo tempo em que se vai desvendando o cotidiano monótono da vida burguesa que a avó quer oferecer-lhe como opção. Sem memória, Maria encontra-se entre o mundo fantástico do circo, porém perdido, e o mundo de privilégios que o dinheiro da avó pode proporcionar-lhe. Isto permite à narradora cruzar dois níveis narrativos, mostrando a tensão constante que se estabelece entre o mundo interior, entre ser e parecer. Maria, se pudesse, gostaria de escolher a vida circense, para viver com os amigos Barbuda e Foguinho. Porém, por ser criança e ter a avó como a única pessoa da família, precisa ficar com ela. A convivência com a avó dá-se de forma negativa. Maria não consegue ultrapassar a barreira existente entre a avó e ela. Dona Maria Cecília, por ser extremamente autoritária, desumana, sem sentimentos, dificulta o relacionamento com a neta, pois a relação com ela é só material.

 Sendo assim, Maria refugia-se em seu mundo interior, porém esquecido, que precisa ser resgatado a todo custo, como elemento de resistência. Ao fazer esse percurso interno de busca do seu passado, configurado por meio de cortes na narrativa, misturando vários tempos, dando ao texto caráter fragmentário, é acompanhada pelo leitor. Dessa maneira, são apresentados ao leitor pedaços de discurso que se juntam para, no final, possibilitar a restauração da identidade de Maria. Cabe ao leitor recolher os fragmentos e reconstituir a história. Assim, somente com a participação ativa do leitor, o significado se compõe. O discurso de Corda bamba requer um leitor participante, capaz de compor os dados lançados pelo narrador. Esse recurso funciona como elemento que aponta para a ‘artificialidade’ da criação, oferecendo uma zona de distanciamento que alerta para o processo de produção da linguagem. O texto mostra-se, desta forma, como criação, ilusão.

 A história de Maria pode ser percebida como “real”; porém, pela maneira como ela está estruturada, solicitando a intervenção do leitor, verifica-se que é ficção.

 Na narração do resgate da identidade de Maria, há um convite implícito ao leitor para que faça também esse retrocesso em sua vida, embora não se pretenda que esta adesão seja automática. Ao acompanhar a restauração do passado de Maria, o leitor poderá igualmente passar por um processo de regressão e questionar o seu passado, a sua vida, abrindo as portas fechadas, buscando, do mesmo modo que Maria, a sua identidade.

 O seu discurso não se quer verdade, objetivando passar valores morais e pedagógicos, doutrinando o leitor, ou uma receita de como superar um trauma, mas cria um espaço crítico entre a autora e o leitor, para ser preenchido por este, espaço para que o leitor tenha um papel ativo e reconstrua os fragmentos narrativos, dando sentido ao texto.

 Percebe-se, portanto, que, em Corda bamba, a ordenação metódica do mundo é rompida definitivamente, e propõe-se ao leitor viver na corda bamba, em oscilação, onde são incertos os limites entre o possível e o impossível, entre o ser e o parecer. O ser humano busca o equilíbrio, o equilíbrio interior, vivendo em tensão sobre dois pólos, para encontrar a síntese.

 A Velha da História contava histórias para enganar a fome dos filhos, num comportamento herdado de sua mãe, conforme a história de sua vida relatada a Maria.

 Esse episódio deixa Maria estupefata. Não conseguia entender como alguém pode comprar outro ser humano.

 Repetindo o ato de “comprar” pessoas, Dona Maria Cecília demonstra que continua a mesma pessoa egoísta, autoritária e sem sentimentos. Não consegue perceber que a tristeza de Maria decorre da saudade dos pais e do circo, tudo o que ela mais queria. A culpada era ela mesma, pois, por egoísmo, ao ser abandonada pelo quarto marido, resolve ter a neta perto de si. Para Dona Maria Cecília, o conforto e os bens materiais que oferecia à neta seriam suficientes para substituir o carinho, o amor que os pais lhe dispensavam.

