segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 107 =


Trova de Angra dos Reis/RJ

JESSÉ NASCIMENTO

Mãos erguidas, força unida,
no simbolismo que encerra:
a conservação da vida,
na preservação da Terra. 
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Poema de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Não deixa te levar pela vingança, 
pois isto não é coisa de Cristão: 
perdoa! Com amor, e sem tardança 
vai lá, e abraça, e beija o teu Irmão! 

Se um dia alguém te fizer qualquer mal, 
não vira-lhe o rosto, imita a Jesus, 
o grande perdoador que, no final, 
perdoou os que lhe puseram na Cruz! 

Se alguma ovelha encontra-se afastada, 
procura-a, pois, pra Deus ela é preciosa; 
encontra-a, e traze-a de volta, "puxada" 
pelas cordas do amor..., esta "teimosa"!
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Trova de São José dos Campos/SP

ADAMO PASQUARELLI

Felicidade - utopia
que está bem longe de mim,
quem sabe se qualquer dia
essa utopia tem fim...
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Soneto de Volta Redonda/RJ

ANTÔNIO OLIVEIRA PENA

O Caminho

Dize a palavra que te encerre o sonho,
aquela que resuma o teu desejo;
evita aquela de pesar medonho,
aquela de lamento malfazejo.

Dize a palavra que te encerre o sonho
com a mesma intensidade do teu beijo!
Evita o murmurar insano, e põe o
teu pensamento a trabalhar, que vejo

que aquilo que dizemos é que é ouvido,
ainda que o façamos em segredo...
— Não há palavra sem repercussão!...

Na estrada em que o homem vai, tão comovido,
seja de sua pátria, ou do degredo,
antes, por ela, andou seu coração!
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Quadra de Vila Real de Santo António/Portugal

ANTONIO ALEIXO
(António Fernandes Aleixo)
1899 — 1949, Loulé/França

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das suas promessas
ganhando o pão que tu comes.
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Poema de Caicó/RN

DILMA DAMASCENO

A Menina de Caicó

Imagino as “madeixas do sertão”,
com tranças enfeitadas de bonina,
realçando a paisagem campesina,
- a confundir-se com a plantação -,
no decorrer da flórida estação!

… E nas águas do Itans azul-turqueza,
- ao sabor indelével da pureza -,
imagino “a menina de Caicó”,
- pintando sonhos e remando só -,
em sintonia com a natureza!
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Trova Popular

Menina dos olhos verdes,
dá-me água pra beber;
não é sede, não é nada,
é vontade de te ver.
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Soneto de Curitiba/PR

JANSKE NIEMANN SCHLENCKER

Deixa que eu brinque

Deixa que eu brinque por aí, à toa;
as aves brincam, brinca a ventania...
Brincam as flores com a luz do dia
e a borboleta que por elas voa.

Deixa que eu brinque, ainda que me doa
ver escapar-se a límpida alegria
do mesmo olhar, cuja inocência via
em qualquer coisa alguma coisa boa.

Deixa que eu brinque como se, inocente,
eu não soubesse que viver é queixa,
é choro apenas... E eu só peço: deixa...

Deixa que eu brinque levianamente
como se tudo - a nossa vida inteira -
jamais passasse de uma brincadeira...
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Trova de Bauru/SP

HELVÉCIO BARROS
Macau/RN (1909 – 1995)Bauru/SP

Palhaço, visão querida,
dos meus tempos de criança...
velha saudade escondida,
no meu baú de lembrança!
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Poema de Portugal

FLORBELA ESPANCA
(Florbela d'Alma da Conceição Espanca)
Vila Viçosa/Portugal, 1894 — 1930, Matosinhos/Portugal

Poetas

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Feitos as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma para sentir
A dos poetas também!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

"Tira a mão! - Diz, enfezada -
tá pensando que é baderna?"
"Desculpe, ao dançar lambada,
nunca sei de quem é a perna!?”
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

VINÍCIUS DE MORAES
(Marcus Vinícius da Cruz de Melo Moraes)
(1913 – 1980)

Soneto do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer — e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.
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Trova de Bandeirantes/PR

ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA

O tempo passa inclemente,
sem nos pedir permissão,
e o espelho fiel não mente:
- o tempo não passa em vão!
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Poema de Guiné Bissau

