terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Estante de Livros II

Darapti - O despertar de Oto ( Marcelo Malheiros )
Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira
Oto é um jovem com um acentuado espírito filosófico que se vê envolvido em acontecimentos extraordinários após encontrar o "Grupo" em Paris, onde se submete a um treinamento especial para o desenvolvimento de sua mente e de seus poderes latentes. Quase sempre presente ao seu lado está Darapti, o pequeno ser que o acompanha desde a infância e que tem um papel importante em seu despertar para inimagináveis possibilidades. Depois que Oto e seus amigos encontram dentro de uma caverna, nas montanhas da Escócia, uma cápsula do tempo deixada por uma civilização mais desenvolvida, inicia-se uma grande perseguição para a obtenção do cristal de Argon, que contém a chave para o futuro da humanidade. A "Organização", que representa poderosos interesses, não pode deixar que as informações contidas no precioso objeto sejam reveladas.

MARCELO M. GALVEZ é natural do Rio Grande do Sul e mora atualmente em Brasília. Desde cedo se interessou por literatura e filosofia, tendo escrito, ainda quando universitário, uma novela intitulada "Outono". Em 1999 publicou o livro "A Potência do Nada - O vazio incondicionado e a infinitude do ser", no qual investiga as questões filosóficas fundamentais acerca do significado da vida humana e do sentido do universo. O autor tem como hobbies preferidos os livros e as viagens, que utiliza como fonte de inspiração de seus escritos.


Dante - O guardião da morte (Eric Novello )
Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira

Quando li DANTE me impressionei com a força dos cenários. Roma antiga, com suas ruas e estalagens surgiram na minha frente. Senti seus cheiros, os ventos súbitos, escutei os cascos dos cavalos. Vivi, junto com Ítalo Tarnapo e sua amante fenícia, o terror e a atração que o povo romano sentia pelos deuses que atravessavam o Mediterrâneo e o passar do tempo, vindos de um Egito que não estava mais lá. O livro conta a história de uma batalha única, que se desenrola sem parar desde o começo dos tempos. É a batalha entre os deuses, entre a vida e a morte, destino e livre arbítrio. E apresenta uma possibilidade inquietante de como, onde e por quê convivemos com o que nunca morre e a quem, às vezes, por comodidade, damos o nome de vampiros. São cenas, é quase um filme. E a linguagem é a nossa, como nosso são os terrores e a coragem de que precisamos todos os dias para continuar sendo nós mesmos.
Eric Novello nasceu em 1978, no Rio de Janeiro, onde exerce a profissão de farmacêutico. É poeta, escritor e futuro roteirista. Estuda a origem do mito dos vampiros há cinco anos, tendo escrito quatro artigos e diversos contos sobre o assunto. É ávido leitor e fã de história romana.

Nas esquinas da vida (Alessandro Pithon)
Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira

A vida é, realmente, a maior de todas as escolas, com sua capacidade incansável de nos ensinar algo novo a cada dia, a cada hora, a cada minuto. Seja na alegria ou na tristeza, na descontração ou na angústia, na vitória ou na derrota, na facilidade ou na dificuldade, estamos sempre diante de lições valiosas que nos fazem amadurecer e evoluir. Privilegiados são aqueles que se permitem aprender com os acontecimentos que a vida nos traz, sejam positivos ou negativos. Confortados são aqueles que compreendem que tudo aquilo que nos ocorre carrega, em sua essência, um benefício, um ensinamento. "Nas Esquinas da Vida" é um livro cativante que nos fará refletir, sonhar, acreditar, divertir, sorrir, emocionar. Em cada uma de suas páginas, as lições absorvidas do cotidiano, a descoberta dos verdadeiros e mais preciosos valores da vida.

Alessandro Krucchewsky Pithon nasceu em 28 de Novembro de 1970, na cidade de Salvador, estado da Bahia. Completou a vida escolar no colégio Instituto Social da Bahia, para depois ingressar na Universidade Federal, onde cursou três anos de Arquitetura. Durante o mesmo período trabalhou nesta área profissional. Com a necessidade de sustentar suas filhas pequenas, deixou o curso para trabalhar no ramo de marketing esportivo durante três anos. Em 1999 foi morar com a família na Fazenda Cruzeiro do Sul, cidade de Itabuna, ao sul da Bahia. Permaneceu durante quatro anos administrando a lavoura cacaueira e produzindo geléias de frutas. Foi lá que se deu início a sua vida literária e onde pôde escrever seu primeiro livro "Nas Esquinas da Vida". Atualmente, residindo novamente em Salvador, trabalha em uma das principais empresas brasileiras proprietárias de salas de cinema, a Orient Filmes, além de dar continuidade a sua vida de escritor.

Contos & Causos (Manga Filho)
Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira

"Ubirajara se sente desorientado. Não consegue entender o que está acontecendo. Em sua confusão mental emergem estranhas lembranças de sua adolescência. Estórias que ouvia de uma loira fantasma que surgia, vez por outra, ou em festas, ou na beira de estradas pedindo carona ou em banheiros de escolas. Era algo assim. Com o encanto de sua beleza conquistava homens incautos. O enredo sempre acabava da mesma forma, com o conquistado perto ou dentro de um cemitério descobrindo que a loira formosa estava morta há anos."

Manga Filho é natural de São Paulo. Trabalha no Governo do Distrito Federal e é formado em Estatística pela Universidade de Brasília. Escreve desde 1998 por insistência do irmão quadrinhista. Paulistano por nascimento Estatístico por insistência Brasiliense por acaso Escritor por teimosia

As Decisões de Faustus (Dav Freedman)

Doutor Faustus é um homem muito sábio. Professor de uma Universidade de Nova York, já leu muitos livros e está saturado de tudo o que já aprendeu. Com a morte de seu pai, uma herança agora o atormenta. Um livro. Um livro que foi passado de pai para filho, desde sua criação por um bruxo maligno. A família tinha a missão de guardar este livro, e livrar-se de seus males. Mas Faustus, embriagado pela ânsia por novos conhecimentos, e com isso poder, riqueza e admiração, abre o livro, estuda suas páginas, e finalmente recita o feitiço. Bem a sua frente surge uma criatura horrenda, um escravo do demônio. Faustus então, certo de que tinha poder sobre ela, pede que apareça com uma forma mais bonita. E então eis que surge Mephistophilis, com a forma de uma linda e sensual mulher. Dr. Faustus mais do que nunca pensa em tudo o que pode passar a ter se juntar-se a ela, e então vende sua alma para Satã, e em troca dela recebe por vinte quatro anos todo o conhecimento que desejava, e também a companhia de sua agora sensual escrava, Philis. No entanto, Dr. Faustus perde o grande amor de sua vida, Janis, perde seus amigos, perde seu coração e seus sentimentos. Uma história picante, inspirada na peça de teatro escrita por Christopher Marlowe no final do Século XVI, que transforma um tradicional mito cristão, em um sinuoso jogo de sedução.

Dav Freedman mora com sua esposa e família em Upstate, Nova Iorque. É professor de arte e teatro na Academia da Albânia. Tem sido um ativo artista, escritor e mágico por mais de vinte anos. "As Decisões de Dr. Faustus" é a primeira obra de sua autoria publicada


Akashi (Andrei Puntel)
Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira

Investigando uma série de mortes suspeitas na alta sociedade européia, a jornalista Julie Paget vem à procura de uma testemunha chave refugiada em um paraíso tropical no Brasil.Quando chega, descobre que sua fonte também sofreu uma morte tão inexplicada e inquietante quanto as que investigava. No desenrolar dos fatos, conhece um grupo de pessoas que irá mudar sua vida e o seu conceito de realidade, apresentando-a a uma verdade muito mais complexa e excitante do que ela poderia imaginar existir. Suas armas: Conhecimento milenar, coragem e ousadia. Seu objetivo: confrontar um mito.

Andrei Puntel, 34 anos, é engenheiro e consultor de empresas. Por sua formação científica, acredita que uma visão lógica e coerente pode ser aplicada no estudo das diversas ciências não oficiais que, silenciosa e insistentemente, fazem parte do inconsciente coletivo do Homem. Participando, desde os dezoito anos de diversos grupos, do Brasil e do exterior, voltados para o estudo dessas ciências, utiliza em seus livros diversos elementos vindos da gnose, alquimia, filosofia oculta e outras correntes, procurando oferecer aos leitores conhecimento útil e surpreendente através de uma trama ágil e cativante.

Fonte:
http://www.novoseculo.com.br/

Decálogo do Leitor (Alberto Mussa)

I - Nunca leia por hábito: um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício, leia por dependência química. A literatura é a possibilidade de viver vidas múltiplas, em algumas horas. E tem até finalidades práticas: amplia a compreensão do mundo, permite a aquisição de conhecimentos objetivos, aprimora a capacidade de expressão, reduz os batimentos cardíacos, diminui a ansiedade, aumenta a libido. Mas é essencialmente lúdica, é essencialmente inútil, como devem ser as coisas que nos dão prazer.

II - Comece a ler desde cedo, se puder. Ou pelo menos comece. E pelos clássicos, pelos consensuais. Serão cinqüenta, serão cem. Não devem faltar As mil e uma noites, Dostoiévski, Thomas Mann, Balzac, Adonias, Conrad, Jorge de Lima, Poe, García Márquez, Cervantes, Alencar, Camões, Dumas, Dante, Shakespeare, Wassermann, Melville, Flaubert, Graciliano, Borges, Tchekhov, Sófocles, Machado, Schnitzler, Carpentier, Calvino, Rosa, Eça, Perec, Roa Bastos, Onetti, Boccaccio, Jorge Amado, Benedetti, Pessoa, Kafka, Bioy Casares, Asturias, Callado,Rulfo, Nelson Rodrigues, Lorca, Homero, Lima Barreto, Cortázar, Goethe, Voltaire, Emily Brontë, Sade, Arregui, Verissimo, Bowles, Faulkner, Maupassant, Tolstói, Proust, Autran Dourado, Hugo, Zweig, Saer, Kadaré, Márai, Henry James, Castro Alves.

III - Nunca leia sem dicionário. Se estiver lendo deitado, ou num ônibus, ou na praia, ou em qualquer outra situação imprópria, anote as palavras que você não conhece, para consultar depois. Elas nunca são escritas por acaso.

IV - Perca menos tempo diante do computador, da televisão, dos jornais e crie um sistema de leitura, estabeleça metas. Se puder ler um livro por mês, dos 16 aos 75 anos, terá lido 720 livros. Se, no mês das férias, em vez de um, puder ler quatro, chegará nos 900. Com dois por mês, serão 1.440. À razão de um por semana, alcançará 3.120. Com a média ideal de três por semana, serão 9.360. Serão apenas 9.360. É importante escolher bem o que você vai ler.

V - Faça do livro um objeto pessoal, um objeto íntimo. Escreva nele; assinale as frases marcantes, as passagens que o emocionam. Também é importante criticar o autor, apontar falhas e inverossimilhanças. Anote telefones e endereços de pessoas proibidas, faça cálculos nas inúteis páginas finais. O livro é o mais interativo dos objetos. Você pode avançar e recuar, folheando, com mais comodidade e rapidez que mexendo em teclados ou cursores de tela. O livro vai com você ao banheiro e à cama. Vai com você de metrô, de ônibus, e de táxi. Vai com você para outros países. Há apenas duas regras básicas: use lápis; e não empreste.

VI - Não se deixe dominar pelo complexo de vira-lata. Leia muito, leia sempre a literatura brasileira. Ela está entre as grandes. Temos o maior escritor do século XIX, que foi Machado de Assis; e um dos cinco maiores do século XX, que foram Borges, Perec, Kafka, Bioy Casares e Guimarães Rosa. Temos um dos quatro maiores épicos ocidentais, que foram Homero, Dante, Camões e Jorge de Lima. E temos um dos três maiores dramaturgos de todos os tempos, que foram Sófocles, Shakespeare e Nelson Rodrigues.

VII - Na natureza, são as espécies muito adaptadas ao próprio hábitat que tendem mais rapidamente à extinção. Prefira a literatura brasileira, mas faça viagens regulares. Das letras européias e da América do Norte vem a maioria dos nossos grandes mestres. A literatura hispano-americana é simplesmente indispensável. Particularmente os argentinos. Mas busque também o diferente: há grandezas literárias na África e na Ásia. Impossível desconhecer Angola, Moçambique e Cabo Verde. Volte também ao passado: à Idade Média, ao mundo árabe, aos clássicos gregos e latinos. E não esqueça o Oriente; não esqueça que literatura nenhuma se compara às da Índia e às da China. E chegue, finalmente, às mitologias dos povos ágrafos, mergulhe na poesia selvagem. São eles que estão na origem disso tudo; é por causa deles que estamos aqui.

