sábado, 11 de janeiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 14 *

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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Flavius Avianus (O lobo e a aldeã)

 Constrito pela fome, o lobo desceu a montanha em busca de comida para si e para a sua família. O mais sorrateiramente que pôde, aproximou-se de uma casa, na esperança de encontrar alguma comida. De onde estava, ouviu o choro dolente de uma criança e a voz da mãe a dizer-lhe:
  
— Se não calares essa boca, jogo-te ao lobo furioso, que há de te comer!

Acreditando naquelas palavras, o lobo aguardou a noite inteira, esperançoso de que a mulher lhe atirasse à devora o filho, como prometido. Mas o menino, depois de muito chorar, acabou dormindo, tal era o seu cansaço. 

O lobo, então, perdeu toda a esperança. Faminto, voltou para a montanha, onde aguardava-o a sua família.

Prontamente, a loba percebeu que ele voltava débil e esfaimado. Disse-lhe, então:

— O que houve contigo? Porque não trouxeste alguma caça, como de costume, mas voltaste bem tristonho, com ar de desalento, e com a boca vazia?

— Não te espantes se não trago presa alguma entre os dentes. Uma promessa feita por uma mulher me deteve a noite inteira. Enquanto eu esperava que a aldeã a cumprisse, a luz do dia me alcançou. Os aldeões, com os seus cães, perceberam a minha presença, mas, a duras penas, e com grande esforço, consegui escapar da ferrenha perseguição. Assim, enquanto eu buscava alimento para a nossa família, uma mãe prometeu-me lançar o filhinho às minhas presas, mas não cumpriu com o prometido. Portanto, por causa de tal esperança, tardei-me perigosamente.

Moral:
Quem não quer ser enganado — conclui-se — não deve confiar em meras e inconstantes promessas alheias.
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Flavius Avianus nasceu em Roma, c. 400 d.C. foi um poeta romano tardio, que escreveu fábulas em latim e provavelmente viveu no final do século IV e início do século V. As 42 fábulas que levam o seu nome são dedicadas a um determinado Teodósio, cuja erudição é enaltecida com os termos mais elogiosos. Ele pode ser Ambrósio Teodósio, o autor de as Saturnais; alguns pensam que ele pode ser o imperador de mesmo nome. Quase todas as fábulas podem ser encontradas em Bábrio, que foi, provavelmente, fonte de inspiração de Avianus, mas como Bábrio escreveu em grego, e Avianus fala ter feito uma versão elegíaca composta a partir de uma cópia em latim deselegante, provavelmente, uma prosa parafraseada, ele não estava em débito com o original. A linguagem e a métrica estão em geral corretas, apesar de desvios do uso clássico, principalmente na gestão do pentâmetro. As Fábulas constituíram o livro mais difundido nas escolas medievais de gramática. Promythia e epimythia (introduções e moralidades), paráfrases e imitações eram frequentes, como o Novus Avianus de Alexander Neckam (século XII).

Fontes: 
Flavius Avianus. Fábulas. século V. versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 198


Trova de 
PAULO ROBERTO OLIVEIRA CARUSO
Niterói/RJ

Horas por dia eu passei 
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei 
uma conta bem real!
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Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Casulo da palavra

Palavra fechada no casulo da alma.
Como bicho da seda tecendo fios dourados.
Trabalha sem cessar.
Na noite profunda sonha.
Escondida, aguarda seu tempo.
Na hora certeira amadurece.
Silenciosa e calma.
Com a força do pensamento,
Abre sua provisória morada.
Vagarosa sai informe.
Úmida e gelada,
Na madrugada de um dia qualquer.
Aguarda o sol chegar.
Um raio luzente a aquece,
Revigora sua carne machucada.
Distende as asas lentamente,
Voa para experimentar a vida!
Agora linda e colorida borboleta.
Não é efêmera…
Logo ela volta e docemente pousa
Na perfumada flor branca do papel.
Que acolhedor está à sua espera.
A Indelével Palavra do poeta.
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Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

No caminho sem atalhos
que leva ao teu coração,
feri meus pés nos cascalhos
que espalhaste pelo chão.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Riscos e rabiscos

Riscos
Na mesa de madeira,
    Rabiscos nos tijolos
    Do fogão a lenha...

Desenhos no vidro
Nublado da janela,
Linhas curvas e retas
Na cadeira de palha
Marcam presença,
Pincelando ausências,
Enquanto a chuva risca
Mais um fim de tarde...
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

O cara dentro do armário
diz: “Não é o que você pensa”...
“Eu já sei”, responde o otário,
“o gajo é o lá da despensa”.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Nada de novo é novo, a própria história
(Narciso Alves Pires, in “Para além do adeus”, p.90)

Nada de novo é novo, a própria História
Já se repete em ciclos conhecidos
E o poder e os conflitos já vividos
Renascem das profundas da memória.

