sábado, 21 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 115 =


Trova de
TEIXEIRA LEITE
Prado/BA

Todo amor que vai e volta,
de fingido tem sinais.
Um dia ele as asas solta
e, é certo, não volta mais.
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Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC

Lisboa tu és divina
 
Lisboa tu és divina...
Sabes quanto me fascinas!
Quantas vezes te adorei!
Pois és tu que me iluminas.
 
Cidade maravilhosa!
Cheia de amor e carinho...
Quantas vezes te adorei.
Pois estas no meu caminho!
 
Oh Lisboa dos poetas!
E dos grandes escritores...
Como posso te esquecer.
Se sou um dos teus amores!
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Às vezes, me desespero
e penso: "Se eu trabalhasse...
mas deito na rede e espero
que o "mau pensamento" passe!!!
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Soneto de
GONÇALVES DIAS
Caxias, 1823 – 1864, Guimarães

Ando abaixo

Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas,
Afronto a tempestade, o vento, o frio,
Qual se fora ambulante corropio,
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.

Do meu engenho e arte gasto as molas
Em suspiros quebrar que à luz envio;
E, já por teima só, render porfio
A cabeçuda, por quem rompo as solas.

E a amo, ela me adora com loucura,
Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Paga-me até; se insisto... adeus ternura!

Do matrimônio a estátua se levanta,
Negro espectro! ela torna-se brandura,
Eu a imagem do horror que me aquebranta.
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Trova de
TAPAJÓS DE ARAÚJO
Belém/PA

Tange o vento, em luta franca,
as penas que a ave soltou,
mas ninguém do peito arranca
penas que o tempo deixou.
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Poema de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Bilhete a Baudelaire

Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira

Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat

Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...

Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!
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Trova Popular

Vossos cabelos na testa
é o que vos dá tanta graça;   
parecem meadas de ouro
aonde o sol se embaraça.
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Soneto de
WILLIER CARLOS PEREIRA
Goiânia/GO

Adão e Eva

 Deus fez a mulher tão bela,
 De uma simples costela de Adão.
 Só Ele pode fazer de uma costela,
 A mulher, símbolo da perfeição.

 E Adão se apaixonou por ela,
 Dando-lhe inteiro seu coração.
 Viu mil e um encantos nela,
 Que perdeu o juízo e a noção.

 Eva era seu verdadeiro paraíso...
 Razão de alegria e de sorriso,
 Por aquela criação tão bela.

 Para ter outras Evas iguais aquela,
 Por certo ele não titubearia:
 Várias outras costelas ele daria.
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Trova de
GERSON CESAR SOUZA
São Mateus do Sul/PR

Eu comparo o meu sonhar
com quem, na praia, anda ao léu,
colhendo estrelas-do-mar,
querendo as que estão no céu.
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Amor bastante

quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Ao pai dela, o cafajeste
explica: "Foi num pagode"...
O velho é um "cabra da peste"
e a moça explica: "Deu bode!"
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Soneto de 
EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João Del Rey/MG, 1886 – 1963, Petrópolis/RJ+

Meu céu

És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.

Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...

Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,

Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...
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Trova de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

A paixão não tem coerência,
chega ao nosso coração,
rápido e sem paciência,
parecendo um furacão!
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Poema de
DINA SALUSTIO 
(Bernardina Oliveira)
Santo Antão/Cabo Verde

Éramos Tu e Eu

Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.

Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.

Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.

Éramos tu e eu
Dentro de nós.

As contrações cada vez mais rápidas
O descontrole
A emoção
A ciência atenta
O oxigênio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.

São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.

Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.

A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
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Trova Funerária Cigana

Ao filho que a mão da morte
roubou com desgosto tanto,
contai as tristezas minhas
meu sentimento e meu pranto.
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Sol das almas

À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!

Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das almas
A luminosidade comovente!

Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!

Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade.
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Trova Humorística de
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR

Lá no altar, um ébrio em pranto,
que por vingança rechaça:
- Ou tenho aumento, meu Santo,
ou corto... a sua cachaça!
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Poema de
JANSKE NIEMANN SCHLENKER
Curitiba/PR

Um Pequeno Túmulo

Lá na campina, queria ser flor
para que tua mão me colhesse,

ou ser o capim,
para que pudesses descansar em mim,

ou ser o caminho
por onde voltasses a ser meu,

ou ser um pequeno túmulo
- sem nome e sem data -
á beira da tua estrada
... e só tu saberias onde estou...
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Afinal, que te aproveita 
o labor que te consome, 
se não doas, da colheita, 
uma parte a quem tem fome?…
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Soneto do “Príncipe dos Poetas Capixabas”
NARCISO ARAÚJO
(Narciso da Costa Araújo)
Vila de Itapemirim/ES, 1877 – 1944

Casa triste

Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.

Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.

Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,

Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
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Trova de
JAIME PINA
São Paulo/SP

Que os nossos filhos não herdem
os males que o mundo afligem.
Nossos sonhos já se perdem
no negrume da fuligem!
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Hino de Tatuí/SP

Tatuí, Cidade Ternura,
Terra querida onde vivemos
Tens filhos de grandes méritos,
É justo que os louvemos:
Nas letras, Paulo Setúbal,
Recebeu seu galardão;
Na caridade, Chico Pereira,
Foi exemplo de cristão.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje

No progresso industrial,
Manoel Guedes foi pioneiro;
Na música, Nacif e Bimbo
Brilharam no estrangeiro;
No polo e no futebol,
Na justiça e na arte
No carnaval e no fandango,
Tatuí fez estandarte.

No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de 
HUMBERTO RODRIGUES NETO
São Paulo/SP

Há duas coisas bem opostas
que nos matam de repente:
um vento por trás das costas
e uma sogra pela frente!
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Soneto de
EMÍLIO DE MENEZES
Curitiba/PR (1816– 1918)

Pinheiro Morto
(Ao Paraná)

Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.

Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!

Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"

Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!
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Trova de 
FRANCISCO ASSIS MENEZES
Porangatu/GO

Vendo o mundo sem brandura,
só cogitando da guerra,
tenho medo que a ternura
fuja da face da Terra.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A Gota e a Aranha

Ao dar o inferno à luz a Gota e a Aranha,
«Ufanem-se, lhes disse, filhas minhas,
Em maldade, bem má, ninguém lhes ganha.
Nem feitas de encomenda há tais praguinhas!

Cuidemos de dispor-lhes aposentos.
Dou-lhes à escolha alcáçeres (castelos) dourados,
Choças gretadas ao raivar dos ventos,
Aos lutos, à miséria. Minhas filhas,
Façam, de mútuo acordo, estas partilhas,
Ou louvem-se nos dados.

— Choupana, acode a Aranha, não me agrada.»
A Gota, vendo os paços apinhados
Da raça dos Galenos,
Teve medo a grandezas de pousada.

Cativa-se do menos:
Arma a tenda em casebre esburacado.
Repete-na à larga, a fome ceva
No artelho dum coitado.
«Aqui não falta que fazer, exclama.
Nem conheço Esculápio que se atreva
A trocar-me o fofinho desta cama
Pelo do andar da rua.»
No entanto a Aranha vai urdindo a sua,
Sumida no seu ninho,
Um friso de ouro e azul, tão rija, e fera,
E senhora de si, como se houvera
Aforado a seus donos o cantinho.
Estende a teia e espera.
Quase de gáudio estoura:
Chovem-lhe as moscas do artesão vizinho,
Eis senão quando arranca-lhe a vassoura,
Em punhos de criada,
Teia, esperanças, alegria, tudo!
A cada nova teia, vassourada.
Em vão se muda o nosso animalejo;
Quer recanto mais fundo, e cego, e mudo:
Vem a vassoura, e intima-lhe despejo!

Vai de visita à Gota, que na aldeia
Vive mil vezes mais afortunada
Que a própria Aranha do varrer da teia.
Seu hóspede, um grosseiro,
Sai com ela a sachar (lavrar) de madrugada,
Faz de azemel (carregador), simula de moleiro,
Lida a fartar, pois gota bem lidada,
Dizem que é meia cura.

«Não posso mais, — suspira. A desventura
Prostra-me, irmã e amiga. Se consente,
Troquemos de pousada. Fica assente?»
E a Gota logo: «Aceito.»

