domingo, 17 de novembro de 2024

Geraldo Pereira (A Sapatilha de Ponta)

Retomo sempre que posso o início de vida de cada uma das minhas filhas, recordando o primeiro choro que ouvi, de cada uma separadamente na sala de parto. Gosto de parar e notar o quanto progrediram! Fabiana chorou logo, Patrícia demorou e levou umas palmadas nas costas, mas pronunciou-se fortemente, fazendo o avô, na sala de espera, dizer: “Pelo choro, será tão inteligente quanto a outra!”. Digressão psicológica tirada, talvez, em conversa de calçada com Sylvio Rabello. Depois, Carolina nem queria sair da barriga, fazendo Jorge Regueira rebuscar o ventre à procura dela, mostrando quando quis e bem entendeu o pé, veio à luz de cabeça para baixo. Chegou e chorou, deu o grito das outras, igual ao de Fabiana e tão estridente quanto o de Patrícia.

Agora, já estão todas mais na frente! Fabiana rodopiando no balé, calçando a sapatilha de ponta. Chega do ensaio, conversa com Catarina e Karina, confessa: “Vou tirar um retrato com a minha sapatilha de ponta!”. Depois, volta-se para mim e define, deseja - isso sim! - substituir a foto de seu quarto de uma bela moça atacando a sapatilha por seu próprio retrato.

Concordo e me disponho a ser o fotógrafo oficial do grupo! 

Patrícia ingressa na adolescência, pelo menos pretende isso e aparece no Shopping Center todos os sábados para fazer o footing, como dizem os do meu tempo, imitando os americanos, e não gosta ela que se fale agora. Vai e volta, anda pra lá e pra cá, paquera de um e de outro lado, mas vez ou outra é tomada pelo desejo infantil, pede dinheiro e monta o cavalinho que sai rodopiando no salão.

Carolina é pixote, agarra-se à boneca, instala-se na casa dos sonhos de criança e tome briga com Catarina. Mas, se Catarina não vier, a boca vai lá embaixo e a chorumela é grande!

São três meninas diferentes, três cabecinhas completamente diversas, uma quase moça, outra forçando a chegada, embora presa na brincadeirada da idade e a pequena, sem saber das paqueras da vida, agarra-se com a boneca e se encanta com as estórias das fadas e das bruxas.

Eu virei motorista, levo Fabiana e trago Patrícia, secretariado, sempre, por Carol, que diz: “Painho! Menina pequena pode ir?”. Se disser que pode ela vai, se falar que não, ela fica, imperturbável, tranquila. É programa de toda ordem, festa de aniversário e festa sem motivo! O carro abarrotado, gente por todo lado! Aí, Catarina me explica que Pedro – o pai –, não pôde vir, ocupado como está no Palácio do Governo. Digo eu, então, a ela: “Seu pai é um fidalgo! Nasceu em tempo errado! Elegante como um Prefeito, mas simples como Pedro, o pescador da Galileia!”. 

Ela não entende bem, mas garante que vai dizer ao pai!

Fabiana divagando, qual bailarina no palco, confessa ao meu ouvido, satisfeita e vibrante, quase gritando: “Painho! Quebrei a sapatilha de ponta!”. “Ah, meu Deus, não me diga uma coisa dessa!”. Tem que quebrar, mesmo, é a explicação que recebo!

Eis a vida de pai, em três idades diferentes!

(Texto escrito na adolescência da filha mais velha, na pré-adolescência da segunda filha e na infância da terceira).

Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público

Humberto de Campos (Punição)


Há mulheres que você nunca deve se casar. Temos que deixá-las se casar com seus amigos –  Alfred Capus.

Molemente estirado no leito revolto, com a farta cabeleira de ouro em desalinho sobre o travesseiro em que se achava impresso ainda, o sinal de outra cabeça, a linda Julieta Erst acompanha com os olhos os movimentos do Dr. Cardoso Simas, que abotoa a botina, tranquilamente, com o pé sobre uma cadeira. Olhando-o, assim, de costas, ela examina, desvanecida, a máscula formosura do amante jovem, cuja harmonia de espáduas se patenteia através da camisa de seda creme sob a cruz grená do suspensório quando, de repente, a sua saudade lhe dita uma queixa:

- Vê, só, Eduardo, o que foi o resultado daquele arrufo em nossa vida! Se tu não tens brigado comigo, naquela tarde, nós nos teríamos casado, e, em vez deste amor cortado de sustos, de incertezas, de pecados, viveríamos, agora, um junto do outro, sem temores nem pesares!