Deixou a vida de ser aleatória
E a patina cobrindo os tempos idos
Deixa vê-los, de novo, promovidos
A pepitas que brilham entre a escória.

Se tudo se transforma, diz a lei
Que deixada nos foi por Lavoisier
O mundo ao girar outro mundo deu.

Nesse rodar eu nunca saberei
Se existe uma razão e algum porquê
Que me impeça de eu ser um outro eu. 
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Poetrix de
MARDILÊ FRIEDRICH FABRE
São Leopoldo/RS

pas de deux

No jardim,
Borboletas dançam.
Coreografia da paixão.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Em uma tarde de outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao ir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
- Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol..
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel…quando eu escrevo!
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Poema de
JOSÉ CARLOS MOUTINHO
Porto / Portugal

Céu azul

Contemplo o céu, fascinado
Pelo azul imensamente belo;
Deslumbra-me a imensidão do infinito espaço
E me reduz a uma infinita expressão do nada!
As nuvens movimentam-se em bailados
De fantástica coreografia;
Brancas, pombas alvas da paz,
Na quietude do tempo que sorri,
Acariciadas pelo brilho do astro rei!

E é nesta visão, serena, que me acalma,
Ao mesmo tempo que me alerta,
Para as nuvens negras, tenebrosas e ameaçadoras
De tempestades de forças diluvianas...

Mas agora, aqui, neste momento,
Só quero sentir a ilusão do belo eterno
Que me é oferecido,
Neste quadro de singular perfeição,
Onde as cores são distintas
Das inventadas pelos homens;
Aquelas têm um brilho irreal, esotérico,
Que nos atraem e nos elevam espiritualmente,
Para um outro espaço extasiante de emoções.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Quando pergunta o burrinho, 
diz a mula envergonhada:
- "Tu nasceste, meu filhinho, 
por causa de uma...burrada!..."
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Saudade

Que me dizias, Augusto Meyer,
naquele tempo que não passa,
na mesa, junto à vidraça,
naquele bar que era um barco?

Por ela passavam mares,
passavam portos e portos,
ali que os ventos ventavam,
dos quatro cantos do mundo!

O que dizíamos? Sei lá!
não falemos em nossas vidas...
nem, por nós, se salvou o mundo...

Mas, Amigo, eu sei que tenho
— naquelas horas perdidas —
o meu ganho mais profundo!
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Trova de
FLÁVIO ROBERTO STEFANI
Porto Alegre/RS

Brinquedos bons eu não tinha,
mas sabia achar maneira,
e com latas de sardinha
eu tinha uma frota inteira.
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Hino de
PRACUÚBA/AP

Eia povo destemido tão querido,
Habitante desta linda natureza,
Vibra um sonho de um futuro radiante
Nesta terra que se torna fortaleza.

A vitória segue aos rios pela pesca,
Por pescadores corajosos habitantes,
Cuja fonte de saúde é majestosa
Se vasculhada nesses rios penetrantes.

Ó brava terra de mãe gentil,
Pracuúba, Amapá, Brasil...

Ó Deus, que abençoe esta terra
Da fauna rica e flora verdejante
Onde o rio que exalta a natureza
Resplandece seu trabalho exuberante.

Encoberto pela própria natureza,
Homenageia uma árvore gigante
Com um povo tão guerreiro e tão humilde
Que demonstra tal bravura radiante.

Que destaca nesta fauna o Tracajá,
O pirarucu e o Tucunaré
A beleza de Pracuúba, vale a pena observar,
É sua flora, a mais rica do lugar.

Ó brava terra de mãe gentil,
Pracuúba, Amapá, Brasil…
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Intolerância

Todos meus sentimentos embotados
deixam-me quase morta para a vida.
Roubaram minha astúcia e sem guarida,
deixaram os sentimentos desviados.

E com esta tristeza agoniada
não consigo os caminhos desejados.
Busco alento nos dias já passados,
só encontro a decepção continuada.

Não me deixa encontrar justa assertiva,
da falta de ternura que me invade,
ao ver o fingimento na inventiva.

Pensando já ser mestre no que faz,
assume esta postura intolerante,
achando que ninguém mais é capaz.
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Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Julguei sem pensar que um dia 
os anos réu me fizessem, 
sem defesa à revelia, 
nos bancos dos que envelhecem.
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Poema de
CARLOS NEJAR
Porto Alegre/RS

Formoso é o Fogo

Formoso é o fogo e o rosto
da amada junto a ele.
No lume de seu corpo
tudo em redor clareia.

Depois o que era fogo,
é espuma que se alteia.
E o mundo se faz novo
nas curvas da centelha.

