domingo, 23 de outubro de 2011

Henriques do Cerro Azul (Livro de Sonetos)


ÉDEN

Hoje enfim novamente (há quantos dias
Que eu ansiava por esta ocasião!),
Hoje enfim, entre estranhas alegrias,
De novo aperto essa pequena mão

De novo, entre divinas harmonias,
Ouço-te a voz - pulsa-me o coração:
Tuas tranças revoltas e sombrias
São sacudidas pela viração...

Hoje enfim novamente me enterneço,
Pois novamente o teu amor mereço,
Éden que loucamente abandonei...

Atrás de ti eu loucamente andava,
Paraíso perdido que eu buscava ...
Paraíso perdido que eu achei !

CONTRASTE

Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.

Perto de ti, te julgo tão distante...
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.

Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos...
E assim passamos desapercebidos

Do erro de nossos múltiplos carinhos:
- Quanto mais longe tanto mais unidos,
- Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !

SONHO SEM VIDA

O doce afeto que meu ser sonhara
Cheio de enlevos, terno, comovido,
Nascia cheio de uma ardência clara...
Mas antes de nascer, tinha morrido!

Ele foi um capítulo perdido
De uma comédia deslumbrante e rara;
Foi ele um livro inédito, esquecido,
Que u’a mão escrevera e abandonara...

Morreu à mingua de um sorriso terno,
De um olhar, de uma frase comovida,
De um gesto meigo, de um carinho enfim...

E assim o idílio que seria eterno,
O doce sonho que não teve vida
Sem nunca ter começo teve fim.

O QUE NÃO DISSE

- "Olha, eu sei que pequei (eu te dizia,
Quando deste este amor por terminado),
Mas perdoa, querida, este pecado...”
Porém me fulminaste de ironia.

- "Eu te amo, repliquei com voz sombria,
Não me abandones, quero-te ao meu lado!''
Mas rasgando-me o peito lacerado,
A tua boca virginal sorria...

Quis dizer, com a verdade por escudo,
Antes que a minha força me fugisse,
Que eras meu sonho, meu amor, meu tudo

Mas não achei as frases!... Com meiguice,
Olhei-te então enternecido e mudo:
Mas nem sequer ouviste o que eu não disse !

FECUNDOS ARREPENDIMENTOS

Nos meus fecundos arrependimentos,
Por não te haver amado, de covarde,
Estes versos te escrevo, embora tarde,
Revelando-te assim os meus tormentos...

Amo-te assim: sem arrebatamentos,
Sem gritos, sem excessos, sem alarde,
Enquanto a chama dos meus sonhos arde,
Votiva chama dos meus sentimentos.

Hoje, por minha culpa anda sozinha
Minha alma, a procurar-te pelo espaço
E a culpa é minha de não seres minha!

Mas extravaso em versos os tormentos...
Vem, e aceito estes versos que te faço
Nos meus fecundos arrependimentos !

PERTO DE TI

Em ti a luz das lâmpadas nas naves
Cintila; em ti a luz dos astros sentes:
Que brilho há nos teus olhos inocentes!
Que formosura há nos teus gestos graves!

Perto de ti, escuto as mais ardentes
Canções, as mais românticas e suaves;
Sinto clarões de estrelas, cantos de aves,
E perfumes de flores redolentes...

Mas minhas mãos, das tuas sempre ao lado,
Na triste solidão que perpetuas,
Permanecem nostálgicas sozinhas...

Quem comete mais áspero pecado:
As minhas mãos em procurar as tuas,
Ou tuas mãos em recusar as minhas?

É ASSIM QUE EU AMO...

Se amar e ter o pensamento e a vida
Voltados para um ser unicamente;
Se é ter em convulsões a alma acendida
Num doce anseio e num desejo ardente;

Se é dar sem receber; se é ter em mente
Por toda a longa estrada percorrida,
Alguém, talvez, que nem sequer pressente
Nossa amarga afeição desconhecida...

Se é chorar, se é sofrer sem ter tormento;
Se é sorrir, se é gozar sem ter motivo;
Beijar as flores, abraçar o vento,

E as aves escutar de ramo em ramo: -
Amada, eu te direi que é assim que vivo...
Mas, se não for amor, é assim que eu amo!

VIAGEM AO EGO

Tu és ente subjetivo, intrínseco,
Íntimo, radical, ínsito, básico,
por diferir dos mais teu ser anímico
e esse teu pensamento idiossincrático...

O pensamento de teu ser congênito
é teu, somente teu, interno e orgânico,
nasceu contigo e com teu sonho ingênito
e há de seguir-te com terror tirânico.

Tua alma segue de esperanças ávidas,
mas esse teu anseio é característico;
nasceu contigo e de tua alma pávida
e enche de crença e fé teu sonho místico.

Estão na realidade de teu ânimo
As tuas ilusões, num doce acúmulo
Tua grande alegria ou teu desânimo
São teus e serão teus até o túmulo…

RIOS

É esta a glória com que mais me exalço!
Do teu afeto ao jugo prisioneiro,
Vejo enfim que ele é firme e verdadeiro
Em meio a tanto sentimento falso!

Se estou longe de ti, no cativeiro
Da saudade, sorrindo, em sonhos alço
Meu ser em busca de teu ser, no encalço
De ver teu vulto alegre e alvissareiro...

Vês estes rios, no aluvião que espargem,
Como se juntam, trêmulos, sombrios,
Ruindo barrancos e alargando a margem!

E o amor que vem de ti, que vai de mim,
São dois imensos, dois profundos rios
Que assim convergem para o mesmo fim!

AUSÊNCIA

Por que demoras tanto? Cada instante
Se arrasta como uma hora vagarosa;
E há tanto que te espero, esbelta rosa,
Rainha e dona do meu peito amante.

O tempo, nessa marcha preguiçosa,
Faz de um minuto um século hesitante,
Que não quer avançar, ir para diante,
Nem dar-me a tua imagem vaporosa...

Chegas, enfim, e pagas a demora
Com um beijo, quase a me dizer: "Perdoa!"
E abres no riso uma esplendente aurora.

Todo me enlevo em tua imagem boa...
E o tempo que parou, meu Deus, agora
Que estás aqui, como ligeiro voa!

O SONHO

Gozar a vida? Só por intermédio
Do sonho. O gozo, no correr dos dias,
Todas as ilusões e as alegrias
Tornam-se tema para um epicédio...

Só o sonho é que serve de remédio
A tão grandes e tantas nostalgias,
Pois em meio de mágoas tão sombrias
Até o próprio amor nos causa tédio.

O sonho, não! O sonho não nos cansa!
Bendita, pois, a mística esperança
E todo aquele que consegue tê-la...

Pois é o sonho que faz, bendito engano!
A gota d'água se julgar oceano
E o pirilampo se julgar estrela!

LUTA


Eu sei compreender a Dor Humana,
A angústia universal, a ânsia terrível
Que une todos os homens e os irmana
Na busca da Ventura inatingível!

Pois a Arte, a Religião, a Ciência insana,
A procura do Bem incognoscível,
Toda a Filosofia que promana
Do homem, é apenas pela Dor possível!

Tudo isto é a luta universal acesa
Do ser Humano contra a Natureza;
É a luta! E pela luta, em toda a parte,

Desvendam-se os segredos e os mistérios,
Surgem a Ciência, a Religião e a Arte,
E crescem as cidades e os impérios!

Fonte
Jornal de Poesia
Antonio Miranda

Henriques do Cerro Azul


Pseudônimo de João Henrique Serra Azul, aposentado e advogado.

Filho do poeta Serra Azul e Maria do Carmo Serra Azul, publicou seu primeiro soneto em 1950, aos 14 anos de idade, no Jornal “O Nordeste”, do qual passou a ser colaborador semanal.

Casado com Raimunda Ceará Serra Azul, reside em Brasília.

Lecionou Língua e Literatura Portuguesa em diversos estabelecimentos de ensino da capital federal.

Em 1973 assumiu o cargo de Procurador da República, aposentando-se em 1995 como Subprocurador Geral da República, último cargo de Carreira do MPF.

Publicou:
“Sonetos e Poemas” (1967),
“Trânsito Onírico” (1991), livro com rimas proparoxítonas que reunia mais dois livros: “Trânsito Cósmico” e “Périplo ao Pretérito”;
“A Poesia dos Astros ou A Lenda do Céu” (1992).

Participa de antologias e revistas literárias nacionais e internacionais.

Foi eleito em concurso organizado pela Academia de Letras e Ciências de São Lourenço e outras, em 2001, “Príncipe dos Escritores Brasileiros”, com 143.810 votos, e

em 2002, foi eleito “Primeiro Príncipe da Poesia Brasileira”, com 681.300 votos, via internet, correios e telefone.

Faz parte de inúmeras academias e entidades culturais, entre elas
“Casa do Poeta do Brasil – DF”, da qual é o atual Presidente executivo.

Verbete do “Mem of Achiement 1988, Twelfth Edition, Ibc (International Biographical Centre), Cambridge Cb2 3qp, England, P. 635/636, e “International who’s Who Of Intelectuals”, Ninth Edition, 192, Ibc, Cambridge, England, P. 701.

Sua obra retrata por completo o conteúdo obrigatório da disciplina de Literatura, das escolas de Ensino Medio, quando o tema é versifícação, parnasianismo e simbolismo.

Fontes
http://poetasdobrasil.blogspot.com/2008/02/henrique-do-cerro-azul-pseudnimo-de-joo.html
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/henriques_do_cerro_azul.html

Henriques do Cerro Azul (escreve sobre Francisco Leite Serra Azul)


Francisco Henrique Leite, depois Francisco Leite Serra Azul, que nasceu em Aurora, Ceará, no dia 3 de maio do ano de 1909, e faleceu em 1985 . Era filho de José Henrique dos Santos e de Joaquina Leite dos Santos, sendo seus avós paternos Vitoriano Henrique dos Santos e Isabel Benício dos Santos, e avós maternos Manuel Luciano Teixeira Leite e Maria Leite Félix Soares. Vai este registro para aqueles que gostam de pesquisas familiares e se distraem com registros desse teor, nos locais da origem do biografado. Cedo ganhou mundo, como autodidata, mestre escola e cantador, casando-se no Distrito de Serra Azul, em Quixadá, tornando-se, em Fortaleza, conhecido como poeta Serra Azul, nome pelo qual ficou conhecido e que adotou. A notícia vem a propósito de que no dia 3 de novembro deste ano a família do poeta estará lançando a 2ª edição de seu livro Natureza Ritmada, num shopping da Aldeota, em Fortaleza, pela Oboé. Nada mais justo que esta página hoje trate desse livro, que incluiu seu livro anterior, Alfabeto das Musas, editado em 1924. Esse livro começa com o soneto O que diria Virgílio..., que assim expõe o resumo do conteúdo da publicação:

Teu livro, Serra Azul, em que constelas
as letras do ABC com várias cores,
É um pedaço de céu que tu revelas,
Dos teus altos ideais encantadores.