VIII - Tente evitar a repetição dos mesmos gêneros, dos mesmos temas, dos mesmos estilos, dos mesmos autores. A grande literatura está espalhada por romances, contos, crônicas, poemas e peças de teatro. Nenhum gênero é, em tese, superior a outro. Não se preocupe, aliás, com o conceito de gênero: história, filosofia, etnologia, memórias, viagens, reportagem, divulgação científica, auto-ajuda – tudo isso pode ser literatura. Um bom livro tem de ser inteligente, bem escrito e capaz de provocar alguma espécie de emoção.

IX - A vida tem outras coisas muito boas. Por isso, não tenha pena de abandonar pelo meio os livros desinteressantes. O leitor experiente desenvolve a capacidade de perceber logo, em no máximo 30 páginas, se um livro será bom ou mau. Só não diga que um livro é ruim antes de ler pelo menos algumas linhas: nada pode ser tão estúpido quanto o preconceito.

X - Forme seu próprio cânone. Se não gostar de um clássico, não se sinta menos inteligente. Não se intimide quando um especialista diz que determinado autor é um gênio, e que o livro do gênio é historicamente fundamental. O fato de uma obra ser ou não importante é problema que tange a críticos; talvez a escritores. Não leve nenhum deles a sério; não leve a literatura a sério; não leve a vida a sério. E faça o seu próprio decálogo: neste momento, você será um leitor.

Fonte:
Alberto Mussa . Decalógo do leitor
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/decalogo_do_leitor.html

Decálogo do Autor (Miguel Sanches Neto)

Depois de leitor, você pode se tornar, então, escritor– embora, pasme, muitos hoje pulem a leitura, por julgá-la dispensável, e já desejem publicar

I - Não fique mandando seus originais para todo mundo.Acontece que você escreve para ser lido extramuros, e deseja testar sua obra num terreno mais neutro. E não quer ficar a vida inteira escrevendo apenas para uma pessoa. O que fazer então para não virar um chato? No passado, eu aconselharia mandar os textos para jornais e revistas literárias, foi o que eu fiz quando era um iniciante bem iniciante. Mas os jovens agora têm uma arma mais democrática. Publicar na internet. Há muitos espaços coletivos, uma liberdade de inclusão de textos novos e você ainda pode criar seu próprio site ou blog, mas cuidado para não incomodar as pessoas, enviando mensagens e avisos para que leiam você.

II - Publique seus textos em sites e blogs e deixe que sigam o rumo deles. Depois de um tempo publicando eletronicamente, você vai encontrar alguns leitores. Terá de ler os textos deles, e dar opiniões e fazer sugestões, mas também receberá muitas dicas.

III - Leia os contemporâneos, até para saber onde é o seu lugar. Existe um batalhão de internautas ávidos por leitura e em alguns casos você atingirá o alvo e terá acontecido a magia de um texto encontrar a pessoa que o justifica. Mas todo texto escrito na internet sonha um dia virar livro. Sites e blogs são etapas, exercícios de aquecimento. Só o livro impresso dá status autoral. O que fazer quando eu tiver mais de dois gigas de textos literários? Está na hora de publicar um livro maior do que Em busca do tempo perdido? Bem, é nesse momento que você pode continuar sendo um escritor iniciante comum ou subir à categoria de iniciante com experiência. Você terá que reduzir essas centenas e centenas de páginas a um formato razoável, que não tome muito tempo de leitura de quem, eventualmente, se interessar por um livro de estréia. Para isso,
você terá de ser impiedoso, esquecer os elogios da mulher e dos amigos e selecionar seu produto, trabalhando duro para que fique sempre melhor.

IV - Considere apenas uma pequenina parte de toda a sua produção inicial, e invista na revisão dela, sabendo que revisar é cortar. O livro está pronto. Não tem mais do que 200 páginas, você dedicou anos a ele e ainda continua um iniciante. Mas um iniciante responsável, pois não mandou logo imprimir suas obras completas com não sei quantos tomos, logo você que talvez nem tenha completado 30 anos. Mas você quer fazer circular a sua literatura de maneira mais formal. Quer o livro impresso. E isso é hoje muito fácil. Você conhece um amigo que conhece uma gráfica digital que faz pequenas tiragens e parcela em tantas vezes. O livro está pronto. E anda sobrando um dinheirinho, é só economizar na cerveja.

V - Gaste todo seu dinheiro extra em cerveja, viagens, restaurantes e não pague a publicação do próprio livro. Se você fizer isso, ficará novamente ansioso para mandar a todo mundo o volume, esperando opiniões que vão comparar o seu trabalho ao dos mestres. O livro impresso, mesmo quando auto-impresso, dá esta sensação de poder. Somos enfim Autores. E podemos montar frases assim: Borges e eu valorizamos o universal. Do ponto de vista técnico, Borges e eu estamos no mesmo nível: produzimos obras impressas; mas a comparação não vai adiante. Então como publicar o primeiro livro se não conhecemos ninguém nas editoras? E aí começa um outro problema: procurar pessoas bem postas em editoras e solicitar apresentações. Na maioria das vezes isso não funciona. E, mesmo quando o livro é publicado, ele não acontece, pois foi um movimento artificial.

VI - Nunca peça a ninguém para indicar o seu livro a uma editora. Se por acaso um amigo conhece e gosta de seu trabalho, ele vai fazer isso naturalmente, com alguma chance de sucesso. Tente fazer tudo sozinho, como se não tivesse ninguém mais para ajudar você do que o seu próprio livro. Sim, este livro em que você colocou todas as suas fichas. E como você só pode contar com ele...

VII - Mande seu livro a todos os concursos possíveis e a editoras bem escolhidas, pois cada uma tem seu perfil editorial. É melhor gastar seu dinheiro com selos e fotocópias do que com a impressão de uma obra que não será distribuída e que terá de ser enviada a quem não a solicitou. Enquanto isso, dedique-se a atividades afins para controlar a ansiedade, porque essas coisas de literatura demoram, demoram muito mesmo. Você pode traduzir textos literários para consumo próprio ou para jornais e revistas, pode fazer resenhas de obras marcantes, ler os clássicos ou simplesmente manter um diário íntimo. O importante é se ocupar. Com sorte e tendo o livro alguma qualidade além de ter custado tanto esforço, ele acaba publicado. Até o meu terminou publicado, e foi quando me tornei um iniciante adulto. Tinha um livro de ficção no catálogo de uma grande editora. E aí tive de aprender outras coisas. Há centenas de livros de iniciantes chegando aos jornais e revistas para resenhas e uma quantidade muito maior de títulos consagrados. E a maioria vai ficar sem espaço nos jornais. E é natural que os exemplares distribuídos para a imprensa acabem nos sebos, pois não há resenhistas para tantas obras.

VIII - Não force os amigos e conhecidos a escrever sobre seu livro. Não quer dizer que eles não possam escrever, podem sim, mas mande o livro e, se eles não acusarem recebimento ou não comentarem mais o assunto, esqueça e não lhes queira mal, eles são nossos amigos mesmo não gostando do que escrevemos. Se um ou outro amigo escrever sobre o livro, festeje mesmo se ele não entender nada ou valorizar coisas que não julgamos relevantes em nosso trabalho. E mande umas palavras de agradecimento, pois você teve enfim uma apreciação. E se um amigo escrever mal de nosso livro, justamente dessa obra que nos custou tanto? Se for um desconhecido, ainda vá lá, mas um amigo, aquele amigo para quem você fez isso e aquilo.

IX - Nunca passe recibo às críticas negativas. Ao publicar você se torna uma pessoa pública. E deve absorver todas as opiniões, inclusive os elogios equivocados. Deixe que as opiniões se formem em torno de seu trabalho, e talvez a verdade suplante os equívocos, principalmente se a verdade for que nosso trabalho não é lá essas coisas. O livro está publicado, você já pensa no próximo, saíram algumas resenhas, umas superficiais, outras negativas, uma muito correta. Você é então um iniciante com um currículo mínimo. Daí você recebe a prestação de contas da editora, dizendo que, no primeiro trimestre, as devoluções foram maiores do que as vendas. Como isso é possível? Vejam quantos livros a editora mandou de cortesia. Eu não posso ter vendido apenas 238 exemplares se, só no lançamento, vendi 100, o gerente da livraria até elogiou – enfim uma vantagem de ter família grande.

X - Evite reclamar de sua editora. Uma editora não existe para reverenciar nosso talento a toda hora. É uma empresa que busca o lucro, que tem dezenas de autores iguais a nós e que quer ter lucro com nosso livro, sendo a primeira prejudicada quando ele não vende. Não precisamos dizer que é a melhor editora do mundo só porque nos editou, mas é bom pensar que ocorreu uma aposta conjunta e que não se alcançou o resultado esperado. Mas que há oportunidades para outras apostas e, um dia, quem sabe...Foi tentando seguir estas regras que consegui ser o autor iniciante que hoje eu sou.

Fonte:
Miguel Sanches Neto. Decálogo do autor
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/decalogo_do_autor.html

Decálogo do Crítico (Michel Laub)

Ler por obrigação, ganhar pouco, ser odiado por autores criticados ou ignorados por você. Ante tantos dissabores, saiba para que serve, afinal, fazer crítica literária

I - Um bom começo pode ser a leitura de O imperador do vinho, de Elin McCoy, a biografia do americano Robert Parker. Trata-se da figura mais polêmica do universo milionário da enologia. Uma nota alta na The Wine Advocate, sua newsletter, é capaz de enriquecer um fabricante; uma nota baixa pode significar a falência. O olfato de Parker é segurado em cerca de US$ 1 milhão. Ao longo dos anos, percebeu-se que ele gostava de vinhos frutados. Muitas propriedades, até algumas tradicionais da França, passaram a chamar especialistas para estudar o solo, mudar a forma do plantio e da colheita, tudo para colher uvas que originassem vinhos adequados a esse gosto.

II - Saiba que esse talvez seja o exemplo máximo de crítico bem-sucedido no mundo de hoje – rico de fato, influente de fato, uma presença de fato essencial em seu meio. Quase todos os outros profissionais da categoria, trabalhem eles com música, cinema, gastronomia, televisão ou concursos de beleza, estão bem mais próximos da figura descrita por George Orwell em Confissões de um resenhista: “Trinta e cinco anos, mas aparenta cinqüenta(...) [trabalha num] conjugado frio, mas abafado (...). Dos milhares de livros que aparecem todo ano, é quase certo que existam 50 ou 100 sobre os quais teria prazer em escrever. Se for de primeira categoria na profissão, pode conseguir dez ou vinte. É mais provável que consiga dois ou três”.

III - Ou seja, prepare-se para uma atividade enfadonha e mal-remunerada. Você lerá só por obrigação. Nunca mais irá atrás de um livro indicado por um amigo. Nunca mais fechará um livro com a sensação de que, para o bem ou para o mal, não há nada a dizer sobre ele. Porque sempre haverá o que dizer. Se não houver, as contas não são pagas.

IV - Não se preocupe, porém. Há muitos truques para encher essas páginas em branco. Se você quer desancar um livro e não sabe como, recorra a alguns adjetivos algo abstratos em se tratando de literatura, mas ainda assim úteis numa resenha. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora suficientemente os conflitos de sua obra. Afinal, explorar conflitos é uma tarefa que não tem fim, e há um momento em que todo autor, por mais extrovertido que seja, precisa parar. Outros chavões sempre à mão: excesso de objetividade,excesso de subjetivismo, excesso de frieza, excesso de dramaticidade. A categoria das “idéias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original, também ajuda bastante. Um romance correto, instigante e envolvente pode ser atacado por reproduzir um modelo “burguês” de contar histórias, incompatível com o nosso tempo. Um romance sem essas características pode ser destruído, justamente, por ser mal-escrito e não envolver o leitor.

V - Para o caso contrário, isto é, se você quer elogiar um livro que acha ruim – o das linhas finais do item IV, por exemplo –, há dois recursos clássicos: a) em relação à prosa desagradável, escatológica e/ou ilegível, diga que ela reproduz o incômodo e a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo; b) em relação à trama caótica e fragmentária, quando não se entende o que é início, o que é fim e do que é mesmo que estamos falando, afirme que a maçaroca reproduz, como uma “metáfora estrutural”, o caos fragmentário da sociedade pós-industrial.