Já não existe esboço,
mas desenhos, e teimam
— unos e justapostos.

Já não existe corpo:
são almas que se queimam
no amor de um mesmo sopro.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Já fui galo, já cantei
já fui dono do terreiro.
Não me importo que outros cantem
onde eu já cantei primeiro.
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Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) O meu cinto de couro de anta

Coisas fortes... coisas fortes ... Não, certos objetos não devem ser tão fortes que possam por isso vir a ser prejudiciais.

Eu me explico. Tive um cinto de couro de anta. Como se sabe, o couro de anta é um couro quase impossível de quebrar-se: é de uma resistência espantosa, rival do aço estirado.

Meu pai, durante cinquenta anos, usou umas rédeas de couro de anta, couro por ele esfolado, e já as havia herdado de meu avô, que foi quem caçou o dito bicho, sozinho, e até sem cachorro; e eu usei-as ainda por muitos anos, pelo prazer de serem feitas do couro de um animal que eu mesmo havia morto; foi mesmo com uma dessas rédeas que amarrei o meu baio Gemada à cauda de um tatu-rosqueira, o que custou a vida ao meu estimado cavalo... Parece-me que já falei nisso.

Pois o meu cinto, tirado do couro daquela mesma anta, e companheiro das rédeas, o meu cinto, digo, por forte, certa vez fez-me passar agonias... Andava em trabalho de campo, lidando com uma tourada de conta, cada bicho bem-criado, forte e bravo, que metia medo! Havia então um certo touro brasino (cor de brasa) que era uma verdadeira fera, e foi justamente esse que tomou-me embirrância especial, creio que por causa do pelo do cavalo que eu montava, que era vermelho. Por várias vezes ele atropelou-me de rijo; não andasse eu tão bem montado e seria colhido.

O tal era de raça franqueira, e tinha umas aspas abertas, quase de braça, cada uma, e grossas, na proporção.

Pois não lhes digo nada!

A última carga foi tão repentina, que eu só senti o perigo quando os companheiros gritaram, assustados. Mal tive tempo de cravar as esporas no baio, que deu dois saltos pra diante, mas - fatalidade! - para tropeçar e cair…

Com a minha calma habitual, saí perfeitamente, de pé; mas o touro vinha.., e no ímpeto em que vinha, com a chifrada armada, mal pude dar um passo à frente...

Ele baixou a cabeça, dando a tremenda marrada, e quando levantou a chifrada, esta resvalou por cima do cavalo e veio colher-me a mim, ainda de costas, certo, perfeitamente certo, entre o cinto e o corpo, nem mais nem menos; e, assim, fiquei dependurado no chifre do touro, tal qual um par de calças, suspenso pela presilha, num cabide... Que situação!

Por causa do peso do corpo, eu não podia desafivelar o cinto, e soltar-me; na posição em que estava, de costas, não podia fazer finca-pé e alçar-me acima do chifre e desengatar-me ...

E o touro disparou para o banhado levando-me dependurado, a dar com as pernas e os braços, como um boneco de cata-vento...

Os companheiros, que estavam de cavalos cansados, não puderam socorrer-me e perderam-me de vista...

O touro meteu-se banhado adentro, para a sua querência. Curti sofrimentos!

Fiquei sabendo falar de cadeira sobre o micuim, mosquito ruivo e mutuca parda... sobre espinho de gravatá e serrilha de tiririca... sobre camoatim e formiga vermelha!

À custa de muito esforço consegui, movendo-me, torcendo-me, ajeitando-me, consegui firmar um pé no cachaço (cangote) do touro e melhorar a posição, sentado naquele estranho banco.., sem encosto... Mas sempre foi um meio alívio.

Escureceu; como é fácil de imaginar, tive insônia. Amanheceu; e eu, como é fácil de imaginar, contrariado, por não poder ao menos lavar o rosto e pentear-me, como de costume...

touro, parece que nem sentia o meu peso; andava, pastava, remoia, mugia, farejava as vacas e acariciava os terneiros - seus filhos, provavelmente - sem mostrar que eu pesasse mais que uma palha seca...

Lá pelas tantas da segunda tarde, encontrou-se ele com outro touro. Berraram, ambos; escarvaram, rodearam um pelo outro, em desafio, e, de repente... - questão de ciumada - de repente, atiraram-se, em briga de morte, como duas feras, que eram.

E eu, de testemunha obrigada!

Ah! meu amigo! Me vi morto, esmagado, esborrachado entre aquelas duas cabeças duras ... esborrachado, estripado, entre aqueles quatro chifres pontudos! ...

Morto! ... Morto! ... Morto! ...

