sábado, 19 de janeiro de 2013

3.º Concurso de Quadras Populares/2012, do Clube da Simpatia.(Resultado Final)



Tema - ROSA/ROSAS

1.º PRÉMIO

Dentre as flores de Jardim,
solitárias ou aos molhos,
é a rosa, para mim,
a “menina” dos meus olhos…

Deodato Pires - Portugal
***

2.º PRÉMIO

Olho a mãe com seu bebê,
vejo mais que um quadro lindo;
vejo, em verdade, um buquê
com duas rosas sorrindo!

Antonio Augusto de Assis - Brasil
***

3.º PRÉMIO

Nos seus ardentes amores,
consegue sempre o que quer:
rosa - a rainha das flores...
Rosa - a rainha mulher!

Emilia Peñalba de Almeida Esteves - Portugal
*** 

4.º PRÉMIO

Num lodaçal despontou
um pé de rosa encarnada...
Nem por isso ela deixou
de ser rosa perfumada!

Dalva de Araujo - Brasil
***

5.º PRÉMIO

Em meu jardim planto rosas
para que alegrem meus dias,
e como são tão formosas
me inspiram doces poesias!

Ángela Desirée Palacios - Venezuela
***

MENÇÕES HONROSAS

Essas rosas que fenecem
enfeitando covas nobres
são as mesmas que florescem
em jardins de casas pobres.

Olympio da Cruz Simões Coutinho - Brasil
***

Navegando em mar de rosas
aos teus braços aportei;
foi das coisas mais formosas
esse porto onde atraquei!

Fernando Máximo - Portugal
***

O mais hábil jardineiro,
numa inspiração famosa,
fez nascer no seu canteiro
um lindo botão de rosa!

Maria Aliete Cavaco Penha - Portugal
***

Rosas... as rosas não falam
mas deixam sua energia,
pois no perfume que exalam
expressam sua alegria!

Nair Lopes Rodrigues - Brasil
***

... Quatro letras que são cor,
... Que são mulher e formosa,
...que são frescura de flor,
quando se soletra... Rosa!

Maria Ruth Brito Neto - Portugal
***

Ornamentando as janelas,
na mais perfeita harmonia,
vicejam rosas singelas,
numa choupana vazia.

Sônia Maria Sobreira da Silva - Brasil
***

As rosas da natureza
quando contigo cruzaram
ao ver a tua beleza
envergonhadas murcharam. 

Isidoro Cavaco - Portugal
***

Jardineiro apaixonado,
com doze rosas num ramo
eu te mando o meu recado:
cada rosa diz, eu te amo!

Izo Goldman - Brasil
***

Escrevo, a sangue, a mensagem
para no espinho prender:
"'És uma rosa selvagem
que um dia eu hei de colher!"

Renata Paccola - Brasil
***

Na natureza escondida,
como eximia fiandeira,
no verde tece uma vida
o rosa da cerejeira.

Lucia Sertã - Brasil

Fonte:
http://clubedasimpatia.blogspot.com

Olivaldo Junior (Uma Rosa)


Era uma vez uma rosa que não era rosa. Eu explico: era uma rosa vermelha. Dona de um jardim só dela, não se via nada humilde, nem fazia questão de ser. Nadava em cravos e pousava em flores menos “pop”. Pode ser que tivesse, lá no fundo de suas pétalas, um pouco de humildade, mas não se via mesmo nada que a pudesse salvar. O orgulho é um grande abismo entre a beleza e o dia a dia, pois nem sempre é primavera.

Julgando-se eterna, uma rosa começou a murchar. Já não tinha o mesmo rubro nas bordas, e o verde no caule que a sustinha já nem dava bandeira. As margaridas, bem mais fortes que ela, madrugadoras, já cochichavam, quando a rosa acordou. Era uma rosa preguiçosa e, mais que isso, dormia para ver se a beleza a impregnava de novo com seu rastro de estrela, com seu porte de estátua que não é de mármore, mas se martiriza.

Feinha, com as pétalas por desabar, viu-se nas mãos de uma senhora que passava defronte ao jardim da casa em que morava. Desesperada, viu a porção de cravos envoltos em pobres margaridas, todos lhe dizendo adeus do canteiro em que estavam. De que havia valido a uma rosa tanta pose? A pobre, quase sem pétalas, sem caule, acabou assim, no cemitério mais próximo, dando vida a um túmulo, em preto-e-branco.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Trovas do Ademar)


Perdão, palavra bonita 
que se pede, que se implora; 
palavra que é muito dita… 
Mas, só da boca pra fora!

