quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Octaviano Joba (Poemas Avulsos)


A DOR DA SAUDADE

Ontem, visitei um jardim que fora meu
E  o encontrei tristemente desbotado...
A cor de alegria que tinha desvaneceu
E a tristeza se instalou por todo o lado.

Mas entre folhas secas, paus e cacos
Resistem duas flores lindas em pranto
Diante de tanta imundice, aridez e buracos
Que consumiu todo o verde manto...

E desejei que essas flores fossemos nós:
Eu e tu abraçados doce e eternamente...
Mas sinto que nem alcanço ouvir a sua voz
E o seu último olhar foi mui deprimente…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

LEMBRANÇAS

Vivemos um Paraíso enquanto nos amamos
E tudo na vida tinha algo de belo e doce
Mas, aos poucos, o Paraíso acabou-se 
E o que seria eterno, num instante, injuriamos.

Se de almas gémeas tornamos rivais
E vemo-nos pela rua como gato e rato,
Quem lembrará e será tão grato
Por esse tempo que vivemos como casais?

Eu guardo comigo grandes lições de vida,
Também guardo comigo grandes momentos...
Faça revisão dos seus antigos sentimentos...
Quem sorria pra mim, toda florida?!

Saiba que, enquanto eu viver e tu víveres,
Haverá sempre algo que nos torne semelhantes: 
(não olhe pro lado das coisas humilhantes)
- Lembraremos os mesmos beijos...os mesmos prazeres.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

RETRATO DE UM SONHADOR

Sou o que sempre fui, — eu mesmo.
E para sempre serei único e igual.
Não sou guiado pelo vento, não vivo à esmo. 
Serei igual ao que sou e fui: natural. 

Transformo-me na melhor versão de mim
Passando de geração em geração. . . 
Para tudo há Começo, Meio e Fim;
Também seguirá esta ordem o meu coração. 

Quem disser que sou mau que o diga:
Até Jesus foi entregue pelos seus. . . 
A amizade é uma semente, uma espiga, 
A da parábola que Jesus aprendeu de Deus. 

Valorizo a beleza e simplicidade da Natureza: 
Sou tão igual à qualquer indígena . 
Sobre o futuro, evito ter absoluta certeza 
Como esse que se expressa como alienígena. 

Tento ser humano, e o sou. . . Sou honesto:
Só engano a mim mesmo nas horas vagas. 
Uns dizem que valho, outros, que não presto, 
E é por isso que me lançam pragas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

POEMA DA CONSTERNAÇÃO

De repente fez-se caco, o que era diamante
Fez-se cacto, o que era flor
Fez-se indiferença, o que era amor
De repente fez-se pálido, o que era brilhante.

De repente fez-se deserto, o que era mar 
Tornou-se inferno, o que paraíso
Tornou-se rugoso o que era liso
De repente fez-se selva, o que era pomar.

De repente fez-se inverno, o que era verão
Fez-se outono, o que era primavera
Fez-se pano, o que era bandeira
De repente fez-se crocodilo, o que era leão.

De repente fez-se calvário, o que era jardim
Fez-se desespero, o que era esperança
Fez-se tempestade, o que era bonança
De repente fez-se tristeza, o que era festim.

De repente fez-se mendigo, quem era patrão
Fez-se promessa do que seria o presente
Fez-se presente está dor insolente
De repente fez-se migalha, o que era pão. 

De repente fez-se Diabo, quem era Santo
Fez-se pagão, quem era Jesus
Fez-se apagão, o que era luz 
De repente tornou-se repulsa, o que era encanto. 

De repente fez-se agitação, do que era a paz
Fez-se paz, do que era agitação
Fez-se o que se faz numa "sã nação"(...)
De repente tornou-se cinza, o que era lilás.

De repente fez-se pimenta, o que era refresco
Fez-se burlesco, o que era sério 
Fez-se por emoção, o que seria por  critério
De repente fez-se pó, o que era gigantesco. 

De repente tornou-se velho, o "Homem-novo"
Tornou-se de um, o que seria comum
Enfim, tornou-se espinho o nosso "atum"
De repente separou-se a clara da gema (do antigo ovo).

Sempre de pedra a pedra, levando pedrada
De sol em sol, nos golpes das mãos em punho ...
Haverá uma luz que brilhe, sim, um outro Junho
Mais pomposo e glorioso que qualquer fada. 

