quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Eduardo Affonso (Mentiras que os donos de cachorro contam)

A mentira 1 que os donos de cachorro contam é que são donos de cachorros.

Ninguém é dono de ninguém, muito menos de um cachorro.

Cachorros são seres insólitos. Têm um ranço nato dos gatos, criaturas que os ignoram e cujos olhos felinos lhes dedicam, no máximo, uma mirada de indulgência. Têm inexplicável interesse por porcos espinhos, animais cujo leiaute é um cartão de visitas claríssimo: não mexa comigo. Têm fetiche por pneus, entidades que perseguem com afinco, como se cravar os dentes numa roda de borracha lhes fosse descortinar o sentido da vida.

E se afeiçoam justamente a seres humanos.

Qualquer organismo inteligente se afeiçoaria aos gatos, não aos seres humanos. Qualquer indivíduo sensato manteria dos humanos e dos porcos espinhos uma prudente distância. Qualquer entidade racional saberia que humanos e pneus não levam (metaforicamente, pelo menos) a lugar nenhum.

Pois os cachorros resolveram se afeiçoar aos seres humanos. Ignorar os alertas de perigo que os humanos emitem em cada gesto. E vivem correndo atrás de nós, seja abanando o rabo, seja cravando os dentes, como se para isso tivessem nascido.

Os “donos de cachorro” se encantam com esses paradoxos. Veem no cachorro um avatar peludo e arfante, uma versão melhorada de si mesmos. E deles se apropriam, oferecendo-lhes vacina, coleira, ração, tosa e dois passeios diários em troca do amor maior que há no mundo (mãe perde) – da mesma forma como os exploradores trocavam miçangas espelhos e quinquilharias por ouro prata terras sem fim.

Donos de cachorro mentem (mentira 2) quando dizem que vão levar os cachorros para passear.

Cachorros não passeiam. Cachorros urinam e cheiram. O passeio é um meio, o instrumento do qual o cachorro tem que lançar mão (no caso, lançar pata) para poder urinar em vários lugares e cheirar tudo que estiver no raio de alcance da guia presa à sua coleira.

O passeio é uma mentira social que o suposto “dono de cachorro” inventa para não ter que assumir que apenas se presta a viabilizar as urinadas necessárias à comunicação olfativa do cachorro.

A mentira número 3 é a de que o cachorro é educado e só faz evacua na rua. Isso não é educação: é chantagem. Uma forma que o cachorro encontra de constranger seu humano a levá-lo para urinar e cheirar em locais onde essas atividades sejam mais estimulantes que na área de serviço ou na varanda.

E cachorro não evacua na rua: faz na calçada. De preferência, nas saídas de garagem ou diante de aglomerações, de modo que o ritual de enluvar a mão no saco plástico, se agachar e catar o dito cujo sejam devidamente apreciados por quem estiver saindo de casa ou esperando o ônibus.  É que o cachorro gosta de exibir o adestramento do seu “dono”, fazê-lo demonstrar suas habilidades (“Estão vendo o meu “dono”? Olhem os truques que ensinei a ele: Luvinha! Agachado! Catando caca! Carinha de nojo! Nozinho no plástico! Isso! Bom garoto!”).

Mentira 4:  tratamos cachorros como filhos. Jamais. Filhos são filhos, cachorros são cachorros. Filhos saem sozinhos; cachorros, não – do cachorro a gente cuida direito e não permite que corram riscos desnecessários. Filhos um dia se casam e vão cuidar da própria vida –  cachorros ficam para sempre.

Cachorros envelhecem conosco. Morrem nos nossos braços. Quando se vão, nos deixam de herança um pote vazio e uma coleira adormecida que são a própria Dor em forma de vasilha, o Desalento em fivela e fita.

A mentira 5 é a maior de todas:  a do “nunca mais”. Todos dizemos “Nunca mais quero passar por isso”. “Outro cachorro, nem pensar”. E daí a pouco lá estamos nós desviando o olhar na Feira de Adoção (desviando o olhar, não o coração). E um minuto depois fazendo contato visual com um filhote, um adulto sem rabo, um ancião de focinho grisalho.