Perdi minha mocidade, 
toda hombridade que eu tinha… 
Vivi sua identidade 
em vez de viver a minha! 

Política, era a vizinha. 
Ela trocou por Brasília 
todos empregos que tinha… 
Menos o bolsa família.

Por agir sem ter cautela 
um grande mico eu paguei: 
beijei uma magricela; 
não era a sogra… Era um gay!… 

Por conhecer meu valor, 
mesmo já no envelhecer, 
vou em busca de outro amor… 
Não tenho tempo a perder!

Por seu próprio desatino, 
tem gente que se maldiz 
pondo a culpa no destino 
por não ter sido feliz! 

Por ter uma fé suprema
não sofrerei agonia…
Se eu sinto uma dor extrema,
dou-lhe injeções de poesia! 

Posso jurar (não é finta):
eu não temo pesadelos,
pois fiz da saudade a tinta
para pintar meus cabelos…

Procuro sempre crescer 
mesmo enfrentando empecilhos, 
mostrando em meu proceder, 
exemplos para os meus filhos…

Quando a inspiração me envia 
a um cenário de beleza, 
eu dou beijos de poesia 
na face da natureza! 

Quando se manda um bilhete
para alguém que a gente gosta,
se faz logo um balancete,
quando não vem a resposta! 

Quando uma paixão soterra 
mágoa e dor nas cicatrizes, 
deixa uma marca que ferra 
o peito dos infelizes… 

Quase toda madrugada, 
Já vendo os raios do dia, 
busco um verso à minha amada 
numa fonte de poesia… 

Quase toda madrugada, 
Já vendo raiar o dia, 
faço um verso à minha amada 
num orvalhar de poesia… 

Quem o livre-arbítrio prega 
caminha contra a verdade. 
Pois eu não creio em quem nega 
a si mesmo…a Liberdade!

Quem semeia de verdade, 
tendo o amor como receita, 
colhe frutos à vontade 
no fim de cada colheita! 

Retratando sua história, 
o pobre cigano cria 
uma verdade ilusória 
que ele mesmo fantasia! 

Saudade… dor cruciante 
que nos maltrata demais; 
palavra sempre constante 
nas Trovas que a gente faz!

Sempre quando a noite nasce, 
traz, na escuridão dos campos, 
a luz que Deus pôs na face 
dos pequenos pirilampos…

Sem ter culpabilidade, 
eu vivo ainda os lampejos 
que você, nesta saudade 
faz brotar dos meus desejos.

Se não puder dar um bolo,
dê um pedaço de pão…
A caridade é um tijolo 
da casa da salvação!

Se o livre-arbítrio é uma escolha, 
e, não vendo outra saída, 
arranquei folha por folha 
do livro da minha vida… 

Se por piedade ou por pena, 
o casal NÃO se desfaz; 
vivem os dois triste cena… 
Onde nem pena tem mais!

Sinto ciúme, é verdade, 
quase morro de ciúme 
quando passas na cidade 
exalando o seu perfume!…

Só seu regresso conforta, 
mas já estou delirando… 
Sempre que alguém bata à porta 
penso que é você voltando!

Sua ausência, por maldade,
deixou, talvez, por vingança,
um punhado de saudade
dentro da minha lembrança! 

Tive amores – não sei quantos - 
Saudades tive, é verdade. 
Mas sei… derramando prantos, 
ninguém mata uma saudade!

Trabalho só é bacana 
se tiver, por sua vez: 
uma folga por semana 
e férias de mês em mês!

Traz alentos, novas vidas, 
muda a cor da plantação; 
a chuva sara as feridas 
que a seca faz no sertão.

Uma fé que não se abala, 
dai-me, Senhor, sem medida, 
para eu poder semeá-la 
pelos roçados da vida. 

Um desejo que me abrasa, 
no Ano Novo é ver os nobres, 
levando as sobras de casa 
para a casa dos mais pobres!

Um monumento de luz 
fez-se em mim arquitetado 
na mensagem que Jesus 
disse ao ser crucificado.

Vejo sentadas no chão, 
trajadas de desamor, 
crianças comendo pão 
amanteigado de dor!

Versos já fiz – não sei quantos - 
relembrando a mocidade. 
Hoje servem de acalantos 
para ninar a saudade.

Adonias Filho (O Largo da Palma) 2. O Largo de Branco


O primeiro conto: A Moça dos Pãezinhos de Queijo está em http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2012/02/adonias-filho-o-largo-da-palma-1-moca.html
––––––––––––––-
 As personagens desse conto são Eliane, Odilon e Geraldo.