Pois ... não, senhor: justo, justo, quando se chocaram as duas brutas testas numa marrada formidável, capaz de esfarinhar urna pedra.., justo, justo, aí... quando, brrr! ... eu ia morrer, aplainado, chato, quebrou-se o dente da fivela do cinto, que, pois, desprendeu-se, e eu caí ao chão, solto, livre enfim, e disparei rua fora, e quebrei a primeira esquina, sem olhar pra trás! ...
Esquecia-me de dizer que durante esses dias de fome sustentei-me de araçás, que havia muito, no tal banhado.

Pois é... se não fosse o dente da fivela quebrar-se, o meu cinto de couro de anta, por bom demais, matava-me, olé, se matava!…
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João Simões Lopes Neto nasceu e morreu em Pelotas/RS, 1865 — 1916. Foi um escritor e empresário sul-rio-grandense e brasileiro. Segundo estudiosos e críticos de literatura, foi o maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, pois procurou em sua produção literária valorizar a história do gaúcho e suas tradições. Era membro de uma tradicional família pelotense, e possuía ancestrais portugueses, de origem tanto açoriana como continental, tendo ambos os seus antepassados emigrado para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Começa a escrever em 1888. No jornal “A Pátria”, depois no “Diário Popular” (no qual escreveu Balas de Estalo, comentários satíricos sobre a sociedade pelotense em forma de versos) e, posteriormente, no Correio Mercantil. Sob o nome de "Serafim Bemol" se lança como dramaturgo: O Boato (1893/1894), Os Bacharéis (1894), Mixórdia (1894/1895), O Bicho (1896), A Viúva Pitorra (versões de 1896 e 1898) e A Fifina (1899). Devido a uma úlcera duodenal morre em 1916, aos 51 anos. Considera-se que publicou apenas quatro livros em vida: Cancioneiro Guasca (1910); Contos Gauchescos (1912); Lendas do Sul (1913) e Casos do Romualdo (1914).

Fontes:
Simões Lopes Neto. Casos do Romualdo. Publicado originalmente em 1914. Disponível em Domínio Público.
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Arthur Thomaz (O quarto aposento)

Filomena era uma costureira muito requisitada no bairro, levava uma vida tranquila, tendo optado por não se casar e morando sozinha, conseguia se organizar financeiramente.

Ao completar quarenta anos foi chamada por Dona Henriqueta sua centenária bisavó e matriarca da família.

Ela entregou-lhe as chaves e o documento de propriedade, já em seu nome, de uma casa.

Contou que era um casarão repleto de “poderes mágicos” e que Filó só deveria ir morar lá quando completasse sessenta anos e que nada mais poderia esclarecer. Saiu intrigada com o acontecimento, imaginando que era uma possível senilidade da bisavó.

A vida seguiu seu curso normal, às vezes até esquecendo da tal casa, só recordando quando tinha que pagar os impostos do imóvel.

Alguns dias antes de completar sessenta anos começou a sentir-se ansiosa e pensar muito no que poderia significar a tal magia da casa.

Mesmo já tendo passado algumas vezes em frente ao casarão, foi lá para fazer uma avaliação mais detalhada do imóvel.

Era um casarão antigo situado no final de uma rua tranquila e com pouca vizinhança. Construído com excelente material, não aparentava sinais de deterioração pelo tempo.

No dia do aniversário recebeu a visita de alguns familiares e de amigas da paróquia, companheiras nas noites de bingo, organizadas pelo padre Anselmo, com a finalidade de arrecadar fundos para seus gastos pessoais, nada condizentes a sua opção pelo sacerdócio.

Após a confraternização, dirigiu-se apressadamente ao casarão para, enfim, cumprir os desejos da bisavó.

Logo ao entrar, ouviu uma risada muito parecida com a de dona Henriqueta, mas atribuiu o fato à sua ansiedade. Deparou-se com uma grande sala que apresentava quatro portas com chaves nas fechaduras.

Notou que o recinto estava arrumado e limpo, sem nenhum vestígio de pó ou manchas nos tapetes.

Trêmula foi até a primeira porta.

Era um cassino que, entre tantas mesas, incluía uma de bingo, seu jogo predileto. O segundo aposento era um ateliê completo de costura com equipamentos moderníssimos, o que a deixou encantada. O terceiro, apresentava uma estranha decoração e ao entrar sentiu-se tomada por poderes mediúnicos que nunca havia imaginado possuir. Imediatamente pensou em como capitalizar esse estranho fenômeno. Ao sair do quarto, notou o letreiro na porta com os dizeres "Mãe Filó médium, quiromante e cartomante". Quando foi abrir a quarta porta, ela, misteriosamente, transformou-se em uma parede, impedindo, assim, que adentrasse ao local. Através dessa parede ouviu novamente, a estridente risada da bisavó. Relevou mais uma vez esse fato e começou a fazer planos para desfrutar da nova moradia.