De repente..."não mais que de repente"
"A mão armada" fez-se  "a mão amada"
"A mão amada" fez-se "a  mão armada"...
Vivemos feito relâmpagos(...) sempre de repente!

Quem olhar dentro de nós e ver algo, assim, eterno, 
Será em sonho, ou numa simples imaginação...
Eu, por exemplo, veterano da reincidente desilusão,
Só acredito em mim sonhando-me sempiterno.

Hinos de Cidades Brasileiras (São José dos Campos/SP)


Letra: Vítor Machado de Carvalho

Hino do Segundo Centenário

Ei-la envolta na neblina,
Debruçada na colina,
Sob o olhar da Mantiqueira
São José, a hospitaleira,
São José, bicentenária.

Das mãos de Anchieta nascida,
Desta terra legendária,
Que alegre vivas, unida,
No teu trabalho febril.
Que o orgulho sejas do Vale
"A cidade que mais cresce"
Pois o título desvanece
Todo São Paulo, e o Brasil.

Ei-la envolta na neblina
Debruçada na colina,
Sob o olhar da Mantiqueira
São José, a hospitaleira,
São José, bicentenária.

De operário a estudante,
Teu sangue novo, estuante,
Flui da escola à oficina.
E da fé, que te ilumina,
Unes o livro ao esmeril.

Terra do obreiro e do bardo,
Que tens Cassiano Ricardo,
O Poeta do Brasil.

Maria Amália Vaz de Carvalho (A propósito de um livro)

Há momentos em que eu não posso deixar de me sentir desconsolada. Parece-me nesses momentos que a humanidade está passando por uma das crises mais graves da sua vida de tantos séculos.

E quem terá forças para conservar-se espectador indiferente dessa dolorosa tragédia de que é teatro o mundo inteiro!

Teorias que se atropelam e se contradizem, sistemas políticos que mutuamente se combatem, opiniões tão variadas, acerca das coisas graves e das coisas insignificantes, que não nos resta meio algum de descortinar a verdade em meio de tão babilônica confusão.

Na prática o desmentido formal e permanente a todas as doutrinas que se pregam e se propagam!

Celebra-se a apoteose da família, e a família decadente, desnorteada, desunida, apresenta o reflexo fiel desta quadra de desalento e de incerteza!

Enquanto os sonhadores erguem um altar à justiça, como a deusa moderna que mais cultos merece, a injustiça aclamada, protegida, triunfante campeia neste mundo onde a vitória já não pertence ao mais forte, mas sim ao mais astuto!

A política, que parecia dever ser aquela ciência complexa e respeitável de conduzir as sociedades ao mais alto grau de aperfeiçoamento material e moral, não é senão um mercado abjeto, onde se debatem os mesquinhos interesses individuais, não aqueles interesses que são a base do bem coletivo, mas os que se traduzem na exploração do homem pelo homem.

A guerra aqui acesa e selvagem, de uma selvageria refinada e científica, acolá disfarçada e hipócrita, arma-se por toda a parte, como nos séculos que lá vão, igualmente funesta, embora a revistam mais prestigiosos aspectos.

Fala-se em paz, em fraternidade universal, prega-se uma religião humana que parece querer e dever suprir a religião divina, mas os modernos crentes d’esse dogma que assenta no direito, na justiça, no amor universal, atraiçoam tanto as suas doutrinas, como atraiçoavam a sua fé os católicos mal esclarecidos das épocas de ascetismo rude, e de fanática superstição.

Para onde vamos nós?

Se vamos para o Bem, o que é que origina esta dolorosa inquietação, que avassala e confrange todas as almas, este contraste incompreensível, entre o que se pratica e o que se pensa?

Se vamos para o Mal, para que nos falam do progresso, da perfectibilidade humana, das conquistas da civilização, dos arrojos felizes da ciência, de tudo que parece preparar ao homem uma quadra luminosa, feliz, nunca realizada até agora?

Dantes, nestas horas de dúvida, de angústia opressiva, íamos nós procurar consolação na palavra animadora e harmoniosa dos que, com os olhos fitos na estrela do ideal, indicavam ao homem o rumo que ele tinha a seguir, para não se perder na sua gloriosa ascensão.

Hoje, esses pilotos da nau do futuro estão mudos ou descreem também!

Mais doloroso ainda que o silencio desalentado, é o “rictus” sarcástico com que eles assistem a luta estranha e confusa de tantos elementos contraditórios e incompatíveis.