O rapaz continua, de costas, abotoando as botinas e a moça insiste, aconchegando o lençol, com os olhos nele:

- Seria uma vida ideal; não achas?

- Talvez... - aventura o moço.

- Talvez por quê?

E ele, explicando-se, displicente:

- Por que? Porque, se eu me tivesse casado contigo, estaria, agora, no escritório, enquanto que o Erst se acharia, talvez, aqui, na minha ausência, amarrando os sapatos!

E, sem olhar para trás, continua, em silêncio, abotoando a botina…

Fonte: Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.

sábado, 16 de novembro de 2024

Jerson Brito (Asas da poesia) 01

 

José Feldman (Epopeia de Lysandra, de Malta)


Canto I: A Terra de Malta

Nas águas azuis do Mediterrâneo,  
ergue-se Malta, ilha de história e beleza.  
Das ondas surgem lendas de valentes,  
e entre elas, brilha Lysandra, para a defesa.

Filha de marinheiros, com o sol no cabelo,  
cresceu ouvindo contos de bravura e amor.  
Em cada enseada, uma nova aventura,  
em cada rocha, o eco de um clamor.

Mas a paz da ilha estava ameaçada,  
um dragão de fogo despertara,  
com escamas de ferro e garras afiadas,  
a sombra do medo a ilha espalhara.

 Canto II: O Chamado à Ação

O povo, em desespero, clamou por um herói,  
mas Lysandra, com coragem no peito,  
decidiu que o destino não seria em vão,  
e que a vitória viria com seu feito.

Armou-se com uma espada ancestral,  
forjada nas chamas de um amor perdido.  
Na noite escura, sob as estrelas,  
ela partiu, seu destino querido.

Canto III: O Encontro com o Sábio

Nas montanhas altas, onde o vento uiva,  
encontrou um sábio, de olhar profundo.  
"Você busca o dragão, mas não é só isso,"  
disse ele, com voz que reverberava no mundo.

"O maior combate é dentro de você,  
os dragões que teme são seus receios.  
Domine-os, e com luz em seu ser,  
a vitória será, então, sua, sem rodeios."

Canto IV: A Preparação

Lysandra ouviu, absorveu as palavras,  
e em cada treinamento, cresceu mais forte.  
Com as danças das sombras, aprendeu a lutar,  
e com cada golpe, aproximou-se da sorte.

As noites eram longas, mas seu espírito ardia,  
e os ventos traziam histórias de coragem.  
A ilha a apoiava, suas vozes unidas,  
e Lysandra tornou-se a esperança da paisagem.

Canto V: O Confronto

Finalmente, chegou o dia fatídico,  
o dragão aguardava, a respiração pesada.  
As chamas dançavam, o céu se escurecia,  
mas a heroína, com firmeza, não estava amedrontada.

Ela avançou, espada em punho,  
o rugido do dragão ecoou na noite,  
mas a luz em seu coração iluminou o caminho,  
e com fé inquebrantável desafiou o açoite.

Canto VI: A Batalha

A batalha foi feroz, o chão tremia,  
chamas e aço se encontravam no ar.  
Mas Lysandra, com astúcia e destreza,  
desferiu golpes que fizeram o dragão hesitar.

"Eu não temo você, criatura da noite!  
a força que carrego é maior que a dor."  
Com um golpe final, a luz rompeu a escuridão,  
e a ilha renasceu, no calor do amor.

Canto VII: O Retorno Triunfante

Com o dragão derrotado, Lysandra voltou,  
aplaudida pelo povo, um hino de glória.  
As crianças dançavam, os velhos sorrindo,  
cada um celebrando a nova história.

Mas Lysandra, humilde, não buscou a fama,  
sabia que a verdadeira vitória estava na união.  
Construiu um templo, um lugar de encontro,  
onde as lendas de coragem ecoariam em canção.

Canto VIII: O Legado Eterno

As gerações passaram, mas a lenda cresceu,  
o espírito de Lysandra vive em cada coração.  
Malta, em suas praias, ainda canta,  
a heroína que lutou pela união.

E assim, a epopeia se perpetua,  
um símbolo de força, amor e esperança.  
Que cada alma saiba que, como Lysandra,  
a verdadeira bravura é a luz que se lança.