 Essa atitude de Dona Maria Cecília demonstra o processo de reificação do ser humano: Maria é o objeto que ela mantém em troca de conforto e bens materiais e serve para substituir a perda do último marido, seu Pedro. A Velha Contadora de História passa a ser um objeto também, comprado por meio de bens alimentícios, com a função de distrair Maria. Nos dois casos, verifica-se que Dona Maria Cecília objetiva satisfazer seus próprios interesses: primeiro, agradar Maria, para que ela fique em sua companhia, desconsiderando as carências afetivas que a ausência dos pais lhe provoca. Segundo, comprar a Velha, para que se torne um objeto capaz de agradar sua neta, para fazê-la permanecer junto dela. O fato de Lygia Bojunga Nunes inserir os relatos da Velha Contadora de História e dos maridos de Dona Maria Cecília na história de Maria tem o objetivo de crítica ao comportamento da avó, reforçando a incapacidade de Dona Maria Cecília amar o próximo, e enfatizar que seu relacionamento é exclusivamente monetário.

 Lygia Bojunga Nunes vai desmascarando o artificialismo de muitas atitudes dos adultos, no decorrer da narrativa, e deixa transparecer a crítica à sociedade cujos valores estão adulterados. O exercício do poder corruptor do dinheiro é explícito ao comprar a Velha da História. Por ser rica, Dona Maria Cecília acha-se no direito de “comprar”, mandar e desmandar nas pessoas.

 Percebe-se também a crítica que faz aos preconceitos existentes nas relações humanas. De modo muito perspicaz, a autora vai combatendo-os, demonstrando que dependem do ponto de vista da pessoa. Como no caso de Márcia e Marcelo, apesar das diferenças sociais e econômicas, um completava o outro no amor.

 A consciência do indivíduo como parte integrante de um todo abrangente está intimamente relacionada com a valorização do trabalho como meio de realização do homem em suas obras.

 Em Corda bamba, pode-se perceber essa questão na fala de Foguinho tentando convencer Márcia e Marcelo a não fazerem o número da corda sem a proteção de rede.

 Foguinho e Barbuda demonstram possuir consciência de uma classe: “— Você tá deixando eles te explorarem, Marcelo!”. Enquanto que Márcia e Marcelo parecem não ter essa consciência de classe: “— Que outros?... — Que que tem, ué?”. A preocupação de Foguinho com todos os que trabalham na profissão de trapezistas expressa um ponto de vista coerente e unitário na realidade imaginada. A classe que ele simboliza e representa se opõe à classe representada pelo patrão, dono do circo. Essa personagem implícita representa a classe burguesa, é aquele que se apropria da mais-valia, na condição de explorador dos artistas Márcia e Marcelo. Estes se deixam explorar, arriscando a vida para aumentar a renda do patrão. Barbuda e Foguinho representam a consciência efetiva de uma classe, mediando os dois pólos, interessando-se não apenas pelos amigos, mas por todos da sua profissão, preocupando-se, portanto, com o ser humano em geral. Tem-se, assim, nesse episódio, a luta de classes expressando-se, acima de tudo, na luta ideológica.

Fonte: 
Alice Atsuko Matsuda Pauli - Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Disponível em Passeiweb 

Prémio Sonangol Revelação 2013 (Angola)


Luanda – Os jovens escritores angolanos sem obras publicadas contam desde hoje com uma nova modalidade de premiação, designada "Prémio Sonangol Revelação", cuja distinção dos vencedores inicia em Fevereiro de 2013.

O prémio, de periodicidade bienal, foi instituído pela Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola – Empresa Pública, tendo sido apresentado pelo secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA) Carmo Neto.

De acordo com o regulamento lido hoje no acto de apresentação do concurso, trata se de um concurso literário exclusivamente destinado a jovens escritores angolanos.

Segundo a regulamentação, é aplicável a todos os concorrentes nacionais que residam em território angolano e visa distinguir qualitativamente obras literárias ou de investigação, de escritores angolanos sem qualquer obra publicada.