HÉLDER PROENÇA
Bolama, 1956 – 2009, Bissau

Não posso adiar a palavra

Quando te propus
um amanhecer diferente
a terra ainda fervia em lavas
e os homens ainda eram bestas ferozes

Quando te propus
a conquista do futuro
vazias eram as mãos 

negras como breu o silêncio da resposta

Quando te propus
o acumular de forças
o sangue nômade e igual
coagulava em todos os cárceres

em toda a terra
e em todos os homens

Quando te propus
um amanhecer diferente, amor
a eternidade voraz das nossas dores
era igual a «Deus Pai todo poderoso criador dos céus e da terra» 

Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais

as amaldiçoavam cada existência nossa

Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada

no extenso breu de canto e morte

Foi assim que te propus
no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!
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Trova de São Paulo/SP

JAIME PINA DA SILVEIRA 

Chamar os velhos de insanos,
seria uma insanidade.
Há moços, quase aos cem anos...
e velhos, na flor da idade!
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Soneto Gaúcho

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

A Câmara Escura

Há momentos em que nos despedaçamos
Contra as arestas do nosso próprio ser,
Então a duras penas nós juntamos
Nossos cacos num mosaico de viver.

Na imagem interior restam fissuras
Como fossem cicatrizes das batalhas
Que travamos não com outras criaturas
Mas conosco mesmo e nossas falhas.

“Mas então, onde é que entra o mundo
Nessa tua síntese autofágica,
Se consideras só teu ser profundo?”

Na câmara da alma é o contrário:
O mundo é o ser na caixa mágica
Como reflexo invertido num armário...
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Trova Humorística de Nova Friburgo/RJ

MARIA LUA

“Quero uma vaca atolada!”
e o garçom, bebum de fama,
em vez da sopa esperada,
jogou a vaca na lama!...
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Poema de Maringá/PR

MARCIANO LOPES E SILVA
Porto Alegre/RS (1965 – 2013) Maringá/PR

Na Correnteza do Tempo

Negro impasse:
erguer ruínas
ou contorná-las 
em abismo?

Perplexo, vivo à deriva:
caçador de cacos
na correnteza do tempo.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Assim que me aposentei, 
ao meu relógio dei fim... 
Sem ele eu me sinto um rei, 
dono do tempo e de mim!
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Indriso de Villanueva e La Geltrú/Espanha

ISIDRO ITURAT

Cantiga do Viajante sem Sono

Não podem dormir os meus olhos,
não podem dormir,
porque a serrana diz

que quisera ver-me amanhã.
Não podem dormir os meus olhos,
não podem dormir,

porque a verei no prado,

porque a verei amanhã.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

No claro-escuro da vida,
fusão de alegria e dor,
a penumbra é colorida
se for penumbra de amor!
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Hino de Manacapuru/ AM

Salve, Manacapuru
Taba altiva do rio Solimões,
Salve, Manacapuru
Tu plasmaste nossos corações
Salve, Manacapuru
Terra fértil de um povo viril,
Os teus filhos se orgulham de ti,
E engrandecem a todo o Brasil

Eme a má, ene a na, tens maná
Ce a cá, manacá tens tu
Pê u pu, erre uru, formado está
O teu nome Manacapuru

Salve, Manacapuru
Tens nas águas piscosas, fartura,
Salve, Manacapuru
Teus rebanhos a carne assegura
Salve, Manacapuru
Tens, minério, castanha e madeira
A instrução de moral e civismo
De há muito é a tua Bandeira.
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Trova de Pinhais/PR

LÍGIA CHRISTINA DE MENEZES

Meu girassol pobrezinho
saudoso, não resistiu.
Morreu olhando o caminho
por onde meu bem partiu…
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Poema Goiano

HAROLDO DE BRITTO GIMARÃES
Goiatuba/GO (1928 – 1998) Goiânia/GO

O Disco 

Dispa-se de toda angustia
de toda a paixão, de todo o ódio:
- Olhe o disco rodando.
Sinta-o não porque ele traga
Chopin, - um, samba, moda de viola, um valsa,
um tango para os desesperados desta noite.