Epílogo: A Lenda de Lysandra

E nas noites estreladas, quando o vento sopra,  
as ondas sussurram seu nome com fervor.  
Lysandra de Malta, heroína eterna,  
guardiã da paz, da esperança e do amor .

Fontes: José Feldman. Devaneios poéticos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Aparecido Raimundo de Souza (De um simples ato de beijar uma estranha no meio da rua)

 
ÀS VEZES, a vida apronta das suas e nos surpreende nos momentos mais inesperados. Caminhando pela Avenida Paulista, na altura do MASP, em São Paulo, Eduardo se viu imerso nos sons e atropelos de uma metrópole agitada. Seus passos rápidos denunciavam uma rotina enervante ao tempo em que seu olhar vagava, curioso, pelas faces anônimas que cruzavam num vai e vem desordenado. Foi aí que aconteceu. Ela surgiu como um raio de luz em meio à multidão. Vestida de forma simples, porém com uma elegância impar e um ar de sofisticação, suas emoções cintilavam com um amálgama de mistério e ternura. Eduardo não conseguiu desviar a atenção, sentindo uma discrepância diferente, pesada e inexplicável. 

Então, em um instante que lhe pareceu dulcificado, seus olhares se galantearam por breves segundos. O bastante, para que o mundo ao redor se dissolvesse em uma espécie rara de acolhimento. Sem pensar, sem hesitar, ele se aproximou. Se mediram da cabeça aos pés. Não trocavam palavras. Apenas o silêncio da linguagem do amor pairando acima de suas cabeças.  Antes que ele percebesse, estava tão próximo dela que podia sentir o calor da respiração e até as batidas descompassadas do coração daquela princesa. O beijo aconteceu partindo dele. E ela, se permitiu sem se constranger em meio aos apressados que se esbarravam, uns aos outros, naquela cadência incessante do ir e vir. 

Pelo ato impensado, Eduardo se preparou para levar um tremendo tapa no meio da cara, ou no pior de tudo, ela se revoltasse e chamasse a polícia. Nada disso aconteceu. O beijo foi breve, certeiro e intenso. Fatal. O bastante, para selar um encontro de almas mais do que de lábios. Na verdade, um impulsivo regido por uma força maior que ambos. Durou apenas alguns segundos, e neles, o tempo parecia ter parado. De fato, estancou. Quando se separaram, não houve palavras ofensivas, apenas sorrisos tímidos e o entendimento glamoroso de que algo inexplicável acontecera. Ela, tímida e enrubescida, se afastou. A mão direita cobrindo os lábios, como se pretendesse envolver o beijo não autorizado num gesto de felicidade. 

Dessa forma rápida e rasteira, ela seguiu em frente e voltou a se misturar com o agrupamento que a cada minuto mais e mais se avolumava. Eduardo permaneceu como se voasse sem sair do chão. Seus pés pareciam colados à calçada, em vista daquela sucção espetaculosa. Por algum tempo, ficou ali feito um bobo apalermado, a boca escancarada num entreaberto, se deleitando com o sabor do momento gravado na memória. A vida voltou ao normal. O enxurro (ralé) da massa humana continuou a rolar sem interrupção. O barulho da cidade retomou o seu curso tresloucado. Eduardo sabia que aquele breve gesto de tocar uma fenda bucal ádvena (sic* estrangeiro?), assediada com aquele efêmero beijo, seria algo que carregaria consigo para sempre, como um lembrete de que, mesmo no meio da rotina mais frenética, a impulsividade do surreal havia acontecido e ele estava feliz só de pensar nessa possibilidade. 

Nos dias que se seguiram após o “beijo violado” gualdido (sic* esbanjado?) ao furto desgovernado nos lábios carnudos daquela estranha, ele continuou fazendo o mesmo caminho (fosse indo ou vindo) na esperança de revê-la. Contudo, para seu desassossego, Eduardo nunca mais a encontrou, porém, em seu âmago, ele sabia, ou melhor, tinha certeza que embora tivesse sido um “choque” breve e ligeiro de beiços, o ato, em si, havia marcado a sua vida de uma maneira etérea. Em outras ocasiões cada vez que se embrenhava pela Avenida Paulista, seu afligir renovava aquela possibilidade (ainda que distante) de que um dia veria novamente a pecaminosa pessoinha que mudou todo o seu “eu” interior tanto por dentro, como por fora. 