Depois a literatura, que é o espelho da alma das sociedades, é hoje por toda a parte um brado unanime de negação.

Não reconstrói, não modifica o que está feito, trata de o desmoronar pedra por pedra!

Há um homem em França que refaz, colocado num ponto de vista diverso, a obra colossal de Balzac.

O romancista mais admirável da França, aquele que fez do romance um ramo das ciências sociais, fez num momento, que tem por força de ficar, a síntese de sua época.

Pintou, e com que potência da verdade! Os reis, e os operários, as duquesas sentimentais, e os artistas convulsionados pela nevrose do seu tempo, os políticos, os sábios, os pensadores, os literatos; as pecadoras do alto mundo, e as pecadoras do mundo equívoco; os financeiros, e os lutadores ambiciosos; os que vinham perder a alma e gastar o corpo nessa Paris elétrica e absorvente, que atrai os gênios e os monstros, e os que vinham ali conquistar a fortuna, o poder, a soberania omnipotente.

Na sua obra complexa, enorme, que às vezes tem na distância um não sei que de monstruoso, encontra-se viva, palpitante, com os seus vícios, com as suas paixões, com o seu talento ardente, com a sua magnética e irresistível sedução, uma das épocas mais características da civilização da França, o que significa a civilização da Europa.

Se em Balzac encontramos as florescências rubras do mal, nem por isso nos seduzem menos as suavidades castas da virtude.

Ao pé de Madame de Marneffe, a pequenina e graciosa fera parisiense, felina e nervosa, com carícias que mordem e furores que acariciam, há a doce figura de Eugenia Grandet, a mais dolorosa virgem, que a imaginação moderna ainda concebeu e idealizou.

Ao pé de Luciano de Rubempré o ambicioso efeminado e mórbido; de Vautrin o brutal lutador que seria um líder do século XVI e que só pôde ser um forçado no século XIX; ao pé de Marsay o político sagaz, que faz dos homens, das mulheres e das coisas, meros instrumentos da sua fortuna, que não tem lei nem fé, e que é capaz de assassinar com um sorriso de dândi, temos de Artes o pensador austero, e pobre escritor para quem a literatura é um magistério e não um ofício, temos Cesar Birotteau, a sublimidade burguesa, o honesto comerciante que tem palavra de duque, que é perfumista com a mesma nobreza de abnegação e de honradez, com que se é sacerdote, e que glorifica toda uma classe de que se riem os frívolos, sem saber quanta heroicidade é precisa para saber guardar imaculada em um peito de burguês, a honra de um paladino.

Dizem que o vício poluía na obra de Balzac com uma exuberância de vegetação inacreditável.

Ele não foi mais do que o analista apaixonado da sua época.

Adorou-a pelo que ela tinha de grande, compreendeu que lhe podia desnudar as chagas, visto que ao lado delas podia mostrar tão admiráveis belezas.

Foi implacável na sua justiça.

O seu tempo seduziu-o pelo que havia de brilhante nos seus vícios, de fecundo e poderoso nas suas paixões, de arrebatado e criador no seu gênio, de raro e dedicado nas suas virtudes.

Hoje no artista que segue as pisadas de Balzac, que não tem a sua potência criadora, mas que tem como ele, e talvez mais metodicamente do que ele, o estudo paciente e investigador, que vemos nós que possa dar-nos aquela sensação de prazer agudo que a leitura conscienciosa de Balzac dá a um verdadeiro artista?

Emilio Zola também descreve a sua época.

É artista, porque sente e sabe fazer sentir.

Diz-se imparcial!

Faz viver nos seus livros a sociedade de que faz parte; entra nos palacetes de pedraria rendilhada dos modernos financeiros, os reis do mundo atual, percorre os salões dourados e os vestuários femininos fantasistas, as salas de jantar, onde se reúnem as relíquias mais preciosas de umas poucas de civilizações, janta nos restaurantes de mais fama, visita nos seus camarotes da ópera ou dos italianos as mundanas mais elegantes, as altas sociedades mais admiradas e invejadas, está no segredo de todas as operações da Bolsa, escutou a uma porta todas as combinações e convênios diplomáticos, penetrou com a sua perspicácia tenaz no interior da alma que anima o seu tempo, falou com os artistas, com os sábios, com os poetas, com as mulheres; subiu aos oitavos andares onde dormem amalgamados numa dolorosa e medonha promiscuidade os miseráveis dessa Paris, cuja superfície é tão sedutora e tão brilhante; viu os farrapos que cobriam o corpo desses indigentes, e os vermes que corroíam a alma desses párias; escutou as perfumadas confidências que murmuram devagarinho uns lábios frescos e vermelhos, por detrás dum leque onde dançam a gavotte (dança) umas pastorinhas de Watteau.