Aí lá vamos nós de novo. De novo “donos” – do Tião, da Duda, da Luna, que não são mais que novas manifestações da Bené, do Negão, do Bento, do Luke e de todas essas versões melhoradas de nós mesmos – só que com pulga e soltando pelo, que ninguém é perfeito.

[Levei Cacau para ser sacrificada. Despedimo-nos longamente. Fiz uma foto dela –a última – na maca.

Saí da clínica repetindo o mantra da mentira 5, a do “nunca mais”. Mas não custava fazer mais uma tentativa, e Cacau reagiu à medicação. Dois dias depois, fui buscá-la, e me recebeu andando com dificuldade, mas andando – ela que chegara no meu colo. O mesmo olhar, a mesma respiração ofegante, o mesmo jeito de abanar o rabo como se não houvesse amanhã. Houve amanhã.

Substituí a mentira 5 pela 1, e voltei a mentir para mim mesmo que sou “o dono da Cacau”, como um dia fui dos seus pais, Negão e Benedita.

Cachorros são seres estranhos. Ao contrário dos seus “donos”, que os levam “para passear”, “fazer cocô na rua” e os tratam “como filhos”, eles não precisam mentir. Jamais.]

Recordando Velhas Canções (Quero morrer cantando)


(samba, 1934)

Compositor: Valfrido Silva

Quero morrer cantando um samba
No meio de uma roda bamba
Quero zombar da própria morte
Cercado das pequenas
Que me deram inspiração e forte

No outro mundo
Vão me rir e caçoar
E decida se matando em trabalhar
Pensando somente na riqueza
Sendo a vida mergulhada
Mergulhada na tristeza

Quero morrer cantando um samba
No meio de uma roda bamba
Quero zombar da própria morte
Cercado das pequenas
Que me deram inspiração e forte

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Varal de Trovas n. 615

 

Caderno de Premiados dos Concursos do Blog (Download)


Os Concursos do Blog homenageando A. A. de Assis (trovas líricas/ filosóficas, tema: Poeta/s) e Therezinha Dieguez Brisolla (trovas humorísticas, tema: Pinguço/s) encerrou-se com êxito. Os diplomas foram enviados aos premiados, e o caderno de premiados enviados para os premiados e não premiados. 

Caso tenha interesse em obter o caderno, pode baixar no link abaixo, em pdf, são 37 páginas.


A. A. de Assis (Um cãozinho da roça)


Kaltoé tem razão. Perder um animalzinho querido é muito triste. Dói demais

A semântica tem dessas coisas: todo mundo diz que o cão é o melhor amigo do homem e da mulher. Mas ninguém chama seu melhor amigo ou sua melhor amiga de cão, cachorro, cachorra, cadela… Dá dó terem dado a um animal tão querido um tão mal-escolhido epíteto. Outros bichos receberam nomes até poéticos: andorinha, ovelha, colibri, borboleta, golfinho, vaga-lume. Por que logo o cão tinha que ter esse nominho que parece xingamento?

Porém eu queria falar era de outra coisa, mais uma vez aproveitando uma dica do amigo Kaltoé, o craque do desenho. Ele sugeriu: “Faça uma crônica sobre a perda de animaizinhos de estimação. Todo mundo tem ou já teve um”. De pronto me lembrei do Rex. Vou contar.

Vivi na roça até os 8 anos, quando me mudaram para a cidade (São Fidélis-RJ) a fim de continuar os estudos iniciados numa escolinha rural. Fui morar com um irmão mais velho e três irmãs. Na roça eu tinha dois cachorros: um grande, chamado Combate, e um pequeno, Rex. Queria porque queria levar os dois comigo para a cidade. Meu pai, com paciência, me convenceu de que o cachorro grande não se adaptaria: acostumado à plena liberdade, com espaço à vontade para correr, bagunçar, caçar preás, ele sofreria demais se fosse confinado num quintal. Acabei concordando. Levei apenas o pequeno Rex.