As obras em concurso terão que ser inéditas e dactilografadas, em cinco exemplares, e deverão ser obrigatoriamente assinadas com o pseudónimo literário e entregues num envelope fechado.

O prémio será bienal e as obras em concurso deverão ser entregues impreterivelmente até ao dia 30 de Setembro de 2012, na sede da UEA.

Quanto ao género literário, de acordo com o regulamento, as obras literárias submetidas a concurso compreenderão todos os géneros literários, sendo igualmente considerados todos os trabalhos científicos ou de ensaios em língua portuguesa, que se refiram aos factos e acontecimentos ou personalidades, ocorridos ou relacionados com Angola.

O júri será composto por cinco membros, sendo dois nomeados pela UEA, um nomeado pelo Ministério da Cultura, outro designado pelo Ministério da Educação e um indicado pela Sonangol.

Cada membro do juri receberá a quantia de dois mil e 500 dólares americanos, pelos serviços prestados.

A cerimónia de entrega do Prémio Literário Sonangol Revelação terá lugar a 25 de Fevereiro de 2013, em Luanda.

Fontes:
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/lazer-e-cultura/2012/5/26/Lancado-Premio-Sonangol-Revelacao-2013,b54906ec-6dab-4a94-a44d-b597c8912040.html
http://concursos-literarios.blogspot.com 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas ( Parte 4)


73 - Assis
 Nem vento nem trovoada
hão de impedir-nos de andar
sem medo por este mundo,
alegres a semear
sementes de paz e bem
por onde a gente passar.

74 - Delcy
Se nós pudermos semear
o bem como quer  Assis,
os males  afastaremos
como ele próprio prediz,
melhoraremos  o  mundo
e  o  homem  será  feliz!

75 - Elisabeth
É o verbo Amar... diretriz
no tempo, agora, presente!
- De que nos vale a Utopia,
se o ser humano consente
que exista tanta maldade
e que o preconceito aumente?!

76 - Prof. Garcia 
Preconceito inda é semente 
de certa forma, robusta; 
só quem já foi segregado 
sabe o preço que ela custa, 
não tenho nada com isso, 
mas isso tudo me assusta!

77 – Gislaine
Qualquer preconceito assusta,
fujamos dele, portanto
que em nossa alma, a vibração
seja de riso, e não pranto,
vivamos, nós, como iguais
cada um no seu recanto!

78 - Hélio
É tão triste o desencanto 
de uma ação com preconceito!
o julgamento dos homens
é passível de defeito,
só Deus, com sua justiça,
não faz juízo imperfeito.

79 - Milton
 A humanidade tem feito
julgamentos apressados,
 atos estes que produzem
 inocentes condenados,
mais tarde - tarde demais 
 descobrem passos errados...

 80 - Ouverney
 Está por todos os lados
esse algoz que discrimina;
separa irmãos, gera o ódio,
rifa a paz, causa chacina
e a maioria das obras
ele faz mas não assina!

81 - Tadeu
 -Não julgues!  A vida ensina
que um julgamento apressado
pode ter más consequências.
E é bom sempre ser lembrado
que quem se arvora em juiz
pode amanhã ser julgado!

82 – Thalma
É bem pouco praticado
este ensino do Senhor.
A gente é sempre o Juiz
do semelhante infrator,
às vezes com mais pecados
do que o próprio pecador.

83 - Vanda
"Eu e o outro" -  é um divisor
onde há implícita lição,
incessante aprendizagem,
cujo mestre, o coração,
mostra que o pronome "Nós"
neutraliza a divisão.

84 - Zé Lucas
Quem não pratica o perdão
nem conhece a caridade
fecha o coração pra Deus,
abre espaços à maldade,
sem saber que está plantando
a própria infelicidade. 

85 - Assis
Maio é o mês em que a bondade
rosas ganha em profusão.
Um tempo em que a humanidade
se curva com emoção
ante as mães, que na verdade,
são as mestras do perdão.