Não sei se é um céu com vinte e sete estrelas,
Ou se é um jardim com vinte e sete flores
O teu solar com as vinte e sete belas
Musas, com seus miríficos fulgores.

As vinte e sete virgens que descreves,
Não são moças humanas, são senhoras
vaporosas, sutis, fluidas e leves...

Vai continuando assim o teu idílio
Só com essas fantásticas pastoras
E aceita os parabéns do teu Virgílio

Esse é o preâmbulo do livro. A seguir vem a descrição das musas, iniciando com a Incógnita e a seguir, na ordem alfabética com Alice, Beatriz, Carmem, Dolores, etc. Incógnita é a homenagem à pessoa real da filha do Poeta, que se chamava Letícia. Vejamos esse soneto:

Procuro-a em vão por toda a parte. Visse-a
Hoje e pudesse conquistá-la em breve!
É uma virgem sem mácula, mais leve
Que o ar e mais sutil que uma carícia.

De uma igual formosura ninguem teve
Jamais lembrança e não terá notícia!...
Pois essa graça que se não descreve,
Só a encontro nos olhos de Letícia.

Mas que fazer? Sei que a outra não existe.
Nesse vale de lágrimas tão triste,
É impossível haver tal maravilha!

Julgando-a a Deusa da felicidade,
Me atribuo, por isto, a dignidade
De compará-la assim com minha filha.

As particularidades que notamos neste soneto são muitas. Como todos os sonetos do Alfabeto das Musas, é feito com versos decassilábicos sáficos (1º, 2º, 6º, 7º) ou heróicos (3º, 4º). Vemos que o 1º verso é uma rima composta. A rima do 5º verso é metafônica. A colocação pronominal clássica do 7º verso (“que se não descreve”) não é fruto do pedantismo gramatical, mas obedece à exigência do ritmo do verso sáfico. Vejamos agora o soneto Alice:

... Enfim não houve céu que eu não subisse,
Campos de flores que eu não percorresse,
Mares e abismos a que eu não descesse,
A ver se achava o que imitava Alice.

Cheguei ao mar e a pérola me disse:
“Quem sou eu? Ah! Se tal me parecesse!”
Nem houve flor que inveja não tivesse,
Nem estrela que ciúme não sentisse.

E na jornada espiritual que à face
De tudo andei, ninguém achei que fosse
Digno de que com ela eu comparasse.

Não encontrei, nem encontrei quem visse
Formosura no mundo como a doce,
Cheia de graça e angélica Alice.

A particularidade desse soneto é que as rimas são asse, esse, isse e osse, com rimas metafônicas apesar de homográficas. É um exemplo de prosopopeia e de mesodiplose. Vejamos agora o soneto Beatriz:

É mais formosa que a Beatriz do Dante,
Porque, se aquela fosse assim tão bela,
O poeta não teria tido aquela
visão de inferno e glória ao mesmo instante

Porque quem vir Beatriz, estou que cante
Somente a glória que ela vive, em si, revela
E só poderá ver inferno adiante
Ou purgatório, estando ausente dela.

Assim, para a beleza ser completa,
É preciso ter na alma a formosura
Que se ajuste à do corpo em linha reta.

E esta Beleza da alma se apresenta
Em Beatriz, na virtude e na ternura
De que a beleza dela se ornamenta.

Alusão ao poeta Dante, autor da Divina Comédia, o qual foi guiado por Beatriz. Há neste soneto também a figura de linguagem chamada de ironia.

Fonte:
http://www.revistafoco.com.br/p2885.aspx

Serra Azul (1909 – 1985)

(veja nota sobre os anos de nascimento e falecimento)

Francisco Leite SERRA AZUL - vate maior do beletrismo de toda ribeira do Salgado.

Nascido aos 3 de maio de 1909 no sítio Pau Branco no riacho do Tipi de Aurora, CE, o então garoto Francisco Leite órfão de pai e mãe aos quatro anos de idade passa a ser criado por um tio.

Camponês e de origem humilde o futuro literato se mostrou autodidata deste o início quando aprendera a ler valendo-se de pequenos fragmentos de jornais, livros escolares, almanaques e textos de uma velha Bíblia tomada por empréstimo pelo tutor. Seu ambiente escolar não poderia ser mais original: as sombras dos marmeleiros e das oiticicas que compunham o seu dia-a-dia nas bibocas do riacho.

Quando Aurora foi invadida e saqueada pelos "cabras" do coronel José Inácio do Barro nos idos de 1908 a vida se tornou ainda mais difícil Assim, aproveitando o ensejo, deixou a terrinha qual um fugitivo indo parar nas bandas de Quixadá no vilarejo de Serra Azul passando a ganhar a vida como mestre-escola. Anos depois já em 1912 contraiu matrimônio com Maria do Carmo, moça do lugar. Em Quixadá começa a ficar conhecido por conta dos seus belos improvisos poéticos. Como afirmou Mário Linhares "o verso brotava-lhe como fio dágua do seio da terra". Em 1919 a convite do poeta Castro Monte decide ir para Fortaleza onde passa a trabalhar na biblioteca pública onde tem contato com os clássicos da literatura universal.

Dono de uma mente notável e privilegiada logo começa a adquirir uma sólida formação intelectual por conta própria. Como ele dizia "fui sempre um professor de mim mesmo". Admirado por muitos intelectuais da época para a fazer parte do convívio de notáveis figuras das letras cearenses tais como: Juvenal Galeno, Quintino Cunha, Antonio Sales, Leonardo Mota, Osvaldo Barroso, Rubens de Azevedo e tanto outros. Foi inclusive em atendimento a sugestão de Rodolfo Teófilo que Francisco Leite passou a adotar o nome de
Serra Azul em definitivo, acrescendo-o ao próprio nome de batismo e por conseqüência aos seus descendentes. Foi na capital um exímio professor de História Natural, Geografia e Literatura.

Colaborou com vários jornais da sua época não apenas no que tange ao fazer poético, sendo, por conseguinte um dos fundadores da histórica Associação Cearense de Imprensa (ACI). Ousou criar o seu próprio estilo literário que ele denominou de "Escola Poética Objetiva" onde propunha uma poesia que fosse além da estética e do lirismo roto.

Uma poesia que pudesse penetrar todos os mais escuros recônditos do conhecimento de uma forma geral. Serra Azul foi por tudo isso, um homem que esteve muito além do seu tempo. "Sem mestre estudei francês, inglês, castelhano, alemão, e até latim e grego antigo. Não falo, mas traduzo regularmente o francês, o inglês e o castelhano" dizia ele próprio no preâmbulo da obra Versos Bucólicos de 1978. Publicou os seguintes trabalhos: Alfabeto das Musas (poesia) 1924; Natureza Ritmada (poesia) 1938; Impressões de Viagem (prosa) 1935; Versos Bucólicos (poesia) 1978; Cronologia de Homens Ilustres (ensaio) 1979; Antologia Poética (poesia) 1978; Grandes Bacias Hidrográficas do Brasil (prosa) 1980 além de outras produções inéditas.

Em 1930 compôs o maravilhoso poema Aurora (Antiga Venda) dedicado a sua terra natal por ocasião do aniversário dos 43 anos de emancipação política. Até aquele momento ninguém sabia ao certo que nome possuía a tal senhora proprietária da histórica taberna às margens do rio Salgado na origem do povoamento da cidade. Foi então Serra Azul, por sugestão do escritor e amigo Pedro Albano que o fez substituir o termo "D. Flora" no poema por "Dona Aurora" batizando deste modo a dita mulher que passou a figurar na história sob o nome "fúlgido de Aurora".

Veio de trem algumas vezes de maneira discreta visitar seu torrão, ficando hospedado na residência do Sr. Zezinho Saburá. Gostava de afirmar que sua inspiração corria no leito do Salgado.

Serra Azul faleceu aos 90 anos de idade em Fortaleza no ano de 1983.

AURORA (Antiga Venda)

À margem do Salgado instalou venda
De comida e bebida Dona Aurora
Que servia de oásis, rancho e tenda
Ao viajante, aconlhendo-o a qualquer hora.

Era a ribeira que sulcava a senda
Do litoral ao Cariri, outrora
Vem depois uma igreja, uma vivenda,
Outra e mais outra e em povoação se enflora...

Não sei se o mais é tradição ou lenda.
Sei que foi vila e que é cidade agora
E a sua história é trágica e tremenda!

É a terra de meu berço, esta que, embora
Tivesse o nome mercantil de venda,
Tem hoje o nome fúlgido de Aurora!
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Nota por José Feldman:
Considerei os anos citados por Henriques, contudo pelos dados que obtive no Município de Aurora, ele nasceu em 1893 e faleceu em 1983. Considerando que tenha havido um equívoco, considerei como válido os dados do Henriques.

Fonte:
http://www.aurora.ce.gov.br/cultura/texto.asp?id=53

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 373)

Estrofe do Dia
Uma Trova Nacional

As flores não mais assistem
na praça, a eternos amores...
É que amores não resistem
ao ver as praças sem flores!
–EDMAR JAPIASSU MAIA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Se todos fossem honestos,
ninguém veria, na praça,
mendigos comendo restos
do pão que a miséria amassa!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Goianá/MG
Tema: SEARA - M/H

Planta o amor à tua volta
numa seara sem nome,
que as sementes da revolta
nascem do fruto da fome!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova de Ademar

Igualmente aos nossos pais,
nos cabelos brancos, temos
as impressões digitais
dos anos que já vivemos.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Tudo o que tenho reparto,
ó Senhor, sempre em Teu nome!
Tu fizeste o mundo farto,
o homem é que fez a fome!
–ZÁLKIND PIATIGORSKY/RJ–

Simplesmente Poesia

MOTE:
...E A TERRA CAIU NO CHÃO.