Estava indo tudo bem, até que chegou o dia da festa do padroeiro. Conforme a tradição, a cidade foi despertada às 5 da manhã pelo desfile de alvorada da banda de música. Em meio ao alegre retumbar das tubas, tambores e trombones, pipocava um estonteante foguetório. Pra quê?… Apavorado ante aquele barulhão todo, o cachorrinho Rex, criado no sossego da roça ao som de pássaros, grilos e cigarras, começou a latir sem cessar, até que achou um buraco na cerca e se mandou na maior disparada. Até hoje não sei onde foi parar. Só sei que chorei por mais de uma semana e jurei nunca mais ter outro animal em casa.

Jurei mas não cumpri. Quando vim para Maringá morei durante alguns anos numa casa com quintal. Um dia um amigo me perguntou se eu aceitaria de presente um filhote de cachorro. Lucilla e eu pensamos bem, aceitamos. Demos-lhe o nome de King. Cresceu rápido, virou um baita cachorrão. Depois apareceu uma cachorrinha vira-lata. Demos comida a ela, a bichinha não quis mais ir embora. Para combinar com o King, demos-lhe o nome de Konga.

Numa certa manhã Konga resolveu brincar na rua em frente, passou um carro e ela foi atropelada. Corri, peguei no colo. Perna quebrada. Levei à loja veterinária do Astolfo Castanheira, ele engessou, garantiu que não era coisa grave. De fato não era. King e Konga ficaram conosco enquanto viveram. Deixaram saudade. Prometi de novo que nunca mais teria animal de estimação. Dessa vez cumpri.

Kaltoé tem razão. Perder um animalzinho querido é muito triste. Dói demais.

Melhor parar a conversa aqui.

(Crônica publicada no Jornal do Povo em 17.10.2024)

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 144 =

Nota do editor: 
A partir do número 146, a imagem que abre a vereda da poesia será com uma trova premiada nos Concursos do Blog.
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Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Afetos de menino

Em todas vezes que eu vivi... eu fui criança...
sobrevivi... e sobrevivo... até então,
do mesmo amor que reconstrói meu coração,
quando ele teima em se perder da esperança.

Lembranças boas são saudades... a constância
que me desvia da aspereza desse mundo
o faz com que eu voe na ternura de um segundo
para bem longe da mentira e da arrogância.

Ingenuidade, inocência, sonhos, risos
afetuosos para quem sequer merece
são minhas marcas indeléveis... pueris…

... e embora diante dos que não mostrem seus guizos...
sempre propenso a crer no amor que me apetece,
construo afetos... de menino... e sou feliz.
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Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Entre as flores volto ao beco
do sobrado em que moraste;
na janela um vaso seco,
sinal… de que não voltaste!
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Meu amor
eternamente
envelopado
acho
que o carteiro
esqueceu
de entregar.
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Trova Premiada de
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

De paixão mal acabada
guardei as recordações
numa página rasgada
de um bloco de anotações.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Flutuam as taças...

Noite fria,
O castelo em silêncio -
Na sala com o piso de pedras
Há sensação de saudade:
Dos sons do piano e dos passos,
E, as cadeiras permanecem vazias
Sobre a mesa,
Entre os candelabros - pontes de teias
E ao lado de umas das três taças de prata
A chave quebrada...
A toalha branca, suavemente tingida
Em sintonia
Com algumas gotas de vinho...
Depois da meia-noite,
Percebe-se
Que as velas despertam,
Em tons de amarelo
E, no espelho da sala
Os reflexos das taças surgem -
Aproximam-se para brindar
Mas, misteriosamente
As mãos que as seguram
Não aparecem no espelho,
Enquanto as pétalas da rosa azul
Do poema anterior
Aconchegam-se à chave quebrada...
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Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Menina e o Elefante

Uma menina travessa, no campo a brincar,
encontrou um elefante, que estava a chorar.
“Por que estás tão triste, amigo elefante?”
“O homem me caça, e o futuro é horripilante.”
A menina, firme, decidiu ajudar,
com coragem no coração, não ia hesitar.