Nas suas andanças posteriores, incansavelmente buscava por aquele brilho especial, na esperança imorredoura de reviver a estrondosa conexão mágica. Mesmo sem reencontrá-la, o ato de oscular uma deia e sonificada (sic*) mulher em plena Paulista, se tornou um lembrete constante de que, em meio à rotina caótica, e momentos inesperados esses entraves poderiam trazer uma alegria inexplicável e transformar um dia comum em algo extraordinário. Embora não soubesse o nome da teteia, Eduardo alimentava a lembrança imperecível daquele roçar de lábios, como um tesouro, um testemunho silencioso da beleza de um comenos (momento) que a vida, assim do nada, lhe ofereceu de bandeja. 

Quase um mês depois, sabia que o seu sonho de voltar a satisfazer  seus anseios se deliciando com aquela formosa, não mais se repetiria. Cada um seguiu sua própria estrada após aquele abrupto indeliberado. A vida continuou, e às vezes, a mágica está apenas guardada numa efemeridade que não se repete. Apesar disso, Eduardo guardou a sete chaves, a lembrança daquele gesto assarapolhado (atrapalhado), como um tesouro raro, audacioso do ato por ele praticado, ou melhor, de uma loucura que se fez assim, do nada (apesar de real e inesquecível) por razões outras prevaleceu misturado a beleza impar das “topadas” fortuitas que surgem quando menos se espera. 

Lembrava sempre que não trocaram palavras nomes nem contatos. Foi um momento só, um acidental puro e isolado, que não precisava de continuidade para ter significado. Ainda assim, ele sempre se perguntava quem seria aquela deliciosa, de corpo escultural, de rostinho de princesa e como levava a sua vida cotidiana? Por outro lado, esse mistério preservou intacto o sonho audacioso do momento, transformando aquele simples e rápido beijo extorquido em uma lenda pessoal, tipo um conto de fadas para ser lembrado em noites solitárias e dias nublados. Às vezes, a beleza da vida, ou o início de uma paixão avassaladora, está justamente na impossibilidade de voltar atrás, e aquele topar ao acaso, se tornou um símbolo disso – ou seja –, se fez mais que um ato de coragem e bravura, uma espontaneidade que iluminou para sempre, a sua existência cotidiana. 

A vida tem suas próprias maneiras de surpreender. Exatos seis meses depois daquele beijo de cena memorável, Eduardo se fazia sentado na “Bovinu’s Grill" (também na Avenida Paulista) tomando um café tranquilo e folheando um livro, quando sentiu, lá fora, na calçada, um olhar familiar. Ao levantar-se de seus devaneios, Nossa Senhora! Por Deus, lá estava ela, a mesma pérola nacarada, a garota com aquele brilho inesquecível no rostinho de boneca que ele nunca esquecera. Surpresos e encantados, ao se reconhecerem, sorriram um para o outro. Ato contínuo, reavivando e reacendendo a antiga homologia (sic* analogia?) advinda de um simples beijo tomado à força, na marra, atrelado ao gosto das trocas de salivas que os uniram naquele dia distanciado se transfigurando e se fazendo imensurável, um correu de encontro ao outro. 

Dessa vez, ao se “pegarem,” não deixaram que o audacioso  passasse. Se beijaram, em ímpetos soberbos e, em seguida, arranjaram junto ao garçom, um lugar mais reservado lá para os fundos para conversarem E fizeram isso por horas. À medida em que o tempo passava, iam se redescobrindo e o melhor de tudo, se vangloriaram a compartilharem, numa mesma jornada, as suas impudências adormecidas. Aquele reencontro não foi planejado, tampouco premeditado, menos ainda esperado. Aconteceu assim, ao acaso, como se o destino tivesse conspirado para uni-los novamente. Dessa forma, Eduardo e ela (o nome da preciosa era Paloma) se entrecruzaram. Movido por um breve ato impulsivo de beijar uma donzela no meio de uma via pública, essa insânia paranoia contribuiu, sobremaneira, para algo muito maior, provando que, às vezes, a vida agitada em sua conturbação desenfreada, reserva segundas chances para aqueles que se atrevem a seguir os impulsos de seus desejos mais prementes. 