VI - Usando desses truques, você está pronto para fazer nome devido à afinação com o vocabulário crítico de sua época. Mas se, por um desses acasos raros, você está decidido a realmente dizer o que pensa, há também dois caminhos a seguir. O primeiro é confiar cegamente nos seus juízos pessoais, não temendo a exposição de seus preconceitos íntimos em público. Assim, você terá mais chances de ser considerado um sujeito ranheta, excêntrico e/ou pervertido.

VII - O segundo caminho é considerar-se portavoz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo obras que não são do seu agrado (por questões sociológicas, por exemplo). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade para não se considerar o juiz definitivo sobre o que é ou não relevante em termos estéticos –, há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem, sem graça.

VIII - Independentemente de sua escolha, é inevitável que você seja desprezado. Todos dirão que seu desejo secreto era ser ficcionista ou poeta, que você é leviano demais, complacente demais, que tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da universidade, arrumar um(a) namorado(a) – ou está a soldo de alguma entidade obscura – grupos literários rivais, editores, maçons, seitas religiosas, partidos políticos de esquerda (se você escrever numa pequena publicação) ou de direita (se receber salário de alguma corporação de mídia).

IX - Mais que isso: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que você ignora. Pelos autores que você elogia (os motivos serão sempre os errados, na opinião deles). Pelos outros críticos. Por boa parte do público, mesmo por aquele que o lê com freqüência.

X - Mas se, apesar de tudo isso, você ainda insiste em abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Quando criança, usando o olfato, Robert Parker era capaz de listar todos os ingredientes dos pratos que estavam sendo cozinhados na vizinhança, habilidade que o tornaria um campeão absoluto dos “testes cegos” de identificação de uvas e safras. Isso se chama vocação. É o seu caso? Você se sente preparado para conjugar erudição e capacidade interpretativa em tamanha escala? Sendo a resposta afirmativa, trata-se de uma ótima notícia. Não só para você, que talvez tenha achado um modo honesto de ganhar a vida, mas para o próprio meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje ou em qualquer tempo: alguém que o ajude a firmar tendências, corrigir rumos, separar o joio do trigo. Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.


Fonte
Michel Laub. Decálogo do crítico
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/decalogo_do_critico.html

Viagens Insólitas (Ulisses Capozzoli)

Se você quer embarcar no universo da ficção científica, mas ainda não encontrou a porta de entrada, aqui vai uma sugestão: comece por obras e autores mais conhecidos e logo se dará conta da infinidade de escolhas que tem pela frente.

Talvez a descoberta que você esteja para fazer é que não bastam as sugestões e recomendações de resenhas literárias. Isso faz com que muitas das listas feitas por escritores e críticos – quanto ao que supostamente existe de melhor – não passem de referência. Úteis, é verdade, mas nenhum guia de campo é capaz de substituir a descoberta pessoal.

As seções de ficção científica em livrarias de países como os Estados Unidos e a França, para citar dois exemplos, são a demonstração mais demolidora do descompasso brasileiro nesse segmento que Ray Bradbury, com certa irreverência, classificou de corrente principal, em vez de mero tributário, no rio largo da literatura.

O crítico Fausto Cunha, também autor – certamente você encontrará As noites marcianas em um sebo –, foi dos mais empenhados na consolidação da ficção científica no Brasil, mas sua morte interrompeu essa tarefa que continua aquém das nossas necessidades, mesmo com alguma ampliação, mais recentemente.

Cunha escreveu, numa longa introdução a No mundo da ficção científica (Summus), de L. David Allen – “A ficção científica no Brasil, um planeta quase desabitado” – que esse filão, “a exemplo da ficção policial e de mistério, é um gênero tipicamente anglo-americano. Quem percorre catálogos, revistas e livrarias observa que os autores americanos e ingleses respondem por 90% ou mais da produção publicada nessas áreas”.

Pelo menos dois trabalhos recentes sugerem alguma ampliação da ficção científica no Brasil. Um deles é Ficção científica, fantasia e horror no Brasil – 1875/1950 (Editora UFMG), projeto de iniciação científica posteriormente publicado como livro por Roberto de Sousa Causo, em 2003. Significativo também é que a iniciação científica tenha sido custeada com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coisa que nem o beneficiado por ela acreditava possível. Causo diz que um desses pareceristas anônimos, capazes de romper com certo tradicionalismo do que pode e deve ser beneficiado com recursos públicos, foi fundamental para a concessão da bolsa que resultou no livro.

Outra abordagem foi feita pela pesquisadora americana Elizabeth Ginway, Ficção científica brasileira: mitos culturais e nacionalidades no país do futuro, e publicada aqui pela Editora Devir este ano. Ao contrário de Causo – também o tradutor de Ginway para o português –, ela se restringe aos últimos 60 anos, cobrindo o que ficou conhecido como “Geração GRD”, formada pelo grupo estimulado pelo editor Gumercindo Rocha Dórea, que publicou também As noites marcianas, de Fausto Cunha.

Evidentemente, todo o levantamento feito tanto por Fausto Cunha quanto por Roberto Causo e Elizabeth Ginway mereceria considerações. Mas como a intenção, aqui, é sugerir algumas indicações iniciais, melhor passarmos rapidamente a elas. Para começar é preciso dizer que mesmo os mais desinteressados leitores de ficção científica conhecem Arthur Charles Clarke, autor do conto “A sentinela”, que deu origem ao clássico 2001, uma odisséia no espaço, levado para o cinema sob direção de Stanley Kubrick.

O que ler de Arthur Clarke? Esse é o primeiro desafio em se tratando de um autor tão prolífico. De qualquer maneira, ao menos uma obra pode ser estimulante: A sonda do tempo, uma coletânea de contos que ele próprio organizou e de que participa com “Respire fundo”. Essa reunião do que Arthur Clarke considera o melhor da ficção científica mundial foi lançada no Brasil pela Nova Fronteira em 1983. Tem a vantagem de permitir não só um primeiro contato direto com Arthur Clarke como provar a nata da ficção científica internacional, caso de Robert A. Heinlein, Murray Leinster, Theodore L. Thomas, Robert Silverberg, James H. Schmitz, Cyril Kornbluth, Philip Latham, Jack Vance, Julien Huxley e o conhecidís¬simo Isaac Asimov, sem dúvida o mais produtivo de todos.

Por essa lista é possível concordar com Fausto Cunha sobre o fato de a ficção científica ser, na realidade, um gênero tipicamente anglo-americano, ainda que o primeiro escritor desse gênero tenha sido um francês, Júlio Verne, autor de Viagem ao redor da Lua.

Na coletânea de Arthur Clarke, atente especialmente para dois contos: “Meteorologia”, de Theodore L. Thomas, e “Cibernética”, de Murray Leinster. Thomas, nada conhecido por aqui, é um bem-sucedido químico e advogado de patentes que já escreveu sob o pseudônimo de Leo¬nard Lockhard. Murray Leinster, pseudônimo de Will F. Jenkins, tem vários títulos publicados no Brasil desde 1917.

Na antologia de Arthur Clarke, surpreendentemente, não aparece Philip K. Dick. O fato é que Philip K. Dick é absolutamente imprescindível e só ele renderia um volume completo de considerações. No total, escreveu pelo menos 44 romances – 36 deles de ficção científica – 121 contos e uma biografia. Foi precursor do gênero cyberpunk que funde rock, quadrinhos, prosa pós-moderna e narrativa policial, tudo isso misturado a temas científicos. Certamente sua obra mais conhecida é Do androids dream of electric sheep? (traduzido no Brasil como O caçador de andróides), levado para o cinema como Blade Runner – O caçador de andróides, com direção de Ridley Scott.

Philip K. Dick, que teve vida difícil, envolvido com drogas quase todo o tempo, é uma metáfora do presente projetada no futuro. Blade runner discute não apenas a emergência dos clones, os “replicantes”, como sua humanidade. São criações que emergiram na fronteira da ciência e dividem opiniões de filósofos como Jürgen Habermas, um dos mais importantes do pós-guerra, cientistas e bioéticos. Dick é a prova clara da ficção científica como história possível do futuro, em oposição à idéia, no mínimo desinformada, de uma literatura de segunda categoria.

Descobrir a ficção científica pelo universo de Philip K. Dick é um privilégio, mesmo com certo custo emocional. Suas incursões não são exatamente a demonstração de fé no futuro. O homem do castelo alto, de leitura absolutamente imperdível, por muitas e diferentes razões, foi reeditado no ano passado pela Aleph, que este ano publicou Valis. Já a Rocco lançou, também este ano, O homem duplo. E é possível encontrar em sebos o pouco conhecido A identidade perdida numa edição não muito boa, feita pela Brasiliense, em 1986.

Outra ausência na coletânea de Arthur Clarke é Ray Bradbury. Se você ler a introdução de A sonda do tempo, um texto saboroso e tão interessante quanto outros escritos de Clarke, talvez entenda por que isso aconteceu. De qualquer maneira, Bradbury é outro autor imprescindível. Sua obra mais conhecida certamente é o belo Os frutos dourados do Sol e publicado pela Francisco Alves. Sua leitura é o bastante para demonstrar a amplitude da ficção científica, pois essa é uma obra quase lírica, sem cientificismos e futurismos que caracterizam boa parte da produção do gênero.

Talvez valha a pena dizer que Bradbury, que também transita pelo policial, é um autor que oscila se comparado, digamos, a Philip K. Dick ou ao próprio Clarke. Sua obra mais recente publicada aqui, Algo sinistro vem por aí, que saiu no ano passado pela Bertrand Brasil, não atinge, por exemplo, a qualidade de Os frutos dourados do Sol.

Isaac Asimov (1920-1992), que participa de A sonda do tempo com “Não é a última palavra...!”, é fundamental em qualquer menção à ficção científica. Asimov ficou famoso por muitas de suas obras, especialmente por Três leis da robótica ou pela série Nós robôs. Ao lado de Arthur Clarke e Robert Heinlein, integra o que já foi chamado de “grande trio” de sua geração. Asimov escreveu nada menos que 500 livros incluindo textos de divulgação científica.

De todos os escritores de ficção científica, talvez Asimov seja o mais conhecido, tanto no Brasil quanto no exterior, certamente por sua alta produtividade e por ter escrito sobre questões básicas de ciência, tirando partido de sua formação em bioquímica. Em 1984, a Francisco Alves publicou o seu No mundo da ficção científica, um verdadeiro manual sobre esse gênero. Ao longo de 415 páginas, Asimov conta toda a trajetória da ficção científica e dá boas sugestões de como se tornar um autor nessa área.

Asimov também apresentou sua seleção de autores em O melhor da ficção científica do século XIX, que saiu em 1988 pela Melhoramentos. Aí estão todos os clássicos para um interessado nas raízes da ficção científica, o que inclui de Mary Shelley, a autora de Frankenstein, a Edgar Allan Poe e até um inesperado Jack London, com o conto “Mil mortes”.

Evidentemente, um texto sobre ficção científica deveria falar mais detalhadamente de autores como Robert Heinlein e, pelo menos, de sua obra mais conhecida, Um estranho numa terra estranha. Heinlein é um autor confessadamente influenciado por predecessores como H. G. Wells, autor de A máquina do tempo, e Edgard Rice Burroughs, o criador de Tarzan que deixou discípulos como Larry Niven – a quem Arthur Clarke considerava seu escritor favorito – e o ensaísta e jornalista Jerry Pournelle, na geração que o sucedeu. Um estranho numa terra estranha está disponível numa edição brasileira pela Record.

Um pequeno crime não falar de Stanislaw Lem, especialmente de Solaris. Outro clássico que chega agora às livrarias é Viagem à Lua, de Cyrano de Bergerac, pela Globo. Bergerac – que acrescentou esse sobrenome posteriormente – remete a uma linhagem de autores envolvidos com viagens lunares, caso de Luciano de Samósata, o primeiro deles, sem falar do físico-matemático alemão Johannes Kepler, que escreveu Sonho ou astronomia da Lua, publicado em 1634, e mesmo Júlio Verne com Da Terra à Lua e Viagem ao redor da Lua, publicado em capítulos pelo Journal des Débats a partir de 1865.