Juntos partiram, para lá longe, na cidade,
a menina gritou: “Vamos parar essa insanidade!”
Com astúcia e bravura, alertaram a nação,
e os caçadores mudaram, por sua ação.
O elefante agradeceu, com um toque gentil,
e a menina sorriu, seu coração era sutil.

A coragem em defesa dos fracos não é em vão,
uma voz pode mudar o mundo, trazendo compaixão.
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Trova Popular

Rouxinol canta de noite,
de manhã a cotovia;
todos cantam, só eu choro
toda a noite e todo o dia!
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Bálsamo

Pelas insípidas tardes vagueio
Acinzentado, o jardim m'entristece
Dos rouxinóis não mais ouço o gorjeio
Nada mais brilha... Minh' alma fenece

De fel e dor, asseguro, estou cheio
Um brado ecoa, plangente, qual prece
O sentimento sufoca, alardeio:
"Ah, se teus beijos de novo tivesse..."

Envolto em manto espinhoso reclamo
Aqueles sons, vesperal sinfonia
Aquelas cores prazentes, vivazes

Oh, meu amor, quanta falta me fazes!
Só tu dissipas ess' acre agonia
Contigo é certo que o peito balsamo
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Trova de
JOÃO FREIRE FILHO
Rio de Janeiro/RJ (1941 – 2012)

Quando um príncipe encantado
partiu contigo, risonho,
eu vi meu sonho levado
pelo encanto de outro sonho!...
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Poema de
GONÇALVES DIAS
Caxias/MA, 1823 – 1864, Guimarães/MA

Doce amor

Doce Amor — a sorrir-se brandamente
Em sonhos me falou com tal brandura,
Que eu só de o escutar vida mais pura
Senti coar-me n'alma fundamente.

Depois tornou-se o tredo fogo ardente
Que o instante, o ano, a vida me tortura.
Bem longe de gozar tanta ventura,
Cresta-me o rosto agora o pranto quente.

Homem, se homem és no sentimento,
Não zombes, não, de mim tão desditosa,
Nem seja o teu alívio o meu tormento.

Deixa-me a teus pés cair chorosa,
Soltar no extremo pranto o extremo alento,
Que eu morrendo a teus pés serei ditosa.
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Trova de
JAIME PINA
São Paulo/SP

Busco, às vezes, na memória,
momentos de paz e alento...
E encontro instantes de glória
caídos no esquecimento.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Estro perdido

Quem encontrar algum estro perdido,
me conte por favor, que irei buscá-lo;
pois deve ser o meu, que anda sumido,
feito coisa que foge pelo ralo.

Ele é fácil de ser reconhecido;
só basta vê-lo e ouvi-lo e num estalo,
os trejeitos e a voz desse bandido
vão logo denunciar de quem eu falo:

A sua timidez é inconfundível,
o seu cantar é bem desafinado
e seus poemas têm cadência horrível...

Mas assim mesmo prende o meu amor,
como um milagre a ser inda explicado...
E sem meu estro, eu morro em meio à dor!
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Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Às vezes, tenho pensado
que a nostalgia é, somente,
desejo de que o Passado
seja, de novo, Presente...
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Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
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Trova Funerária Cigana

Dorme, dorme, meu bom pai,
descansa onde a estrela brilha,
que ao trono de Deus irão
as preces de tua filha.
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Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Reencontro

Suspiros ao vento
traduzem a calma
do achado perfeito.

Gaivotas assistem um lindo deleito,
o sol deslizando devagarinho pelos
braços do horizonte, sensível afeito.
No abraço matutino engrandece, as
andorinhas tímidas, saúdam o feito.
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Trova Humorística de 
ANTONIO CARLOS TEIXEIRA PINTO
Niterói/RJ

Enfrentando a escuridão
eu li, à luz de lanterna,
que o beco não dava mão.
Mas... como! Dava até perna!
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Poema de 
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Angústia
 
Não sei de onde vem tanta tristeza
Que sem motivo aperta o coração.
Será lembrança de lágrimas escondidas
Desta inútil talvez fútil razão.
 