GLOSA:
Eu plantei um pé de uva
dentro da minha panela
botei lá numa janela
da casa de uma viúva,
de noite veio uma chuva
com relâmpago e trovão,
deu um forte furacão
que arrebentou a janela;
torou no meio a panela
e a terra caiu no chão.
–BELARMINO DE FRANÇA/PB–

Soneto do Dia

Anjo Enfermo.
–AFONSO CELSO/MG–

Geme no berço, enferma, a criancinha,
que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis, por que as merece
quem mal entrando na existência vinha?!

O melindroso ser, á filha minha!
Se os Céus ouvissem a paterna prece,
e a mim o teu sofrer passar pudesse,
- gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não te extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!

Sim, é pai, mas - a crença nó-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
nunca teve uma filha pequenina!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Júlia Lopes de Almeida (Natal Brasileiro)


Neste esfacelar de usos e tradições, poucas pessoas encontram ainda encanto em seguir costumes de avós que se foram há muito tempo, e de quem as caveiras, lá no fundo das covas, já não guardam nem resquícios de pele!

A nossa vida agitada precisa de um esforço para relembrar os divertimentos antigos, e não é senão por condescendência que muita gente faz horas para ir à missa do galo ou que deixa o espetáculo pela ceia caseira, obrigada a certos pratos que o desuso tornou para muitos paladares simplesmente abomináveis.

Noites quentes, maravilhosas noites de verão, banhadas de luar, impregnadas do aroma da magnólia e do jasmim-manga, convidando por certo muito mais aos passeios pelos arredores da cidade, ouvindo cigarras e violas de serenatas, do que a fecharmo-nos em uma sala, em frente a um prato de canja fumegante, entre os globos de gás a toda a luz e uma toalha branca onde a louçaria brilhe com o seu luzimento de esmalte.

Estas festas são doces às mamães, porque chamam para o seu redil as ovelhas soltas por diversos pontos da cidade. Nestes dias, como que se ouvem badaladas de sinos de ouro que, a cada repique, dizem assim:

— Vinde para casa! Vinde para casa! É aqui que vos amam! E as ovelhas param, escutam, torcem caminho e voltam para o aprisco de onde tinham partido.

A amante que espere, pensam os rapazes; que se estorça de raiva vendo-se preferida. É preciso também contentar a mamãe, que sorri acudindo a tudo e a todos com a mesma paciência de há trinta anos, quando os filhos eram pequenos e não sabiam de nada na vida que igualasse à sua companhia!

"Boa mamãe! dizem-lhe eles agora, perdoai os nossos desvarios de rapazes! Nós cá estamos no teu regaço, olhando para o teu rosto, beijando as nossas irmãs."

E a mamãe vai e vem, com os lábios risonhos e os olhos brilhantes. E o sino de ouro da casa, cujas badaladas se ouvem ao longe, mal ela o sabe! é o seu coração angustiado, pisado de sofrimentos, de dúvidas, de saudades, mas que todo se enflora ainda de esperanças, porque é de mãe!

Festas familiares, sois peregrinamente bondosas e dementes para os velhos!

Sim, é por condescendência que muita gente deixa a noitada ao relento pela ceia caseira, em que se comem coisas suculentas, se ouvem valsas marteladas ao piano, ou se conversam assuntos repisados.

Na roça é que estas festas do Natal e do Ano-Bom têm uma cor mais brasileira. Aqui na cidade fazemo-las seguindo os costumes portugueses. O frio do Natal europeu impele as famílias para o interior das suas casas, para o calor dos fogões e das ceias fumegantes. O nosso Natal é tão diverso! Em vez da neve temos o sol; em vez da ventania áspera, que obriga as pobres criaturas a irem para à igreja envoltas em capotes, salpicadas de lama e de chuva, temos noites estreladas, cheirosas, em que moças e rapazes vão à meia-noite ouvir a missa do galo, com trajes alegres, sem recear bronquites, podendo folgar pelos caminhos à luz das estrelas palpitantes e coloridas. Na roça é assim. A criançada come ao ar livre pinhões cozidos e faz a algazarra que apraz. As moças dançam no terreiro com os namorados, e os velhos, sentados sob o alpendre, contam anedotas, rememoram visitas a presépios antigos, até que o sino os chame e eles partam todos, aos magotes, para a capela tão sua conhecida, tão sua amada!

Se fosse possível deveríamos inventar festas adequadas ao nosso clima, estabelecê-las, fixá-las, torná-las nossas.

Os costumes europeus não podem, em absoluto, ser reproduzidos aqui. Há no Brasil climas mais frios do que em alguns países da Europa; no alto Paraná o gelo quebra os galhos das árvores e o aldeão tirita lavrando terra. Mas de que vale isso, se as estações são trocadas e o nosso Natal desabrocha em pleno verão! O nosso Natal! Bem que ele precisa de outro emblema. O velho de longas barbas brancas, nariz cor de morango maduro, capote espesso lanzudo e gorro de peles, é filho das terras nevadas, cortadas pelos uivos do vento, tão cruel para os pobres. O nosso Natal é moço, é risonho, é caritativo; abriga os sem vintém, e as criancinhas nuas não o temem, porque ele afaga-as o seu bafo cheiroso e veste-as com a sua luz quente e doirada!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Rafael Castellar (Poesias Avulsas)


SIMPLES ASSIM

Ontem vi uma criança e uma flor,
Foi num jardim destes à beira do caminho,
Sombreado por calvas jovens árvores
E forrado por um esverdeado gramado tímido.

Uma levava a outra
Por entre delicados dedinhos avermelhados,
Com incertos passos pueris,
Sob um brilhante olhar curioso.

Uma era levada pela outra,
Com aveludadas pétalas coloridas
A exalar um suave perfume adocicado,
Permitindo a encantadora magia da descoberta.

Uma completava a outra,
Com o vislumbre das formas e cores,
Com uma inocente gargalhada despreocupada,
Aconchegadas nas próprias existências
A comungar da mesma cena.

Ontem vi uma criança e uma flor…

À PRÓXIMA TEMPESTADE

Atentai-vos a mim, homens, o vosso nobre capitão!
Não vede que seguimos à carenagem?
Machados aos estais, machados ao mastro,
Livrai-nos do excesso, aprumemos a nave!

É de frente e não de lado
que se enfrentam as ondas, jovem timoneiro,
Alinha a proa e reze tua prece,
É de madeira de lei a quilha,
Mas a fé a fortalece!

Às tábuas a firmar, homens!
Aguentai-vos firmes,
Fazei-vos valer, esta é a hora,
Buscai vós na batalha a honra!

Rezai vossas preces,
Não perdeis a coragem!
O choro é para mais tarde.
Força!

Escorai-vos onde puderes,
Segurai-vos como puderes,
E, assim, revezai-vos ao descanso.

Já se aproxima a bonança
e é nela que se trabalha!
Nela não se descansa,
mas se repara e se toma o fôlego;
Tão certo quanto ela é a próxima tempestade
que já se precipita.

PELA JANELA

Há tempos que nesta janela,
Nesta mesma janela,
Ponho-me atendo a tudo observar,
A tudo o que se faz por ela passar.

Há tempos que neste observar,
Especulo os movimentos
e me delicio com as expressões.

Há tempos que destas reações,
Faço minhas imitações sem [é lógico]
esquecer as infundadas deduções.

Há tempos que nesta janela,
Fico a tudo observar,
Sem de mais nada me lembrar.

Há tempos que atrás desta janela,
Ponho-me assim: de tudo protegido e escondido,
De tudo que somente além dela se faz passar.

Hoje, um agradável dia ensolarado,
Como há tempos não fazia,
Pus-me despreocupado pelos passeios a caminhar,
Com um semblante difícil de desvendar,
Sentindo os cheiros e os sabores da paisagem
Há tempos nesta mesma janela a se formar,
Agora comigo por ela a se observar.

ENTREGA

Tantas foram as fantasias em mim vestidas,
Tantas foram as formas por mim assumidas,
Tantos foram os modos de mim investidos,
Tantas foram as culpas a mim atribuídas,
Que nem mais sei...

Tanto foi o que perdi,
Tanto foi o que lutei,
Tanto foi o que me iludiu,
Tantos foram os reveses,
Que nem mais dói...

Já não sei o que foi,
nem o que era para ter sido,
ou o que virá a ser.
Sei apenas que assim continuará,
De um lado para o outro, pra cima e pra baixo,
Trocando, mudando, transformando, inventando!
Mas sempre um eu mesmo [torto],
de todos os tempos e com alguma coisa nova.

E por isso, hoje,
envolto pelas minhas conquistas,
Sigo cantando a minha música,
Dançando a minha dança,
Caminhando o meu passo,
Rindo o meu riso,
Sem de mim perder a criança
que nunca deixei de ser.

Fonte:
http//descemaisuma.blogspot.com

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XXII– Amor! Amor!


CAPITULO XXII
Amor! Amor!

Miss Jane continuou:

— Depois de sua espaventosa adesão ao Homo, a líder do partido feminino caiu em si. Percebeu que o desvairamento no dia da vitoria negra lhe quebrara a soberba linha das belas atitudes e a transformara numa perfeita louca á moda das velhas sufragistas britânicas. E envergonhou-se. Que pensaria dela o Presidente Kerlog? Como teria o lider branco, lá no intimo, recebido aquele arroubo de sinceridade explosiva?

Miss Astor amava a Kerlog. A nobre figura do Presidente, sua firmeza no governo, sua agilidade de espirito e sua serenidade de força construtiva, seduziam-na de modo incoercível. E talvez até que no fundo toda a atuação política de miss Astor não visasse outro fim além de aproxima-la do lider branco, por emparelhamento num mesmo nivel de prestigio social.

– Por que então contrapos-se a ele nas eleições? perguntei sapatescamente.

– Porque a linha reta da mulher é sempre torta. Elvinismo, senhor Ayrton!... Matemática, ciência elvinista! Dois mais dois igual... ao que convém. Mas miss Astor errava, se acaso se supunha diminuída na opinião de Kerlog. O presidente era Homo e, apesar de todos os progressos da eugenia, um Homo tão sensível ao contacto feminino como... como o senhor Ayrton, por exemplo.