Sinta todo o encantamento da infância
num disco a girar! coisa estranha é, voz humana
brotando de pedra escura do limbo
que gravou a natureza selvagem da Noite.
Sinta a sua infância ou a sua velhice
observe um disco a girar:
girando no tempo, na face das águas ...
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Trova de Santos Dumont/MG

SEBASTIÃO TORRES DE LIMA

Amar... é felicidade!
É ternura... é bom demais!
- Quem tem amor de verdade,
renuncia a tudo mais!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os peixes e o pastor que toca flauta

Tirso, jovem amante pegureiro,
Que aos sons da flauta o canto acrescentava,
Tocava um dia à borda de um ribeiro
Que com as linfas os prados refrescava.

Tocava Tirso; e a sedutora Aninha
Pescava ao mesmo tempo;
Mas — fatal contratempo! —
Nem um só peixe lhe acudia à linha!

O pastor, que com seu mavioso canto
Atraía inumanas,
Aos tais das barbatanas
Desta sorte cantou: «Deixai o encanto

Da náiade que amais; d’outra mais bela
Não temais a prisão:
Cruel pode ser ela
Com os humanos — com os peixes, não!

Cruel fosse!... a morrer quem não se afoita
Àquelas mãos galantes?»
Os tais peixinhos — moita!...
Não acodem à linha como dantes.

Tirso vê que se cansa
Em vão cantar; na água a rede lança;
E aos pés da pastorinha
Depõe o peixe que fugira à linha.

Reis, que em razões sutis fazeis estudo
Para convencer a estranhos,
Malograis vossos empenhos;
Lançai as redes. O poder faz tudo.

domingo, 8 de setembro de 2024

José Feldman (Versejando) 148

 

Filemon Francisco Martins (Trovas em preto e branco)


1
A felicidade é um sonho,
- por que deixar pra depois?
O amor é sempre risonho
na vida vivida a dois.
2
Cai a chuva na vidraça
e eu fico triste, porquê
não há beleza, nem graça,
nesta casa sem você.
3
Criança és flor, és bonança
espargindo luz e amor,
porque trazes a esperança
de um futuro promissor.
4
“Das coisas belas da vida”
que colhi, em profusão,
eis a mais nobre e querida:
em cada TROVA um irmão!
5
Falando de amor, Maria,
que saudades sinto agora
daquela doce alegria
que em teus olhos vi outrora.
6
Gosto da vida pacata,
homens simples dos sertões,
pois vejo usando gravata
por aqui muitos ladrões.
7
Nenhum poema é mais belo
e inspira tanta esperança
do que um sorriso singelo
no rosto de uma criança.
8
No meu balaio carrego
sonhos de amor e venturas,
mas muitos sonhos, não nego,
se tornaram desventuras.
9
Quantas noites, meu amor,
olhando, no céu, a lua,
eu me sinto um trovador
pensando na imagem tua.
10
Que o teu futuro, criança,
seja de luz e esplendor,
vislumbre de confiança
no mundo do desamor.
11
“Sorriria de feliz”
e o mundo teria paz,
se o coração que maldiz
soubesse perdoar mais.
12
Tenho certeza que a trova
– poema feito de amor -
é um sonho que se renova
na vida de um trovador.
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AS TROVAS DE FILEMON MARTINS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Filemon Martins são belas expressões de sentimentos profundos e reflexões sobre a vida, o amor e a inocência. Cada uma delas traz um toque de sabedoria e carinho, capturando emoções que ressoam com muitos de nós.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A felicidade é um sonho
A felicidade é apresentada como um ideal, um sonho que deve ser buscado. O amor, descrito como "risonho", indica que a partilha da vida a dois é fundamental para a realização desse sonho.

2. Cai a chuva na vidraça
A chuva simboliza tristeza e melancolia. A casa "sem você" representa a ausência de um amor, enfatizando que a beleza da vida está intrinsecamente ligada à presença do outro.

3. Criança és flor, és bonança
A comparação da criança a uma flor expressa a fragilidade e beleza da infância. A criança é vista como portadora de esperança, sugerindo que o futuro pode ser iluminado pela inocência.

4. “Das coisas belas da vida”
A valorização das conexões interpessoais é central. A frase "em cada TROVA um irmão" indica que a arte e a poesia podem unir as pessoas, criando laços de fraternidade.