Observou de perto o que há de mais brilhante e o que há de mais abjeto, o que há de mais puro e o que há de mais ignóbil.

Dessa observação tão variada e tão completa que resultado colheu?

Não o posso dizer ao certo, sei só que não há nada mais desolador e mais triste do que a leitura de um livro de Zola.

E Zola é, depois de Tlambert, o grande mestre que morreu, o escritor de mais pulso da moderna geração realista.

Os outros não têm o talento dele, não têm o alcance funesto ou bom, mas em todo o caso poderosíssimo da sua obra, não têm a sua paciência de beneditino, exercida com os processos da nova escola.

Isto não é dizer mal dos que trabalham agora, é notar e assinalar um dos assinalar da confusão que hoje nos desnorteia.

Acudiam-me todos estes pensamentos, imagina como, leitora?

Ao ler um novo livro de Feuillet, ultimamente publicado em Paris Le journal d’une femme.

Feuillet é por excelência o escritor elegante e delicado.

No fundo, pode ser que a obra dele tomada no seu conjunto não seja de uma moralidade tão cauterizadora como a que resulta dos livros de Zola.

Ninguém diga que Zola é um escritor imoral, não; ele é simplesmente um escritor misantropo: vê as coisas pelo lado mais negro, e as suas bacantes, nuas como são, não têm efeitos enervantes, doem como um cáustico aplicado sobre uma úlcera aberta.

Ao lê-lo, a gente não tem de certas tentações de imitar os seus deploráveis heróis; pelo contrário. Sente-se ferida, humilhada, quase que angustiada, e exclama tristemente: Meu Deus! Pois a humanidade é isto!

Octavio Feuillet é, por assim dizer, o contraste do seu ilustre contemporâneo.

Escreve das mulheres e para as mulheres com pena de ouro e nácar.

Feuillet é o último romântico, depois do romantismo ter morrido, como Balzac é o primeiro realista antes do realismo nascer.

Para Feuillet, o delicado observador, as paixões são doenças da alma; para Zola, o anatomista implacável, as paixões são doenças do corpo.

O convulso e repugnante histerismo das mulheres de Zola não tem nada que ver com a sentimentalidade melancólica das mulheres de Feuillet.

Nenhuma delas — deixe-se isto bem claramente registrado para honra e felicidade do sexo feminino — nenhuma delas é a verdadeira mulher, a que tinha a obrigação de ser a mulher do futuro, já me não atrevo a dizer da que o será.

Octavio Feuillet, que está talvez perto demais das cruas pinturas do realismo, intentou neste seu último livro, chamado Le journal d’une femme, reabilitar as ideias românticas, que visto perderem tantas mulheres, podem também salvar algumas.

Ele que sabe tão bem dar vida às suas pálidas e nervosas heroínas, que têm na boca o sorriso da esfinge, que têm na voz uns feitiços misteriosos, que têm no gesto uma graça irrequieta e caprichosa, que sabem arrastar o homem até a beira do crime com um aceno das suas mãos esguias e aristocratas, ele, o criador do Conde de Camors, esse último produto da literatura byroniana, que endoideceu de amor literário tanta mulher, ei-lo que se propõe desta vez o difícil tema de explicar a que nobres e altos sacrifícios o romantismo bem entendido pode levantar uma mulher.

Foi arrojada a empresa; arrojada, mas feliz.

Le journal d’une femme, livro que eu já daqui recomendo a todas as minhas leitoras, é uma joia admirável, cinzelada pela mão de um artista de coração.

E depois são tais os exageros e desmandos da chamada escola realista, é tal o amesquinhamento a que ela reduz a humanidade, que é bom que um escritor de tão prestigiosa eloquência como é Octavio Feuillet mostre que, ao fim de contas, nem tudo era mal na geração que os moços de hoje tentam destronar com tão arrogante desdém.

Roubar ao homem e sobretudo a mulher aquele ideal em que até agora todos punham a mira embora o julgassem inacessível, é despir a vida das poucas flores que ela pôde ter.

Não; o homem não é só um ser organizado que pensa, é também uma alma que ama, espera e crê!