Corei forte. Momentos antes havia eu, sem o querer, está visto, tocado com o meu pé o mimoso pé de miss Jane, e não pude esconder a corrente elétrica que me percorreu o corpo. Seria que miss Jane, sempre tão desentendida, aludia a esse fato? Estava a minha amiga um tanto diferente naquela tarde. Menos impassível que de costume e assim como quem quer e não quer, como quem vai e não vai, como quem diz e não diz. Apesar de toda a minha pouca penetração feminina eu sentia isso, adivinhando nela os primeiros estremecimentos da mulher.

— E já que era assim sensível, continuou a jovem, o amplexo que no momento do perigo pôs miss Astor em contacto com Kerlog calou fundo nas células presidenciais e impregnou-as disso que os homens chamam desejo.

Tive vontade de perguntar a miss Jane como as mulheres chamavam isso que os homens chamam desejo — mas me faltou a coragem.

– E daí por diante, sempre que a razão do senhor Kerlog se punha a pesar os prós e contras relativos a miss Astor intervinham as células abraçadas, colocando na concha dos prós a tara da saudade — e lá se ia a frieza da razão do senhor Kerlog. Pobre razão humana. Pobre hoje, pobre em 2228!... E tanto era assim, que logo depois da invasão da sala pelas elvinistas arrependidas o senhor Kerlog comentou o fato nestes termos, dirigindo-se ao ministro da Equidade:

– "Miss Astor sempre se apresentou diante de mim envolvida em atitudes, belas, não resta duvida, porque há sempre beleza em todos os seus movimentos — mas atitudes que me chocavam como falsas. Nem uma só vez a vi ao natural. Foi preciso que o desastre sobre
viesse e o terror se apossasse de sua alma para que eu a conhecesse como sempre desejei conhece-la: mulher."

E lá consigo recordava a doçura do seu abraço.

Esse abraço ficou. Os dias se foram passando. Veio a Convenção Branca. Veio a dor de cabeça. Veio o omeguismo. Nada apagava das células cervicais do senhor Kerlog a impressão do doce contacto.

Certa vez, reunido o ministerio, os ministros perceberam que o Presidente olhava muito amiúde para o relógio. O assunto em debate era o progresso do desencarapinhamento dos negros, matéria de especial atenção para o chefe do estado. Especial e demorada — menos naquele dia. Naquele dia o Presidente atropelava os seus auxiliares como que desejoso de encerrar mais cedo a reunião.

As informações estatísticas apresentadas pela Dudley Uncurling Company deviam ser bastante favoráveis, a avaliar-se pelo sorriso com que o lider branco as recebera.

– "Estamos no fim," disse ele. A ciência resolveu de fato o grave problema étnico — e que magistral solução! Em vez de expatriar o negro ou dividir o país...

– "Desencarapinha-lo!" completou, piscando o olho, o ministro da Seleção.

Todos se entreolharam com certo ar de velhacaria. O da Equidade disse:

— "O binômio racial passa a monômio. Só o ariano é grande e Dudley é o seu profeta."

Eu cocei a cabeça num gesto muito lá do escritório.

— Mas, então, miss Jane, a solução é mesmo a que eu adivinhei — a igualificação das raças!...

Miss Jane tossiu uma tossezinha de encomenda e desconversou:

— O neologismo está bom, senhor Ayrton. Por mais rica que seja uma lingua, a expressão humana tem sempre necessidade de palavras novas. "Igualificação" — muito bem!

Encolhi-me no fundo da minha poltrona.

— Mas, continuou ela, o relógio do senhor Kerlog, consultado pela décima vez, marcava três horas. O Presidente ergueu-se e deu por finda a reunião. Os ministros saíram. Na escada disse o da Paz ao da Equidade:

— "Notou a impaciência de Kerlog?"

– "Notei sim. Estava inquieto..."

– "Cherchez..."

– "Não é necessário. Se ninguém resiste á ação catalitica de miss Evelyn, quem lhe resistirá ao contacto?"

Riram-se, e lá se foram cada qual para o seu lado.

Não erraram os dois ministros. Logo depois miss Evelyn Astor parava em frente da Casa Branca e ágil como as deusas — ou as amorosas — subia as escadas.

Foi introduzida incontinenti.

– "Benvinda seja a minha formosa rival", disse com o mais amável dos seus sorrisos o Presidente flecha do.

– "Ex, aliás, Presidente Kerlog!" respondeu a encantadora Circe com um sorriso que era outra flecha.

– "Abandona então a política? Não insiste na sua
candidatura?"

– "Abandono. Perdi a confiança nos meus nervos. Além disso, mudei de ideia a respeito de um homem..."

– "Fazia mau juízo dele?"

– "Mau não. Errôneo, apenas. Vejo hoje que esse homem está no seu lugar."

– "Obrigado, miss Astor", exclamou o Presidente. "Recebo a sua alta homenagem como ao prêmio dos prêmios."

– "Pague-me então com outra. Líder que ainda sou de um partido, creio merecer a confiança do lider branco. Não é justo que eu conheça o pensamento intimo do governo relativo á questão negra?"

O Presidente Kerlog sorriu com afetada diplomacia.

— "Segredos de estado, miss Astor!..."

— "E já houve algum segredo de estado que não fosse conhecido das... mulheres de estado?" retrucou a ex-sabina com vivacidade.

Kerlog, bom esgrimista, tinha fama de pronto nas replicas.

— "As rainhas, as favoritas de outrora, eram de fato cofres, lindos cofres de segredos. Hoje, porém, que não há mais rainhas nem favoritas, só podem conhecer os segredos de estado as..."

Parou. Embebeu os olhos nos de miss Astor. Viu neles o que procurava e concluiu numa gentil mesura:

— "... as Presidentas!"

Miss Astor fez ar de desapontada e armou bico de criança a quem negam doce.

— "Quer dizer que só conhecerei tal segredo quando for eleita Presidenta..."

Os olhos de ambos encontraram-se de novo e meteram-se pelas respectivas almas a dentro. Liam-se os dois amorosos como em livros abertos.

— "Crê então, miss Astor, que só as eleições fazem Presidentas?"

Nova cara de desentendida, novo bico de criança. A coitadinha não percebia coisa nenhuma e foi mister que o lider branco dissesse tudo:

— "Esposa do Presidente, Presidenta é..."

— Novo olhar... ia dizendo eu.

Miss Jane atalhou-me:

— Não. Desta vez os olhos ficaram em paz. As mãos de Kerlog é que se estenderam para miss Astor. As de miss Astor foram-lhes ao encontro. Uniram-se no eterno gesto das mãos amorosas que se unem — e... o silencio que diz tudo se fez entre aqueles dois admiráveis tipos de gorilas evoluídos.

A minha amiga parou, a olhar-me muito firme nas mãos, como Kerlog, mas não tive animo de declarar-me. A sua superioridade amedrontava-me ainda.

Miss Jane fez uma pausa de alguns segundos — essa pausa de quem espera e não vê chegar. Por fim disse, como que inconscientemente desapontada:

— Quer que continue ou prefere aqui uma linha de reticências?

Eu não queria coisa nenhuma. Eu só queria estender as mãos como Kerlog e embeber meus olhos nos de Jane e ficar assim a vida inteira. Mas os músculos me traíram miseravelmente. "Qual!" pensei furioso comigo mesmo. "Quem nasceu para empregado de Sá, Pato & Cia., não chegará nunca a esposo da filha do professor Benson..."

Miss Jane (pareceu-me) deixou escapar um imperceptível suspiro de despeito e rematou a história do duo presidencial com desinteresse evidente.

— O mais o senhor Ayrton imaginará, disse ela. O ano 2228 em matéria de amor não se distinguia dos anteriores. O dialogo de Adão e Eva é talvez a coisa única que não sofre grande influencia da evolução. Ás vezes até involui...

Tocou a campainha.

– Ponha o jantar, disse com certa secura ao criado que apareceu. E traga uma aspirina.

– Sente alguma coisa? indaguei com timidez.

– Um fio de dor de cabeça apenas, foi a sua breve resposta.

Que jantar frio e desenxabido aquele! Quando me vi fora do castelo, desabafei.

— És um animal de rabo, senhor Ayrton, e bem mereces o desprezo com que o senhor Sá te trata!...

E furioso dei vários beliscões nos músculos covardes que me falharam o movimento de mãos talvez mais oportuno da minha vida.

— Asno, asno, asno!... fui-me repetindo pelo caminho todo. Estúpido éter que não age nem quando interferido por uma interferência tão clara...

A semana que se seguiu foi a mais desastrosa da minha vida. Na segunda-feira briguei com vários amigos, atirei com uma xícara de café á cara dum garçom e cheguei a ir parar na policia.

Terça-feira pela manhã bebi três garrafas de cerveja e contra todos os meus hábitos fui assim para o escritório. O senhor Sá olhou-me de esguelha por varias vezes. Por fim, notando a má vontade com que eu fazia o serviço, piou:

— Comeu cobra?

Tive ímpetos de morde-lo. Mas era o patrão e recolhi os dentes. Sá insistiu:

– Comeu cobra, moço?

– Não comi coisa nenhuma. Eu lá como? Quem ama lá come? respondi de mau modo.

– Hum! fez ele. Percebo agora. De há muito venho notando que já não me é o mesmo. Não me dá atenção ao serviço, atropela-me tudo. O Pato me disse ontem...

Estourei a boiada.

— Importa-me lá o Pato! O Pato lá diz ontem! Patão choco é o que ele é! Patíbulo... Patíbulo de fraque!...

O assombro do senhor Sá chegou ao auge. Um empregado tratar assim ao comendador Manoel Pereira Pato, socio da firma, dono de cinco mil apólices, irmão do Santíssimo Sacramento, provedor da Santa Casa... E tamanho foi o seu assombro que o pobre homem engasgou

Continuei no meu estouro:

— Estou farto sabe? Isto por cá não passa de uma burrada. Mas a Lei Owen rompe aí qualquer dia e quero ver! E a lei espartana tambem! E outras leis terríveis, leis de dar cabo do canastro, entende? Seletivas!

O senhor Sá continuava mudo, de boca aberta, num estarrecimento de assustar um homem com menos cerveja no estômago. Olhei para ele firme e senti uma impressão cômica. Disparei na gargalhada.

— Parece o Presidente Kerlog quando soube da vitoria do Jim! Ah! Ah! Ah!... Não sabe quem é Jim? Sabe nada... Era um lider! O lider negro. Negro descascado. Despigmentado, entende? Omegado! Um bicho! Um...