Pega-lhe a Aranha na palavra, e a jeito
Se hospeda na choupana,
Onde ri de vassouras e criadas.
E, de sorrate (dissimulada), a mana
Embebe-se nas juntas dum prelado,
Que sepulta em perpétuas almofadas.
Cataplasmas receita a medicina,
Oleoso xarope, amarga quina,
Enxúndias (gorduras) e tisanas (cozimentos):
E vê sem grande pejo, nem cuidado,
Oh, cura inteligente!
Que engorda o mal à custa do doente.

Só lucraram na troca as duas manas.

Dissecando a Magia dos Textos (“A Menina de Tranças”, de Aparecido Raimundo de Souza)

por José Feldman

Conto publicado neste blog, em 13 de setembro de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/09/aparecido-raimundo-de-souza-menina-de_13.html

O escritor deste conto, Aparecido Raimundo de Souza, é natural de Andirá/PR, radicou-se em Vila Velha/ES. Formado em Direito e Jornalismo, trabalhou como jurado do programa Sílvio Santos e Ratinho. Escreveu para diversas revistas e jornais do RJ, ES e MG. Atualmente é free-lancer para a Revista "Quem" (da Rede Globo), e às quintas escreve crônicas para o jornal "O Dia", no Rio de Janeiro. Colabora com seus textos e poemas neste blog desde 2010.

Ao dissecar o conto "Menina de Tranças" de Aparecido Raimundo de Souza, revela-se várias camadas de significado e temáticas que refletem aspectos da vida comunitária, da inocência da infância e da busca por um sentido de pertencimento.

ANÁLISE

1. Contexto e Ambiente
O cenário de Santa Luzia do Monte Sagrado, um vilarejo pacato, simboliza a simplicidade e a tranquilidade da vida rural. Este ambiente serve como um contraste poderoso com as complexidades do mundo moderno, destacando a importância das relações interpessoais e da tradição. A descrição detalhada da praça central, onde a vida social se desenrola, é um microcosmo da comunidade, mostrando como as interações moldam a identidade coletiva.

2. Personagem Principal: Laudicea
Laudicea, a "Menina de Tranças", é uma figura emblemática que representa a inocência e a beleza da juventude. Seus longos cabelos trançados, adornados com fitas coloridas, simbolizam tanto a sua individualidade quanto a conexão com as tradições familiares. Sua habilidade de ouvir e absorver histórias a torna uma ponte entre o passado e o presente, destacando o valor da oralidade e da transmissão de saberes.

3. Temática do Desejo e da Magia
O conto aborda a ideia de desejo através da história do viajante e do fio de ouro que pode realizar sonhos. Este elemento mágico serve como um catalisador para a transformação da realidade. A escolha de Laudicea em desejar a preservação da paz e da harmonia em sua comunidade reflete uma maturidade além de sua idade, enfatizando a responsabilidade que vem com o poder de realizar desejos.

4. A Comunidade como Personagem
A dinâmica da comunidade é central para a narrativa. A transformação que ocorre após o desejo de Laudicea — as pessoas se unindo e ajudando umas às outras — sugere que o verdadeiro poder reside nas relações humanas e na solidariedade. O conto critica a desumanização que pode ocorrer em ambientes urbanos e modernos, onde a individualidade muitas vezes se sobrepõe ao bem comum.

5. Ciclo da Vida e a Evolução Pessoal
Laudicea evolui de uma menina inocente para uma mulher que compreende a verdadeira essência da felicidade. Sua jornada simboliza o ciclo da vida e a importância de cultivar valores que transcendem o material. Mesmo após a morte de seus entes queridos, sua decisão de explorar o mundo, levando consigo o fio dourado, é um ato de coragem e reflexão sobre o legado que deixa.

6. Simbolismo e Metáforas
O fio dourado é uma metáfora poderosa que representa a conexão entre o desejo e a realidade. Ele também simboliza a continuidade da vida e das tradições, mostrando que a verdadeira magia não está em objetos materiais, mas nas ações e na bondade. As tranças de Laudicea, por sua vez, podem ser vistas como uma representação da interconexão entre os indivíduos e a comunidade.