OS PIONEIROS
Viagem à Lua Cyrano de Bergerac
Viagem ao redor da Lua Júlio Verne
A máquina do tempo H. G. Wells
A guerra dos mundos H. G. Wells
Frankenstein Mary Shelley

OS CONTEMPORÂNEOS
A sonda do tempo org. Arthur Clarke
Nós robôs Arthur Clarke
O homem do castelo alto Philip K. Dick
O caçador de andróides Philip K. Dick
Os frutos dourados do Sol Ray Bradbury
Um estranho numa terra estranha Robert Heinlein

Fonte
Ulisses Capozzoli . Viagens insólitas .
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/viagens_insolitas.html

Lugares Imaginários ( Denise Mota)


De Pasárgada a Shangri-la, dez mundos que existem só na literatura. O pernambucano Manuel Bandeira no poema “Vou-me embora pra Pasárgada” apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente

Manuel Bandeira nunca foi agente de turismo, mas propagandeou como poucos, um dos destinos mais conhecidos dos brasileiros: Pasárgada, paraíso detectado somente pelos radares da imaginação e onde a felicidade está à espera. Como ela, inúmeras outras terras compõem o extenso mapa de lugares criados pela literatura, latitudes de uma geografia inabalada por acordos ou guerras, incólume e infalivelmente mutante a cada olhar.

No poema “Vou-me embora pra Pasárgada” (publicado em Libertinagem), o pernambucano apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente, e onde mulheres bonitas, livres e dispostas oferecem prazeres infinitos. Pasárgada, a real, foi uma cidade da antiga Pérsia e surgiu sob os olhos de Bandeira durante uma leitura de Xenofonte.

Se os vapores do Oriente são nada mais que envoltório para o delirante mundo do modernista, eles inundam a Shangri-La de James Hilton, criação tão indelével que se transformou em substantivo de uso cotidiano. Em Horizonte perdido, o inglês desvela uma comunidade encravada no Tibete, em que a saúde e a longevidade não são privilégios, mas marca de todos os habitantes. Nesse recanto para poucos eleitos – e de onde não se pode sair –, os homens compartilham a abundância, regidos pela moderação e pela bondade.

Com encantos ainda mais extraordinários, a Terra Média de J. R. R. Tolkien é constituída de sabedoria e de sombras. Ao longo de diversas eras, homens, elfos, anões e hobbits combatem malignas criaturas que buscam o domínio de todos os seres.

De seres míticos se recobre igualmente a Atlântida, continente tragado pelas águas que emergiu pela primeira vez em Timeu e Crítias, de Platão, para ser depois visitado reiteradas vezes pela literatura universal. A avançada e poderosa civilização dos imensos atlantes teria sido destruída pelos deuses em conseqüência de sua corrupção.

Em contraste com os gigantes no fundo do mar, as diminutas criaturas de Lilipute são quem habita o país mais popular da obra de Jonathan Swift, Viagens de Gulliver. Na fábula, crítica à sociedade de seu tempo, o irlandês relata como um médico se depara, entre estranhas nações, com essa terra de excelentes matemáticos, homens altivos a despeito da insignificante altura.

Devoção ao conhecimento também é o que se exige dos que pretendem cruzar os portais de Tlön, cujos indícios se escondem em uma enciclopédia. Erguida pela mente de Jorge Luis Borges, em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” (conto presente em Ficções), essa sociedade de intelectuais termina por homogeneizar e subjugar os homens.

A espécie humana tal qual a conhecemos tampouco se encaixa na Terra do Nunca, onde a infância é lei. Há 105 anos é para lá que voa Peter Pan, desde que J. M. Barrie criou esse ser que nunca envelhece. Ainda mais antigo, outro clássico infantil, Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, descortina um universo cujo mestre-de-cerimônias é um coelho estressado e arrogante. Lá, um gato sorri sem parar e uma lagarta fuma narguilé tranqüilamente, mesmo sob o jugo de uma rainha obcecada por cortar cabeças.

Se em Alice há quem enxergue uma alegoria dos dilemas da adolescência, com a garota que se vê todo o tempo minúscula e imensa, temas mais espinhosos, como a perda da liberdade de expressão, não só permeiam como por vezes estão na razão de ser de Alefbey, criado por Salman Rushdie em Haroun e o mar de histórias. Aí está a mais triste das cidades, pátria de uma criança e de seu pai, contador de histórias que, após o abandono pela mulher, perde a capacidade narrativa.

Por fim, este périplo não poderia terminar em outra parada que não Macondo, a remota cidade de Cem anos de solidão, obra-prima de Gabriel García Márquez. Erguida em meio a charcos, serras e pantanais, de tão familiar talvez seja a mais fantasticamente real de todas as paragens que visitamos até aqui, com sua superpopulação de superstições e enigmas, misérias, maravilhas e esquecimentos.

Os dez livros
- Libertinagem & Estrela da manhã, de Manuel Bandeira
- O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien
- Horizonte perdido, de James Hilton
- Timeu e Crítias ou a Atlântida, de Platão,
- Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
- Ficções, de Jorge Luis Borges
- Peter Pan, de James M. Barrie
- Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll
- Haroun e o mar de histórias, de Salman Rushdie
- Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez

Fonte: Denise Mota. Lugares Imaginários.
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/lugares_imaginarios.html

Caminhos da Ficção da África Portuguesa (Rita Chaves e Tânia Macedo)

Nomes como Mia Couto, José Luandino Vieira e Pepetela despontam na literatura dos países colonizados pelos portugueses. No uso da língua, os escritores reafirmam a diversidade. Nas tramas dos livros, combinam história recente e mitos do passado mais antigo. Em muitos casos, prevalece o olhar irônico por Rita Chaves e Tânia Macedo

Que lugar pode ocupar a literatura num continente devastado pela miséria, pelo analfabetismo, pelos conflitos armados, pela precariedade da vida? Se nos deixamos levar pela lógica das estatísticas, temos de assinalar que, de fato, a atividade literária na África não supera a marca do traço. Porém, segundo Mia Couto, um de seus mais prestigiados escritores, essa duríssima realidade não pode ser vista como um impedimento para o lugar do sonho que a literatura também pode abrigar. Aos escritores, cabe, portanto, encarar como um desafio o ato de escrever num quadro atravessado por tão duras contradições.

Em se tratando dos países colonizados por Portugal, a situação é verdadeiramente complicada. A inconsistência do projeto de colonização, o próprio atraso da metrópole e o prolongamento da empresa colonial estão na origem das difíceis condições de vida em Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Nos anos 70, quando o colonialismo lusitano foi interrompido pela vitória das lutas de libertação, encontravam-se as populações africanas mais distantes dos padrões ocidentais no que refere ao domínio da ciência e da tecnologia do que quando ele ali se instalou. As elevadíssimas taxas de analfabetismo eram apenas um dos reflexos do completo fiasco da “missão civilizadora”. Com exceção de Cabo Verde, que apresentava um quadro educacional menos constrangedor, os territórios ocupados caracterizavam-se por baixíssimos índices de escolaridade. A pluralidade lingüística, que poderia ser vista como sintoma da riqueza cultural, tornava mais complexa a situação dos países.

Moçambique, por exemplo, contava mais de duas dezenas de línguas. Reconhecendo a incomunicabilidade entre os vários segmentos que passaram a ser parte de um território comum como um dos mais cruéis legados do sistema colonial, os escritores enxergaram no exercício literário a possibilidade de reforçar um patrimônio comum que a história, mesmo à revelia, havia criado. O reforço dessa convergência seria uma estratégia importante para a libertação. A atividade literária converteu-se desde muito cedo em ato de resistência e um problema que logo se colocou foi o da escolha da língua em que se realizaria o projeto de integração que a literatura chamava para si.

Não acreditando noutras hipóteses, os escritores, sem ignorar a dimensão do problema, assumiram o português como um instrumento a ser utilizado a seu favor. A nacionalização da língua trazida com a invasão seria uma estratégia para a conquista maior. Esse movimento de nacionalização traduziu-se num esforço para conferir ao idioma conotado com a metrópole marcas que o tornassem também um espaço de identidade cultural de cada um dos territórios.

Passados mais de 30 anos desde a independência, o pragmatismo que está na base da escolha da língua oficial, embora tenha resolvido a questão principal, não afastou completamente aspectos que cercam a literatura. Vez por outra, o debate ressurge, sugerindo que essa é uma espécie de área minada, pois a preocupação com o problema permanece no imaginário de fecundos escritores. Em inúmeras vezes, José Luandino Vieira, um dos maiores ficcionistas angolanos, defendeu a idéia de que a língua portuguesa é uma espécie de despojo de guerra, portanto o seu uso é um direito dos africanos e não um sinal de alienação. O fato é que dos dilemas que a relação guarda têm nascido páginas belíssimas dessa literatura.

Entre os ficcionistas, há pelo menos três que se têm destacado pelo trabalho de reinvenção da língua que operam em seus textos: o próprio José Luandino Vieira e seu conterrâneo Boaventura Cardoso e o moçambicano Mia Couto. Dividindo-se entre o conto e o romance, esses autores trabalham a língua portuguesa buscando enfatizar a sua diversidade. Em seus textos, recorrem ao uso de neologismos, desobedecem à norma culta, empregam palavras das línguas de seus países, tornando-as, portanto, mais próximas das realidades apanhadas pelo texto literário. Diante de seus textos, o leitor percebe logo que o autor não é um português.

Ao leitor brasileiro, essa produção vai lembrar o nome de Guimarães Rosa, uma vez que, tal como o brasileiro que fez do sertão um espaço privilegiado, esses escritores, além de transformarem a língua com a interferência de construções um tanto insólitas, procuram trazer para a literatura certa dinâmica da oralidade. Não se trata simplesmente de recontar as lendas, os mitos e as fábulas que compõem as suas tradições, mas de revitalizar a escrita através do questionamento dos modelos ocidentais. Dessa forma, eles exprimem o impasse criado entre a recusa de uma tradição imposta pelo sistema colonial e a impossibilidade de retomar integralmente a tradição que fora submetida ao amordaçamento pelo mesmo sistema. A necessidade de resgatá-la em novas bases vai orientar a procura de novas falas que a literatura precisa abrigar.

Em Angola, onde a ficção se consolidou mais cedo, essa urgência de romper com a convenção que se tentou impor também condicionou logo a invenção de novos espaços e a predominância de personagens que durante a dominação foram desconsiderados pela chamada literatura colonial. Os pobres, os negros, os excluídos ganham a cena na prosa de ficção, alçados ao estatuto de protagonistas do que se pode chamar de uma outra história. Nos anos que antecederam a independência e no período imediatamente posterior, as obras publicadas empenhavam-se em oferecer versões da história que se contrapusessem às imagens disseminadas pelo discurso colonial. Os silenciados exercitavam o direito à voz, conquistado com a libertação. Romances como Mayombe, de Pepetela, e os contos de Sim, camarada, de Manuel Rui, vão revelar novos heróis, em textos que celebram a resistência.

Curiosamente, esses mesmos autores, ainda nos tempos de euforia revolucionária, publicam dois textos de forte conteúdo crítico. O cão e os caluandas, do primeiro, e Quem me dera ser onda, do segundo, com uma perspectiva muito irônica, que contamina a própria linguagem, fazem do humor um modo de abordar o tempo das carências materiais e da desorganização cultural que predomina nos primeiros anos da revolução. O processo de desagregação do projeto utópico começa a ser tratado pela literatura que anunciara a transformação.

A consciência crítica da realidade que sucedia ao sonho convive, todavia, com uma aposta na literatura como marca de identidade. Vamos encontrar assim o romance histórico como uma tendência significativa no itinerário do gênero. Do próprio Pepetela, podemos referir Lueji e A gloriosa família – o tempo dos flamengos. De Arnaldo Santos, temos A casa velha das margens, que, como A conjura, de José Eduardo Agualusa, remonta ao século XIX para oferecer elementos que permitam interpretar o presente. É interessante assinalar que esse tipo de narrativa, que teve seu modelo forjado no Ocidente, no contexto das literaturas africanas traz uma característica especial: para além das fontes documentais, os autores lançam mão da memória oral, confirmando a energia dessas matrizes no patrimônio cultural africano.

Tão forte em Angola, o romance histórico não tem o mesmo peso nos outros países. Ali, percebe-se o desejo de resgatar mitos que a história colonial havia desconsiderado, recuperando para muitos um papel edificante, compatível com a construção do nacionalismo orgulhoso, como é o caso de Nzinga Mbandi, de Manuel Pedro Pacavira. Até o presente, em Moçambique destacam-se apenas dois casos de romances que excursionam pelas páginas da história. O primeiro deles é Ualálapi, de Ungulani ba ka Khosa, publicado em 1987. E, muito curiosamente, a narrativa, em lugar de enaltecer o mito de Ngungunhane – o imperador de Gaza que resistiu bravamente aos portugueses –, oferece uma imagem em tudo contrária à dimensão heróica que o novo Estado procurava assegurar ao personagem. Mais recentemente, Mia Couto, em O outro pé da sereia, faz uma incursão pela história e vai ao século XVI colher material para uma reflexão sobre aspectos contemporâneos da realidade africana. Mais uma vez, a ironia está presente na estrutura da obra.