Espaços

 Externo - Largo e Igreja da Palma (como já vimos, presente em todas as novelas e tratado como ser vivo), e Rua do Bângala.

 Interno - Quarto em que mora Alice e que Eliane subloca. Casas em que Eliane morou na infância (Itapagipe), quando casada com Odilon e quando viveu com Geraldo (Campo Grande, Barris e Rio Vermelho).

Linguagem

 Concisa, períodos curtos, incisivos. O narrador explora os aspectos lírico-poéticos da linguagem. Percebe-se o uso de metonímias: “Você, Eliane, casou com um hospital”.

 O autor usa os mesmos recursos poéticos presentes nas outras novelas: metáforas, comparações, inversões, frases nominais e enumerações, assíndetos etc.

Foco narrativo e Tempo

 A narrativa é em terceira pessoa, embora centrada no personagem Eliane. Está muito presente o estilo indireto livre. É como se Eliane estivesse fazendo uma revisão de suas vivências: a vida com Geraldo e a vida com Odilon.

 Coloca-se como tempo presente narrativo aquela “manhã de junho”, em que, “gasto o vestido que usa, fora de moda, o melhor de todos os que restaram”, Eliane espera reencontrar-se com Odilon no Largo da Palma.

 Inclusive, neste início, as formas verbais estão no indicativo presente; ressaltam a idéia dos fatos que estão em curso.

 Não raras vezes se fundem presente – fatos que estão sendo vividos, e passado – fatos recordados, pois vividos no passado.

 Mudam, então, os tempos verbais (imperfeito, perfeito, mais que perfeito, ressaltando a idéia de fatos já ocorridos.) Inclusive, em longos trechos, utilizam-se as aspas, para indicar que esses trechos são “narrados” pela memória da própria Eliane, como em um longo discurso indireto livre, dentro do qual aparecem formas do discurso direto.

 O narrador, além de marcar o tempo, usando verbos no presente e no passado, usa os advérbios “agora” e “lá” que ressaltam o tempo presente e o lugar. Eliane no Largo da Palma, à espera de Odilon.

 Lê-se e percebe-se a passagem do passado, visto através da lembrança de Eliane, para o presente:

Essa lembrança a perseguiu durante bastante tempo, era como uma idéia fixa, hora a hora a rever as notas sobre a cama. Parecia-lhe uma coisa tão venenosa e viva quanto uma víbora ou um escorpião. O dinheiro na cama, sobre o lençol, nele refletido o desprezo do homem. E como se aquele dinheiro pudesse compensar a ingratidão e resgatar a mocidade e a vida que a ele dera em troca de alguma coisa. Tudo, dera tudo mesmo em troca de nada.

O sol, agora, invade o Largo da Palma e parece que vem mostrá-lo como uma das coisas mais preciosas da Bahia . Habituara-se aos poucos com ele, o Largo da Palma... Eliane, detendo-se para aquecer-se, esmorece os passos. Lá, no quartinho onde mora, o sol não entra.

 Pelo exposto, percebe-se que o tempo da narrativa é basicamente psicológico.

O mundo interior - mundo invisível

Gasto é o vestido que usa, fora da moda, o melhor dos que restaram. Os cabelos agora brancos, sempre sedosos, não melhoram o rosto cansado. Olhos sem brilho, boca um pouco murcha, as rugas. Este é o lado, o lado de fora, que Odilon verá. Sabe que o Odilon – e se não mudou inteiramente – examinar-lhe-á o rosto com atenção a observar todos os detalhes. Não poderá ver, porém, o lado de dentro, precisamente o lado da consciência e do coração.

 O mundo interior traz uma percepção subjetiva do mundo exterior: (...) a rua não era a mesma e certamente não era a mesma por causa dela própria. 

Apesar de menos de sete meses, ah, quanto tempo.

A tensão nervosa expulsando-a do quarto, empurrando-a para a rua. A tensão nervosa e os olhos de Alice sempre cheios de curiosidade.

 (ver mundo interior = tensão nervosa; mundo exterior = olhos de Alice = expressão mundo interior = curiosidade)

Desfecho: E, como se nada houvesse acontecido naqueles trinta anos, desde que se separaram, ele apenas diz:

 – Vamos, Eliane, vamos para casa.