Não pude continuar. Senti revolução no estômago e ignominiosamente destripei um "mico" de marcar época no austero escritório dos senhores Sá, Pato & Cia.

Não me lembro de mais nada, a não ser que fui posto no olho da rua violentamente.

Amor! Amor! Amor!
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continua… XXIII– A Derrocada de um Titã

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

sábado, 22 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 32)

Trova e imagens enviadas pelo autor. Montagem por José Feldman.

Olga Agulhon (Os Pássaros)


Nascidos ali, germens da terra, aquelas duas crianças, primos de sangue, irmãos de coração e de alma, crsciam felizes, livres, soltos, escapando, nem sempre ilesos, de uma arte atrás da outra.

Naquela fazenda, longe das cidades, nem tanto pela distância, mas pela lama ou poeira das estradas, não havia luz elétrica. Portanto, não conheciam a televisão, o videogame, o computador e todos esses outros instrumentos que, hoje em dia, mantêm as crianças longe da fantasia dos tempos de outrora.

Faziam seu próprios carrinhos, brincavam nos riachos e engoliam peixinhos vivos para aprenderem a nadar, faziam balanços nos galhos mais altos das árvores, percorriam longas distâncias atrás da borboleta mais bela, velavam os bichinhos que matavam durante suas experiências e preparavam-lhes enterros pomposos, com direito a oração e coroa de flores.

Protagonizavam histórias de príncipes e princesas, falavam com os animais, atormentavam os gansos, domavam os bezerros, montavam nos cavalos e fingiam que eles eram dragões.

Percorriam o milharal em busca da boneca mais bonita e escolhiam loiras, ruivas e morenas, que se transformavam em amigas queridas quando a mágica acontecia.

À noite, corajosos e destemidos, exploravam o escuro do terreiro entre as casas da colônia, na expectativa de um encontro com o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça.

Entravam em casa só na hora do dormir, sob as ameaças das mães, que sempre lhe juravam a tal surra de vara de marmelo que eles ainda não tinham experimentado.

Noutras noites, mais poéticos que destemidos, buscavam os vagalumes e contavam estrelas, enquanto ouviam a sinfonia dos grilos e dos sapos do mundo do poço.

Quando chovia, ficavam sentados, concentrados, em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião-de-gás, ouvindo o tio Darcy contar histórias de assombração vivenciadas por conhecidos seus daqueles e de outros tempos.

Um dia, apareceram por lá duas pás-carregadeiras, contratadas para fazerem uma represa nos fundos da fazenda.

Os dois não gostaram da invasão e não sairam de casa com medo daqueles monstros barulhentos, com armadura de aço, que, em plena luz do dia, comeram imensas quantidades de terra e deixaram um grande buraco por onde passaram.

Mas gostaram muito quando, em alguns dias, a chuva encheu o buraco, transformando-no em um grande lago.

Não tiveram dúvida:

- Vamos navegar!

Buscaram o velho caixote de preparar cimento, tocaram-no com a varinha mágica e transformaram-no em um lindo barco viking.

A menina, mais velha, ajudou 0 primo a subir no barco e o seguiu depressa, empurrando a margem com uma das pernas para que se afastassem para longe, com a força do pensamento e do remo improvisado.

Antes de alcançarem o centro do lago, tão grande para eles, a água invadiu rapidamente o barco e, nesse momento, um colono estragou a aventura das crianças, retirando-as, totalmente embarreadas, daquele mergulho até o fundo.

Naquele dia, sem entenderem as razões, experimentaram a varinha de marmelo, enquanto eram lavados com bucha e sabão de coco. Ficaram com marcas na bunda e nas pernas, mas a alma não entristeceu.

- Amanhã vamos voar!

Voaram. Algumas escoriações apenas e um corte na cabeça foi o saldo da primeira vez, mas voaram: e voavam cada dia melhor, mais alto, para mais longe.

Quando chegou a idade de irem para a escola, a família viu-se obrigada a se mudar para a cidade. Era preciso estudar os filhos para que eles tivessem uma vida melhor, pensava o pai.

Foi a cena mais triste que vi ou que vivi em toda a minha vida.

Não queriam ir e não havia espaço suficiente para os dois no caminhão da mudança, pois não conseguiam entrar levando tudo que lhes era imprescindível.

Os pais não pestanejaram. Não tiveram dó nem piedade: cortaram-lhes as longas asas.

Pelo vidro, lado a lado engaiolados, enquanto enxugavam as lágrimas, fitavam o monte de penas que embelezava o chão vermelho.

Mantiveram-se assim enquanto se distanciavam.

Mantiveram-se assim até que o vermelho do chão se misturou ao vermelho do pôr-do-sol, o branco das penas se misturou ao branco das nuvens e tudo se perdeu no horizonte para nunca mais sair da retina daqueles olhos, que um dia foram olhos de pássaros.

Fonte:
AGULHON, Olga. Germens da terra.Maringá,PR: Midiograf, 2004.

Haroldo Lyra (Livro de Sonetos)


COISIFICADAS

Hoje é comum mulher tirar a roupa
Pra revelar nas bancas de jornal,
Despudoradamente o colossal
Segredo da virtude, já tão pouca.

Desnuda-se, aos apelos do mural;
Na crapulosa folha a pose louca
Que a revista conduz de boca em boca
E faz dessa mulher coisa venal,

Que assim exposta nua à sordidez;
Dependurada à espreita do freguês,
Nem percebe aonde e como vai chegar.

Mas chega ao pai, os sonhos carcomidos,
Por ver da filha os garbos preteridos,
E oferecida a quem puder pagar.

AMIZADE

Depois de salpicada uma amizade,
Por leve farpa num fugaz momento,
Traz o fato, humana realidade,
Carência de afeto e entendimento.

Se à prosa que se faz se põe maldade,
Perde, a amizade, o doce encantamento.
Há de perder também sinceridade
E lesto se avizinha o rompimento.

Mas, valham as que têm, irrelevante,
O dardo que feriu por um instante
Involuntariamente a fidalguia.

Nisso, aquela que impõe severa norma,
Inexoravelmente se transforma
Em triste olá de falsa cortesia.

APANIGUADOS I

Tenho pena de quem não é capaz
De sustentar-se pelos próprios meios,
Nos donativos finca os seus esteios
E a propaganda de um viver falaz.

Tenho pena dos que romperam veios
Das batalhas que não enfrentam mais;
Mendigos de padrões oficiais
Classificados sem quaisquer receios.

Que pena!... quando o silo esvaziar-se
E o joio dessa safra esparramar-se
Sobre as mentes que o dolo enfeitiçou.

Será penoso então o amanhecer,
Pois apenas terão para comer:
As sengas do pão que o diabo amassou.

SUBLIME AMOR

Numa clínica, um velho procurava
Rápido curativo à mão doente.
Dizia-se apressado, que era urgente,
Pois tinha um compromisso e se atrasava.

O médico, atendendo ao paciente,
Perguntou por que tanto se apressava!
É que, num certo Asilo, costumava
Tomar café co’a esposa, já demente.

O médico ressalta: “Por descaso,
Não reclamara ela desse atraso?”
E ele: “Nem mais me reconhece, até”.

“Então! É apenas um capricho seu?”
“Oh, não! Ela não sabe quem sou eu,
Mas eu sei muito bem quem ela é”.

DUAS TAÇAS

O álcool sempre vem abrilhantar
Os banquetes em salas requintadas,
Servido nas baixelas prateadas
Que aos olhos serve mais que ao paladar.

O álcool é um prazer bem popular,
Nos bares, nas barracas empalhadas,
Servido n’umas taças mal lavadas,
Agrada à boca, à venta, a quem tomar.

Um drink, salgadinhos de salmão;
Uma cereja adorna a taça à mão
E o fino aristocrata se enaltece.

Um trago, um tira-gosto de buchada;
A banda de um limão, já machucada,
E o jeca deita e rola e a pinga desce.

Fonte:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 372)


Uma Trova Nacional

À pergunta formulada,
respondo quase que à-toa:
- Para que boa empregada ?
Eu quero é empregada "boa" !!!
–ANTÔNIO COLAVITE FILHO/SP–

Uma Trova Potiguar

A moça livre afugenta,
democracia futura;
sabendo que um dia enfrenta
regime da “dita dura”.
–ZÉ DE SOUSA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: PIJAMA - M/H

Dois pijamas, dialogando,
no varal dependurados:
- À noite, estão nos usando...
pra quê, se acordam pelados?
–DORALICE GOMES DA ROSA/RS–

Uma Trova de Ademar

Não peço vaga, nem rogo,
nos “rachas” lá da varzinha;
em toda pelada eu jogo,
mas, porque a bola é minha!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu, entre viras e viras,
no boteco, noite e dia,
vou só pescando as mentiras
dos que vão à pescaria.
–COLBERT RANGEL COELHO/MG–

Simplesmente Poesia

GLOSA:
Você querendo ser cão,
no inferno é bom demais!

MOTE:
Todo mundo tem função,
mulher? É só o que tem.
Lá se vive muito bem
você querendo ser cão.
“Transar”, lá é devoção,
cada um que transa mais,
os direitos são iguais,
todo cão tem seu emprego,
toda noite tem chamego...
No inferno é bom demais!
–AUGUSTO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

O meu currículo de garanhão,
eu confesso, até triste, foi modesto,
se eu parar para fazer um aresto,
confesso: Não foi só decepção.
Mulheres lindas, mas também, “canhão”,
umas, só “fiquei”, outras eu amava.
Uma feia de pseudônimo, Java,
era tão feia a danada da “criôla”,
que toda vez que cortava uma cebola,
era a pobre cebola quem chorava.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Barbeiro.
–HAROLDO LYRA/CE–

Eis o barbeiro com afinco e altivez
restaurando a aparência masculina.
Trazendo à destra mão tesoura fina
com que corta a cabeleira do freguês.

Pega da navalha e a cadeira inclina
e a barba faz com muita rapidez,
embora haja um gemido toda vez
quando ele corta a pele e não a “crina”.

Passa talco e o perfume que inebria.
um novo penteado o mestre cria
com o talento que traz o salão cheio.

