terça-feira, 22 de abril de 2008

Artur da Tavola (O Pródigo do Jardim)

Um bom jardineiro morre anônimo porém não morre sozinho. Com ele se vão zínias, calêndulas, miosótis, margaridas, gramados, pés de caqui, de manga e abacate, tumbérgias, orquídeas, trevos de quatro folhas, agapantos, rosas, rabos de gato, petúnias, marias sem-vergonha, hortaliças, camarões magoados, capuchinhas, ah quantas flores morrem com o jardineiro.

Não mais sua boa mão, o saber plantar e esperar, tempos certos, esta dá de galho, aquela de estaquia, esta outra só semeando.

Seu Fernando Mayworm era magro, alto, origem alemã, tinha mais de setenta e oito anos. Seco, altivo e resistente como um bambu. Chegava cedinho em seu fusca velho que ainda dirigia. Sabia, descia, abaixava-se, levantava, ordenava aos auxiliares; às onze e meia nem um copo d'água pedia. Recolhia-se ao fusca, abria a marmita quentinha e a garrafa térmica. Educado. Estirpe. Homem discreto e educado oriundo de alemães antigos de Petrópolis de quem herdara a seriedade e a disciplina.

"Esta não vai pegar aí!", sentenciava. E a planta obedecia. "Vamos ver se salvamos esta". O caule se recuperava. Se pedíamos alguma bobagem ele fazia a nossa vontade. E onde a gente não palpitava ele operava na moita e plantava algo mais belo.

Quantas vezes me comovi, desejando para meu envelhecer a paz daquele homem calado e severo, que cumpria seu dever com as mãos, honrado, sereno, já sem ilusões mas silencioso enamorado das reações da terra, a felicidade por ver algo brotar, o riso raro na contemplação da flor que "vingou" graças a ele! Era a paz de quem não cobiça, vivia para criar e elegera a flor e o fruto como objetos sagrados do seu existir.

Sem quase nada dele saber. Sempre recatado. Sem reclamar (salvo dos cachorros que fazem pipi em hortas baixas), sem proclamar. Sem nada contar de sua vida, qual seu time de futebol ou preferência política, aprendi a gostar à distância daquele homem idoso, cuja vida foi prodigalizar mudas e sementes e mudo morreu a trabalhar, na beleza serena e serrana de Petrópolis.
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Fonte:
http://www.arturdatavola.com/

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