 (...) Ela se lembra das manhãs de chuva que sempre escurecem o Largo da Palma. Agora, como a vingar-se daquelas manhãs, o sol ajuda o céu tão azul. E Eliane, ainda com o coração a bater muito forte, não tem dúvida de que o seu velho largo, como num dia de festa, está vestido de branco.

Fonte:

João Cézar Flores (Poesias Avulsas)


DOR

Mesmo que eu não queira
Estou preso e acorrentado
Neste estado de desencanto e desilusão.

 Sinto-me sem vida
Sem luz e impotente
Dói muito minha alma e coração.

Todas minhas certezas
 Teimam me provar ao contrário
Tenho dúvidas, errei muito ou sou mesmo um otário.

Seria isso só falta de amores
Ou me trai sem piedade
Meu mundo imaginário.

Quero mais tempo
Para assimilar as mudanças
E reencontrar pelo menos a esperança.

 Quando! E se passar este momento
Que estou só e cheio de lamentos
 Tentarei ser diferente.

Vou querer me encontrar mais comigo
Sem pesadelos e desatinos
Quero viver e ser gente.
Sem precisar perdoar ou pedir perdão
Não quero amar e nem amor
Se me convencer que isso é a causa de minha dor.

RACISMO

 Sentimentos reais
 Tesouros escondidos dentro do peito
Com chave secreta
Para ocasiões especiais.

 Tristes aqueles de discordâncias
Na prova real do quente indispor
Na auto defesa não se pesa a importância
E só sai do baú sentimentos de horror.

Jóias do fundo jamais reveladas
Vem à tona mostrando toda verdade
Entre elas o racismo a tempo guardada
Que ansioso esperava a hora da sonoridade.

É claro o prazer na sua expressão
 Balbuciada com força, raiva e sem medo
 Esvaziado o baú com muita emoção
 Ecoando ao vento o glorioso negro.

Até da vontade de rir da incoerência
 Talvez um segundo amais de paciência
 Guardariam para sempre o desafeto
E viveriam melhor com um negro por perto.

BOM ESPÍRITO

Ainda a crença que ficamos sempre sozinho
 Muitos relutam a companhia do bom espírito
Que também trilham nossos caminhos
 Trazendo energia e luz do plano divino.

Estão comigo não sei quantos e quais são
Não me fazem mal nem trazem medo
Não os vejo, mas sinto no coração
E atendo seus desejos.

 Querem falar! Posso escrever
Em forma de poesias
E a muitos discorrer
Suas sabedorias.

Não quero notoriedade, festividade
Nem horror e perplexidade
 Prefiro a leveza dos anjos
A ornamentar a vida com bons arranjos.

 Aqueles iluminados pelo amor
Que brilham no fundo da alma
Com força, com fé e fervor
 Produzindo caridade humana, que suaviza, que salva.

QUANDO SE AMA

 Quando se ama
 Vergonha não tem vez
Nada fica escondido
Por timidez.

Tudo é claro transparente
Há reciprocidade repleta
 Qualquer coisa vira festa
Você vive alegre contente.

 Quando se ama
 Abraça-se, beija-se
 Amassa-se, deita-se
Não se chora nem reclama.

 Quando se ama
O bom é a sala, melhor a cama
Para cada encontro se conta as horas
Há choramingue e dengue quando vai embora.

 Quando se ama
 Cria-se sentido para a vida
Há sempre luz e esperança
Há saudades e boas lembranças.

Nada fica nas entrelinhas
 Ninguém cala ninguém consente
Não há lugar para mesquinharias
Se for verdadeiro o amor existente.

CIÚMES

Não posso conter o vulcão
 Preste a explodir dentro de mim
 Atormenta-me esta aflição
Com pressentimentos ruins.

Por mais que se procure certezas
A entrega não é plena e total
Ciúme traz a tristeza
E tudo ao redor parece mal.

O não brigar, não falar, afugenta e esconde
E o martírio tem gosto de prazer
 Qualquer gesto vira suspeita
E a dor no coração se espreita.

O desprezo e rejeição
Andam de mãos dadas com a traição
O olhar cabisbaixo condena
Que viver junto já não vale a pena.

 Sonhos também têm fim
Amor verdadeiro deve ser assim
Com brilho no olhar, gostoso de ficar
Com cumplicidade e amizade, e juntos rir e chorar.

Os ciúmes matam a saudade
 Fermentá-lo e impiedade
E dosar de vagar a morte
De um amor que nunca foi forte.