Chamá-lo de barbeiro é apelido
principalmente quando é compelido
criar feição bonita um macho feio.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Júlia Lopes de Almeida (Minhas Amigas)


Mês das cigarras e das flores de flamboyant, como diria Fradique Mendes se tivesse de datar em Dezembro uma carta no Rio de Janeiro. Prescindo, como ele, da enumeração do dia. Datas são algarismos sem forças para fazer sentir o violento azul do nosso céu, nem os ramalhões purpurinos das nossas árvores, nem este chiar incessante das cigarras entontecidas de luz, anunciando o calor.

Este lindo mês, em que o ano morre engalanado de cores e de sons, obriga-nos a volver o olhar para o passado, numa inquirição pensativa e saudosa... e logo a querer sondar o futuro impenetrável com a frouxa luz de uma esperança. Nada se descortina bem, visto de longe; e é melhor assim...

O que torna a vida encantadora é o imprevisto; e a prova é que ninguém desejaria recomeçá-la da mesma forma porque a já viveu; nem creio mesmo que, se tal milagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais venturosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar!

Cerre alguém os olhos, pense, siga o curso da sua existência, e ficará convencido de que só alguns dias lhe mereceram o desejo de serem revividos. Dias? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura...

Para a gente moça o maior encanto da vida está no que há de vir, no que se ignora; para que transpõe o cabo dos quarenta, está no presente, que passa ligeiro, ligeiro, como a corrente de um rio caudaloso...

Minhas boas amigas, donas e donzelas, velhas e meninas, perdi o endereço de algumas de vós; outras... Rezemos-lhes por alma, estão mortas; de sorte que esta carta, de incerta direção, pretende ir até as portas do céu, na ondulação do acaso e da saudade.

Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem exprimir os sentimentos por palavras; eles parecem-nos por demais sutis e complexos; elas insuficientes e fraquíssimas. Dizem que há para todas as coisas expressões precisas, de inquestionável exatidão; a língua modula no som, e inalterada, a essência da mais rara alegria ou do mais terrível desespero. Mas essa é a interpretação dos fortes; a nossa dilui-se, numa gota incolor e inodora, que é como um chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria; ou, se vem da dor, como um floco de neve em uma brasa, que apaga a luz e deixa a nu o carvão.

Lembranças de amizade não são como lembranças de amor, que pungem e deliciam; têm outra suavidade, um perfume indistinto, e por isso são mais difíceis de descriminar nas meias tintas do passado; todavia, quanta comoção elas nos trazem na sua nevoenta aparição!

Minhas amigas de outros tempos, supondo que eu enfeixo as graças e virtudes de vós todas em uma só figura, que podereis chamar de Mocidade, ou de Primavera, como vos aprouver.

Para ser suprema a sua formosura ela terá os teus doces olhos azuis, tão cedo fechados, Elvira; e o teu riso alegre, Maria Laura; e a tua voz, Janan; e a tua bondade adorável, Marie; e as linhas do teu corpo, Alice; e a doçura da tua tez, Carlota! Terá da negra Josefa, tão triste por não ser branca, a branca inocência; e de vós todas, com que topei na minha infância, a garrula alegria e a trêfega imaginação.

Não sacudo a uma esfinge o meu lenço saudoso, mas a uma figura tangível, feita de perfeições e que permanece, imutável e risonha, no horizonte que me foge.

De algumas de vós não sei, amigas da meninice; outras vieram depois, na idade das confidências, e ainda hoje eu sinto o calor de simpatias moças que vem vindo como aves anunciadoras do bom tempo, para me dizerem que floresce ainda na Terra a sagrada planta da amizade.

Entre todas, não sois vós, amigas desconhecidas e minhas leitoras, cujo influxo tantas vezes me alento, a quem menos se lança o meu pensamento de mulher, num desejo de felicidade perfeita...

Nesta noite, uma das últimas do fim do ano, que de lembranças suaves me esvoaçam pelo espírito!

Crede, esta carta é um desabafo. Não só vós, minhas queridas, voltejais na minha memória, como nas rondas do colégio; há outros amigos adorados, invisíveis, de poderosa influência, a que me lanço com significativa gratidão: — os autores. O primeiro livro lido; as páginas mais vezes relidas; as músicas que melhor interpretei; os versos que me fizeram estremecer ou sonhar; singulares sensibilidades, acordadas por estranhos que amei como amo o sol que me aquece, ou a flor que me inebria, — tudo renasce e passa pelo meu pensamento, numa irradiação puríssima, de devaneio...

Nestas horas vertiginosas e perturbadoras reconheço todos os meus sonhos e desejos antigos, roçando por mim as suas asas, com tanto arrojo abertas e tão cedo enfraquecidas...

Mas isso que vos importa?

Valerá pena pensar no tempo que passou, bem ou mal?

O ano em que parte da nossa vida discorreu, acaba? Deixa-a acabar! O outro que vier terá as mesmas quatro estações; o sol inflamará a terra no verão, o vento fará cair as folhas no outono, as neves caracterizarão o inverno, e as boninas esmaltarão os campos na primavera...

Assim como o tempo, fosco ou luminoso, os homens serão maus ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável, desfazendo e criando entre declínios e triunfos.

Para o mundo será assim, mas para nós, queridas?

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ialmar Pio Schneider (Homenagens em Soneto VIII)


SONETO A CAMILLE SAINT-SAËNS
– In Memoriam –
Nascimento do compositor em 9.10.1835 - Paris

Posso escutar de Camille Saint-Saëns,
a Sinfonia de número três,
depois vem Sansão e Dalila ardente,
preenchendo o dia claro, resplendente...

Ainda Marcha Militar Francesa,
peça musical de rara beleza,
e Dança Macabra, finalmente,
e o meu lazer se torna transcendente.

Vocação precoce, pois aos dois anos
e meio, interessou-se por pianos,
e como havia um em seu doce lar,

gostava de com as teclas brincar;
aos sete já compunha, com talento,
pequenas peças de enternecimento...

SONETO A GIUSEPPE VERDI
– In Memoriam –
Nascimento do compositor italiano em 10.10.1813

Hoje quero escrever um verso nobre
que celebre o genial compositor;
advindo de uma infância humilde e pobre,
à sua arte dedica todo o amor...

Bem cedo, sua vocação descobre
e põe-se à luta com viril ardor;
por isso, a enfrenta, sem que força sobre
para desempenhar outro labor !

Giuseppe Verdi, de Nabuco e Aída,
Rigoletto e Traviata, Trovatore,
as quais glorificaram sua vida...

Ninguém atinge tanto aos corações,
como essas óperas pienas d´ amore,
suscitando as mais altas emoções...

SONETO A VINÍCIUS DE MORAES
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 19.10.1913

Quando nasceu Vinícius de Moraes
trouxe consigo a chama da poesia,
pra celebrar as musas, dia a dia,
até o fim com versos geniais...

Poeta da Paixão e da magia
de conquistar mulheres especiais,
compondo seus sonetos sensuais,
viveu intensamente na boemia.

Nesta data do seu aniversário
há que lembrar-se: “Eu sei que vou te amar...”
E assim nesse romântico cenário

ouvir “Soneto da Fidelidade”,
na voz do poetinha a declamar
com tanto romantismo e intensidade !

SONETO A ARTHUR RIMBAUD
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 20.10.1854 –

Jovem poeta que parou bem cedo
de fazer versos plenos de emoção...
Soneto de “Vogais” em cujo enredo
cada uma tem a significação.

Sua obra não foi simples arremedo
de alguém que pensa apenas na ilusão;
não se sabe do enigma nem do medo
de a poesia dar continuação...

O certo é que depois, quando indagado
se era parente de Rimbaud, dizia:
“Eu nunca ouvi falar !” E assim calado

continuou pelo resta da vida, só,
com sua nova e vã filosofia
em que se sabe que seremos pó !

SONETO A ALPHONSE DE LAMARTINE
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 21.10.1790 –

Recordo-me do seu poema “Outono”,
que o Irmão Érico, enfaticamente,
lia alto, na aula, com tamanho entono,
que despertava a comoção na gente...

Saudava a natureza, tristemente,
como se a visse ficar no abandono
pela queda das folhas, de repente,
ao reclinar pra o derradeiro sono!

Nesse cálice em que bebia a vida,
talvez, houvesse uma gota de mel,
após ter sorvido néctar e fel...

Na multidão uma alma desconhecida,
quem sabe, o compreendesse com bondade
e lhe desse, afinal, felicidade !...

Fonte:
Sonetos enviados pelo autor

Carlos Leite Ribeiro (Ela e Eles)


Ao contrário do que se possa supor, Ela, é ela; Eles, são a irmã e o cunhado. Seus nomes? Bem, Ela é a Maria; a irmã tem o nome de Sónia e o marido é o Miguel. Como são muito amigos e se compreendem muito bem, o casal convidou a Maria para umas férias na província da Beira Baixa, cujo nome da terra não vem em nenhum mapa.

Como soe dizer, a Maria ficou em “pulgas” (ansiosa) pela chegada do dia em que o casal a ia buscar a sua bela casa, nos confins do Centro de Portugal.

Quando o dia combinado chegou, a Maria começou a fazer (compor) as suas duas enormes malas que sempre a acompanham quando vai de férias. Como sempre, as malas ficaram tão cheias que para as fechar, teve que se pôr aos pulos, em cima delas (malas). Ao fim de muito esforço, lá conseguiu correr os fechos.

Uma hora antes já estava no portão da casa, esperando pela chegada do casal. Lembrou-se que não tinha posto dentro das malas seu estojo de unhas, nem o verniz escuro e nem sequer a tinta para o cabelo, pois, o seu loiro se não fosse pintado (ou retocado), os cabelos tinham a tendência de se tornarem brancos. Subiu as escadas, e meteu isto tudo dentro da mala de mão que, de tão cheia mais parecia um balão.

Maria: - Já passam 5 minutos e aqueles “desalmados” não chegam… Vou telefonar-lhe para começar a ralhar com eles… Já estava à espera de terem o telemóvel (celular) desligado. Que raiva…

Teve de conter (?) a sua “raiva” por mais de hora e meia. Por fim, na curva da rua, lá apareceu o “bendito” carro do casal.

Maria: - Tanto tempo para chegarem cá? Cheguei a pensar que viessem a pé! Já estava a pensar em desistir, porque isso que me fizeram (esperar) é um verdadeiro desaforo para minha pessoa!