Muito embora seja reconhecido o peso do passado colonial na situação a ser enfrentada hoje, há uma inegável tendência de trazer a discussão para outros termos, responsabilizando as elites que tomaram conta do poder e contribuíram para o quadro de desagregação mais evidente num ou noutro país. Já em 1994, com O desejo de Kianda, Pepetela denunciava uma Luanda (cidade que foi fundamental na literatura que espelhava o desejo de mudança) vivendo a experiência da ruína. Esse processo de apodrecimento da cidade, que foi tão importante na geografia literária dos anos 60, quando ganhavam corpo os desejos da transformação, será intensificado pelo mesmo autor em obras como Predadores e Jaime Bunda, o agente secreto. Com Jaime Bunda e a morte do americano, este último integra uma série que, parodiando o romance policial, oferece-nos um registro mordaz da degradação das relações sociais e humanas numa sociedade que vive um intenso desregramento.

A ironia será também a marca da ficção em Cabo Verde. Uma boa dose de mordacidade marca o humor que emerge em romances como O testamento do senhor Nepomuceno e A família Trago, de Germano de Almeida. Em todos eles, o foco recai sobre a sociedade caboverdiana numa atualidade em que se refletem os traços de um passado não muito distante e em que se confirma o caráter mestiço da cultura das ilhas. Germano brinca com os estereótipos com que os ilhéus são muitas vezes pintados, mas consegue tratar algumas de suas peculiaridades de maneira corrosiva, sugerindo características que compõem a sua identidade ostensivamente mesclada.
Apesar de estar ainda numa fase incipiente, a prosa de ficção na Guiné-Bissau é marcada por um olhar ácido, incapaz de ver saída. Romances como Eterna paixão e Mistida, de Abdulai Sila, e Kikia Matcho, de Filinto de Barros, tematizam a desilusão diante daqueles que deveriam ser os novos tempos. O pós-independência é visto amargamente nessas duas últimas narrativas, nas quais o recurso àquilo a que se convencionou chamar de fantástico é utilizado para expressar a deterioração de valores que se quer apontar. Já em A última tragédia, de Sila, temos um recuo ao período anterior à independência, e figuras como o professor negro e um velho régulo traduzem uma ponta de esperança em meio ao drama colonial.

A tensão entre um presente difícil e a necessidade de encontrar alguma saída marca essa prosa de ficção. As diversas situações de instabilidade, o acirramento das contradições sociais e a convivência com a morte caracterizam essas realidades onde a guerra tem sido uma marca muito freqüente, o que explica que ela apareça em tantos textos. Melhor seria falar em guerras, pois elas, na verdade, são várias e de maneiras diferentes serão abordadas no interior das obras.

José Luandino Vieira faz da guerra o pano de fundo de duas de suas excelentes narrativas. Em Nós, os do Makulusu, escrita em 1967, ela é a expressão do dilaceramento de um mundo condenado. A sociedade colonial começa a experimentar a consciência de seu fim, e a morte de Maninho, alferes do exército colonial, vítima de uma emboscada, é uma espécie de metáfora do inconciliável para quatro personagens que na infância vivenciaram a comunhão. No livro com que se relança no mercado editorial, rompendo um prolongadíssimo silêncio, Luandino retomará o período e, dessa vez, mergulhará na ambiência da guerrilha no admirável Livro dos rios, com que abre a trilogia De rios velhos e guerrilheiros. Tal como no texto dos anos 60, Luandino recusa aqui qualquer atitude maniqueísta, fazendo, contudo, com que a participação na guerrilha seja uma espécie de travessia que integra a construção da identidade, em que também interfere a relação do homem com a natureza, metonimizada pelos rios que formam a terra angolana.

Em Mayombe, romance destacado na obra de Pepetela, a luta de libertação é palco de glorificação de heróis nacionais, fenômeno que será relativizado em A geração da utopia, quando o mesmo autor procura fazer um balanço do período que vai do começo dos anos 60 até o tempo indicado como “a partir de julho de 1991”. Em A parábola do cágado velho, Pepetela denuncia o absurdo dos combates que se prolongam para além da lógica de seus motivos iniciais e arrasam o país.

Dois autores angolanos, em tudo diversos, também terão na guerra um ponto de aproximação. Em Bom dia, camarada, o jovem Ondjaki surpreende oferecendo a memória de um tempo que, mesmo marcado pelas dificuldades e pela atmosfera algo sombria de um cotidiano povoado pela morte, abre espaço a uma experiência de infância em tudo avessa à desesperança que o cenário externo poderia levar. O narrador menino empresta seu olhar e o leitor pode recuperar alguns fios da vida que permitem encontrar luz onde o nosso senso de realidade teria dificuldade de localizar.

Outro livro fundamental sobre a guerra será Actas da Maianga dizer das guerras em Angola, de Ruy Duarte de Carvalho. Num texto de difícil definição temos uma análise dos conflitos proposta num panorama mais amplo, que tem como objetivo a discussão dos caminhos que se abrem à sociedade angolana logo após o acordo de paz assinado em abril de 2002.

No caso moçambicano, a guerra focalizada não é a luta anticolonial, mas aquela que derivou de conflitos de baixa intensidade alimentados por forças externas e se converteu numa terrível guerra civil. É essa a guerra abordada por Mia Couto em vários romances, como o belíssimo Terra sonâmbula, A varanda do frangipani e O último vôo do flamingo, além de ser uma referência muito significativa no volume de contos Estórias abensonhadas. Em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de 2003, Mia vai se debruçar sobre os efeitos da guerra naquilo que se pode chamar de processo de desagregação de valores, fenômeno também trabalhado em A varanda do frangipani. Terminada a guerra, para além dos rastros de destruição material, os moçambicanos confrontam-se com outros níveis de degradação. Em O último vôo do flamingo, um narrador irônico dirige seu olhar às forças estrangeiras que desembarcam no país para monitorar a paz.

É dessa mesma guerra civil que trata Paulina Chiziane em Os ventos do apocalipse. Também é a guerra que aparece em As duas sombras do rio, romance de João Paulo Borges Coelho, e no volume de contos Setentrião, do mesmo autor. São os sinais de uma devastação profunda que mobilizam a atenção dos escritores empenhados em avaliar o fenômeno que dominou a vida do país por tantos anos. Historiador de formação, João Paulo publicou esse que foi o seu primeiro romance em 2002. Daí para cá, mais dois romances e duas coletâneas de contos foram lançados, uma produção que tem confirmado a qualidade de sua escrita desde a estréia.

Essa convergência temática conduzida pela presença da guerra, no entanto, não determina a existência de uma uniformidade em relação aos elementos estruturais na prosa contemporânea. Não podemos sequer falar em predominância de um gênero, pois a variedade de propostas constitui um dado interessante dessa produção africana em língua portuguesa. Uma diversidade que podemos encontrar no interior da obra de um mesmo autor. Já consagrado como romancista, Mia Couto, que na ficção começou como contista, volta ao gênero que o consagrou. O fio das missangas, de 2004, surge na seqüência de vários romances.

O trânsito entre as diferentes modalidades literárias pode mesmo ser visto como uma característica dessa literatura nos vários países. Os autores migram de um gênero a outro, optando, a cada momento, por aquele que consideram mais adequado ao que têm a dizer. É esse o caso de João Melo, de Angola, que, conhecido inicialmente como poeta, tem se notabilizado como contista. Imitação de Sartre e Simone de Beauvoir, Os filhos da pátria e O serial killer são três dos títulos de coletâneas que têm em comum a focalização de cenas da realidade urbana do país. Também em Manuel Rui observamos essa capacidade de transitar entre os vários gêneros: o romancista de Rioseco regressa ao conto em Da palma da mão, no qual exercita a contenção de forma magistral. E vamos ainda encontrar o cronista em Maninha, para ficarmos apenas com três de seus títulos editados de 1997 para cá. Os exemplos se multiplicam se nos voltamos para Moçambique: é o caso de Nelson Saúte, que reúne em sua produção romance, contos e poemas. É o caso, também, do já citado João Paulo, que vai do conto ao romance.

Outro fenômeno muito interessante na prosa africana de língua portuguesa é a diluição das fronteiras entre os gêneros narrativos. Tanda, um livro recém-lançado pelo angolano Adriano Mixinge, mistura poesia, crítica literária e de artes plásticas, cartas e outras formas de discurso.

Cruzando o imaginário cultural com a história remota e recente do seu país, ele monta um painel da complexa realidade atual de Angola.

Essa tentativa de mesclar os gêneros vem sendo radicalizada por Ruy Duarte de Carvalho, como apontamos em Actas da Maianga. Em outras obras, o leitor pode se surpreender com esse escritor que faz da sua formação e experiência de antropólogo uma bagagem fundamental no domínio da atividade literária. Em Desmedida – Luanda – São Paulo – São Francisco e volta – crônicas do Brasil, de 2006, deparamo-nos com a mesma ousadia criativa que já havia sido demonstrada em Vou lá visitar pastores. São escritas orientadas pelo sentido da viagem, mas que ultrapassam em muito os limites de um diário. Muito diversas entre si, as duas narrativas têm em comum a combinação entre o compromisso com o conhecimento e a fidelidade à invenção. Essa mesma associação é trabalhada em obras que apresentam uma estrutura menos polêmica como Os papéis do inglês e As paisagens propícias. Em todas elas, o perfil multifacetado do autor (poeta, antropólogo, cineasta e artista plástico) está, de alguma maneira, presente.

São poucos os nomes de mulheres ficcionistas nas literaturas africanas de língua portuguesa, e as causas da ausência de uma sólida escrita feminina são variadas, mas não podemos deixar de considerar que, apesar das conquistas trazidas pela independência, elas ainda enfrentam as dificuldades geradas pela sua posição de subalternidade, socialmente falando. E aqui se desenha uma contradição, na medida em que a voz feminina é ouvida no círculo mais íntimo das relações familiares, no qual o contar histórias e o consolidar laços acabam sendo suas tarefas. Ocorre, no entanto, que as suas adivinhas e contos estão no domínio da oratura, e, infelizmente, entre o contar e o escrever há um hiato que impede o aproveitamento mais amplo dos seus saberes.

Nos poucos textos escritos hoje por mulheres nos países africanos de língua portuguesa, o leitor vai poder encontrar os problemas, os sentimentos e a intimidade femininos, abordando desde a marginalização e as tentativas de rebeldia em um mundo de carência, como no instigante A louca do Serrano, da caboverdiana Dina Salústio, até a experiência da solidão e do exílio nos contos da também cabo-verdiana Orlanda Amarílis, passando por mulheres que, submetidas a uma tradição que talvez já não corresponda ao seu papel na história, revoltam-se e denunciam a opressão, como se vê em Niketche, uma história de poligamia, da moçambicana Paulina Chiziane.

São textos que apresentam a singularidade da visão feminina da sociedade, dos seus dramas e da submissão a que larga parcela das mulheres continua condenada, mas que também constroem situações capazes de indicar a possibilidade de superação de suas limitações sociais. É o que o leitor encontra, por exemplo, e muito bem tratado pela angolana Ana Paula Tavares em seus dois livros de crônicas: O sangue da buganvília e A cabeça de Salomé. Mais uma vez, a literatura é vista como um espaço de discussão de problemas concretos e como um lugar em que se podem projetar saídas quando as circunstâncias convidam ao desânimo.

A notícia correu muito depressa, como aquele vento maluco que desde a ponta da Ilha sobre até a Lixeira, varre todo o musseque até o fundo da Calemba e da Maianga, pra ir morrer lá longe nos confins da Samba.
Foi assim mesmo, com um vento assanhado que trazia atrapalhação nas nuvens carregadas de chuva, que o caso começou naquele dia tão triste como esquina da Mutamba sem gente. Porque a raiva desse vento é que foi sacudir as vigas de ferro, fez voar os luandos e os zincos e, com um barulho muito grande, deixou cair a antiga kitanda de Xá-Mavu.
As kitandeiras ficaram sem o negócio, sem o dinheiro, muitas mesmo sem a vida. Naquele dia, rios de sangue correram no meio do peixe, dos kiabos, da takula, do jipepe e jisobongo, os gritos não calaram na boca dos feridos.”
Trecho de Estórias do Musseque, de Jofre Rocha.