Nesta era de transformação e de incerta claridade, é bom que uma voz se erga e diga bem alto que a paixão só é criminosa quando mal dirigida, que o excesso do sentimento só é ridículo quando mal aplicado, que a abnegação inteira e absoluta tem gozos superiores a todos os gozos da matéria, e que as almas boas e as almas grandes descobriram uma linguagem misteriosa, na qual falam com Deus.

Não basta descrever minuciosamente com uma perversão de gosto, deveras deplorável, tudo que há mau, grotesco, ou vicioso na criação; não basta ter em si tão acentuada preocupação horrível, que se deseje ver com o microscópio do naturalista, para bem lhe distinguir os defeitos, as anfractuosidades, as máculas, os vermes, de tudo que à simples vista seria harmonioso e belo.

Aquele a quem se roubam todas as ilusões salutares cumpre apontar para algum bem que ainda lhe ficará na terra, bem verdadeiro que o compense de todas as suas perdidas alegrias mentirosas!

Não basta negar, é necessário afirmar com convicção robusta; não basta demolir, é preciso ao lado dos edifícios que se derrubam e desmoronam construir novos edifícios mais ricos e mais seguros.

Octavio Feuillet fez este livro, como um protesto de escola, sem, contudo, perder com esta qualidade um tanto dogmática, o seu interesse dramático, a vida intensa, tão indispensável às verdadeiras obras d’arte.

Dado o caso de se chamar romantismo ao excesso de certos e determinados sentimentos, a concepção mais ou menos quimérica que temos das coisas da vida, resta provar se o romantismo pode ou não pode ser nocivo conforme o terreno em que medrar e o meio em que se desenvolver.

A principal heroína do romance, aquela que escreve o seu Diário, ao qual dá o título de livro, é uma rapariga apaixonadamente romântica, tudo quanto há mais romântico, quer dizer tudo quanto há de menos prático e real.

Por isso sendo moça, formosíssima, sentindo cantar dentro da sua alma a festiva e triunfante formosíssima dos vinte anos, tendo uma destas belezas características que dão a certas mulheres um aspecto de deusas, amando com aquela primeira e casta ternura das virgens um homem em tudo digno dela, sacrifica todas estas superioridades da natureza, todas estas radiosas promessas de felicidade a quem? A que?

A um pobre mutilado que morria de amor por ela, a um soldado que voltara da guerra sem uma perna e sem um braço, informe, grotesco, irremediavelmente desgraçado, e que, assim mesmo do fundo do abismo em que o destino o lançara, ousou amar aquela mulher olímpica, e teve a audácia de tentar morrer por causa dela.

Enquanto ele viveu, foi-lhe fiel como as mulheres dignas o sabem ser, consolou-o de tudo que perdera, levou a luz da sua caridade bendita aos antros em que aquela pobre alma se debatera inutilmente por tanto tempo.

Mais tarde quando o marido morre, abençoando-a como se abençoa um anjo, ela, livre de novo, torna a encontrar o homem que amou uma vez, e que não soube esquecer.

Esse é então marido da amiga, da infância, da juvenil viúva.

Não são felizes, os dois, mas ela, a intrépida, a caridosa criatura, lá está tentando da abnegação de cada um deles fazer a felicidade de ambos.

Não o consegue, e quando a amiga, culpada e arrependida se mata para fugir ao horror de mentir eternamente a seu marido, só ela no mundo recebe a confidência do seu crime, confidência que numa carta repassada de dor a doída criança lhe pede que transmita ao esposo ultrajado.

Ficaram ambos livres em face um do outro, ambos viúvos, ambos tendo cumprido a missão que o destino lhe confiara.

Nada os desune agora, nada, a não ser uma dúvida que punge o ânimo daquele, que hoje ela ama perdidamente com a paixão concentrada de tantos anos de sacrifício.

— Porque foi que a minha mulher se matou? – pergunta ele então. Às vezes lembro-me que foi talvez o desamor que eu não soube ocultar bastante. Se assim for, fugirei. Não quero gozar uma ventura de que não sou digno. Se eu matei uma inocente e casta criança, quem me dá direito de ser ainda feliz na terra?

Só ela o sabe, só dela depende aquela ventura divina, de que o dever e a caridade a fizeram fugir noutro tempo.

Pois a ninguém revelou o segredo da sua amiga morta, da doce criatura que a paixão fustigara e que a paixão matou!