Sónia: - Olá querida, como estás? Estou a ver que, como sempre, muito bem-disposta!

Miguel: - O carro está muito sujo. Antes de começar a viagem, temos que o lavar.

Maria: - Podem o lavar à vontade, pois está ali uma mangueira e é só abrir a torneira. Não contem comigo pois, estou vestida para passear e não para lavar carros.

Sónia: - Para evitar mais discussões e partirmos rapidamente para férias, vou buscar a mangueira e lavar o carro. Vou estragar as unhas e o verniz, mas como sou muito boazinha e a bem da boa harmonia, vou lavar o carro.

Já em viagem e quase a chegar ao destino, Sónia pediu ao Miguel para aumentar o volume do som da música de um CD, porque a Maria estava a dormir e a ressonar que até parecia uma locomotiva de comboio, das antigas que trabalhavam a vapor (Maria Fumaça).

Miguel: - Menina, acorda, que já chegámos!

Sónia: - Como ela está pegada no sono, só vai acordar com um balde de água pela cabeça abaixo!

Maria acordando: - O que vocês estão prá aí a dizer?... Já estou acordada…

Miguel: - Até que enfim já chegámos!

Maria: - Já chegámos? Ainda bem porque preciso ir à casa de banho (banheiro).

Miguel: - Hahahahaha! Esta pensa que está na cidade! Aqui, a nossa casa de banho é ali atrás da moita!

Sónia: - Mas antes, tira do poço um balde de água. Mas cheio, que é para chegar para todos.

Maria: - Nem quero acreditar! Vocês tiveram o desplante de convidar “uma personagem” ilustre (como eu) para passar férias num casebre que nem água canalizada tem.

Miguel:- Se fosse só a falta de água canalizada…

Sónia: - A casa também não tem eletricidade, nem esgotos!

Maria: - Ai que a minha alma está parva. Onde você me meteram, melhor, me convidaram…

Começaram a retirar do carro, uma botija de gás, muitas latas de tinta, muitos pincéis de vários formatos, montes de papel higiénico, roupas, etc.

Maria: - Qual é o meu quarto?

Sónia: - Escolhe um qualquer.

Maria: - Mas os quartos não têm armário para arrumar a roupa e a cama é um colchão no chão?...

Miguel:- Deixa-me rir. Esta, pensava que vinha para um hotel de 5 estrelas!

Depois do almoço (uma pizza comprada pelo caminho) e de lavarem a loiça, o Miguel tomou a iniciativa.

Miguel:- Até na altura de começarmos com a limpeza…

Maria: - Limpeza?! Olha que não sou nenhuma faxineira!

Miguel:- Claro que não nem eu pensei numa coisa dessas. Nomeio-te minha secretária! Para começar, lava esta parede com lixívia (água sanitária) para eu começar a pintar um quadro, tipo rupestre… Talvez uma paisagem…

Maria: - Não, cá em Portugal, as secretárias não limpam paredes. Olha lá, porque não lavas tu a parede?

Miguel:- Eu?! Não vês que não posso pois tenho uma dor nos pés e tenho de andar de bengala? Vá lá, começa a merecer ter-te trazido de férias…

Sónia: - Maria, antes de lavares essa parede, lava antes esta para eu começar a pintar um quadro exótico, no Jardim do Éden, com a Eva, o Adão e a Cobra…

Maria: - Uma boa cobra me pareces tu! Não, não e não. Não faço nadinha. Vim para cá (fazendo o favor a vocês) para descansar e não para trabalhar! Vou sentar-me aqui no chão, de pernas traçadas para meditar na minha vida.

E, assim fez. Sentou-se no chão, com os olhos fechados, começou a meditar…

Alguns minutos depois, começou a chover torrencialmente e em breves minutos tudo ficou inundado. O carro começou a ser arrastado em direção ao rio, pela corrente de água que entretanto se formou. Nessa altura, tiveram que subir ao telhado da casa, sempre com receio que este desabasse. Felizmente, a Maria ficou como o telemóvel (celular) no bolso das calças e de lá telefonou aos bombeiros a pedir ajuda, naquela situação tão crítica.

Duas horas depois, um helicóptero da Proteção Civil foi lá resgatá-los do telhado da casa. A Maria, valente como é, quis ser a última a ser içada para dentro do aparelho, sem gritar nem espernear, ao contrário da Sónia que se fartou de gritar. Já dentro do helicóptero viram o telhado da casa ruir.

Já na cidade para onde os bombeiros os levaram, o casal apanhou um comboio (trem) para o regresso a casa. Já a Maria apanhou um “expresso” para o regresso à sua paradisíaca vila.

Quando chegou a casa, a família quis saber se tudo tinha corrido bem e se estava feliz com o passeio.

Maria: - Estou muito contente e feliz. Imaginem que até fizemos desporto radical!

Fonte:
Texto enviados pelo autor

W. J. Solha (Arkáditch)


Recebi ontem o livro “Arkáditch” de W. J. Solha, da Paraíba. Não conhecia seus escritos, mas na página 11, no último parágrafo num diálogo, a frase que transcrevo a seguir já vale a pena a leitura.

“Sabe o que eu acho? A vida já é um filme de arte – complicado, comprido e chato pra burro – com a desvantagem de que a gente nunca recebe a iluminação adequada, o som geralmente é muito ruim, a trilha sonora é uma colcha de retalhos, a história não existe… e vocês ainda ficam … mastigando essa coisa toda e pensando que são melhores do que todo mundo.”

Para não passar em branco aos leitores do blog, coloco uma soma dos textos que obtive no blog do Nilto Maciel e do Correio da Paraíba, para que conheçam Solha e seu trabalho.
José Feldman
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A cellista Drica vem da Espanha desiludida com a música e disposta a abandonar sua arte. Seu pai, Zé Medeiros, um industrial, que também é professor de filosofia, está às vésperas de se aposentar e se vê diante do dilema de não saber o que fazer após o fim das aulas. O emblema desta família de perdidos é Seu Né, pai de Zé Medeiros. Abandonado pela segunda família, sem memória, é acolhido pelos que abandonou. Para complicar este cenário todo, aparece a bela e misteriosa Marion, que vai desestruturar os alicerces da família Medeiros. Assim é Arkáditch (Ideia, 221 páginas), o mais novo romance do escritor e multi-artista W. J. Solha.

Aos 70 anos, completos em maio passado, Solha já colhe boas recepções críticas de seu mais recente trabalho. O curioso é que o autor decidiu não lançar o seu livro. “Sempre me dei mal nos lançamentos, pois não sei ligar para um amigo que mora lá na caixa-prego, ‘convidando-o’ para aguentar alguns discursos e comprar minha ‘obra’”, diz. Como ganhou a bolsa Funarte de Criação Literária, no valor de R$ 30 mil, Solha resolveu não vender esta nova obra. Quem se interessar, pode pedir por e-mail (wjsolha@superig.com.br) e o autor o envia pelos Correios.

O QUE É ARKÁDITCH?

Trata-se de romance de 220 páginas, editado – por encomenda minha – pela Ideia, daqui de João Pessoa, sem prefácio ou coisa parecida, pois – do mesmo modo que me encabula cobrar pela posse de um exemplar dele – chateia-me a simples possibilidade de incomodar algum amigo intelectual para elogiar um trabalho que, talvez, nem lhe entre no goto, comprometendo sua reputação de expert, etc. e tal. Afinal, nenhuma das grandes editoras do país se interessou pela publicação. E talvez tivessem razão, pois confiei seus originais, algum tempo atrás, a dois escritores: Hugo Almeida e Esdras do Nascimento – o primeiro de São Paulo, o outro, do Rio – e, se Hugo o aprovou in totum, do Esdras recebi esta mensagem:

– Não vou permitir que perca um livro importante desse com sua mania de referências e citações!

Quando entreguei os mesmos originais ao Magno Nicolau, da Ideia, sem qualquer releitura, surpreendi-me quando ele me ligou dizendo-me que consertara um bom número de erros de digitação e de outros tipos, mas acabara desistindo da revisão, pois eram muitos.

– É possível?

Só então me dei conta de que escrevera Arkáditch antes da última reforma ortográfica. Mas isso foi o de menos. Botei o computador para substituir todos os “vêem” por “veem”, “pára” por “para”, “ü” por “u”, “éia” por “eia”, etc. E aí me toquei nos “eruditismos” que tanto haviam incomodado o Esdras e saí fazendo um rapa, deles, deixando o Arkáditch com seis páginas a menos. De quebra, de tanto reler o livro, acabei alterando muitos de seus detalhes, amarrando-lhe pontas soltas. Isso é exasperante, porque nos amplia a certeza de que a perfeição, realmente, não existe. Ou, pelo menos, está fora de meu alcance.

MAS DE QUE TRATA O ROMANCE?

Em alguns livros meus, tratei da vida contemporânea aqui no Nordeste. Israel Rêmora, meu primeiro editado, lançado pela Record em 75, registra muito do que vivi em Pombal, no alto sertão paraibano, entre 63 e 70. A Cidade e as Serras, do Eça de Queirós, me motivou a escrever Relato de Prócula (A Girafa, 2009) juntando Pombal e João Pessoa, também nos dias atuais. A Batalha de Oliveiros (Itatiaia, 1989) veio ao mundo para que eu trabalhasse minha angústia de não participar da luta armada, no tempo da ditadura. Passa-se no interior do Pernambuco. E Arkáditch se concentra na capital paraibana. Curioso pensar que, no final do ano passado, trabalhei como ator em dois longas do Recife, com estreias marcadas para o começo de 2012: O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, e Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes, ambos também abordando (e pela primeira vez, no cinema) a classe média urbana nordestina contemporânea.

A ação de Arkáditch se passa nos anos 1990, mais precisamente, no período em que o presidente Collor é destituído do cargo por meio de um impeachment. O romance também foi escrito naquele período. Falando sobre o processo Solha diz: “Quando ainda datilografava meus livros, era fácil dizer quantas versões tinham sido necessárias para chegar à versão final”. Ratificando a importância dos detalhes, revela: “Costumo dar meus originais - quando sinto que ainda não estão bons - a pessoas que respeito no ramo e que me sejam, evidentemente, acessíveis”. Todavia, Solha reconhece: “Depois disso tudo, você entrega os originais para a editora, mas não se sente feliz”.

E O ENREDO?