O culpado que você procura, caro Izidine, não é uma pessoa. É a guerra. Todas as culpas são da guerra. Foi ela que matou Vasto. Foi ela que rasgou o mundo onde a gente idosa tinha brilho e cabimento. Estes velhos que aqui apodrecem, antes do conflito eram amados. Havia um mundo que os recebia, as famílias se arrumavam para os idosos. Depois, a violência trouxe outras razões. E os velhos foram expulsos do mundo, expulsos de nós mesmos.
Você há-de perguntar que motivo me prende aqui, nesta solidão. Sempre pensei que sabia responder. Agora, tenho dúvida. A violência é a razão maior deste meu retiro. A guerra cria outro ciclo no tempo. Já não são os anos, as estações que marcam as nossas vidas. Já não são as colheitas, as fomes, as inundações. A guerra instala o ciclo do sangue.”

Trecho de A varanda de frangipani, de Mia Couto

Costumo pensar que nossa geração se devia chamar a geração da utopia. Tu, eu, o Laurindo, o Vítor antes, para só falar dos que conheceste. Mas tantos outros, vindos antes ou depois, todos nós a um momento dado éramos puros e queríamos fazer uma coisa diferente. Pensávamos que íamos construir uma sociedade justa, sem diferenças, sem privilégios, sem perseguições, uma comunidade de interesses e pensamentos, o Paraíso dos cristãos, em suma. A um momento dado, mesmo que muito breve nalguns casos, fomos puros, desinteressados, só pensando no povo e lutando por ele. E depois...tudo se adulterou, tudo apodreceu, muito antes de se chegar ao poder. Quando as pessoas se aperceberam que mais cedo ou mais tarde era inevitável chegarem ao poder.
Cada um começou a preparar as bases de lançamento para esse poder, a defender posições particulares, egoístas. A utopia morreu. E hoje cheira mal, como qualquer corpo em putrefação. Dela só resta um discurso vazio.
”Trecho do livro A geração da utopia, de Pepetela

Fonte:
Rita Chaves e Tânia Macedo. Caminhos da Ficção da África Portuguesa
http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/caminhos_da_ficcao_da_africa_portuguesa.html

Academia de Trovas do Rio Grande do Norte

No ano de 1965, na pacata cidade dos Reis Magos, o desportista LUIZ convidou o apaixonado poeta LUIZ e o historiador LUIS para, juntamente com os grandes nomes, fundarem uma agremiação trovadoresca no estado do Rio Grande do Norte.

A idéia, na realidade, surgiu em dezembro de 1964, na grandiosa metrópole de São Paulo, numa reunião promovida pela Gazeta Esportiva e coordenada pelo poeta e trovador Paulo Bonfim, grande entusiasta da trova brasileira. E o desportista LUIZ, após ouvir calorosas declamações de trovas, foi incitado a criar um grêmio de trovadores norte-rio-grandenses, mesmo sem ser trovador.

Assim, na noite do dia 12 de novembro de 1965, nasceu o clube dos trovadores potiguares que, em 11 de fevereiro de 1967, passou a ser chamado de Academia de Trovas do Rio Grande do Norte. portanto o imensurável Luiz cumpriu a dificílima tarefa de reunir intelectuais, compromissados com a feitura da trova – da poesia metrificada, rimada e elaborada.

Hoje, passados mais de 30 anos, superando obstáculos naturais à intelectualidade, a ACADEMIA DE TROVAS DO RIO GRANDE DO NORTE é motivo de orgulho para quem vive na terra do petróleo, do sal, do algodão e dos suspiros da natureza. Seus acadêmicos brilham em livros, revistas e jornais vislumbrados pelos olhos do Brasil.

Grandes presidentes proclamaram o nome da instituição e subiram, com ela, os degraus da glória. É o caso do primeiro presidente LUIZ DE CARVALHO RABELO, importante intelectual brasileiro que dedicou os grandes momentos da vida à poesia; sendo mestre da métrica, do verso livre e da rima. Assim escreveu Rabelo, embalado pelas musas:

O mártir da Galiléia
esta verdade traduz:
Não morre nunca uma idéia,
mesmo pregada na cruz!

Tem sentido alto e profundo
este provérbio que diz:
que não é pobre o mundo,
quem, sendo pobre, é feliz.

Mesmo sem ver-te Jesus,
minha fé em ti persiste:
- O cego não vê a luz,
mas sabe que a luz existe...

Outros nomes representativos da cultura potiguar honraram nossa Academia, ocupando a presidência da casa: o poeta José Amaral que coordenou o I Congresso Nacional de Trovadores, realizado em Natal, de 23 a 29 de outubro de 1969: o Desembargador Wilson Dantas, poeta de inspiração ilimitada; o poeta do verso medido e humorado Revoredo Netto; o lírico poeta Sebastião Soares; o poeta Giovani Xavier que foi Juiz de Direito da capital potiguar; o matemático e poeta José Haroldo Teixeira Duarte – todos trovaram para elevar o verso potiguar à categoria das raridades poéticas. São exemplos de pérolas raras da poesia brasileiras as trovas de:

José Amaral:
Teus olhos são pisca-pisca
do carro azul da saudade,
correndo em estrada arisca
levando-me a mocidade

Dois beijos. Dois, e mais nada,
me comoveram na vida:
um – que te dei na chegada,
o outro – que te dei na saída.

Wilson Dantas:
Céu com três letras escreve
mãe também se escreve assim,
e neste nome tão breve
existe um céu para mim.

Meu pai, na sua velhice,
tão bom era aos olhos meus,
que se Deus não existisse
meu pai seria o meu Deus.

Revoredo Netto:
Vivendo, embora, a existência
distante da perfeição
que me falte a luz da ciência,
mas nunca a luz da razão.

A natureza descerra
do tempo o infinito véu:
de dia – descobre a terra,
de noite – descobre o céu...

Sebastião Soares:
Sino, nossa estranha sorte
Deus assim que ver comprida,
canta o tormento da morte
que eu vou chorando os da vida!

Eu sei de uma negra cruz,
de tão negra não tem nome:
essa que o pobre conduz
pelo calvário da fome.

Giovani Xavier:
No torvelinho das águas,
como jangada perdida,
fiz de alegrias e mágoas
os remos da minha vida.

José Haroldo Duarte:
Quando passa o vaga-lume
pelas noites sem luar,
foge da flor o perfume,
para teus lábios beijar.

Neste ano de 1997, na sede natalense da AABB, às vinte horas do dia 22 de março, tomei posse como presidente da academia, após ter sido reeleito, por aclamação, para o biênio 1997-1998. Naquela noite serena relembramos os feitos da nossa administração passada. O primeiro aconteceu no dia 18 de junho de 1995, à 20:00h, no Teatro Sandowal Wanderley, quando, de corações abertos recebemos os trovadores Joamir Medeiros e Maria Antonieta Bittencourt Dutra de Souza como novos acadêmicos. O segundo foi, ainda em 1995, a realização do I CONCURSO DE TROVAS EDUCATIVAS da Academia, enfocando o tema AIDS; um trabalho aprovado pelo Ministério da Saúde para correr o mundo através da INTERNET. Na noite de 05 de outubro de 1995, numa quinta-feira de luz, na Capitania das Artes, nesta Natal invulgar, aconteceu o lançamento dos sonhos dos trovadores norte-rio-grandenses, uma coletânea de trovas dos imortais da Academia.

Em 18 de julho de 1996, Dia do Trovador, Dia de Luis Otávio, mais uma vez na intimidade do Teatro Sandowal Wanderley, abrimos os corações e por eles entraram os nossos acadêmicos Fabiano Wanderley, Severino Campelo, Ivaniso Galhardo e Roberto Mota. E na noite do dia 23 de dezembro de 1996, dois importantes acontecimentos embelezaram, ainda mais, aquele sábado primaveril; o primeiro foi a posse de Luiz Xavier e o segundo foi a entrega dos prêmios do XVI CONCURSO NACIONAL DE TROVAS DA ACADEMIA, cujo tema, o RIO POTENGI, encheu os olhos dos trovadores potiguares. Outro maravilhoso momento da entidade foi o renascimento do jornal “O TROVADOR” que estava fora de circulação há, mais ou menos, 30 anos. Um grande sonho não aconteceu – a conquista de uma sede para a ACADEMIA DE TROVAS DO RIO GRANDE DO NORTE.

Hoje, mesmo sem sede própria, a nossa Academia vive dias de glória. Nossas reuniões mensais estão sendo realizadas no auditório do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, graças ao amante das artes, da prosa e da poesia o escritor Enélio Petrovich, dirigente da Casa das Memórias Potiguares. Graças também, aos antigos presidentes que perpetuaram a chama da trova norte-rio-grandense para que, mesmo sem sede, a Academia chegasse aonde chegou. Por isso, merecem os mais calorosos aplausos, alem dos presidentes, todos os imortais que lutaram pela trova e os amantes da poesia sintética. Estamos cientes da missão do trovador; promover o bem, usando a trova como veículo de mensagens educativas, ecológicas históricas, líricas, filosóficas e humorísticas.

Hoje, 26 de março de 1997, numa tarde outonal, recebo das mãos do criador da Academia, Luiz Gonzaga Meira Bezerra, um presente de aniversário, um envelope com três fotos da noite da fundação do Clube dos Trovadores Potiguares. Na primeira estão os três Luiz – Rabelo Bezerra e o inolvidável Cascudo. O sorriso de Luiz G. M. Bezerra demonstrava a realização de um sonho; o eclético poeta Luiz Rabelo espreita, atentamente, a mímica do eterno e encantador mestre Luiz da Câmara Cascudo – patrimônio cultural do Rio Grande do Norte. A segunda foto mostra Luiz G. M. Bezerra no comando dos trabalhos. A terceira foto mostra o auditório do PALÁCIO DO COMÉRCIO, no histórico bairro da Ribeira, repleto de cabeças pensantes da época.

Naquela noite de 12 de novembro de 1965, mais de 50 trovadores embalaram o momento, sacudindo a fundação da Academia com versos explosivos, relâmpagos, metafóricos e conclusivos. Versos que adornaram o Palácio do Comércio, embelezando segundos e centímetros da festa, ecoando no ouvido de uma platéia, religiosamente atenta: Virgílio Trindade, Evaristo de Souza, Jaime Wanderley, Francisco Menezes de Melo, Silvino Bezerra Neto, João Figueiredo de Souza, Enélio Lima Petrovich, Revoredo Netto, Mariano Coelho, Carlos Homem Siqueira, Bernardino Vasconcelos, João Guimarães, Antídio de Azevedo e outros.

Certamente algumas trovas que brilharam no Palácio do Comércio estão impressas no livro antológico da ATRN, o nosso troféu SINFONIA DE TROVAS, como estas:

Antídio de Azevedo
Se a areia que pisas tanto,
adivinhasse quem és,
vibrava toda, garanto,
beijando, louca, teus pés.

Jaime Wanderley
Poesia! Suave perfume,
que obra milagre profundo,
pois multiplica e resume,
toda beleza do mundo!

João Carlos de Vasconcelos:
Natal é cidade amada,
do Potengi a consorte.
- É bela jóia engastada
No Rio Grande do Norte.

João Guimarães:
Se tudo em mim se renova
Quando te vejo, querida,
É porque tu és trova,
Que eu canto na minha vida.

Mariano Coelho
Mesmo que a noite ostentasse
multidões de sete estrelas,
não creio que superasse
a noite dos teus cabelos.

E tudo Transcorreu, na noite da fundação, sob a aura intelectual do papa da cultura potiguar, o maestro das letras LUIS DA CÂMARA CASCUDO; fato que demonstra que a trova sempre foi cantada por grandes literatos como o mais perfeito manifesto poético, tanto pela grandiosidade da síntese, como pela beleza da rima e da métrica. Por isso todo trovador é imortal sente-se impelido a fazer estas reflexões:

Maior prêmio cultural
nas artes, prosa e poesia,
merece aquele imortal
Que ama a própria Academia.