Nas manhãs, continuou seus trabalhos de costura, agora com maquinário moderno, o que aumentou substancialmente a sua freguesia .

Nas tardes, atendia pessoas que vinham procurar os trabalhos mediúnicos de Mãe Filó.

O aposento era composto por três mesas, cada qual propícia a determinada finalidade. No centro da primeira havia uma faiscante bola de cristal. A segunda mesa era revestida de feltro, adequada ao manuseio do baralho de tarô, e a última, era acolchoada, servindo para a quiromancia.

Ao entrar neste quarto Filomena transformava-se automaticamente, em Mãe Filó - portadora destes estranhos poderes.

Ganhou muito dinheiro nessa atividade. Nas noites, ela gerenciava o salão de jogos, dando atenção maior às rodadas de bingo, sempre repleta de jogadores.

Obteve altos rendimentos nesta função. Padre Anselmo observou que suas paroquianas, frequentadoras do bingo não compareciam mais. Sem dinheiro para custear suas nada religiosas ocupações paralelas, resolveu averiguar o que estava acontecendo. Descobriu, então, que elas estavam indo a um determinado endereço. Avisou seu amigo de noitadas, o delegado Montedonio, que prontamente organizou uma operação para interditar a tal casa de jogos ilícitos.

Quando a polícia chegou as portas dos quartos transformaram-se em paredes, deixando à vista somente o ateliê de costura.

Desconcertados realizaram buscas na casa e nada encontrando pediram desculpas à Dona Filomena e foram tomar satisfações do pároco pelas denúncias infundadas. Filomena depois deste acontecimento e já com uma quantia substancial na sua conta bancária, resolveu ultimar os preparativos para deixar o casarão.

Foi a Portugal, onde adquiriu uma Quinta no Além Tejo. Retornando ao Brasil para reunir seus pertences e dar uma destinação ao casarão, procurou Mafalda, sua sobrinha em quem depositava confiança.

Foram ao cartório e passaram a propriedade para o nome da sobrinha.

Explicou, detalhadamente, as condições para que Mafalda pudesse entrar na casa. Realçou o fato de somente poder entrar lá quando completasse sessenta anos, exatamente como ela havia feito.

Disse também que o casarão era mágico, notícia que foi recebida com ceticismo pela sobrinha. Entregou as chaves, fez as malas e nunca mais retornou ao Brasil, vivendo confortavelmente seus últimos anos. Mafalda, ao ver sua tia embarcar, não titubeou e foi até o endereço da sua nova residência.

Sem cumprir as determinações de sua tia, aproximou-se da porta e quando ia colocar a chave na fechadura ouviu uma gargalhada vinda do interior da casa.

Sem se impressionar com o fato, introduziu a chave.

Escutou então um forte estrondo, o que a fez recuar ao meio da rua, e presenciar o desabamento da construção que ficou reduzida a escombros.

Do meio das ruínas continuou a ouvir-se sonoras gargalhadas.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Volume 2. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. Enviado pelo autor.
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sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Daniel Maurício (Poética) 84


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O poeta Daniel Mauricio é natural de Jaguariaíva/PR, em 1968, Graduado em Letras - UFPR; Administração de Empresas - FESP; Direito - FARESC; Pós-graduado em Gestão Administrativa e Tributária – PUC/PR; Pós-Graduado em Gestão de Pessoas e Qualidade no Setor Público - SPEI; Pós-Graduado em Gestão Pública de Tecnologia da Informação – PUC/PR; Pós-Graduado em Gestão Pública – FAEL. É Auditor de Tributos Municipais da Secretaria Municipal de Finanças da Prefeitura Municipal de Curitiba. Foi Integrante da Câmara Técnica Permanente da ABRASF – Associação dos Secretários de Finanças das Capitais, atualmente Chefe de Serviços do Setor de Processos Administrativos da PMC, Professor da Rede Municipal de Curitiba; Monitor na área de Linguística na Universidade Federal do Paraná, entre outros. Pertence ao  Centro de Letras do Paraná; - Academia de Cultura de Curitiba; Confraria Brasileira de Letras; Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil; União Brasileira de Escritores etc. Publicou livros de poemas: Mosaico de Sentimentos; Cacos e Retalhos; Gotas Poéticas; Origamis de Palavras; Palavras de Cheiro;  Miudezas do Coração; Poemininos; Poesias da Madrugada; Leve-me;  Alma Lírica; Olhares; e Amar É.

Antonio Juraci Siqueira (Metamorfose)

A noite envolve a floresta em seu sudário. Pouco a pouco a lua liberta-se das copas das árvores para espiar o rio deslizar em silêncio entre jarandubas. De repente um punhal de fogo rasga a mortalha da noite e o estampido de um foguete quebra o silêncio. Em poucos segundos novos fachos de luz varrem o céu e o troar ecoa nas lonjuras insondáveis assustando a vida notívaga das redondezas e, ao mesmo tempo, avisando os moradores das cercanias que no velho barracão de madeira e palha, debruçado sobre o rio, a festa do santo padroeiro está começando. Após a ladainha, haverá arrasta-pé no salão de paxiúba-batida à luz de velhos candeeiros a querosene.