Nesse embalo de mil tons de instantâneos pressurosos, Eduardo e Paloma decidiram não deixar o destino ao acaso. O reencontro marcou definitivamente o início de algo muito especial. Eles passaram a se ver regularmente, redescobrindo o maravilhoso de um amor que a cada dia prosperava para se tornar em algo que não poderia ser medido. De fato, esse manente (constante) se rejuvenesceu e se agigantou por consequência daquele simples beijo que Eduardo roubou sem pensar no que poderia advir depois. Aquela moça, como uma Iracema saída das páginas de José de Alencar, que ele nunca antes havia visto, se fez a sua namorada. Pouco tempo à frente, noivaram e casaram. Hoje, passados dois anos, aquela joia de extremo valor está grávida do primeiro filho. 

O que começou como um encontro abstruso (confuso) de um beijo afanado em pleno reboliço da Avenida Paulista, voou imarcescível (duradouro) para um relacionamento profundo e significativo. A vida deles, por conta, mudou. Guinou 360 graus, descambando para um patamar que nunca poderiam ter previsto. Aquele simples e breve ato de Eduardo beijar uma alienígena no burburinho da Avenida Paulista, se tornou o ponto de partida para uma história inesquecível de amor pleno que desafiou as probabilidades e provou que os momentos mais inesperados podem levar às maiores e bem-aventuradas cartadas de sucesso. Realmente, a vida, às vezes imita as histórias românticas que encontramos nos livros ou vemos nos filmes. 

Na maioria, esses encontros mais significativos surgem de formas, as mais sutis e cotidianas, e no caso de Eduardo, um simples beijo na calçada, no meio da rua, poderia parecer improvável como início de uma bela e insofismável história de amor. Devemos ter em mente, que a beleza da vida está em sua imprevisibilidade. Os entrelaçamentos humanos surgem dos lugares mais inesperados, seja num sorriso trocado no metrô, ou dentro do ônibus, "usque" (em latim: até) uma conversa casual em uma fila de banco ou, quem sabe, um trocar de gestos apaixonados em um café ou dentro de um elevador. É essa incerteza deslumbrante que mantém pulsante a magia eloquente da vida abundante e nos lembra de estarmos sempre abertos para todas as possibilidades que o cotidiano, de uma maneira inverossímil e assombrosa tem a nos oferecer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Nota do blog: (sic) é relativo a palavras inexistentes no dicionário ou sem sentido no parágrafo, talvez por distração do autor.

Fonte: Texto enviado pelo autor

Vereda da Poesia = 159 =


Trova de
HELVÉCIO BARROS
Macau/RN (1909 – 1995) Bauru/SP

Um grande amor não se esquece!
Nada no mundo o destrói!...
Quanto mais longe, mais cresce!
Quanto mais perto, mais dói!
= = = = = =

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Boitatá

Das chamas que dançam, um mito a brilhar,
Boitatá, guardião das matas a vagar,
com olhos de fogo na noite a iluminar,
protege os campos e o lar a preservar.

Serpente de luz, em meio à escuridão,
aquece a floresta, traz vida e união.
Com sua presença afugenta o mal,
e em cada passo, um eterno ritual.

Mas quem o desafia, deve temer,
pois a ira do fogo pode consumir,
e a sabedoria do homem a esquecer,

que em seu calor, há vida a florir,
Boitatá, o mito, com amor a proteger,
na dança das chamas, um eterno existir.
= = = = = = 

Trova de
HAROLDO LYRA
Fortaleza/CE

Com sua vela enfunada
não lhe intimidam navios
e singra, afoita jangada,
os verdes mares bravios.
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Velejando

Varanda, vales, verdes, primavera;
o ar envolto em meigas cantilenas...
Imagens tão serenas que eu quisera
perenes, tácitas em mim apenas.

Sonhar é o som sagrado da quimera
num canto enquanto as dores são amenas.
Descanso à rede a lágrima sincera
que luz na luz dos olhos dos mecenas.

A bordo de uma rede a velejar
eu sorvo a paz que a brisa faz ao mar
no vento que acarinha as mãos poetas.