86 - Delcy
 Maio, és o  mês da  afeição,
mês das noivas, da ternura,
és o mês em que  eu nasci
para  gozar  da  ventura
de  poder fazer  sextilhas,
poder banhar-me em  cultura!

87 - Elisabeth 
Maio, enfim, é uma loucura
é a nossa  Festa da Trova... 
Vem o Assis... Vem Ouverney, 
e vem muita gente nova, 
mostrando que a trova é tudo 
e que a UBT se renova!

88 - Prof. Garcia 
É verdade, e a grande prova, 
deste mês que se inicia, 
se ele é dedicado às mães, 
beija e abraça a poesia; 
mês de maio é consagrado 
também à Virgem Maria!

89 – Gislaine
Em maio  chega a alegria,
que traz paz ao  coração;
Mês de Maria e das Noivas
e  do  friburguense  irmão,
de  minha  mestra Delcy,
a quem amo de  paixão!

90 – Hélio
Maio segue em direção
 deixando sua magia.
São João no mês de junho
 no Nordeste é só folia:
Quadrilha, xote e baião,
fogueira e muita alegria. 

91 - Milton
Na dança do dia a dia
vamos da nossa maneira:
maio termina, vem junho,
hora da nação inteira
torcer na Copa do Mundo
pela equipe brasileira.

92 - Ouverney
Hora de agitar bandeira
e fechar, de norte a sul,
uma corrente otimista
em tom amarelo/azul,
ecoando o nosso grito
lá  na África do Sul!

93 - Tadeu
 A imprensa, de norte a sul
chora ausências e eu constato
que o Dunga, se fracassar
nesta Copa, por seu ato
de não ter levado o Ganso,
poderá pagar o "pato"!

94 – Thalma
Prefiro aguardar o ato
final da competição
pra fazer um julgamento
desta nova Seleção,
que já, sem Neimar, sem Ganso,
nos fez vibrar de emoção.

95 - Vanda
Difícil termos visão,
correta, da escolha feita.
Vida é painel de mil faces,
perfeição não tem receita,
ninguém conhece a medida
que alcance a meta perfeita.

96 - Zé Lucas
Não há justiça perfeita
no seio da humanidade...
O desacerto na vida
do homem não tem idade,
e é mais feliz, velho ou novo,
quem só erra sem maldade.
–––––
Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 =http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Nilto Maciel (Noções de Sujeito)


Quando o sujeito nasceu, um anjo lhe disse: Vai, sujeitinho, ser simples na vida. E ele conheceu outros sujeitos: mãe, pai, irmãos. Sentia-se muito simples mesmo. Porque tudo ao seu redor aparentava modéstia: o berço, o quarto, as parede, o teto. Acostumou-se com isso e nem imaginava o que não fosse natural e comedido. Entretanto, logo passou a ouvir reclamações: Você é simples demais. Trate de ser mais elegante, mais afetado. Tenha orgulho de ser você mesmo. Havia quem dissesse: Seja mais composto, mais cuidadoso consigo. Um dândi? E pensava: Como poderia ser sujeito composto, se era um? Queriam-no dois, dez, mil, plural? Não, nunca seria mais de um. Gostava de ser singular. Exigiam-lhe atitudes, modos, sem mencionar quais: Tome uma atitude, homem. Que atitude? De atividade ou de passividade? Se agia, chamavam-no de agente. Se permanecia apático, diziam-no paciente. Ou o pretendiam neutro? Nem agente nem paciente?

Aproximou-se de sujeitos ocultos, como o próprio anjo que o empurrou para a vida, deuses, deusas, querubins, demônios. Sentia-se olhado, espionado, no quarto escuro, no banheiro, no quintal. Escondiam-se atrás de árvores, feito serpentes. E o incitavam a pecar. Às vezes caía em tentação. E pedia perdão a outro sujeito oculto, dito o maior, o criador de todos. Iniciada uma tempestade, olhava para o céu, em busca do supersujeito oculto, e clamava: Livrai-me do mal. 