5. Falando de amor, Maria
A menção a Maria e a "doce alegria" expressa uma nostalgia profunda. A lembrança dos olhos do amado sugere que o amor deixa marcas duradouras na memória.

6. Gosto da vida pacata
A preferência pela vida simples contrasta com a corrupção e desonestidade, simbolizadas pelos "homens usando gravata". Há uma crítica à superficialidade e à hipocrisia da sociedade.

7. Nenhum poema é mais belo
O sorriso de uma criança é exaltado como a mais pura forma de beleza. Essa simplicidade é um reflexo da esperança e da pureza que ainda existem no mundo.

8. No meu balaio carrego
A imagem do "balaio" representa a carga emocional que o eu lírico carrega. A dualidade entre sonhos e desventuras reflete a realidade de que nem todos os desejos se concretizam.

9. Quantas noites, meu amor
A lua simboliza a inspiração e a contemplação noturna, reforçando a ideia de que a distância do amor provoca reflexão e saudade.

10. Que o teu futuro, criança
Um desejo sincero para que as crianças tenham um futuro brilhante, mesmo diante das adversidades. O "mundo do desamor" sugere um ambiente difícil, mas a confiança é uma luz a ser cultivada.

11. “Sorriria de feliz”
O perdão é apresentado como uma solução para a maldade e a discórdia. A ideia de que um coração que perdoa poderia trazer paz ao mundo é um forte apelo à empatia e compreensão.

12. Tenho certeza que a trova
A trova é vista como uma forma de arte que renova sentimentos e experiências. É um testemunho do poder da poesia em refletir o amor e as vivências humanas.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE FILEMON E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Felicidade e Amor
A busca pela felicidade é um tema universal. Filemon sugere que o amor é a chave para essa felicidade, refletindo a visão romântica de que a união entre duas pessoas é essencial para a realização pessoal. Poetas como Pablo Neruda e Vinicius de Moraes também exploraram essa conexão, enfatizando a intensidade e a beleza do amor. Para Neruda, o amor é um ato de resistência, uma força que nos conecta profundamente com o outro e com nós mesmos.

2. Solidão e Ausência
A tristeza provocada pela ausência de um amor é um sentimento profundo e recorrente na poesia. Filemon expressa essa dor de forma sensível, semelhante ao que Fernando Pessoa fez com sua famosa saudade, mostrando como a ausência pode modificar a percepção do mundo.

3. Inocência e Esperança
A criança como símbolo de esperança remete a uma visão otimista da vida. Cecília Meireles capturou essa essência, ressaltando a beleza da infância e a pureza dos sentimentos, mostrando que a inocência é uma forma de resistência ao desespero do mundo. A infância e a inocência trazem esperança em meio à tristeza. As crianças são flores que brotam em nossos corações.

4. Relações Humanas
O trovador valoriza as conexões humanas, refletindo uma visão de comunidade e amor fraternal. Esse tema é também central na obra de Adélia Prado, que muitas vezes fala sobre as relações interpessoais e a importância do afeto na vida cotidiana, nas relações simples que encontramos a verdadeira beleza. A vida cotidiana é repleta de amor fraternal.

5. Saudade
A saudade é uma emoção complexa, que mistura nostalgia e amor. Carlos Drummond de Andrade explorou essa sensação, mostrando como as memórias moldam nosso presente e futuro, a hipocrisia da sociedade nos rodeia. Precisamos valorizar a autenticidade e a verdade, mesmo que isso nos leve a desilusões.

6. Simplicidade e Crítica Social
A crítica à superficialidade e à desonestidade é um tema pertinente em várias obras. Machado de Assis também abordou a hipocrisia social, mostrando que a verdadeira riqueza está na simplicidade e na honestidade.

7. Inocência e Beleza
Filemon destaca a beleza do sorriso infantil, um tema que ressoa com a obra de Manuel Bandeira, que também cultivou a ideia de que a simplicidade e a pureza são fontes de verdadeira beleza, a simplicidade do sorriso infantil é um lembrete de que a beleza reside nas pequenas coisas, mesmo em tempos difíceis.

8. Sonhos e Desilusões
A dualidade entre sonhos realizados e desilusões é uma reflexão sobre a vida humana. Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, também lidou com essa questão, abordando a relação entre aspirações e a dura realidade. 