Todo imortal deveria,
enquanto vida tivesse,
pedir pela Academia,
a Deus, em forma de prece.
Presidente da ATRN

Fonte: Academia de Trovas do Rio Grande do Norte. http://www.academiadetrovasrn.com/

Carlos Drummond de Andrade (Os Ombros Suportam o Mundo)

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1985, pág. 78. Disponível em http://www.releituras.com/

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Em Tempo (69a. Tertúlia Literária)

69a TERTÚLIA* LITERÁRIA do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário - MMCL será levada a efeito na Sociedade Médica de Sorocaba na 4a feira, dia 20 de fevereiro, às 19h30 e para a qual convidamos todos os que se interessam em literatura não científica, levando sua participação em forma de conto, crônica, ensaio, poesia, etc. São reuniões extremamente agradáveis em 13 cidades do Estado de São Paulo onde reunimos além de médicos escritores, professores, engenheiros, técnicos em computação, advogados, psicólogos, fonoaudiólogos, músicos, artistas plásticos, marceneiros, militares, promotores; enfim, uma enorme variedade de pessoas com um denominador comum que é serem todos amantes das letras. A entrada é franca.
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*Tertúlia: segundo o Dicionário Caudas Aulete:
sf. 1 Reunião de parentes ou amigos 2 Agremiação literária ou encontro de escritores para conversa e leitura

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara

I Concurso Estadual/ Nacional de Trovas do Site Trova Une Versos

1)Para o concurso TROVA é a forma poética composta de quatro versos de sete sílabas métricas cada um deles, com ocorrência de rimas do 1º verso com o 3º e do 2º com o 4º, tendo o conjunto sentido completo;

2)As TROVAS, em nº de 02(duas), LÍRICAS OU FILOSÓFICAS, serão enviadas entre 01.12.07 a 29.02.08, EXCLUSIVAMENTE PELA INTERNET para trovauneversos@gmail.com ; devendo ser inéditas e de autoria do poeta ou poetisa concorrente;

3)Serão acolhidas TROVAS somente em língua portuguesa, o que não exclui os trovadores de outros países, desde que se sirvam dessa língua;

4)Do e-mail deverão constar obrigatoriamente:
- Nome do autor (completo);
- Endereço postal (completo);
- Nº do telefone (se houver);
- E-mail;
- TROVAS (duas).

5)As TROVAS terão por temas:

LENDA(S) – concorrentes domiciliados no estado do Rio Grande do Norte;

SONHO(S) – à exceção do Rio Grande do Norte, para os demais estados do Brasil e outros países;

6)A Comissão Julgadora escolherá em cada segmento 10 (dez) trovas, assim distribuídas:

- 1º, 2º e 3º lugares – Trovas Campeãs (Ouro / Prata / Bronze);
- 4º, 5º e 6º lugares – (Menções Honrosas);
- 7º, 8º, 9º e 10º lugares – (Menções Especiais).

7)Aos vencedores serão concedidos DIPLOMAS de acordo com a classificação;

8)O site TROVA UNE VERSOS anunciará o resultado em 20.04.08;

9)Trovas que estiverem em desacordo com os Artigos deste Regulamento serão excluídas automaticamente do Concurso e a remessa de mais de 02(duas) trovas resultará na desclassificação do(a) participante;

10) Pela simples remessa das TROVAS o(a) concorrente aceita as normas do presente regulamento.
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Conheça o site http://www.trovauneversos.hpgvip.ig.com.br/
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Fonte:
email enviado pela Trova Une Versos

sábado, 9 de fevereiro de 2008

As Lendas Árabes

As histórias de Fadas sempre foram contadas pelas mães a seus filhos e depois a seus netos. Ninguém sabe quão velhas elas são ou quem as contou primeiro. Os netos de Noé podem tê-las ouvido na Arca, durante o Dilúvio. Heitor pode tê-las ouvido na Cidade de Tróia e é quase certo que Homero as conheceu. Algumas delas podem ter surgido no Egito, no tempo de Moisés. Pessoas em países diferentes contam-nas de forma diferente, mas são sempre as mesmas histórias. As mudanças só são percebidas em matéria de usos e costumes, como o tipo de roupa usada, títulos e locais.

Há sempre muitos reis e rainhas nos contos de fadas, simplesmente porque, no passado, havia bastante reis e países. Um cavaleiro, porém, poderia ser um escudeiro ou um rei, dependendo de onde a história era contada. Essas histórias antigas, nunca esquecidas e sempre recontadas, foram escritas em tempos diferentes e em lugares diferentes e em todos os tipos de línguas, formando o conteúdo do Grande Livro dos Contos de Fadas.

As Lendas Árabes, em sua maioria, são contos de fadas do Oriente, compreendendo Ásia, Arábia e Pérsia, escritas no seu próprio modo de narrar, não para crianças, mas para adultos. Não havia romances então, nem qualquer livro impresso, mas havia pessoas cuja profissão era divertir os homens e mulheres contando contos. Eles recontavam essas histórias, destacando personagens pelos seus valores muçulmanos. Os acontecimentos ocorriam freqüentemente no reino do grande Califa Haroun al Raschid, que viveu em Bagdá do ano de 786 ao de 808. O vizir que acompanhava o Califa também era uma pessoa real da grande família dos Barmecidas. Ele foi condenado à morte pelo Califa de um modo muito cruel e ninguém nunca soube o motivo.

As histórias devem ter sido contadas por um longo tempo, depois que o Califa morreu, quando ninguém mais sabia o que realmente tinha acontecido exatamente. Contadores de histórias, finalmente, escreveram os contos, fixando-os em sua forma definitiva, isto é, narrados a um cruel Sultão pela sua esposa.

Pessoas na França e Inglaterra não souberam quase nada sobre As Noites Árabes nos reinados da Rainha Anne e do Rei George I, até que fossem traduzidos em francês por Monsieur Galland. Adultos eram então muito apaixonados por contos de fadas, que julgavam essas histórias árabes as melhores que tinham lido. Eles se deliciavam com os Ghouls, que viviam entre as tumbas, com Gênios, com Princesas que faziam feitiços mágicos e com Peris, as fadas árabes. Simbad viveu aventuras que talvez tenham sido inspiradas pela Odisséia, de Homero, da mesma forma que histórias narradas na Bíblia podem ter sido contadas e recontadas, assumindo a forma de um conto de fada, depois de muito tempo. Há estreitas ligações, por exemplo, entre a história narrada no livro de Ester e a história de Sherazade, em Mil e Uma Noites.

Nada impediu, também, que ao longo do tempo essas histórias destinadas aos adultos sofressem mudanças e acabassem se tornando histórias para crianças. Após o surgimento do livro impresso e da proliferação de uma nova literatura, retratando valores locais e resgatando aspectos do passado dos povos, o interesse gradativamente se voltou para esses novos títulos. As Lendas Árabes, no entanto, jamais perderam seu encanto e até hoje fascinam, pela criatividade e pela imaginação, leitores de todas as partes do mundo.

Fonte:
BAÇAN, L. P.
Lendas Árabes - E-book Virtual
Pérola, PR: Ed. do Autor, 2007.

Lenda Árabe: O Falcão do Rei de Furs

Contam que o rei de Furs era grande amigo de divertimentos, de passeios e de todo tipo de caça. Possuía um falcão treinado por ele próprio que não o abandonava nenhum momento. Mesmo durante a noite, o rei o trazia preso ao seu punho. Quando ia à caça, levava consigo. No pescoço dessa ave, tinha mandado pendurar uma vasilha de ouro, onde lhe dava de beber. Um dia, em seu palácio, o rei viu, subitamente, chegar o encarregado dos bosques e florestas.

Disse-lhe esse encarregado:
— Ó rei, estamos de novo na época das caçadas!
— Isso me deixa muito feliz! — exultou o rei e começou a fazer os preparativos para a partida.

No dia seguinte, com o falcão em seu punho, partiram, rumando para um vale, onde estenderam as redes de caça. Repentinamente, uma gazela ficou presa na rede.

Então o rei alertou:
— Matarei aquele que deixá-la escapar!

Começaram a puxar a rede em torno da gazela, que se acercou do rei, ergueu-se sobre as patas traseiras, encolhendo junto do peito as patas dianteiras. Nisso o rei bateu as mãos uma contra outra, espantando a gazela, que saltou e fugiu, passando-lhe por cima da cabeça e desaparecendo no meio das árvores.

O rei se voltou para os guardas e viu que eles piscavam os olhos uns para os outros, referindo-se a ele, o rei. Percebendo isso, perguntou ao grão-vizir:
— Que têm os soldados?

O grão-vizir respondeu:
— Eles dizem que tu juraste matar quem quer que deixasse escapar a gazela!

Falou o rei, em seguida:
— Pela minha cabeça, precisamos perseguir aquela gazela e trazê-la de volta!

Começou a galopar, seguindo a pista do animal. Libertou o falcão, incitando-o a perseguir a presa. O falcão rapidamente a localizou e, num vôo rasante e certeiro, atirou-se sobre a gazela, enterrando-lhe o bico aguçado nos olhos, cegando-a. O rei apanhou seu bastão, bateu no animal, fazendo-o rolar. Desceu resolutamente, degolou-a, esfolou-a e prendeu a caça a sua sela.

Fazia calor e o local era árido e sem água. O rei teve sede e cavalo também. Olhando ao redor, o monarca viu uma árvore de onde escorria um líquido parecido com manteiga. O rei tinha a mão coberta com uma luva de pele, onde pousava o falcão. Apanhou a vasilha do pescoço da ave, encheu-a com aquele líquido e colocou-a diante do falcão. Inesperadamente, o animal, com um golpe de uma de suas garras, entornou-a. O rei apanhou a taça pela segunda vez, encheu-a, imaginando que a ave também tinha sede, mas o falcão, pela segunda vez, entornou-a.

O rei ficou enraivecido com o falcão e deu-lhe o líquido pela terceira vez. O falcão novamente o entornou e o rei disse:
— Que Alá te enterre, ave infernal!

Dizendo isso, feriu o falcão com sua espada, cortando-lhe as asas. O falcão ergueu a cabeça e sinalizou para o rei:
— Olha o que há sobre a árvore! — queria ele dizer.

O rei levantou a cabeça e viu uma serpente monstruosa na árvore. O que escorria era seu veneno. O rei, arrependido de ter cortado as asas do falcão, levantou-se, tornou a montar a cavalo e partiu levando a gazela. Mandou o cozinheiro preparar a gazela, depois se sentou no seu trono, tendo o falcão no punho. Percebeu, então, que a luva que vestia estava empapada de sangue. Imaginou que fosse da corça, mas, ao observar o falcão, percebeu as pelas coladas a pele pelo sangue que escorria dos ferimentos.
— Meu amigo, você não pode morrer! — lamentou o rei, apertando a ave junto ao peito.

O falcão, às portas da morte, apontou a taça que trazia ao pescoço e fez sinais para que o rei a enchesse de vinho. Aflito, o rei assim o fez, aproximando-a do bico da ave. Novamente o falcão fez sinais, dando a entender ao rei que desejava que este tomasse o primeiro gole. O rei o atendeu, bebendo um gole do vinho, depois voltou a oferecer o vinho ao falcão, que soltou um longo soluço e morreu. Vendo aquilo o rei soltou gritos de luto e aflição por ter matado o falcão que o salvara da morte. Sentiu um aperto no coração, mas estava por demais concentrado em seu sofrimento para perceber que o resto do veneno da serpente, que ficara na taça, o estava matando.

Fonte:
BAÇAN, L. P.
Lendas Árabes - E-book Virtual
Pérola, PR: Ed. do Autor, 2007.

Lenda Árabe: A História do Burro, do Boi e do Comerciante

Havia, no tempo do grande Califa Haroun al Raschid, que viveu em Bagdá, um comerciante, senhor de muitas posses, casado e pai de muitos filhos. Alá, o Altíssimo, lhe deu o dom de entender a língua dos animais. Esse comerciante morava numa região fértil à margem de um rio e tinha um burro e um boi.

Certo dia o boi chegou ao lugar que era ocupado pelo burro e o encontrou varrido e regado de água. No cocho havia cevada bem joeirada e palha desfiada. O burro estava deitado, em repouso, como se fosse uma figura importante. Indignado, o boi se lembrou que, quando seu senhor montava o burro, era apenas para uma curta viagem, quando havia urgência, pois o burro voltava logo ao seu repouso. Protestou, então, sem perceber que o comerciante o ouvia.
— Comes do bom e do melhor e que isso te seja saudável, proveitoso e de fácil! Eu estou fatigado e tu, repousado. Tu comes a cevada bem joeirada, a palha desfiada e és bem cuidado em seu estábulo. Se às vezes, por alguns momentos, teu senhor te monta, bem depressa te traz de volta! Quanto a mim, sirvo apenas para a labuta e para o trabalho pesado do moinho!