Fonte:
http://www.tabacultural.com.br/joaocesarflores.htm

Nilto Maciel (Dimas Carvalho e o Reino da Poesia)


Conheço a literatura de Dimas Carvalho há muito tempo. Li quase todos os seus livros. Meu conhecimento dele, porém, veio depois. Vi-o pela primeira vez numa tarde de janeiro de 1997. Inaugurava-se o Bosque Moreira Campos (Faculdade de Letras da UFC). O evento está registrado em fotografias, três delas reproduzidas nas páginas derradeiras do Almanaque de Contos Cearenses, daquele ano. 

Não lembro mais quem me apresentou a Dimas. Talvez Pedro Salgueiro, relações-públicas da literatura cearense. Conhece todo mundo: acadêmicos engravatados, cordelistas de chapéu de couro, poetas de todos os naipes: enigmáticos, sorumbáticos, asmáticos. Frequenta, com desenvoltura, o banquete dos escritores de fraque e cartola e a alcova das hetairas. Pois deve ter sido ele o autor da apresentação de Dimas a mim. 

De longe, avistei aquela figura esquisita, a sorrir e palrar. Supus tratar-se de algum cigano (Pedro se dá bem com todas as maiorias e minorias), em busca da mulher perdida. Vestia calça de linho branco e camisa colorida (talvez portasse um punhal na cintura). Na cabeça, chapéu de feltro. No pescoço, cordão dourado. Nos braços, relógio e pulseiras de ouro. “Não vá se assustar. Dimas gosta de se mostrar assim. Além disso, anda sempre com, pelo menos, duas mulheres jovens e belas. É o dândi da ribeira do Acaraú.” Não me assustei, porque nem a poesia mais enigmática me assusta.

Depois daquele dia festivo (Moreira Campos merece mais homenagens como aquela), Dimas e eu pouco nos vimos, ele na sua Acaraú, eu em Fortaleza. Estivemos em bares e encontros de escritores, palestras em faculdades, lançamentos de livros, entrega de prêmios (as paredes e estantes de sua casa estão repletas de certificados, medalhas, etc). Tanto abocanhou prêmios que julgadores de concursos já dizem: “Não, desta vez Dimas não deve ganhar. Precisamos democratizar os concursos literários.” Não concordo com certas práticas democráticas. Pois isso ocorreu em certo concurso, do qual fui julgador. Dimas concorreu na categoria “livro publicado”. Dei meu voto, convicto de estar escolhendo o melhor. Os demais julgadores, no entanto, votaram em outra obra: “O livro de Dimas é o melhor, sim, mas ele já ganhou prêmios demais. Agora é a vez de outros.”

Amante das fêmeas humanas, Dimas escreve com um olho na folha de papel e outro nas ancas das moças. Apesar disso, não há uma só página em sua obra em que se vislumbre ao menos uma curva mais erótica.

Admirador de padre Antônio Tomás, sabe-lhe de cor todos os sonetos. E os diz, ufano, como se cantasse o Hino Nacional Brasileiro. Como o primeiro quarteto de “Verso e reverso”:

Essa mulher de face encaveirada
 Que vês tremendo em ânsias de fadiga
 Estendendo a quem passa a mão mirrada
 Foi meretriz, antes de ser mendiga. 

É sua intenção publicar em livro a obra do grande poeta de Acaraú.

Dimas é viajante nobre. Todo ano vai à Europa. Conhece, palmo a palmo, as ruas das principais cidades europeias. E tem memória fabulosa. Narra até os pormenores de seus passeios por Lisboa, Paris, Roma. Para o ouvinte é como se estivesse ao lado do poeta nas caminhadas pela História.

Por tudo isso, já valeria a pena conhecer Dimas Carvalho. Mas há ainda o poeta e o contista, ambos excelentes. É ler seus livros, suas fábulas perversas, suas pequenas narrativas, suas histórias de zoologia humana, seus poemas. O mais recente – Acaraú & outros países – é uma homenagem ao seu pequeno reino, a oeste do império dos tapuias. Nele há também um poema longo, monumental, desses que só os maiores conseguem compor: “Outros países”. São 21 sonetos de esquemas variados. Assim, os 11 primeiros se apresentam dentro do chamado modelo inglês. Todos – ou o todo – compostos como numa partitura. E então se vê, sobretudo, o rosto de Camões (não só nos versos “é para muito além que eu não desejo / cruzarmos os olhares redundantes / por mares nunca navegados dantes / dormem os caminhos que pra nós prevejo”) e o olhar iluminado do Jorge de Lima de Invenção de Orfeu (“Ser que nasceu bem antes do princípio / e que decerto nunca há de ter fim / pois ele é o próprio abismo, o berço, o início”).