Calou-se, deixou que o noivo da sua alma se afastasse para sempre, pungido por um remorso que o separava da ventura, e olhando para o berço da filha escreveu estas palavras que vertem lágrimas, as santas lágrimas, que os realistas não conhecem:

«Restas-me tu, minha filha... Escrevo estas linhas ao pé do teu bercinho... Espero que um dia estas páginas façam parte do teu enxoval de noiva; talvez elas te digam que queiras muito a tua pobre mãe, tão romântica!... Dela saberás talvez que a paixão e o romance podem ser bons, com a ajuda de Deus, porque elevam os corações e ensinam-lhes os deveres superiores, os grandes sacrifícios, as elevadas alegrias da vida. É verdade que eu choro ao dizer-te isto, mas olha que há lagrimas que causam inveja aos anjos.”

Fonte: Maria Amália Vaz de Carvalho. Contos e Phantasias. Publicado originalmente em Porto, 1880. Convertido para o português atual por J. Feldman. Disponível em Domínio Público.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 20

 

Mensagem na Garrafa – 81 –

Clarice Lispector
(Chaya Pinkhasivna Lispector)
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

INSÔNIA INFELIZ E FELIZ
 
De repente os olhos bem abertos. E a escuridão toda escura. Deve ser noite alta. Acendo a luz da cabeceira e para o meu desespero são duas horas da noite. E a cabeça clara e lúcida. Ainda arranjarei alguém igual a quem eu possa telefonar às duas da noite e que não me maldiga. Quem? Quem sofre de insônia? E as horas não passam. Saio da cama, tomo café. E ainda por cima com um desses horríveis substitutos do açúcar porque Dr. José Carlos Cabral de Almeida, dietista, acha que preciso perder os quatro quilos que aumentei com a superalimentação depois do incêndio. E o que se passa na luz acesa da sala? Pensa-se uma escuridão clara. Não, não se pensa. Sente-se. Sente-se uma coisa que só tem um nome: solidão. Ler? Jamais. Escrever? Jamais. Passa-se um tempo, olha-se o relógio, quem sabe são cinco horas. Nem quatro chegaram. Quem estará acordado agora? E nem posso pedir que me telefonem no meio da noite pois posso estar dormindo e não perdoar. Tomar uma pílula para dormir? Mas e o vício que nos espreita? Ninguém me perdoaria o vício. Então fico sentada na sala, sentindo. Sentindo o quê? O nada. E o telefone à mão.

Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos. 

Baú de Trovas LXXVI


Cresce a cidade… que pena…
crescendo, perde a poesia;
– na rua ninguém me acena,
ninguém mais me diz bom-dia!
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
= = = = = = = = = 

Quem seu ciúme proclama,
fazendo questão de expô-lo,
insulta aquela a quem ama,
e ainda faz papel de tolo…
ADALBERTO DUTRA RESENDE
Bandeirantes/PR, 1913 – 1999
= = = = = = = = = 

Compaixão é sofrimento    
(a própria palavra diz)
assumir por um momento
a dor de um ser infeliz.
ADAMO PASQUARELLI
São José dos Campos/SP
= = = = = = = = = 

Só verdade e compaixão
ponha no que você faz;
derrame amor e perdão
e deixe fluir a paz.
ADÉLIA MARIA WOELLNER
Piraquara/PR
= = = = = = = = = 

Tratei de toda a colheita
feito um burro e ando na estafa!
O que o doutor me receita?
- No seu caso, chá de alfafa...
ADÉLIA VICTÓRIA FERREIRA
Sete Barras/SP, 1929 – 2018, São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Na busca eterna da paz,
a humanidade se enterra;
seus próprios sonhos desfaz
na luta inglória da guerra!
AMARYLLIS SCHLOENBACH
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Prato de vidro, vazio,
feito um espelho, em teu fundo
refletes o olhar sombrio
das injustiças do mundo!
ANTÔNIO DE OLIVEIRA
Rio Claro/SP
= = = = = = = = = 

Quando perto, o trem apita,
batem forte os corações…
Tudo na estação se agita,
provocando as emoções.
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP
= = = = = = = = = 

Um fato triste, por certo,
não convém ser relembrado…
Jamais conserve por perto
as tristezas do passado!
BENEDITO MADEIRA
Porto Alegre/RS
= = = = = = = = = 

Há quem chore por defunto
bem na beira do caixão,
mas ninguém quer ficar junto
do finado sob o chão.
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI
Arco Verde/PE
= = = = = = = = = 