Então o burro disse em resposta:
— Ó pai do vigor e da paciência, em vez de te lamentares, faze o que vou te dizer. Digo-te isso por amizade, simplesmente pelo gosto de Alá. Quando saíres para o campo e meterem o jugo no teu pescoço, atira-te por terra e não te levantes, mesmo que te batam. Quando te levantares, deita-te depressa pela segunda vez. Se te fizerem voltar ao estábulo e te apresentarem favas, não as coma. Finge-te de doente e esforça-te por não comer nem beber por uns três dias. Dessa maneira, repousarás da fadiga e do trabalho e te trarão da melhor palha e da melhor cevada para tua alimentação.

O comerciante, escondido, ouviu aquelas palavras. Quando o tratador foi para junto do boi para lhe dar forragem, viu que o animal comia muito pouco. No dia seguinte, pela manhã, quando foi buscá-lo para o trabalho, encontrou-o doente. Foi depressa e comunicou o fato ao seu senhor, que lhe disse em resposta:
— Leva o burro e faze com que ele trabalhe no lugar do boi, durante o dia todo!

O tratador assim fez e levou o burro no lugar do boi, fazendo-o trabalhar durante o dia inteiro. No fim do dia, quando o burro voltou para o estábulo, o boi lhe agradeceu a benevolência, que permitiu que ele, o boi, repousasse de sua fadiga durante aquele dia. Arrependido, o burro não respondeu.

Na manhã seguinte, um semeador foi buscar o burro e o fez trabalhar o dia inteiro. O burro voltou com o pescoço esfolado e vencido pela fadiga. O boi, vendo-o naquele estado, agradeceu efusivamente, glorificando o amigo com louvores.

Disse o burro, então:
— Antes, eu estava muito tranqüilo. A minha esperteza me condenou. Mas é preciso que eu lhe diga que ouvi nosso amo dizer que o boi não se levantar de seu lugar, será dado ao magarefe para que o mate e faça de sua pele um couro para a mesa. Eu ouvi e tive muito medo por ti. Aviso-te, portanto, para tua salvação.

Ao ouvir as palavras do burro, o boi agradeceu-lhe e disse:
— Amanhã mesmo irei livremente com o tratador, cuidar de minhas ocupações.

Na mesma hora começou a comer toda a forragem. Nenhum dos dois percebeu, no entanto, que o comerciante, escondido, ouvia cada uma das palavras deles. Quando o dia amanheceu, o comerciante saiu com a esposa para onde ficavam os bois e as vacas e ali sentaram. Veio o tratador, tomou o boi e saiu. Como não estava acostumado com a comida que havia ingerido durante aquele tempo de inatividade, inesperadamente e à vista de seu amo, o boi começou a agitar a cauda e a soltar ventos ruidosamente, girando como doido de um lado para outro. O comerciante foi tomado de tal ataque de risos que caiu de seu assento. Sua esposa quis saber:
— De que te ris tanto?

Ele respondeu:
— De uma coisa que vi e ouvi, mas que não posso divulgar sem morrer.

Ela insistiu:
— Eu exijo que me contes a razão de teu riso, mesmo se devesses morrer por isso.

Ele replicou:
— Não posso divulgar isso, porque tenho medo da morte.

Ela lhe disse:
— Mas então estás rindo de mim!

Concluindo isso, não cessou de discutir com ele e de o atormentar com palavras, teimosamente. Tanto fez que, por fim, ele se sentiu obrigado a lhe contar. Fez vir seus filhos a sua presença e mandou chamar o cádi e testemunhas, pois queria fazer seu testamento, antes de revelar o mortal segredo à esposa, a quem ele amava e com quem tinha vivido um tempo considerável de sua vida. Ao saberem da exigência da mulher, amigos e parentes disseram:
— Por Alá! Deixa de lado essa história pelo temor que morra teu marido, o pai dos teus filhos!

Mas ela lhes disse:
— Não lhe darei paz enquanto não me tiver dito seu segredo, mesmo que deva morrer!

Então cessaram de falar com ela. E o mercador se levantou de junto deles e se dirigiu para o lado do estábulo, no jardim, a fim de fazer suas abluções e voltar para contar o segredo e morrer. Ocorre que ele tinha um galo valente, capaz de satisfazer cinqüenta galinhas. Tinha também um cão muito valente. Ele ouviu, naquele momento, o cão que chamava o galo, insultava-o, dizendo:
— Não tens vergonha de te mostrares alegre quando nosso senhor vai morrer?

E o galo disse ao cão:
— Como é isso?

O cão contou toda a história e o galo disse:
— Por Alá! Nosso senhor é bem pobre de inteligência. Eu, que tenho cinqüenta esposas, sei me desembaraçar delas, agradando uma e ralhando com outra! Ele tem uma só e não sabe nem o bom meio nem a maneira de tratar com ela! Ora, é bem simples! Não tem senão que cortar, em intenção dela, algumas boas varas de amoreira, entrar bruscamente em seu reservado e bater-lhe até que ela morra ou se arrependa: e nunca mais ela tornará a importuná-lo com qualquer pergunta que seja!

Ao ouvir aquelas palavras, o comerciante sentiu a luz voltar a sua razão e ele resolveu espancar a esposa. Assim, ele entrou no quarto reservado de sua esposa, depois de ter cortado em sua intenção as varas de amoreira e de as ter escondido.

Disse-lhe, chamando-a:
— Vem até o quarto reservado para que eu te diga o segredo e ninguém me possa ver morrer depois!

Ela entrou com o marido e ele fechou a porta do quarto reservado sobre ambos e caiu-lhe em cima a golpes dobrados, até vê-la desmaiar.

Exclamou ela em altos brados, então:
— Eu me arrependo! Eu me arrependo! — e se pôs a beijar as mãos e os pés do marido, demonstrando que estava verdadeiramente arrependida.

Depois, saiu com ele e toda a assistência se regozijou. O casal viveu no estado mais feliz e afortunado até a morte. O burro jamais tentou ser mais esperto que seu amo e o boi jamais lamentou sua sorte novamente. Como gratidão, o comerciante dobrou a quantidade de galinhas aos cuidados de seu galo.

Às vezes, quando o comerciante, sozinho a um canto, começava a rir, lembrando daquilo que não podia contar, sua esposa imediatamente se lembrava da surra de varas de amoreira e espantava toda a curiosidade de seu coração.

Fonte:
BAÇAN, L. P.
Lendas Árabes - E-book Virtual
Pérola, PR: Ed. do Autor, 2007.

Lenda Árabe: A História do Jovem Rei das Ilhas Negras

(Ao redor da fogueira, na tenda do sultão, que estava de passagem por aquelas terras, fazendo justiça, todos prestavam atenção à história que o jovem contava. Ele escondia o corpo num manto longo. Seu rosto estava parcialmente coberto por um turbante cujas abas pendiam sobre uma de suas faces. O fogo, no entanto, provocava naquela parte de seu rosto estranhos reflexos, como chamas se refletindo no mármore polido.)

Saibam vocês que meu pai era Mahmoud, o rei das Ilhas Negras, assim chamadas por causa de quatro pequenas montanhas que um dia foram ilhas. A capital era no lugar onde agora há o grande lago e o deserto. Minha história lhes contará como estas mudanças ocorreram. Meu pai morreu quando tinha sessenta e seis anos e eu o sucedi. Casei-me com minha prima, a quem amei ternamente e acreditei que me amava também.

Mas uma tarde, quando eu estava meio adormecido, e estava sendo abanado por duas de suas escravas, ouvi uma dizer à outra:
— Que pena que nossa ama já não gosta de nosso senhor! Eu acredito que ela gostaria de matá-lo, se pudesse, porque ela é uma feiticeira.

Eu logo acabei concordando com elas. Quando seu escravo favorito ficou gravemente ferido num acidente, ela implorou que a deixasse construir um palácio no jardim, onde o chorou e o lamentou durante dois anos, cuidado e conservando seu corpo. Eu lhe implorei, então, que deixasse de lamentá-lo, pois ele não podia falar nem se mover e somente era mantido conservado daquela forma graças aos encantamentos que ela usava. Ela se virou contra mim furiosa e proferiu algumas palavras mágicas e eu me tornei imediatamente como vocês me vêem agora, meio homem e meio mármore. Essa feiticeira má transformou a capital, uma populosa e florescente cidade, no lago e no deserto que há agora. E não há um só dia que ela não venha a minha procura e me bata com um chicote feito de couro de camelo.

Quando o rei jovem terminou sua triste história triste, o Sultão demonstrou ter ficado sensibilizado com seu destino.
— Conte-me — ordenou ele, — onde está essa mulher má?
— Onde ela vive agora que eu não sei — respondeu o infeliz príncipe infeliz, — mas ela vai diariamente, ao amanhecer, ver se o escravo fala com ela, depois de me bater.
— Rei desgraçado! — exclamou o Sultão. — Serei sua vingança!

Consultou o rei jovem qual seria o melhor modo para agir, traçando um plano para o dia seguinte. O sultão foi descansar, prometendo ao jovem rei que tudo se resolveria favoravelmente. Quando o dia começou a nascer, o sultão entrou no palácio do jardim onde o escravo jazia. Sacou a espada e destruiu a pouca vida que permanecia nele, depois lançou o corpo num poço. Ele se deitou, então, na cama onde estava o escravo e esperou pela feiticeira. Ela primeiro procurou o jovem rei, em quem aplicou cem chibatadas. Em seguida, ela foi para o quarto onde pensava que o escravo ferido estava, mas o Sultão ocupava seu lugar.

Ela chegou até perto do leito e disse:
— Está melhor neste dia, meu querido escravo? Fale pelo menos uma palavra para mim.
— Como eu posso estar melhor — respondeu-lhe o Sultão, imitando a língua do escravo, — quando eu nunca posso dormir por causa dos gritos e gemidos de seu marido?
— Que alegria ouvi-lo falar! — exclamou a rainha. — Quer que eu devolva a ele a forma normal? Peça o que quiser e lhe concederei.
— Por favor! — disse o Sultão. — Livre-o de sua maldição e lhe dê liberdade para que eu não ouça mais os gritos dele.

A rainha saiu imediatamente, levando uma xícara de água. Disse algumas palavras que fizeram o conteúdo ferver como se estivesse no fogo. Então ela lançou isso em cima do príncipe, que imediatamente recuperou sua forma totalmente humana. Ele ficou feliz com isso, mas a feiticeira lhe disse:
— Suma daqui imediatamente e não volte nunca mais. Se não fizer isso agora mesmo, eu o matarei!

O jovem rei fingiu que fugia em desabalada carreira, mas foi ele se esconder para ver o fim do plano do Sultão. A feiticeira voltou ao Palácio das Lágrimas e disse:
— Eu fiz o que você desejou!
— O que você fez — disse o Sultão, — não é o bastante para me curar. Vá agora mesmo e liberte todas as pessoas que enfeitiçou até agora. Vá e lhes devolva a forma humana.

A feiticeira saiu apressadamente e disseram algumas palavras na direção do lago. Os peixes se transformaram em homens, mulheres e crianças. Tudo voltou ao normal. As ruas estavam cheias novamente e as casas e lojas fervilhavam como se nada tivesse acontecido. Assim que ela terminou de desfazer seus encantamentos, a rainha regressou ao palácio.
— Você está bem melhor agora? — indagou.
— Venha para bem perto de mim — disse o Sultão. — Mais próximo ainda.

Ela obedeceu. Então ele pulou sobre ela e com um assobio, sua espada cortou-a a meio, matando-a.

Então ele procurou e encontrou o príncipe.
— Regozije-se — disse ele. — Seu cruel inimigo está morto.

O príncipe não sabia o que fazer para agradecer o sultão.
— Vá governar seu país com justiça e igualdade. Para que sua felicidade e a minha sejam completas, mandarei vir de Bagdá Suleima, minha sobrinha favorita, para que se case com você e o faça feliz para sempre. Ela será o símbolo da nossa aliança. De agora em diante, você é um protegido meu e nenhum mal acontecerá com você ou com seu reino.

Algum tempo depois, a graciosa princesa, sobrinha do sultão, chegou às Ilhas Negras, onde se casou com o jovem rei, numa festa que durou noventa dias.

Foram felizes para sempre!

Fonte:
BAÇAN, L. P.
Lendas Árabes - E-book Virtual
Pérola, PR: Ed. do Autor, 2007.