9. Romantismo
O romantismo é uma constante na poesia, e a contemplação da lua é uma imagem clássica que evoca emoções profundas. Lord Byron e Mary Shelley usaram a natureza para expressar sentimentos amorosos e melancólicos.

10. Esperança e Confiança
O desejo de um futuro promissor para as crianças é um apelo à esperança em tempos difíceis. Poetas contemporâneos, como Martha Medeiros, também enfatizam a importância de cultivar a esperança em meio às adversidades, o futuro das crianças está entrelaçado com a luz que conseguimos cultivar hoje.

11. Perdão e Paz
O perdão como caminho para a paz é um conceito fundamental em muitas tradições literárias. Guilherme de Almeida e outros poetas enfatizaram a importância do perdão como um ato de amor e compreensão, somente assim podemos alcançar a paz que tanto desejamos.

12. Poesia e Renovação
A ideia de que a poesia renova sentimentos é uma reflexão sobre o poder da arte. Rainer Maria Rilke analisou a transformação que a poesia pode trazer à vida e às emoções humanas, pois a poesia é o caminho. Ela nos renova, transforma nossas dores e alegrias em algo eterno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas acima expostas são um bordado de emoções, reflexões e críticas sociais. Elas abordam a complexidade das relações humanas, a busca pela felicidade, a importância da inocência e a necessidade de esperança e perdão.

Filemon Martins, através de suas trovas, oferece uma visão profunda e sensível da vida. Seus versos são um convite à reflexão, à busca de conexões autênticas e à valorização das emoções que nos tornam humanos. Ao explorar a complexidade dos sentimentos e das relações, ele deixa um legado atemporal que continua a ressoar, inspirando novas gerações a encontrar beleza e significado em suas próprias experiências. Não apenas torna suas mensagens mais acessíveis, mas também intensifica o impacto emocional de seus versos.

Os versos contidos nas trovas, carregam um peso emocional que nos lembra que, apesar dos desafios, o amor, a esperança e a poesia são fundamentais para a nossa jornada, fazendo delas uma contribuição valiosa à literatura e à poesia.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Coelho Neto (A direção do balão)

Craveiro, da extinta e florida firma de Craveiro & Rosas (chá, cera, rapé e sementes) era homem de muita carne, de bom sangue, católico e conservador. O pai, além de haver sido um dos esteios do partido, fora na mocidade, conservador de um museu, onde diziam as más línguas, ele encontrara a excelente senhora D. Brígida, modelo de honestidade e de magreza — o que lhe sobrava em virtude escasseava em carnes. 

Até os vinte anos Craveiro Júnior, que nascera franzino, foi um mocinho amarelo e magro, muito sujeito a bronquites e a cólicas, sempre a tossir e a gemer pela casa, recatado e mole. A mãe atirava-lhe para os ombros derreados todas as lãs que encontrava, o pai obrigava-o a trazer baetas sobre a pele e D. Serafina, todas as noites, fazia-lhe uma gemada substancial com canela e cravo e punha- lhe aos pés, sob as cobertas, duas botijas com água a ferver, tanto que uma vez, estando Craveiro a dormir quando a solícita senhora lhe chegou às plantas o aquecedor, o rapaz, num assombro, saltou da cama berrando que descera ao inferno, como Orfeu, e pôs-se a esfregar os pés, agarrando ferozmente, mostrando bolhas que lhe haviam feito os ardentes ladrilhos do reino de Belzebu. Apesar de todos os cuidados Craveiro continuava a amarelecer e a definhar, sempre a tossir, mastigando pastilhas, engolindo xarope. 

Não era bonito, tinha sardas e cravos (não fosse ele Craveiro), os cabelos eram negros mas raros e a fronte ia lhe alargando com a idade, o que maravilhava o velho que, ao contemplar a vastidão daquela testa, lisa e cor de marfim que ia subindo a pique, dizia com enlevo e orgulho — que era o talento, o fogo vivo do gênio que esturrava a raiz do cabelo como as chamas, em agosto, lavrando por um cerro, consomem até às raízes as plantas que o vestem. 

Apesar da profecia do velho, o apregoado talento do rapaz era difícil, e só escorria num fio escasso, em dias de festa doméstica, arriscando à mesa um brinde trêmulo. Quando se falou em mandar Craveiro aos estudos, D. Brígida opôs-se aterrorizada aconchegando o filho aos ossos do peito: 

— Medicina, Brígida; aventurou pacatamente o velho. 