Por uns tempos, pensou em se afastar dos conhecidos, dos sujeitos visíveis que lhe causavam aborrecimentos. Aspirava a ser também sujeito oculto. Para que ninguém o visse. Poderia se esconder onde bem quisesse. Perder-se por aí, pelas grotas, pelos sertões, pelas matas. Não adiantou nada. Achavam-no sempre. Impossibilitado de se ocultar, pensou em ser diferente dos demais: ser culto. Estudou tudo: filosofia, filologia, teosofia, teogonia. Ambicionava ser o culto da família, do bairro, da cidade. Não aprendeu muito. Até chegar o dia de se iniciarem as importunações da maturidade. O pai o queria casado. De preferência com moça rica, hábil em prendas domésticas, educada, católica apostólica romana. Todos determinavam o seu casamento: o padre (que pregava Jesus para crescer e se multiplicar), o comerciante (que cobiçava alhos e borralhos), o banqueiro (que jurava não ser dono do mundo), o primo pobre, o amigo do peito. Não o queriam só, solteiro, coitado. A mãe nem tanto: Meu filhinho, elas só querem o seu pé, o seu peito, o seu bolso. Elas, as sujeitas. Queriam-no casado, bem comportado, religioso (mas nem tanto), trabalhador, barrigudo, cheio de filhos, torcedor do time mais popular, eleitor do centro (nada de extremos, rapaz!). E sentenciavam: Homem solteiro ou não é homem ou não é homem. Ele gostava do adjetivo solteiro.

Com o passar dos tempos, fez-se íntimo dos objetos diretos e indiretos. Do seio da mãe não queria mais largar. Do leite tornou-se dependente. E de outros líquidos. Relacionou-se com quase todos os verbos: regulares, irregulares, defectivos, abundantes, reflexivos, impessoais, unipessoais, auxiliares. Desde mamar, morder, sentir, até os mais perversos, como extorquir, extirpar, exterminar. Assim como qualquer sujeito, sujou-se. E compreendeu que todos são sujos. E foi descobrindo os adjetivos, dos mais singelos aos mais afetados. Aproximou-se de sujeitos ativos e passivos. O tempo passava, e ele mais assimilava passado, presente e futuro. Batia no peito e dizia: Sou um sujeito de sorte. 

Comporte-se como gente. Desde criança ouvia aquilo. Pulava cercas, galgava telhados, escalava muros, chutava bolas que estilhaçavam vidraças, brigava, dizia nomes feios. Outros sujeitos não viam mal nenhum nessas estripulias: Deixem ele brincar. Alguém corrigia o anjo da guarda do sujeito: Deixem-no brincar.  E ele mais brincava. E como sabia conjugar o verbo brincar. Nunca brinque de boneca. Longe delas, meu filho. Isso é coisa de menina, de fêmea. Quis descobrir as fêmeas. Olhava para elas, embevecido. Desejava ver-lhes as chamadas partes íntimas. Não, isso não.

Se o queriam ignorar, não pronunciavam o seu nome. Tornava-se sujeito indeterminado. Ouvia conversas, mentiras, e se aborrecia: Cortaram o fio da meada. Por que não diziam a verdade inteira? Pois fora ele o sujeito da ação, ele cortara o fio. Aborrecido, sumia sem desaparecer, como se inexistisse. Como se fosse possível sumir sem desaparecer, inexistir sem morrer. Olhava para o céu: Chovia. E ele, o sujeito, molhado, friorento, triste. Mais sujeito às intempéries do que nunca.

Fortaleza, abril de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/235

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Sabiá)


Sardenberg é de São Fidélis "Cidade Poema", no Rio de Janeiro

Canta, sabiá, teu canto,
Canta só pra me encantar,
Solta essa voz maviosa,
Tão linda e maravilhosa,
Que tem forma de encanto
E abafa qualquer pranto
De quem te ouve cantar...

Canta este céu todo azul,
A brisa leve a correr,
A vontade de viver,
O desejo de amar.
Canta, meu sabiá, canta
Teu canto quero escutar!