A Lua vai alta quando cessam os últimos “ora pro nóbis” nas bocas dos rezadores. A parte profana vai começar. A cuíra é geral. Num canto da sala, à ilharga do oratório enfeitado de fitas onde alguns cotos de velas ainda ardem nos castiçais de bronze, Dico Pimenta arranca as primeiras notas da velha clarineta herdada do avô, com quem aprendera os primeiros acordes. Presença garantida nas festas do lugarejo, sempre acompanhado da viola fiel do Neco Libório.

Mas nessa noite há um certo quê de intranquilidade rondando o ambiente. Se no rosto de cada caboclo a preocupação transparece, no semblante de cada ribeirinha há um furtivo ar de ânsia e de espera. Mas, afinal, o que será que semeia tanta preocupação nas almas dos homens e inunda de ansiedade os corações das mulheres? Ninguém sabe explicar com segurança. Tudo começou quando um rapaz passou a frequentar as festas, saído sabe Deus de que brenhas. Ninguém o conhecia na localidade ou, pelo menos, cruzara seu caminho durante o dia. 

A verdade é que todas as vezes que havia festas por aquelas bandas lá estava ele envergando elegante terno de linho branco a rodopiar no salão, arrancando suspiros inconfessáveis das moças interioranas e crivando de inveja e ódio os espíritos dos jovens caboclos. E não era para menos: o garboso mancebo, além do alinhado fato branco e do inseparável chapéu de abas largas a sombrear-lhe a face enigmática, ostentava, ainda, um belo relógio de pulso folheado a ouro, um reluzente par de negros sapatos e um vistoso cinturão de pele de cobra com dois rubis encravados na fivela. Jamais alguém o ouvira pronunciar uma só palavra. Um olhar sedutor acompanhado de um leve gesto com a cabeça na direção de uma dama era o bastante para que ela, alma em fogo e o coração em brasa, se lançasse perdidamente em seus braços. E como dançava!... Onde aprendera a dançar daquela maneira ninguém sabia. Nem mesmo a superfície irregular do soalho de paxiúba era capaz de obstruir a elegância de seus passos. Quando menos se esperava, desaparecia sem deixar vestígios, levando consigo, sabe Deus como, a moça com quem dançava minutos antes, deixando, em seu lugar, o medo e a tristeza plantada nos rostos dos amigos e parentes da infeliz. A festa findava ali. No dia seguinte, após fatigável busca, a vítima era localizada num trecho qualquer das margens do rio, olhar mortiço a fitar o vazio, trazendo, agora, a germinar no ventre, a semente indesejável de um amor maldito.

Os mais velhos aceitavam o fato como obra do destino, algo terrível e fatal contra o qual não tinham como lutar. Já os mais jovens não se conformavam ante a situação de terem suas irmãs, namoradas e até noivas infelicitadas por esse ente maligno do qual nem sequer o nome sabiam.

O grão da revolta há muito tempo semeado e regado na alma dos nativos, germinou e ganhou corpo com tanta intensidade que nessa noite um grupo deles planejou acabar com aquele estado de coisas, caso o diabólico rapaz de branco ousasse aparecer na festa.

Indiferente ao destino da humanidade, a Lua singra os mares celeste derramando sua luz sobre seres brutos e mortais. É preamar. O rio interrompe seu fluxo por uns instantes como a recobrar forças para reiniciar sua perene jornada em direção ao mar. De repente, como se fora o próprio luar materializado, uma figura humana em trajes resplandecentes surge no terreiro. Passos lentos e firmes transpõem o batente da porta do barracão. Não há surpresa. Apenas indignação e raiva no olhar dos homens contrastando com a indissimulável alegria bordada no olhar das moças.

Após o impacto emocional do primeiro instante a festa prossegue embalada ao som da velha clarineta do Dico Pimenta, acrescida, agora, de mais um cavalheiro que, indiferente a tudo, volteia pelo salão mal iluminado, ora com uma, ora com outra dama que completamente mundiadas disputam-lhe a posse.