LIÇÕES DO CONTO

A jornada de Laudicea em "Menina de Tranças" oferece várias lições valiosas. Aqui estão algumas das principais:

1. Importância da Comunidade
Laudicea demonstra que a força de uma comunidade reside na união e na solidariedade. A colaboração e o apoio mútuo são essenciais para enfrentar desafios e construir um ambiente harmonioso.

2. Poder dos Desejos Sinceros
O desejo de Laudicea de preservar a paz e a felicidade na comunidade ilustra que intenções puras e altruístas podem ter um impacto significativo na realidade ao nosso redor.

3. Valor da Tradição e da Oralidade
A conexão de Laudicea com as histórias de sua família e da comunidade enfatiza a importância de preservar tradições e transmitir conhecimentos por meio da oralidade, enriquecendo a identidade cultural.

4. Crescimento Pessoal e Maturidade
A transição de Laudicea de uma menina inocente para uma mulher consciente mostra que o crescimento pessoal envolve não apenas experiências, mas também reflexões sobre o que realmente importa na vida.

5. A Magia nas Pequenas Coisas
O conto revela que a verdadeira magia não está em elementos sobrenaturais, mas nas ações cotidianas e na bondade. Pequenos gestos podem transformar vidas e fortalecer laços.

6. Resiliência diante da Perda
A capacidade de Laudicea de seguir em frente após a perda de entes queridos ilustra a importância da resiliência e da busca por novos horizontes, mesmo em tempos difíceis.

7. Autenticidade e Individualidade
Laudicea, através de seu desejo, representa a autenticidade. Ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros é fundamental para construir relacionamentos significativos.

RELAÇÃO DOS VALORES ABORDADOS NO CONTO DE APARECIDO COM OUTROS AUTORES

"O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry
Estão presentes valores como amizade, inocência, e a importância das coisas simples. A história enfatiza que o essencial é invisível aos olhos. Assim como o príncipe valoriza as relações que estabelece, Laudicea cresce em um ambiente onde a amizade e a solidariedade são fundamentais. Sua capacidade de ouvir e se conectar com os outros fortalece os laços comunitários.

"A Menina que Roubava Livros", de Markus Zusak
Há a solidariedade, resiliência e o poder das palavras. A protagonista se encontra em meio a um um contexto de guerra e perda, assim como Laudicea lida com a morte de seus entes queridos. Ambas as histórias mostram a importância de encontrar esperança e conforto nas relações humanas.

"O Alquimista", de Paulo Coelho
Aborda a busca de sonhos, autoconhecimento e a importância da jornada, aprende sobre a vida e a conexão com o universo.  A jornada de Laudicea em busca de um desejo sincero reflete a busca por um propósito maior, semelhante à busca do protagonista de Coelho por seu tesouro. Ambas as histórias falam sobre o autoconhecimento que surge durante a busca.

"A Cabana", de William P. Young 
Percebemos o perdão, amor e a superação da dor. A história aborda a importância de enfrentar a perda e encontrar paz interior. Assim como a narrativa de Young aborda temas de perdão e conexão, a oralidade nas histórias da comunidade de Laudicea destaca a importância da tradição e da comunicação para a cura e fortalecimento emocional.

"O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway 
Observa-se a perseverança, resiliência e a luta contra adversidades. Ambos os protagonistas enfrentam desafios. Laudicea, ao desejar a harmonia da comunidade, e o velho pescador, em sua luta contra o mar, mostram que a perseverança é crucial para se alcançar objetivos e manter a dignidade.

CONCLUSÃO

A análise do conto "Menina de Tranças" de Aparecido Raimundo de Souza revela não apenas a riqueza narrativa do autor, mas também suas influências e a relevância de sua obra no mundo contemporâneo e para as futuras gerações. O autor é influenciado por elementos da literatura oral, tradições culturais e a vida comunitária, que permeiam sua narrativa. Ele utiliza a oralidade como um recurso para transmitir valores, histórias e sabedoria ancestral, resgatando a essência das relações humanas e a simplicidade da vida rural. Essa conexão com as raízes culturais é fundamental, especialmente em um mundo que frequentemente prioriza a velocidade e a superficialidade.