Não somos um par perfeito,
mas, nas rusgas entre nós, 
a batuta do respeito
rege sempre o tom da voz...
DARLY O. BARROS
São Francisco do Sul/SC, 1941 - 2021, São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

A maldade em profusão
leva-nos ao caos profundo.
Rogo a Deus a compaixão
pelos pecados do mundo!
DÉCIO RODRIGUES LOPES
São José dos Campos/SP
= = = = = = = = = 

Olhei a foto atrevida
de uma cena de nós dois:
Era o retrato da vida,
tão diferente depois!
DELCY CANALLES
Porto Alegre/RS
= = = = = = = = = 

Ora eloquente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés… do nada!
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP
= = = = = = = = = 

Bebo lembranças em tragos,
ao ponto da embriaguez,
para curar os estragos
que a tua ausência me fez!
ELIZABETE SOUZA CRUZ
Nova Friburgo/RJ
= = = = = = = = = 

Estranha contradição
que a Terra vira e revira:
Muita mentira é paixão,
muita paixão é mentira.
EMÍLIO DE MENESES
Curitiba/PR, 1866 – 1918, Rio de Janeiro/RJ
= = = = = = = = = 

Minha alma tão pequena
perto de um mar tão profundo,
torna-se grande e serena
para as ressacas do mundo.
FÁTIMA PANISSET
São Fidélis/RJ
= = = = = = = = = 

Casar-se é sina dorida,
tolo modo de viver…
é bronca por toda vida
e se paga pra sofrer!
FERNANDO DE VASCONCELOS
Diamantina/MG, 1937 – 2010, Ponta Grossa/PR
= = = = = = = = = 

Quando a dor se manifesta,
não desisto, sigo em frente,
pois sei que a luz que me resta
é Sol para muita gente.
GERSON CESAR SOUZA
São Mateus do Sul/PR
= = = = = = = = = 

Perdido em divagações
sento à beira do caminho…
Como se as recordações
não me deixassem sozinho!
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS
= = = = = = = = = 

A velhice, meu irmão,
não é uma questão de idade.
É quando vai-se a ilusão
E vem chegando a saudade…
JAIME PINA DA SILVEIRA
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

Não penses que estás distante
de uma estrada mais florida,
há sempre um mágico instante
que muda os rumos da vida!
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN
= = = = = = = = = 

Me diga, pai:– Furacão
é feito de vento? – Exato!
– Mas se o vento fura o cão,
porque é que não fura o gato?
JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO 
Rio de Janeiro/RJ, 1922 – 2004
= = = = = = = = = 

Oh perfeita entre as perfeitas,
eu tenho invejas estranhas
da cama em que tu te deitas,
da água com que te banhas!
JUNQUILHO LOURIVAL 
Natal/RN, 1895 – ????
= = = = = = = = = 

Todos querem sufocar,
com disfarces atrevidos,
e sordidez invulgar,
o grito dos excluídos .
LUIZ CARLOS ABRITTA
Cataguases/MG, 1935 – 2021, Belo Horizonte/MG
= = = = = = = = = 

De tanto contar mentira
o meu primo pescador
casou com uma “traíra”
que morde a isca aonde for.
LUIZ MORAES
São José dos Campos/SP
= = = = = = = = = 

Escuto ainda, a cadência
duma canção de ninar;
era mamãe, com paciência,
tentando me acalentar…
MAURICIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR
= = = = = = = = = 

Na exaustão do sofrimento
que lacera e amarga o peito,
o poeta em desalento,
faz dos versos o seu leito.
NAIKER DÁLMASO
Vila Velha/ES
= = = = = = = = = 

Que não haja preconceito,
mas respeito ao nosso irmão,
sem tolher o seu direito
por simples pigmentação!...
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR
= = = = = = = = = 

Como el sol de cada aurora,
reluciente en mis praderas,
irradiando luz que dora
son tus ojos dos esferas.
PAÚL TORRES
Huaral/Perú
= = = = = = = = = 

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia,
saudade, dói outro tanto,
do tanto que já doía.
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
= = = = = = = = = 

A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
São Francisco de Itabapoana/RJ
= = = = = = = = = 

Aos Teus pés eu me ajoelho, 
erguendo graças Senhor! 
- Quem me dera ser espelho 
para a Luz do Teu Amor!
RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013
= = = = = = = = = 

A Trova que se revela
em sua forma e magia
é uma pequena aquarela
na tela da Poesia.
SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP
= = = = = = = = = 

Com tanta delicadeza,
um regato a serra desce...
E eu tenho quase certeza
que a própria serra agradece!
SELMA PATTI SPINELLI 
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

A alegria da pessoa
que demonstra amor à vida,
à sua volta ressoa...
torna a estrada colorida…
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
= = = = = = = = = 

É o abuso da riqueza
e o desprezo à educação
que põe sobre a nossa mesa
a fome, em lugar do pão.
SÔNIA SOBREIRA DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ
= = = = = = = = = 

Come e bebe no batuque
e não sai endividada,
pois aplica o velho truque
de sair só “desmaiada” !
THEREZINHA ZANONI FERREIRA
Rio de Janeiro/RJ
= = = = = = = = = 

Aquele que sempre joga
o lixo em qualquer lugar
é o desleixado que roga:
“ –Venha, dengue,  me atacar!”.
WAGNER MARQUES LOPES
Pedro Leopoldo/MG
= = = = = = = = = 

Hinos de Cidades Brasileiras (Balneário Camboriú/SC)


Letra e Música: Mário Carlos Gonçalves

I
Balneário Camboriú
De belas praias altaneiras
Seus recantos verdes montes
Orgulho dos brasileiros
Onde suas águas mais azuis
Enchem de encanto
O mundo inteiro
Com seu povo alegre e amigo

II
Recebe a todos o ano inteiro
Com o Cristo Luz em amplo abraço
Abençoando os passageiros
Suas noites são festivas
E aproximam corações
Cidade hospitaleira
Quem a conhece
Nunca mais a esquecerá
Princesa do meu Brasil
Cidade de belezas mil.

Contos e Lendas do Mundo (Honduras: A mina Clavo Rico)

A lenda da mina de Clavo Rico faz parte de outra daquelas histórias de Honduras que, tanto por extensão quanto por simplicidade, costumam ser contadas mais do que tudo aos pequenos da casa, quando não são eles que os leem para si mesmos ou outras variantes dessa possibilidade, como ouvi-la na Internet, por exemplo.

Além de toda a história, fornece uma bela moral, tudo começou no veio, ou rachadura cheia de minerais exploráveis, que foi descoberta em 1585 na Choluteca, durante o período colonial. A futura mina foi muito explorada devido aos muitos recursos valiosos que dela foram extraídos e isso significa que ainda hoje é explorada, mas em menor escala.

Muitos comparam esta rica montanha com o famoso Dorado que os espanhóis vieram buscar, inspirados na busca do ouro jorrando, aquela cidade mítica cujas ruas eram feitas de ouro e não podiam ser encontradas por mais que procurassem. Talvez o mais próximo disso tenha sido ver os esplêndidos trabalhos que os incas fizeram, por exemplo, com o mineral, mas, além de minas como Clavo Rico, não encontraram grandes fontes de ouro.

Embora para compensar a decepção de Clavo Rico, eles tiraram muitas pepitas de ouro, já que o mineral é abundante na América Latina, que foram enviadas à monarquia espanhola que financiou expedições e o assentamento na nova extensão de seu império.

Mas Clavo Rico, de acordo com histórias de Honduras, ficou sem ouro na superfície e é por isso que eles tiveram que começar a cavar. A primeira grande escavação da mina teve um quilômetro de extensão. Os trabalhadores trabalharam lá por muitos meses até encontrarem um muro que não poderiam derrubar facilmente até que muitos homens, passo a passo, removessem as pedras.

Depois de derrubar a parede, encontraram atrás dela um enorme lagarto dourado que era completamente feito de ouro puro, muito parecido com aquele que em outras histórias de Honduras podemos ver que sua cauda está cortada. Uma vez que o líder da escavação descobriu, ele ficou muito feliz e ordenou que eles o extraíssem, proferindo ameaças ao céu, segundo as quais nem os anjos poderiam vê-lo depois que aquele lagarto foi extraído.

Mas assim que os trabalhadores colocaram a primeira mão no lagarto, a caverna estremeceu e desabou completamente, deixando todos mortos sob o peso de terem caído no topo de uma montanha inteira.

De toda esta história tiramos a ideia ou a moral de que é importante respeitar os mistérios e os seres míticos e extraordinários que são da natureza, independentemente de serem ouro e por razões comerciais dos humanos queremos aproveitá-los para enriquecer fortunas e populações, enfim, que embora o dinheiro seja muito importante, o respeito é muito mais importante.