A festa vai rasgando a madrugada quando o estalido seco de uma bofetada dá início à briga premeditada pelo grupo de rapazes com o intuito de nela envolver o intruso dançarino. O furdunço é total. As mulheres, apavoradas, correm em busca de abrigo. O cerco se fecha em volta do misterioso rapaz de branco que num salto felino livra-se da dama e, com movimentos incrivelmente ágeis, vai escapando das peixeiras ávidas de sangue. A cena insólita tende ao sobrenatural. Facas relampeiam em busca do corpo do fantástico ser e nada encontram. O cansaço e o medo apoderam-se dos ribeirinhos. Em dado momento o moço mergulha no mar de facas em direção ao soalho para recuperar o chapéu perdido na contenda. Ao levantar-se uma mancha vermelha macula a lapela esquerda do terno branco. Mortalmente ferido, consegue, num derradeiro esforço, lançar-se porta a fora em direção ao rio. Novas e violentas facadas o prostram, definitivamente, a poucos passos da ribanceira.

O barracão, outrora festivo, se veste de silêncio. Somente o rio murmura entre barrancos sob o jugo da maré vazante. O povo, ainda sem entender direito o que aconteceu, vai formando um circo ao redor do corpo agonizante que, em dado momento, com um pavoroso grunhido, estremece devolvendo à fria atmosfera seu último suspiro. Nesse instante, com o terror desenhado nos rostos, os presentes testemunham uma estranha e aterradora metamorfose: aquilo que antes parecera, aos olhos de todos, um par de negros sapatos a deslizar faceiros pelo salão, retoma a forma original de dois acaris; do belo relógio de pulso, que tanta inveja despertava nos corações dos jovens caboclos, nada mais resta além de um pequeno caranguejo e o cinturão de pele de cobra com rubis na fivela, revela-se, agora, uma temível jararaca-do-barranco. Finalmente, rostos banhados de luar e pânico, aquela gente simples do interior da Amazônia vê o inseparável chapéu de abas largas do rapaz de branco transformar-se, ante seus olhos, numa arraia a debater-se, indefesa, ao lado do corpo inerte e exangue de um formidável boto tucuxi.
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Antônio Juraci Almeida Siqueira, nasceu em Afuá, no Pará, em 1948). Escreveu diversas obras literárias, entre elas merecem destaque, O Chapéu do Boto (2003), Paca, Tatu; Cutia não! (2008), e Aumentei, Mas Não Menti (2016). Seus poemas, contos e trovas são principalmente inspirados no folclore, nas crenças e saberes populares e pela natureza amazônica. Popularmente ele é conhecido como "o boto" ou o poeta "filho do boto". Em 1978, e foi morar em Belém. cursou Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, atua como instrutor de oficinas literárias, artista performista, contador de histórias, e leciona filosofia na rede pública de educação paraense. É considerado um dos poetas mais prolíferos da região Norte do Brasil. Seus trabalhos variam entre publicações de livros de literatura infantojuvenil, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas e textos humorísticos. Todo esse trabalho rendeu-lhe cerca de 200 premiações em concursos literários de diversos gêneros, tanto no âmbito nacional, quanto no estadual.

Fontes: 
https://blogdobotojuraci.blogspot.com/2008/08/metamorfose.html
Imagem = https://br.pinterest.com/pin/98586679343712210/

Vereda da Poesia = 197


Trova de
LEÔNCIO CORREIA 
Paranaguá/PR (1865 – 1950)

No mar aberto em feridas
em cuja dor te renovas,
sana-se o mal de outras vidas
em meio de grandes provas.
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Triversos de
LUCIAH LOPEZ
Curitiba/PR

Vesperais

I
extraindo a saudade
das varandas e alpendres
tua substância esvanece

II
no horizonte vermelho
ídolos se avizinham
fugidias são as horas

III
ázimos serão os pães
que alimentarão as bocas
ao final do dia

IV
ao entardecer
o jardim é secreto
palco de euforias

V
ao cair da tarde
despertam cigarras cantadeiras
sonora euforia
= = = = = = = = =  

Trova de
GERSON CÉSAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Ator, arisco ao cabresto,
rebelde, se for preciso,
a vida escreve o meu texto
e eu teimo e sempre improviso!
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Lembranças de Minas Gerais

De manhãzinha -
Janela entreaberta
À mesa de madeira
Pequenas flores perfumam
A caneca de ágata,
Recebendo os tênues raios de sol,
Enquanto o gato se espreguiça
À soleira da porta -
Distancia-se o som do trem,
Sinto o aroma de café
Que evola do antigo bule azul,
Emoldurando
O despertar da vida
Em poesias e nas alegres
Borboletinhas brancas -
Manhã de primavera
Desperta em Minas...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Guri do boné virado, 
estilingue... palavrão..., 
hoje, vigário ordenado: – 
Pax vobiscum, meu irmão!
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Hei de render-me de braços levantados
(Mário Sousa Ribeiro, in “Textos de Amor”, p. 118)

Hei de render-me de braços levantados
Se apontares um beijo ao meu coração
E, algemados, arrastares à prisão
Estes meus olhos puros de amor armados.