Em tempos de individualismo e desumanização, a mensagem de "Menina de Tranças" se torna ainda mais significativa. O conto ressalta a importância da empatia, da solidariedade e do pertencimento. Em um contexto em que as comunidades enfrentam desafios como a alienação e a fragmentação social, a obra de Aparecido nos convida a refletir sobre a necessidade de retornar a valores que fortalecem os laços sociais. Para as futuras gerações, o conto serve como um modelo de como a literatura pode ser uma ferramenta poderosa para a educação emocional e social. Através de personagens como Laudicea, as crianças e jovens podem aprender sobre a importância de cultivar amizades, honrar tradições e valorizar a comunidade. A história incentiva a compreensão de que a verdadeira riqueza da vida está nas relações que construímos e na forma como nos conectamos uns com os outros.

Assim, "Menina de Tranças" transcende sua narrativa simples para se tornar uma reflexão profunda sobre a condição humana. A obra de Aparecido não apenas enriquece a literatura brasileira, mas também oferece lições valiosas para um mundo em constante transformação. Ao lembrar a importância da comunidade, da tradição e da empatia, o escritor nos proporciona um legado que ressoa com a essência do que significa ser humano — um convite para construirmos um futuro mais conectado e solidário.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Chão de Estrelas)

(samba, 1937) 

Compositor: Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado
eu vivia vestido de dourado
palhaço das perdidas ilusões
cheio dos guizos falsos da alegria
andei cantando a minha fantasia
entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do salgueiro
tinha o cantar alegre de um viveiro
foste a sonoridade que acabou
e hoje, quando do sol, a claridade
forra o meu barracão, sinto saudade
da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
na janela qual bandeiras agitadas
pareciam um estranho festival
festa dos nossos trapos coloridos
a mostrar que nos morros mal vestidos
é sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
mas a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão
tu pisavas nos astros distraída
sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, O luar e o violão.

A melancolia no samba de 'Chão de Estrelas'
A canção 'Chão de Estrelas', interpretada pelo icônico Silvio Caldas, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da vida simples. A letra da música descreve a vida de um homem que, outrora parte de um espetáculo iluminado e vestido de dourado, vivia uma fantasia de alegria e aplausos. A metáfora do palhaço pode ser interpretada como uma crítica à falsidade das aparências e à efemeridade do sucesso e da felicidade construída sob os holofotes.

O cenário muda para um barracão no morro do Salgueiro, um lugar de vida simples, mas cheio de alegria e vivacidade, como um 'viveiro'. A saudade é um tema central, expressa pela ausência da 'mulher pomba-rola que voou', uma referência à perda de um amor que trouxe vida e sonoridade ao ambiente. A imagem das roupas penduradas, agitadas como bandeiras, evoca uma sensação de festividade e orgulho da identidade cultural dos morros, onde mesmo a pobreza é celebrada como um 'feriado nacional'.

Por fim, a música descreve uma cena poética onde a luz da lua, atravessando o zinco do barraco, cria um 'chão de estrelas'. A mulher amada, ao caminhar desatenta sobre esse chão iluminado, não percebe que a verdadeira felicidade está na simplicidade da vida cotidiana, simbolizada pela 'cabrocha, o luar e o violão'. A música é um retrato da vida nas favelas do Rio de Janeiro, com suas dificuldades e belezas, e um lembrete de que a felicidade muitas vezes reside nas coisas mais simples.

Numa visita ao poeta Guilherme de Almeida, em 1935, Sílvio Caldas mostrou-lhe uma canção inédita, intitulada "Foste a Sonoridade Que Acabou". Terminada a apresentação, a canção recebeu um novo nome: "Chão de Estrelas". Aconteceu a mudança por sugestão de Guilherme, tomado de súbito entusiasmo pelos versos, que eram de Orestes Barbosa.

Sobre o fato, ele escreveria trinta anos depois (em crônica incluída no livro Chão de Estrelas, de Orestes): "Nem de nome eu conhecia o autor. Mas o que então dele pensei e disse, hoje o repito: uma só dessas duas imagens - o varal das roupas coloridas e as estrelas no chão (... ) - é quanto basta para que ainda haja um poeta sobre a terra".