E canta para os sofridos,
Nossos irmãos rejeitados,
Cante em bemol, sustenido,
Em ré, sol, lá, si ou dó...
Eu te faço esse pedido.
Que ele seja atendido
Mesmo numa nota só!

Mostra ao mundo violento
Esse dom que DEUS te deu...
Pois quem sabe, num momento,
Tu tocas o sentimento
De toda humanidade
Nela desperte a vontade
De ouvir o canto teu! 

Canta, canta, sabiá,
Pois quero ouvir teu cantar,
Canta pra mim a lembrança,
Dos meus tempos de criança,
Que não consigo apagar.

Fonte:
Poema e imagem enviados pelo autor

Gian Danton (Contos de Imaginação e Mistério)


O lançamento do filme O corvo, com John Cusack no papel de Edgar Allan Poe deve reacender o interesso pelo escritor norte-americano. No rastro do possível sucesso, muitas editoras têm programado lançamentos sobre Poe, mas poucos poderão igualar Contos de Imaginação e mistério lançado recentemente pela editora Tordesilhas.

O livro, em capa dura, é uma reprodução fiel do volume lançado em 1907 em Londres, com os desenhos do exímio ilustrador irlandês Harry Clarke e prefácio de Charles Baudelaire. Essa edição inglesa foi considerada já na época uma joia bibliográfica e ajudou a popularizar Poe no mundo. 

 Embora considerado um escritor menor por muitos anos, Edgar Allan Poe foi praticamente o iniciador de algumas das mais populares literaturas de gênero da atualidade. Ele definiu o gênero policial e a ficção científica, além de ter lançado as bases da fantasia moderna. 

 A miríade de escritores influenciados por ele vão de Ray Bradbury a Jorge Luís Borges, passando por Umberto Eco. Arthur Conan Doyle e Júlio Verne eram seguidores fieis do escritor norte-americano. Conan Doyle dizia sobre ele: "Cada um dos contos policiais de Poe é uma raiz da qual desabrocha uma literatura inteira (...) O que eram os contos policiais antes que Poe aparecesse e soprasse vida neles?". 

 Já Júlio Verne escreveu: "O homem e sua obra, ambos ocupam um lugar importante na história da fantasia, pois Poe criou um gênero diferente, sem precedentes e, me parece, levou o segredo consigo". 

 O volume de mais de 400 páginas reúne o melhor dos contos de Poe. Há histórias bastante conhecidas, que costumam figurar na maioria das coletâneas, como William Wilson, O poço e o pêndulo e Manuscrito encontrado em uma garrafa. Mas há algumas pérolas pouco exploradas. 

 Um dos contos excelentes que figuram na coletânea é "O mistério de Marie Roget". 

 Normalmente quando se pensa no Poe policial, lembra-se de "Os assassinatos da rua Morgue" ou "A carta roubada", ambos protagonizados pelo detetive Dupin, que viria a ser um dos modelos para a criação de Sherlock Holmes. O conto sobre Marie Roget é imerecidamente esquecido. Misto de jornalismo e ficção, Edgar Alan Poe aproveitou um crime real, acontecido em Nova York e transformou-o num caso a ser resolvido por Dupin. 

 Sem ter acesso ao local do crime, o escritor usou apenas as notícias dos jornais da cidade como fonte de referência para desvendar o mistério. Mas revelou uma capacidade dedutiva tão impressionante que todos os detalhes foram confirmados posteriormente por duas testemunhas do crime. Ao misturar personagem e criador, ambos gênios da hipótese dedutiva, Poe mostra estar pelo menos um século à frente de seu tempo. Além disso, o texto acaba sendo um verdadeiro manual de como escrever uma policial dedutiva. 

 A Mary Rogers em questão saiu um dia de casa dizendo que iria visitar a tia em outro bairro. Pediu ao noivo que a buscasse no final da tarde, o que se tornou impossível em decorrência de uma tempestade. No dia seguinte a garota não voltou para casa. Quatro dias depois seu cadáver foi encontrado flutuando no rio Hudson. 