Será o tempo que passou perdido
Esperando um amor que não voltou.
Quem sabe, a procura envelhecida,
Não deu vazão para encontrar alguém.
 
De onde virá então tanta ansiedade,
Se o coração a tempo está em repouso?
Querendo doar somente ao semelhante
Amor fraterno, refletindo paz.
Inquieto agora insurge e quer gritar?
 
Encontrar a resposta certa
Para a alma tão dilacerada.
Será culpada a nuvem que desaba
Suas gotas pesadas de repente...
Até voltar um raio de sol que beija
A solidão que gorjeia
Como pássaro fechado na gaiola.
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Caridade, um gesto nobre 
que faz os próprios ateus 
sentirem que "dar ao pobre 
é como emprestar a Deus".
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

Velho mar

Nasci longe do mar, mas seduzido
por seu fascínio belo, encantador,
fico ouvindo, na praia, o seu gemido
e os madrigais de um velho pescador.

Mas às vezes me sinto assim perdido
como um barco singrando sem motor,
ouço as ondas num grito dolorido,
uma angústia que cala a própria dor.

Vejo, da praia, a imensidão do mar,
as ondas que o rochedo vêm beijar,
depois, voltam serenas sem rancor.

Cada onda que vem morrer na praia,
parece a minha vida que desmaia
ao pensar em perder o teu amor.
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Poetrix de
SUELY BRAGA
Osório/RS

Viver

     Vive com fé o presente,
     pois o futuro é uma incógnita.
     e o passado já ficou ausente.
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Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Mágoas de amor

Não pense que eu seria indiferente
a tudo quanto tu representaste.
Teu Ser sempre será onipresente
No pouco que ficou do que levaste.

Levaste quase tudo, e em minha frente
espessam-se as brumas que causaste.
De tudo o que ficou resta somente
farrapos de um amor, que abandonaste.

Buscando-te no tempo, sigo o sonho
nas asas vacilantes da esperança,
que a ti meu coração cantando ata.

E assim, o coração a ti deponho
rendendo-me à tua mais cruel vingança:
a mágoa que me salva é a que me mata…
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Passa o efeito do remédio
e o velho, sem jeito, avisa:
- Demorou demais o assédio
e o – furacão- virou "brisa"!
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Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Vendaval

Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!

Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.

Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da ideia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
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Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Os ponteiros marcham lento,
mais um ano que se acaba
- pede PAZ meu pensamento,
para um mundo que desaba!
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Hino de 
Amajari/RR

No extremo norte do Brasil
Surge opulenta
Terra querida Amajari
És o primeiro imponente e altaneiro
Força, Varonil, nunca se viu; Vila Brasil.

Os teus heróis e ancestrais que escreveram
As páginas da tua história,
Algo vistoso o que lhe é peculiar

Cheio de lutas e vitórias.
e na vanguarda tu deves ir
preeminente és Amajari

Amajari, rio Parimé
Ereu, Santa Rosa, Tiporém
Tuas palmeiras; proteção.
Aos aborígenes, irmãos.
Teu campo é um referencial da pecuária
Minérios e beleza têm,
No Paiva, Tepequém

A tua fauna abriga o tamanduá
Tua flora, pau-rainha e variedades,
Em Maraça para a posteridade.
Na sinfonia dos teus pássaros que lindo ouvir!
O belo canto do bem-te-vi,
Tens em teu nome a conjugação do verbo amar
Quem te vê, te ama e não esqueceu de ti.
Amajari
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Trova de
WAGNER MARQUES LOPES
Pedro Leopoldo/MG

Buganvílias em floradas,
junto ao muro do quintal.
Presença da passarada.
Primavera triunfal!
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Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

A um artista

Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.

Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!... Um céu ostenta o matiz da selagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem...

Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho...
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo...
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Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Neste teatro que há em mim,
do meu papel não lamento.
Sem saber qual é meu fim
enceno o final que invento.