Para ser poeta da estatura de colosso, bastaria este poema. Obra de quem se situa entre o eterno e o universal.

Fortaleza, 24 de agosto de 2009.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/216

Paula Ney (Poesias Avulsas)


extraído de A Produção Poética de Paula Nei. Artigo de Bruno Scomparim Pereira (Cuiabá/MT)

A ABOLIÇÃO

A justiça de um povo generoso,
Pesando sobre a negra escravidão,
Esmagou-a de um modo glorioso,
Sufocando-a com a lei da Abolição.

Esse passado tétrico, horroroso,
Da mais nefanda e torpe instituição,
Rolou no chão, no abismo pavoroso,
Assombrado com a luz da Redenção.

Não mais dos homens os fatais horrores,
Não mais o vil zumbir das vergastadas,
Salpicando de sangue o chão e as flores.

Não mais escravos pelas esplanadas!
São todos livres! Não há mais senhores!
Foi-se a noite: só temos alvoradas!


Segundo Raimundo de Menezes, o presente soneto foi escrito nos dias que se sucederam à Abolição, em meio às comemorações que tomavam as ruas centrais do Rio de Janeiro. Diz o biógrafo que Paula Ney escreveu-o de improviso, "entre dois cálices de vermouth, em meio ao ruidar da multidão na rua".

-----------

SEM TÍTULO

Mestre Meira mira o Moura
E o mestre Moura mira o Meira
Na marinha e na salmoura,
Mestre Meira mira o Moura,
Enquanto grita a lavoura,
Saltando doida e brejeira,
Mestre Meira mira o Moura
E o mestre Moura mira o Meira!


Jogo de palavras composto por Paula Ney, sobre desentendimentos havidos entre dois Ministros do Império: João Florentino Meira de Vasconcelos e João Pereira Moura, este ocupando a pasta da Marinha. Segundo R. de M., Ney, na ocasião trabalhando como repórter parlamentar, compôs esses versos e distribui-os aos parlamentares, na Câmara dos Deputados.

-----------

SEM TÍTULO

Aquele piano, que ontem soluçava,
Triste e dolente, a doce cavatina
Dos teus olhos, oh! lânguida bonina,
Parecia uma órfã que chorava...

Parecia uma nuvem que espalhava
A branda luz da estrela matutina;
Parecia uma pomba que arrulhava
Na orla verde-negra da campina.

E eu chorava também... Tinha em meu peito
A dor da ausência, o perenal martírio
Dum grande amor passado e já desfeito!

Então, pedia às brisas que corriam,
Puras e leves, como o odor do lírio,
Para falar-te; e as brisas me fugiam...


Raimundo de Menezes, n'"A Vida Boêmia de Paula Ney", intitula o soneto "O Piano", afirmando que ele foi dedicado a D. Júlia Lima de Freitas Coutinho, com a qual o boêmio se casou já trintagenário. Da união matrimonial nasceram três filhos, sendo que o primogênito faleceu ainda recém-nascido, após intervenção cirúrgica. Já Ciro Vieira da Cunha possui outra versão para o poema. Segundo o biógrafo, o poema nasceu da parceria de Paula Ney e Lins de Albuquerque, poeta parnasiano morto precocemente e  que pertencia à roda boêmia de Ney. O soneto acima, sem título, teria sido, segundo Vieira da Cunha, publicado n'"O Mequetrefe", sob as inicias P. N. e L. A., após ter sido redigido em uma das mesas da Confeitaria Paschoal, no Rio. O biógrafo explica que foi o olvido que baixou sobre a figura de Lins e Albuquerque que fez  com que atribuíssem sua autoria apenas ao nome de Paula Ney. Efetivamente, a versão de Ciro Vieira da Cunha parece-nos mais fidedigna, e por isso optamos por não intitular o soneto do modo como fez Raimundo de Menezes.

-----------

A TRANÇA

Esta santa relíquia imaculada,
De teu saudoso amor, esta lembrança,
Da vida que fugiu, arrebatada,
Ligeira, como um sonho de criança,

Nos sonos de uma noite de bonança...
- Eu guardo, junto a mim, oh! noiva amada,
Enquanto minha vista não se cansa
De vê-la e adorá-la, extasiada!

Com o fio desta trança, tão escura,
Tão negra, sim - que até minha amargura
Lhe invejaria a cor - e tão macia...

Quais pétalas de rosa, eu teço, à noite,
Da viração sentindo o brando açoite,
- O epitáfio de minha campa fria!...