Certa vez, nos anos de chumbo, conheci um casal de jovens brasileiros formados pela Universidade dos Povos, de Moscou, por isso sem direito a exercer suas profissões no Brasil, e vivendo em certa clandestinidade. Por coincidência, eu lera, em Pombal, um calhamaço de cartas amareladas de um tal de Manoelzinho à minha amiga Nena Queiroga, parente de minha mulher e dona do primeiro cartório de lá, em que se via toda uma vida – a do cara que, na ficção, dei o nome de Stiepán Arkáditch (coisa de pai esquerdista, como o de Vladimir Carvalho) – nascido nas brenhas de uma aba de serra dali por perto, de repente com uma guinada surpreendente, pois – analfabeto até os quinze anos – apareceu lendo tudo, pelo que foi encaminhado ao seminário de Cajazeiras, com batinas, livros e tudo mais patrocinado pela “madrinha” Nena, que – refinada e culta – gozava, ainda, do conceito de “muito católica”. Aí Manoelzinho se manda pro Recife, de lá para o Rio, passa nos concursos da Petrobrás, Banco do Brasil e Banespa, escolhe a primeira empresa, é demitido por envolvimentos com comunistas, no tempo de Goulart, ganha bolsas de estudos pra Sorbonne e pra Patrice Lumumba (Universidade dos Povos), sai do país pra Paris e, de lá, se manda pra Rússia, onde se torna seu melhor aluno... até que um tumor cerebral – razão de sua genialidade – o mata.

A partir desse alicerce – o passado – construí o presente de meu romance. “Presente” em termos: comecei a criar o livro depois de participar de uma passeata pelo impeachment do Collor, em 92, evento que me empolgou tanto, que em 94 fiz uma mostra, Caras Pintadas –pra campanha contra a fome, do Betinho – exposição cujo carro-chefe era um quadro, que em seguida reproduzo alguns de seus detalhes.

Bem, os personagens de meu romance são como essas pessoas, cujas fotos reproduzi em tinta acrílica sobre tela. Tudo gira em torno da figura principal – Zé Medeiros – professor da UFPB em seu último dia de aula, quando vem à tona seu passado, que inclui diplomas na Sorbonne, acusação de um assassinato na Patrice Lumumba, etc, etc.

Em texto sem assinatura, nas orelhas do livro, há uma série de aproximações entre os personagens e a vida real de Solha. Ao ser perguntado sobre as relações entre ficção e biografia, Solha recorre a uma característica bem sua: a citação. “Não à toa Flaubert disse que Madame Bovary era ele: ‘Madame Bovary c´est moi’. Como faço meu personagem Zé Medeiros dizer, logo no começo de meu romance, ao dizer que está fazendo um romance, há uma grande verdade na frase do Templo de Delfos: ‘Conhece-te a ti mesmo e conhecereis os deuses e o universo’. O que não significa que faço livros autobiográficos”, informa. Falando sobre as diferenças, o escritor atesta: “Não conheço a Rússia, e graças ao fato de ter estudado lá, Zé Medeiros tem todo seu drama, décadas depois. Nem sou, como ele, professor de filosofia da UFPB, muito menos – também – usineiro”.

Ator, pintor, dramaturgo, escritor. A qual destas áreas Solha mais tem se dedicado? “Não se é possível fazer tudo isso bem. Esse é o problema. Tanto, que deixei o teatro em 1990, a pintura em 2004. Resolvera, também, não mais participar de filmes, quando recebi convites irrecusáveis para testes em filmes de Kléber Mendonça Filho - em que contracenei com Irandhir Santos – e de Marcelo Gomes, no qual sou pai de Hermila Guedes”, explica.

O resultado da overdose é que senti, pela primeira vez na vida, o que é a exaustão total. Somente fui me livrar quase um ano depois. E tive de interromper, quando estive no Recife, envolvido nesses filmes, o poema longo a que me dedico há já três anos”, relata. “Mas a verdade é que tenho feito todas as outras atividades para ter como escrever meus livros com conhecimento de causa. A literatura - há trinta e tantos anos - tem sido minha atividade principal”.

Fontes:
Nilto Maciel. Literatura sem Fronteiras
Correio da Paraíba.

W. J. Solha (1941)


Waldemar José Solha nasceu em Sorocaba, São Paulo, em 1941. Radicou-se na Paraíba desde 1962.

Escreveu os romances:
"Israel Rêmora", Prêmio Fernando Chinaglia 1974, editado pela Record em 1975;
"A Canga", 2º prêmio Caixa Econômica de Goiás, 1975, editado pela Moderna, de São Paulo, em 1978, e pela Mercado Aberto, de Porto Alegre, em 1984
"A Verdadeira História de Jesus", editado pela Ática, de São Paulo, em 1979
"Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia", lançado pela Codecri em 1984
"A Batalha de Oliveiros", Prêmio INL 1988,publicado pela Itatiaia, de Belo Horizonte, em 1989
"Shake-up", publicado pela editora da UFPb em 1997

E ainda o poema longo "Trigal com Corvos", publicado pela Palimage, de Portugal, em 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto 2005 como melhor livro de poesia do ano anterior e "História Universal da Angústia", Prêmio Graciliano Ramos 2006 e finalista do Prêmio Jabuti 2006.

W. J. Solha tem passagens também pelo teatro. Escreveu e montou "A Batalha de OL contra o Gígante Ferr" em 1986, e "A Verdadeira História de Jesus" em 1988. Escreveu também "Os Gracos" (inédito), "A Bagaceira" e "Papa-Rabo"(montadas por Fernando Teixeira em 1982 e 1984), "Burgueses ou Meliantes" (montada por Ubiratan de Assis em 1988), "A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás", Montada por Ricardo Torres em 1991.

Fez os textos para "Cantata Pra Alagamar", música de José Alberto Kaplan, gravação Discos Marcus Pereira 1980, "Os Indispensáveis", para música de Eli-Eri Moura, apresentada em João Pessoa em 1992.

Trabalhou como ator nos filmes "O Salário da Morte", dirigido por Linduarte Noronha em 1969, "Fogo Morto", dirigido por Marcus Farias, "Soledade", dirigido por Paulo Thiago (ambos de 1975), "A Canga", de Marcus Vilar, em 2001 e "Lua Cambará", dirigida por Rosemberg Cariry em 2002

É autor dos painéis "Homenagem a Shakespeare", de 1997, em exposição permanente no auditório da reitoria da UFPb, e "A Ceia", de 1989, no Sindicato dos Bancários da Paraíba.

Fonte:
Wikipedia

Wofgang Teske (Cultura quilombola tocantinense na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre)

foto por Ana Kanitz
artigo por Zacarias Martins

No próximo dia 30 de outubro, professor Wolfgang Teske estará autografando o seu livro “Cultura Quilombola na Lagoa da Pedra – Tocantins”, na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Porém, no dia anterior, ele já tem agendada palestra na Ulbra, em Canoas/RS, onde falará sobre esse importante trabalho desenvolvido em terra tocantinense

Publicada pelo Conselho Editorial do Senado Federal, a obra de Teske possui 295 páginas e é fruto de estudos de caso de processo folkcomunicacional (estudo sobre processos de comunicação através das manifestações folclóricas e suas relações com a mídia), que foram realizados pelo autor durante seu mestrado em Ciências do Ambiente na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e trazem uma análise profunda dos rituais, símbolos e rede de significados das manifestações culturais da comunidade.

Segundo Teske, essa obra dá visibilidade e resgata a riqueza e a preservação das características da comunidade, mesmo diante de situações de preconceito. “Esperamos que a obra reforce o respeito e traga políticas públicas para assegurar a cidadania da comunidade”, complementa.

Em 2009, Wolfgang Teske havia lançado o livro “A roda de São Gonçalo na comunidade quilombola da Lagoa da Pedra em Arraias” (Ed. Kelps), que se encontra na sua terceira edição e onde faz um registro dessa importante manifestação cultural no município tocantinense de Arraiais, no Sul do Estado,

Além disso, em 2010, foi publicado o foto-livro Projeto Fotográfico A Roda de São Gonçalo, sendo o primeiro livro dessa natureza no Estado do Tocantins. Ele é parte integrante da exposição fotográfica realizada em parceria com o repórter fotográfico Émerson Silva que acompanhou Teske durante a pesquisa e o fotojornalista Manoel Júnior. O trio foi selecionado no 1º Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afrobrasileiras, na área de Artes Visuais, concurso promovido pelo Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares e do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo Santos Neves (CADON), patrocinado pela Petrobras

FOLKCOMUNICAÇÃO

Coordenadora do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, a professora doutora Juciene Ricarte Apolinário, que assina o prefácio da obra, considera que este trabalho de Teske é provocativo e que toca em questões muito importantes como é o caso das práticas culturais populares no Brasil, especialmente os de origem afro-brasileira.

Apolinário também destaca que a utilização das bases teórico-metodológicas da Folkcomunicação revela a capacidade do autor em trabalhar com uma pesquisa sócio-cultural e as formas como a comunicação, a partir da cultura popular, que permanece e resiste em comunidades quilombolas apesar de toda influência externa, especialmente dos meios de comunicação de massa que direta ou indiretamente deixam suas marcas nefastas.

SOBRE O AUTOR

Wolfgang nasceu em Blumenau, SC, filho de pedreiro e de dona de casa. Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia de Porto Alegre – RS (1981) e Comunicação Social/Jornalismo pelo Centro Universitário Luterano de Palmas – TO (2006) é pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Albert Einstein de Brasília – DF. Também é Mestre em Ciências do Ambiente/Cultura e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins – TO (UFT). Morou em Belém onde coordenou o Centro Integrado de Educação, Saúde, Assistência Social e Evangelização. Em Palmas – TO, como primeiro diretor geral, foi o responsável pela construção e implantação do Complexo Educacional da Universidade Luterana do Brasil (1992 a 1997). Posteriormente, exerceu o cargo de Diretor de Relações Empresariais e Comunitárias da Escola Técnica Federal de Palmas – TO, na sua implantação (2003 a 2004). Integrou a equipe da administração municipal para a implantação do Sistema de Escolas de Tempo Integral e vários Conselhos Municipais (2005 a 2010). É professor universitário e atualmente integrante da Fundação de Apoio Científico e Tecnológico do Tocantins da UFT, atuando em pesquisa de âmbito nacional.

Fonte:
artigo enviado por Zacarias Martins.