Detido entre os teus braços já desfardados
Não irei implorar nada, nem perdão
E só assinarei uma confissão
A de querer os ferros eternizados.

Provo que sou culpado, sim, pela morte
Desses dias de pasmo e sinistra sorte
Que tive antes de tu bem me aprisionares.

Sei que o teu amor me salva e me redime
Mas irei cometer sempre o mesmo crime
Para nunca, nunca mais tu me soltares. 
= = = = = = = = = 

Poetrix de
REGINA LYRA
João Pessoa/PB

Harmonia

Supostas teclas
dedilham saudades.
Música que fazíamos juntos.
= = = = = = 

Poema de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918


Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
- Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Almoço e janto poesia. 
E neste meu universo, 
mastigo um pão todo dia 
amanteigado de verso.
= = = = = = 

Poema de
HEINRICH HEINE
Alemanha, 1797 – 1856

De Manhã Cedo

Minha esposa querida e boa.
Minha bem amada esposa,
Que logo pela manhã
Negro café, branco leite,

É ela mesma quem serve!
E com que encanto, que sorriso!
Em todo o mundo de Cristo
Não há quem sorria assim.

E a flauta que é sua voz
Só entre os anjos se encontra.
Cá por baixo, quando muito,
Entre os melhores rouxinóis.

E as mãos que são como lírios
E os cabelos que entressonham
Em volta do róseo rosto!
Ah, tudo nela é perfeito!

Hoje, porém, ocorreu-me
- Não sei porquê - que um pouquinho
Mais elegante o seu corpo
Pudera ser. Um pouquinho.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Pergunta o padre ao noivinho: 
- "É de espontânea vontade?" 
e ele respondeu baixinho:
- "Não senhor...necessidade!...”
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Eu sou aquele

Eu sou aquele que, estando sentado a uma janela,
a ouvir o Apóstolo das Gentes,
adormeci e caí do alto dela.
Nem sei mais se morri ou fui miraculado:

consultai os Textos, no lugar competente —
o que importa é que o Deus que eu tanto ansiava
como uma luz que se acendesse de repente,
era-me vestido com palavras e mais palavras

e cada palavra tinha o seu sentido...
Como as entenderia — eu tão pobre de espírito
como era simples de coração?

E pouco a pouco se fecharam os meus olhos...
e eu cada vez mais longe... no acalanto
de uma quase esquecida canção...
= = = = = = 

Trova de
MIFORI
(Maria Inês Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

A flor caiu dos cabelos
da jovem que ali passava
e levada foi sem zelos
para o mar que a cobiçava.
= = = = = = 

Hino de
TORRES/ RS

Torres.
Tu és, cidade - menina,
A mais formosa praia sulina....
Tu és vida, luz e calor,
Tu és um poema de amor.

Entre as praias gaúchas,
Tu és a mais bela;
És uma linda aquarela.
De cor e de poesia...
És magistral sinfonia.

O teu mar de verdes águas,
Batendo contra os rochedos,
Vai cavando entre penedos
Tuas furnas deslumbrantes...

O Mampituba sereno,
A Torre Sul e a Guarita,
O Farol e a Torre Norte,
A Igrejinha tão bonita.

Recantos cheios de sonhos...
Torres : Ó praia tão sedutora,
Tens a beleza morena
Da menina sonhadora,
Da moça que devaneia
Sobre a tua areia...

Ó Torres :
Das três torres,
Tu és a rainha das praias...
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

A palavra

Palavras no contexto expressam vida
de felizes momentos ou tristezas,
de dor, condenação ou de belezas,
mas sempre vão estar em tua lida.

As decisões tratadas nas empresas,
nas escolas, na rua ou na avenida,
terão pra sempre a nota definida
pelas palavras cheias de certezas.

Mas, se a elas usamos com desprezo
transformarão aquilo que fizermos,
perderão o sentido em apalermos.

Mas se o texto estiver já bem coeso,
com a palavra usada em bom contexto
vamos, pois, escrever, não há pretexto.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

A mulher que é mãe me encanta, 
no lar, seja aonde for.
Pois sendo mãe ela é santa 
sendo mulher é o amor.
= = = = = = = = = 

Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Missão

Quando alguém te ferir,
escreve;
quando a noite chegar,
escreve;
quando a chuva cair,
escreve;
quando o sonho acabar,
escreve!

Se a tristeza se for,
escreve;
se o amor renascer,
escreve;
se a esperança se impor,
escreve;
se o jardim florescer
escreve!

E só então
terás cumprido à risca
tua missão.
= = = = = = = = =  

Quadra de
AUTOR ANÔNIMO

Não sei se vou ou se fico,
não sei se fico ou se vou…
Se vou, eu sei que não fico,
se fico, eu sei que não vou…
= = = = = = = = =