Único poema de Ney de que se tem notícia  que foi publicado na imprensa, à época da composição. Foi este soneto foi estampado no periódico "A Semana", de 16 de Janeiro de 1886.

-----------

ADORAÇÃO

Tu és minha, afinal! Enfim, te vejo
Sobre os meus braços, lânguida, prostrada,
Enquanto em tua face, descorada,
Os lábios colo e sorvo-te num beijo.

Vibra em minh'alma o lúbrico desejo,
De assim gozar-te a sós, abandonada,
De sentir o que sentes, minha amada,
De escutar-te do peito o doce arpejo!

Quando, entretanto, eu sinto que teu seio
Palpita delirante em doido anseio,
Como a luz que do sol à terra emana,

Eu digo dentro em mim: se eu te manchara,
Se eu te manchara, Flor, ai! não te amara,
Oh! branca espuma da beleza humana!


Sobre este soneto escreveu Ney da Silva: "neste encantador quatorzeto vê-se bem delineada toda a idéia: a posse, o desejo, a piedade, e, por fim, a revolta íntima de um ato pouco  digno de um coração que coloca o ideal, sempre intangível e puro, longe, muito longe, das terrenas misérias do mundo. Nele o espírito pode mais do que a matéria vil, e, assim, a doce e a inefável visão dos seus sonhares, ficou-lhe sendo sempre: 'a branca espuma da beleza humana'" – O entusiasmo quiçá exagerado do escritor se escusa pelo fato de seu parentesco com Paula Ney...

-----------

DE VIAGEM

Voa minh'alma, voa pelos ares,
Como o trapo de nuvem flutuante,
Vai perdida, sozinha e soluçante,
Distende as asas tuas sobre os mares!

Leva contigo os lânguidos cismares,
Que um dia acalentaste, delirante,
Como acalenta o vento roçagante,
A copa verde-negra dos palmares.

Atira tudo isso aos pés de Deus,
Lá onde brilha a luz e estão os céus
E virgens mil c'roadas de verbena.

Isto que já brilhou como uma estrela,
_ Adeus! dirás, só pertenceu a ela,
Corpo de um anjo, coração de hiena!


Este poema – conta-nos R. de M. – foi escrito a bordo do navio que levou Ney, em sua mocidade, do Rio de Janeiro para Salvador, onde passou tumultuosa e alegre  temporada. O motivo da viagem, a filha de um comerciante da Corte, pela qual o jovem boêmio se apaixonara, e que lhe serviu de inspiração para o soneto transcrito.

-----------

A FORTALEZA

Ao longe, em brancas praias embalada
Pelas ondas azuis dos verdes mares,
A Fortaleza, a loira desposada
Do sol, dormita à sombra dos palmares.

Loura de sol e branca de luares,
Como uma hóstia de luz cristalizada,
Entre verbenas e jardins pousada
Na brancura de místicos altares.

Lá canta em cada ramo um passarinho,
Há pipilos de amor em cada ninho,
Na solidão dos verdes matagais...

É minha terra! a terra de Iracema,
O decantado e esplêndido poema
De alegria e beleza universais!


Quando se pensa sobre a fama atual de Ney, constata-se que, seguramente, este soneto é seu legado mais vivo, na medida em  que a beleza dos versos de "A Fortaleza" rendeu ao poema o mérito de figurar em diversas coletâneas de poesias, sendo o soneto consideravelmente conhecido pelo público até hoje, principalmente em Fortaleza, que por muitos ainda é chamada de – A loira desposa do sol".

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/44129

Paula Ney (1858 – 1897)


A Produção Poética de Paula Nei. Artigo de Bruno Scomparim Pereira (Cuiabá/MT)

   O nome de Francisco de Paula Ney (Vila de Aracati, CE, 2/2/1858 – Rio de Janeiro, RJ, 13/10/1897) é mencionado nos meios literários, atualmente, máxime e somente como partícipe da vida boêmia que marcou o Rio de Janeiro da belle époque, e na qual figuraram nomes que acabaram se imortalizando, como é o caso de Aluízio Azevedo e  Olavo Bilac, e outros que a Crítica de hoje situa em posição menos elevada – são exemplos Coelho Neto, Guimarães Passos, Luís Murat, e muitos outros.

   Figura de enorme popularidade no Rio de Janeiro de sua época, Paula Ney nunca pretendeu se dedicar seriamente à literatura, e muito menos viver dela – passou sua mocidade vivendo do que lhe rendia sua atividade na imprensa diária, bem como dos freqüentes favores que lhe faziam seus colegas e conhecidos. Sua vida apenas conheceu relativa estabilidade após seu casamento, quando o status de pai de família, o emprego público e a saúde cada vez mais fragilizada impediam-lhe de viver no mesmo desregramento de antes.