— Deus me livre! O quê? Para o pobre menino ter de estudar em defuntos e passar toda a vida à cabeceira de doentes com risco de apanhar alguma coisa!? Deus me livre! 

— Bem... engenharia, então. 

— Que engenharia, homem! Você parece maluco: para um dia cair de uma ponte ou ficar debaixo de um túnel... 

— Então... direito. 

— Nada! pode, como promotor, acusar um sujeito de maus bofes que mais tarde, queira se vingar... 

— Então, filha, só o seminário; vamos metê-lo no seminário. 

D. Brígida sorriu desvanecida, mas veio logo um suspiro contrariar o prazer: 

— Sim, padre, isso era outra coisa, mas... e os jejuns? Ele podia lá com os apertados jejuns!? Não. Olha, queres a minha opinião? Mete-o no comércio, dá-lhe sociedade na loja. Ele que venda chá, dizem que o chá ataca os nervos, mas é história, o chá é inofensivo, a cera é grata ao Senhor e as sementes são a riqueza da terra. 

— E o rapé? E as lanternas? E os fogos? 

— É verdade... Mas seu Rosas pode encarregar-se dessas coisas. Divida-se a casa em duas seções: uma para o pequeno, outra para seu Rosas. 

E assim se fez. Craveiro encarregou-se da 1ª seção e o Rosas lá foi para a dos explosivos e dos esternutatórios (que provocam espirros). 

Nos primeiros tempos a vida foi uma maçada tediosa para o mancebo. O dia todo ao balcão ou no escritório a vender círios, barrigas, pernas, chá verde, chá preto, chá padre, abóboras e fúcsias, pouco a pouco, porém, habituando-se, Craveiro deu em pandear — aos vinte e cinco anos era todo ele uma só imensa barriga — foi necessário alargar a porta do escritório para que o homem passasse. A mãe, alvoroçada, exigiu um exame médico e a ciência em lenta e minuciosa análise achou apenas toucinho. Foi uma alegria em casa. 

Um dia chovia a jorros, Craveiro bocejava no escritório com a fronte lisa sobre a mão, quando duas senhoras, acossadas pelo aguaceiro, entraram precipitadamente na loja. Era no tempo dos balões tufados, aí pelos fins da guerra. A que parecia mais velha trazia um balão de pequeno diâmetro, a outra, porém, com as goteiras que pingavam da saia, fez na casa um círculo maior que a roda maciça de um carro de bois. 

Era uma criaturinha viva, de um moreno quente e aveludado, olhos mais negros que jabuticabas maduras e com uma pequenina boca que era mesmo um botão de rosa. O colo era alto e arfava, as mãos eram finas e arrebatavam o mantelete (capa curta usada por mulheres) com um brilho rico de anéis. 

Craveiro, vendo-a, sentiu um tumulto no coração amadurecido para o amor e como as duas senhoras se conservassem de pé examinando plantas, ele compreendeu com muita sutileza que elas não queriam saber de dálias, nem de azaleias, senão de um pouco de agasalho até que a chuva estiasse, e ofereceu cadeiras. Agradeceram e sentaram-se. A mais velha acomodou o balão, a mais nova, porém, por mais que batesse, por mais que aconchegasse, não conseguiu submeter os arcos rebeldes da crinolina que ficou rebeldemente empinada e enfunada expondo à curiosidade lúbrica de Craveiro os pequeninos pés da linda morena e um palmo de meias cor de rosa que eram uma tentação, ou melhor duas tentações. 

Craveiro perdeu a cabeça e de olhos gulosamente abaixados, admirava, os caixeiros ouviam-lhe os roncos e viam-lhe o fogo das pupilas incendiadas. Felizmente chovia e os fogos lá estavam na seção pirotécnica do Rosas. Por fim a chuva serenou e as duas senhoras, com muitos sorrisos e agradecimentos saíram. 

Craveiro não se conteve, tomou, à pressa o casaco e abalou, a largas pernadas, chapinhando nas poças, escorregando no lodo, a ver a direção que tomavam os balões. 