 O caso fez a festa dos jornais numa época em que os jornalistas estavam mais interessados em dar sua interpretação das notícias do que de fato relatá-las. Como a garota já havia sumido por uma semana em ocasião anterior, um jornal sugeriu que a mulher encontrada no rio Hudson era outra pessoa. Outro creditou o crime a uma gangue de malfeitores que no mesmo dia havia violentado uma garota na cidade. Outro chamava atenção para o fato de que a sombrinha, o lenço e outros objetos pessoais da vítima haviam sido encontrados em um bosque, muito longe do rio, o que demonstrava que o homem deveria ter passado por muitas ruas com um corpo sobre as costas para ter a ocasião de jogá-lo no rio. 

 O principal argumento dos que defendiam que a mulher encontrada não era Mary Rogers é o tempo que cadáver levou para boiar, uma vez que normalmente em casos de afogamento o corpo leva de seis a dez dias para boiar. 

 Poe analisa e desconstrói cada um dos argumentos. Sobre a flutuação do corpo ele alega que de fato esse é o tempo no caso de afogamentos. Mas o mesmo não ocorre com pessoas jogadas na água já mortas. Com isso ele lança as bases das atuais perícias médicas. Mais um ponto para o homem que praticamente inventou a linha de pesquisa semiótico-informacional, a psicologia das massas, a literatura policial e de ficção científica. 

 O volume da Tordesilhas não traz todos os mais importantes textos de Poe (faltam, por exemplo, o conto "Um homem das multidões"), mas esse é um mal comum a qualquer antologia desse autor: seus textos são tão relevantes que só um livro com obra completa seria capaz de contemplar toda sua importância.

 Ainda assim, Contos de imaginação é obrigatório em qualquer estante dos amantes da fantasia, do terror ou do policial. Não só pelos textos de Poe, pela encadernação de luxo, mas também pelos soturnos desenhos de Henry Clarke. Seu traço sujo, repleto de hachuras, captura com perfeição o clima do texto de Poe, prenunciando uma tragédia a cada linha.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 596)


Uma Trova de Ademar  

Se o verso se faz presente 
e a inspiração se irradia, 
abro o celeiro da mente 
onde armazeno poesia. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

O vento, com peraltice, 
leva folhas pelo espaço. 
Que bom se um dia o sentisse 
levando as preces que faço... 
–Ruth Farah/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Para aumentar meu queixume, 
puseste sim, por maldade, 
em teu bilhete um perfume: 
"A fragrância da saudade". 
–Fabiano Wanderley/RN– 

Uma Trova Premiada  

1999  -  Nova Friburgo/RJ 
Tema  -  BILHETE  -  M/E 

Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua,
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!...
–Rita Mourão/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

No amor, a felicidade, 
com jeitinho permanece, 
porque, superando a idade, 
quem ama nunca envelhece. 
–Alberto Fernando Bastos/RJ– 

U m a P o e s i a  

Candidato a menestrel, 
já fiz a minha inscrição, 
já que eu cultivo um roçado 
onde só nasce emoção. 
E creio que levo jeito, 
pois tenho dentro do peito 
um pote de inspiração!... 
–Francisco Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

A SERESTA DO ADEUS. 
–Larissa Loretti/RJ– 

Ages, assim comigo, indiferente 
e do teu coração fechas a porta... 
não vês que nesta noite é comovente 
a solidão, mas isso não te importa. 

Embora a tua ternura esteja ausente, 
a minha poesia o amor exorta, 
mesmo sabendo que a palavra mente 
e a esperança de ver-te esteja morta... 

Nesta noite estou só, sem teu carinho. 
A minha'alma tristonha se angustia, 
as estrelas se apagam, no caminho. 

Na varanda do tempo, que me resta? 
A rede da saudade que se amplia, 
e a voz do adeus fazendo uma seresta!