Bendigo a natureza onde os estetas
descrevem a meiguice de um tormento
na voz que se enternece à voz do vento!!
= = = = = = 

Trova Popular

Meu peito padece dor,
minh’alma sofre agonia
meus olhos vivem chorando;
- terão consolo algum dia?
= = = = = = 

Poema de
PAULO SETÚBAL
São Paulo/SP (1893 – 1937)

De todos que me beijaram
De todos que beijei

De todos que me abraçaram
De todos que abracei

São tantos que me amaram
São tantos que amei

Mas tu (que rude contraste)
Tu que jamais beijastes
Tu que jamais abracei
Só tu nesta alma ficaste
De todos que amei...
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Conselhos, desde menino,
muita gente me quis dar,
mas a cruz do meu destino
quem me ajuda a carregar?
= = = = = = 

Poema de
VASKO POPA
Grébenatz/Sérvia (1922 – 1991)

Dente de Leão

Na beira do passeio
No fim do mundo
Olho amarelo da solidão

Cegos pés
Apertam-lhe o pescoço
No abdômen de pedra

Cotovelos subterrâneos
Empurram suas raízes
Para o húmus do céu

Pata canina ereta
Faz-lhe troça
Com o aguaceiro recozido

Contenta-o apenas
O olhar sem dono do passante
Que em sua coroa
Pernoita

E assim
A ponta de cigarro vai queimando
No lábio inferior da impotência
No fim do mundo
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Antes que a aurora desponte
dando vida à luz do dia,
tenho que cruzar a ponte
nos braços da poesia.
= = = = = = 

Poema de 
RAINER MARIA RILKE
Praga/ Tchecoslováquia (1875 – 1926) Montreux/Suiça

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Merece subir ao pódio
o glorioso vencedor
que destrói barreiras de ódio
e constrói túneis de amor.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Quem me dera!

Ah! Quem me dera ser metaforista,
para compor meus versos, sem, no entanto,
mostrar o quanto esta alma sofre tanto
cada vez com o que sonha, não conquista!

Eu poderia expor a minha lista
de dores e recalques em meu canto,
sem me ferir e nem causar espanto
aos leigos que não privam com analista!

Seria como o som de qualquer sino
que muitos ouvem, mas somente alguns
conseguem decifrar o seu destino...

Mas não nasci assim! O que fazer,
se faço sempre estâncias tão comuns?
Talvez fosse melhor emudecer!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Com passagem só de ida
no meu barco sideral,
sou marinheiro da vida
chegando ao porto final!
= = = = = = 

Hino de 
XAMBIOÁ/TO

Nestes lindos babaçuais
Grandes heróis garimpeiros,
Na procura dos cristais
Foram teus belos pioneiros.

A cachoeira São Miguel
Com grandes encantos faz,
Com que as bênçãos num anel
Tragam do céu toda paz.

Oh! Xambioá
Terra bela e cheia de amor
Teu céu, solo e meigo luar,
Resplandecem com fervor.
O Rio Araguaia ao se agitar
Faz todos sempre te amar,
Te amar, te amar, ah! ah! ah!

Sei que em ti impera o progresso
E a esperança do Brasil.
Tua marcha não há regresso.
Teu povo é varonil.

Como é maravilhoso
Ter nascido neste chão,
Ter sentido o ar tão gostoso
Nas margens do teu poção.

Oh! Xambioá
Terra bela e cheia de amor
Teu céu, solo e meigo luar,
Resplandecem com fervor.
O Rio Araguaia ao se agitar
Faz todos sempre te amar,
Te amar, te amar, ah! ah! ah!
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Seria a paz mais presente
e o porvir menos incerto,
se nas mãos do adolescente
sempre houvesse um livro aberto.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
AS ROSAS NÃO FALAM
(1976)

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
= = = = = = = = = = = = = 

Dissecando a magia dos textos ("Valor da Amizade" de Renato Frata)

O texto se encontra no link abaixo

Estrutura e Narrativa

O texto "Valor da Amizade" é um relato em primeira pessoa que explora a experiência de um menino que enfrenta a desilusão da infância ao descobrir que o Papai Noel não existe e que seus pais usaram o dinheiro destinado à tão sonhada bicicleta para pagar contas. 

A narrativa é pessoal e íntima, permitindo ao leitor conectar-se com as emoções do protagonista. A estrutura do texto é linear, movendo-se através de uma sequência de eventos que culminam em uma reflexão sobre a amizade.

Temas Centrais

Desilusão da Infância: 
O protagonista, ao descobrir a verdade sobre o Papai Noel, passa por um processo doloroso de perda da inocência. A crença numa figura mágica é um símbolo da infância, e a revelação de que os sonhos podem ser destruídos pela realidade é um tema sempre presente na literatura.