   Não obstante fugir da carreira literária, que considerava avessa ao seu gênio turbulento e ansioso por movimento, Paula Ney, em sua curta existência (faleceu aos 37 anos de idade), acabou deixando à posteridade, além das linhas que anonimamente escreveu nos jornais, também algumas modestas produções poéticas, que, juntamente com alguns discursos de sua lavra (Paula Ney foi brilhante orador, ficando famosa sua capacidade de improvisação, sendo que nos  restou algumas transcrições de seus discursos nos jornais da época), compõem seu reduzido acervo literário.

   É mais pelo seu valor histórico e bibliográfico que tomamos a iniciativa de reunir, em um só corpo, o que já foi possível reunir-se das poesias escritas por Paula Ney, e que constam das duas biografias que tiveram por objeto a vida do ilustre boêmio: "A Vida Boêmia de Paula Ney", da lavra do minucioso biógrafo Raimundo de Menezes, que também dedicou-se ao estudo da vida de outros escritores contemporâneos à Ney, como Aluízio Azevedo, Guimarães Passos e Emílio de Menezes; e "No Tempo de Paula Ney", esmerado livro de autoria de Ciro Vieira da Cunha, que com sua obra conquistou o Prêmio Carlos de Laet de 1949, promovido pela Academia Brasileira de Letras, e que também é autor de um curioso opúsculo intitulado "100 Piadas de Paula Ney", que reúne o formidável anedotário do boêmio cearense.

   As poesias de Paula Ney, desconsiderados os versos satíricos que ele arquitetava espontaneamente em meio as suas palestras, e que raramente eram registradas em papel, não passam de meia dúzia, e não primam pelo estilo. Nem dele seria razoável esperar o contrário, pois nos parece que seus versos foram esboçados, in totum, de improviso, à  mesa das confeitarias em que ele tomava assento para escrever suas reportagens e descobrir novas matérias para elas. Percebe-se a influência do parnasianismo predominante no momento: o uso do soneto como molde de manifestação poética, algumas figuras de linhagem, e elementos outros que não merecem ser mencionados nesta pequena resenha.

   Não obstante, sua linguagem destoa do formalismo e do rigor da Escola de Bilac – a singeleza das figuras que Paula Ney invoca, e a simplicidade dos termos e das construções de que se utiliza reportam uma influência maior do Romantismo – em seus versos prevalece a emotividade e os exageros românticos, em detrimento da emoção contida e contemplativa dos parnasianos.

   Quanto à qualidade dos poemas, em seu conteúdo, não se pode tirar nenhum juízo que olvide o fato de que, se Paula Ney foi poeta em algumas ocasiões, foi-o de improviso, sem maiores pretensões e veleidades. Isso talvez escuse as deficiências que hora ou outra se encontram pelos seus parcos versos, como o emprego de figuras poéticas já exaustivamente conhecidas, o uso excessivo de vocativos, etc. Não obstante, inegável que seus versos emanam certa beleza, muito dela devida à simplicidade e espontaneidade que neles transparecem. Exemplo maior disso é o soneto "A Fortaleza", que ganhou considerável notoriedade em sua época, a ponto de que a capital cearense fosse, como ainda é, batizada de "loira desposada do sol", feliz inspiração de Paula Ney em uma faceta pouco conhecida de sua vida – a de Poeta.

   Por fim, convém notar, antes que se julgue que os poemas a seguir pertencem tão-somente à poeira do Passado, que, curiosamente, até mesmo na internet é possível encontrar os versos de Paula Ney, embora algumas transcrições pequem pelo descuido, sendo que de uma pequena análise que fizemos na web, verificamos diversas imprecisões quanto à grafia das palavras, quanto à acentuação, ocorrendo até mesmo omissões e inversões de termos, desconfigurando alguns versos.

   Essas deficiências não obscurecem a importância, porém, que há no ato de se dar publicidade aos versos de uma figura que anda esquecida dos estudos literário que têm enfoque nos autores do final do século XIX. E é essa publicidade que, se os versos do boêmio cearense não possuíram no papel, possuem agora, na rede mundial de computadores, acessível para milhões de brasileiros que presentemente podem conhecer, ainda que em pequena dose, um pouco dessa figura literária tão cativante, como é a de Paula Ney.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/44129