Mas não pãra em Guilherme de Almeida o fascínio despertado por "Chão de Estrelas" entre nossos poetas. Em 1956, numa crônica em louvor a Orestes, Manuel Bandeira terminava assim: "Se se fizesse aqui um concurso (...) para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: ‘tu pisavas os astros distraída..."'.

Composto por Sílvio Caldas sobre um poema em decassílabos - que Orestes relutou em consentir que fosse musicado -, "Chão de Estrelas" é a obra-prima da dupla, que produziu um total de quinze canções, a maioria de muito boa qualidade ("Quase Que Eu Disse", "Suburbana", "Torturante Ironia" etc.). Essas composições cantam amores perdidos ou impossíveis, tratados do ponto de vista masculino e quase sempre localizados em cenários urbanos arranha-céus, apartamentos, cinemas... Embora tenha se destacado no seu lançamento em 1937, "Chão de Estrelas" só se tornaria um sucesso nacional na década de 1950, quando Sílvio Caldas a gravou pela segunda vez. 

Fontes: 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 25

 

A. A. de Assis (Olha o miúdo de porco…)

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo

Era o cotidiano refrão do bucheiro desde bem cedinho pilotando sua carrocinha puxada a burro nas ruas da Maringá recém-nascida. Quem num por acaso me fez lembrar disso foi o mestre desenhista e cartunista Kaltoé. Ele era ainda um garotinho, mas diz que se lembra bem.

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo. O bucheiro trazia não se sabe de onde sua vendinha ambulante, oferecendo bucho, tripa, fígado. Não só de porco, mas também de bode, carneiro e os de-dentro de galinha, pato, marreco, mais umas comidinhas várias: torresmo, tripa, linguiça, pastéis, bolinhos, biscoitos, cocadas. Ninguém perguntava quais os cuidados de higiene havidos no trato da mercadoria. O bucheiro embrulhava as porções num papel grosso, todo mundo comprava, cozinhava, punha no prato, mandava ver.

Era assim também com o pão e o leite. O padeiro atendia os clientes avulsos no carrinho e deixava o pão nas portas dos que pagavam por mês. O leiteiro trazia o “suco de vaca” numa barrica com uma torneirinha. Os fregueses traziam caneco, panela ou caçarola e levavam o produto para casa em estado natural – cruzinho e gordinho. Hoje algo assim seria inacreditável. No mínimo daria escândalo, com direito a virar notícia de rádio, jornal e tevê.

No entanto, até a primeira metade do século 20, isso era comum na maioria das cidades, principalmente nos lugares novos, como era o caso de Maringá. Ou as pessoas tinham maior dosagem de anticorpos ou os possíveis vírus e bactérias eram menos perversos.

Aqui (Maringá) começou a mudar nos meados de 1960, quando a população deu sinais de que era hora de botar ordem nesse tipo primitivo de comercialização. Afinal Maringá já era uma cidade bem crescidinha; não podia mais aceitar um atraso desses. Campanhas da imprensa, debates nos clubes de serviços, manifestações de médicos, pressão daqui, pressão dali, enfatizando a urgência de alguma medida proibindo a venda de leite cru.

Todavia, como de praxe acontece em toda mudança de costumes, havia também gente que não queria mudar coisa alguma, resultando daí um quiproquó que rendeu inclusive exaltadas discussões na Câmara de Vereadores.  

Produtores e vendedores de leite, no início, ficaram também meio divididos, porém acabaram chegando a um consenso. Reuniram-se, debateram, avaliaram os prós e os contras e por fim reconheceram a real necessidade de entrar na era moderna.

Criou-se a Cooperativa de Laticínios e o produto passou a ser pasteurizado e distribuído nos conformes do que a higiene exige. Primeiro em garrafas de vidro, depois em saquinhos e finalmente em caixinhas, como se faz ainda hoje.  

O bucheiro teve igualmente que aposentar sua carrocinha. Carnes e miúdos na rua, nunca mais. Só nos açougues e sujeitos à indispensável fiscalização oficial. 

(Crônica publicada no Jornal do Povo)