Decepção e Dor: 
A frase "Não existe dor maior que a decepção" circunda a experiência emocional do protagonista. A decepção não vem apenas da perda da bicicleta, mas também da quebra da confiança em seus pais e na fantasia que cercava a infância. Essa dor é descrita como mais intensa que uma "surra injusta", enfatizando o impacto psicológico da traição de expectativas.

Amizade e Solidariedade: 
O amigo Marco emerge como um símbolo de apoio e empatia. Sua disposição em compartilhar a bicicleta, mesmo sabendo que isso significaria sacrificar parte de sua propriedade, demonstra uma amizade genuína. O ato de chorar em conjunto também revela a profundidade da conexão emocional entre as crianças.

A Luta contra a Solidão: 
A solidão da decepção é contrabalançada pela presença de Marco. Enquanto o protagonista se sente abandonado e traído, a amizade oferece um refúgio emocional. A disposição de Marco de "dar metade" da bicicleta simboliza a partilha e a união, valores que superam a dor individual.

Análise de Personagens

Santiago: O protagonista é um menino que representa a inocência e a vulnerabilidade da infância. Sua jornada emocional é marcada pela transição de um estado de esperança e alegria para a desilusão e a busca por conforto. A sua dor é palpável e ressoa com qualquer leitor que já tenha passado por experiências semelhantes.

Marco: O amigo, com sua atitude generosa, contrasta com a desilusão do protagonista. Ele é a personificação da verdadeira amizade, oferecendo não apenas um brinquedo, mas também a segurança emocional que o protagonista precisa. A sua capacidade de entender e partilhar a dor do amigo é um testemunho de sua maturidade emocional, mesmo em tenra idade.

Estilo e Linguagem

A linguagem utilizada por Renato Frata é direta e repleta de emoções. O uso de expressões como "mil hienas dilaceravam meu coração de menino" evoca imagens vívidas que intensificam a dor sentida pelo protagonista. O tom é melancólico, especialmente nas reflexões sobre a mentira e a decepção, mas também há momentos de leveza e alegria quando as crianças andam de bicicleta.

A narrativa utiliza um estilo coloquial, que torna a experiência mais acessível e realista. O diálogo entre os personagens é natural e reflete a autenticidade da infância, com uma linguagem que se parece com a fala de crianças. Isso fortalece a conexão do leitor com os sentimentos e experiências dos protagonistas.

Relação da Amizade de Marco com o Protagonista

A amizade de Marco, se destaca como uma relação fundamental na vida do protagonista, especialmente quando comparada a outras relações significativas, como as com seus pais e as expectativas em torno da figura do Papai Noel.

1. Amizade com Marco

A amizade de Marco é marcada por um profundo senso de empatia. Quando o protagonista enfrenta a desilusão de não receber a bicicleta, Marco se solidariza, chorando junto e oferecendo sua própria bicicleta. Essa disposição para compartilhar simboliza um vínculo genuíno, onde a dor e a alegria são experimentadas em conjunto.

Marco se apresenta como um porto seguro em um momento de crise emocional. Sua oferta de dividir a bicicleta, mesmo que isso signifique abrir mão de algo que ele também desejava, demonstra a força da amizade verdadeira, que é capaz de superar a dor e a desilusão.

2. Relação com os Pais

A relação do protagonista com seus pais é complexa. Inicialmente, os pais são vistos como figuras protetoras que alimentam a crença no Papai Noel, mas sua decisão de usar o dinheiro da bicicleta para pagar o aluguel destrói essa imagem. Essa decepção é profunda, pois os pais, que deveriam ser fontes de segurança e felicidade, se tornam responsáveis pela quebra de um sonho infantil.

A relação com os pais também é marcada por uma falta de comunicação e compreensão. O protagonista não entende as razões por trás das escolhas financeiras dos pais, o que acentua sua sensação de abandono e traição. Essa falta de diálogo contrasta com a abertura emocional que ele encontra em Marco.

3. Expectativa em Relação ao Papai Noel

A figura do Papai Noel representa uma crença inocente que, quando desmascarada, provoca uma dor intensa. A expectativa em relação ao presente de Natal é um símbolo de esperança e alegria, mas a revelação de que o Papai Noel não existe leva a uma desilusão profunda. Essa relação é marcada por uma ilusão que, uma vez quebrada, deixa um vazio no coração do protagonista.