Oh! Aquela morena! Aquelas meias cor de rosa!... Via-a ao longe, muito tufada no grande balão que bamboleava, via-a e forcejava por alcançá-la... Mas a barriga! Aquela barriga... 

Num cruzamento de ruas perdeu de vista a linda criatura. Ficou a olhar pasmado: onde se teria metido? Pôs-se a rondar o ponto em que se sumira a beleza, a olhar as casas, a tossir, a pigarrear... e nada! E ali esteve até tarde. Já escurecia quando, com o desespero na alma, o desventurado resolveu voltar ao negócio mas, ai dele! Já não era o mesmo homem calmo, sisudo, despreocupado — tornou-se frenético, deu em berrar com os caixeiros, em atirar murros à secretária e, em casa à noite, cercava-se de papéis e punha-se a riscar, a calcular e ia até à madrugada, às vezes, naquela lida, suspirando e bufando. 

O pai interpelou-o uma noite sobre aquelas vigílias que lhe comprometiam a saúde e Craveiro, sem tirar os olhos do papel respondeu secamente: “estou vendo se descubro uma coisa...”. 

De sorte que o velho, quando D. Brígida suspirava atribulada com tantas noites em claro e trabalhosas, dizia-lhe com uma ponta de orgulho: “deixa lá o rapaz, está com a sua descoberta... Eu, quando te dizia que ele devia estudar para engenheiro, tinha as minhas razões”. E Craveiro, sobre um complicado desenho que representava o cruzamento das ruas, colocava dois feijões pretos e um feijão cavalo — os feijões pretos representavam as duas aerostáticas senhoras, o feijão cavalo era ele e tanto mexia com os tais feijões que perdia a calma e acabava a pesquisa atirando formidáveis murros à mesa e, já deitado, esmagando os travesseiros, lançava ainda exclamações que atroavam a casa: “eu hei de descobrir, custe o que custar. Eu hei de descobrir”. E tanto insistiu na famosa descoberta que, um dia, foi postar-se no tal cruzamento, perguntando a todos que passavam: “o senhor (ou a senhora) não viu por aqui um balão com umas meias cor de rosa? Não sabe que direção tomou?” 

Arrancaram-no dali, à noite — estava louco. 

Os pais quiseram conservá-lo em casa, mas Craveiro berrava com tal furor que a vizinhança, alarmada, recorreu à polícia e o infeliz foi internado em um hospício. O Rosas passou a dirigir as duas seções, D. Brígida finou-se ralada de tristezas, o velho seguiu-a pouco depois, e Craveiro lá ficou no hospício calculando e engordando até que as banhas o prostraram a um canto do cubículo, pesado e inerte. 

Com os anos, porém, foi lhe desvanecendo a mania e os médicos pensavam em dar-lhe alta e teríamos cá fora o estupendo corpanzil do antigo negociante se um incidente não o comprometesse. O médico passava a visita quando, justamente diante de Craveiro, voltou-se para o farmacêutico que o acompanhava: 

— Então, hein? Temos o balão. 

Craveiro estremeceu e arregalou os olhos, maravilhado. 

— Parece que sim, doutor. 

— Onde? Bradou o louco, num rugido. 

— Onde? Em Paris. 

— Em Paris?! Um balão? Com umas meias cor de rosa? 

— Como? 

— Sim, senhor: meias cor de rosa... Acharam sempre, hein? 

— Acharam; e foi um patrício nosso, mas... que história é essa de meias cor de rosa? 

Craveiro teve um sorriso malicioso e, afagando a papada, murmurou: “É cá uma coisa, doutor. Se eu, naquele dia, tivesse descoberto a direção... Ah! Não lhe conto nada...” 

— Que direção? 

— A direção que tomou o balão; eram dois... 

— Um do Severo, disse o farmacêutico. 

— Qual Severo! Um era de uma senhora magra, já idosa, a mãe, creio. Mas o das meias!... 

— Que meias? 

— Que meias, hein? Que meias? 

Pôs-se a ranger os dentes, fechou ameaçadoramente os punhos e... foi metido em camisola de força. E agora a fúria é contra o médico porque entende o infeliz que foi ele (pobre Dr. Brochado!) quem descobriu o balão ou antes — a direção que tomou a dama que o vestia. 

E lá está.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público.