Enquanto a relação com o Papai Noel é efêmera e baseada em fantasias, a amizade de Marco é concreta e duradoura. Marco oferece um tipo de segurança emocional que é palpável e real, ao contrário da ilusão do Papai Noel. A amizade se transforma em um alicerce para o protagonista, ajudando-o a lidar com a desilusão.

A amizade de Marco se destaca como um farol de esperança e apoio em meio às desilusões que o protagonista enfrenta. Em comparação com suas relações com os pais e a figura do Papai Noel, a amizade é apresentada como um valor essencial e resiliente. Enquanto os relacionamentos familiares e as crenças infantis podem falhar, a verdadeira amizade, caracterizada por empatia, solidariedade e apoio incondicional, provê o conforto necessário para enfrentar as dificuldades da vida.

Essa comparação ressalta a importância das conexões humanas genuínas e como elas podem oferecer um senso de pertencimento e segurança, especialmente em momentos de crise emocional. Marco se torna, assim, não apenas um amigo, mas um símbolo da força que as amizades verdadeiras têm de curar e confortar diante das decepções da vida.

Relação do texto de Frata com outros escritores

1. "O Pequeno Príncipe" de Antoine de Saint-Exupéry
Assim como o protagonista de Frata encontra consolo na amizade de Marco, o Pequeno Príncipe estabelece uma conexão profunda com a raposa, que lhe ensina sobre a importância dos laços afetivos. A famosa frase "O essencial é invisível aos olhos" reflete a ideia de que o valor das relações vai além do material. Ambas as obras tratam da dor da desilusão e da importância dos vínculos emocionais.

2. "A Menina que Roubava Livros" de Markus Zusak
No livro de Zusak, a protagonista Liesel também enfrenta a desilusão em meio a um contexto de guerra e perda. A amizade com Rudy e a relação com sua família adotiva oferecem a ela um espaço seguro. Assim como em "Valor da Amizade", a amizade é uma fonte de conforto e força em tempos de crise. Ambas as histórias mostram como laços afetivos podem nos ajudar a enfrentar as adversidades da vida.

3. "As Aventuras de Tom Sawyer" de Mark Twain
Tom Sawyer e seu amigo Huck Finn vivem aventuras que refletem a inocência e os desafios da infância. A relação entre os dois meninos é marcada por lealdade e camaradagem, similar à amizade de Marco e do protagonista de Frata. A desilusão de Tom ao confrontar a realidade também ecoa a experiência do protagonista, que lida com a perda da inocência.

4. "O Alquimista" de Paulo Coelho
Embora "O Alquimista" trate de uma jornada mais filosófica, a amizade entre Santiago e o velho rei Melquisedeque, bem como a conexão que ele forma ao longo de sua jornada, refletem a importância das relações na busca por sonhos. Assim como no texto de Frata, a amizade é vista como um suporte essencial na busca por compreensão e realização pessoal.

5. "O Guarani" de José de Alencar
Em "O Guarani", a amizade e o amor são temas centrais, especialmente na relação entre Peri e a família de Ceci. Assim como Marco em "Valor da Amizade", Peri demonstra lealdade e disposição para proteger aqueles que ama. Ambos os textos revelam como a amizade pode ser uma força poderosa em meio a adversidades, destacando o sacrifício e a solidariedade.

Considerações Finais

"Valor da Amizade" é um texto que trata de temas universais como a desilusão, a dor da perda e a importância da amizade. Através da experiência do protagonista, o autor nos convida a refletir sobre como as relações interpessoais podem oferecer consolo em momentos de crise emocional. A amizade é apresentada como um valor inestimável, capaz de curar feridas e proporcionar alívio em tempos difíceis.

A conclusão do texto, onde o protagonista reconhece que "mil bicicletas não pagariam o que ele fez por espontaneidade", sublinha a ideia de que a verdadeira amizade transcende bens materiais. A amizade é um porto seguro em meio às tempestades da vida, mostrando que, mesmo nas situações mais dolorosas, a solidariedade e o amor podem trazer esperança e luz.

Diversos escritores como os citados acima também exploram essas ideias, mostrando como as relações humanas são fundamentais para enfrentar as dores e desafios da vida. A amizade, em todas essas obras, emerge como um elemento vital que nos fortalece e nos ajuda a superar as adversidades.

Enfim, a obra de Renato Frata é uma bela meditação sobre o valor das relações humanas, destacando que, apesar das desilusões inevitáveis que enfrentamos, a amizade pode ser uma fonte de força e resiliência.

Fontes: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing