quarta-feira, 26 de julho de 2023

Mör Jokai (O Catavento infeliz)

Parece que a fortuna se diverte estendendo a mão favoravelmente a alguns indivíduos, enquanto que a outros só os engana e tortura a vida toda. Os seus caprichos fornecem-nos saliente exemplo dos dois modos de proceder. Relatamos os factos como os ouvimos, sem acrescentar uma palavra.

No final do ano de 1840, a guerra era o único assunto em voga. Especialmente em Peste, a palavra "paz" estava fora de moda. Os hotéis viviam plenos de hóspedes, que se encontravam em especial para discutirem o assunto predileto. Ouviam-se músicas marciais de manhã à noite; preparava-se a guerra europeia. 

Estavam sentadas diante de uma pequena mesa do Hotel Nagy Pipa duas personagens a quem se poderia aplicar o ditado alemão: “um cala e o outro o escuta”, porque uma dessas personagens parecia meditar atentamente a causa provável ou possível do silêncio do seu companheiro, deitando-lhe de vez em quando um olhar curioso como se quisesse sondar algum projeto secreto que ele tivesse forjado. 

Este sujeito observador era, nem mais nem menos, do que o compassivo Mestre Janos, cabo da polícia e vice-carcereiro da pobre cidade de Peste; e quando informamos aos nossos leitores de que ele ocupava este posto no tempo de Metternich, e que, apesar da queda deste ministro, ainda conservava o seu lugar, o que não costuma ser a sorte de um ministério caído, com certeza haverão de admitir que o favorecido pela fortuna era este Mestre Janos em pessoa. Da mesma maneira não se pode negar que o indivíduo à sua frente fosse perseguido pela deusa volúvel como era favorecido Mestre Janos, não só porque era alvo dos olhares desconfiados do honrado Mestre Janos, mas muito especialmente porque aprendiz de serralheiro de Viena não podia fazer pior coisa do que vir a Hungria, país onde este ofício é exercido a cada canto das vilas pelos ciganos wallachios. 

Mestre Janos não havia estudado Lavater, mas uma longa experiência levara-o a julgar, depois de um minucioso exame no rosto do homem, que estava ele ruminando algum plano contra-revolucionário. Como consequência disto, aproximou-se mais da cadeira, resolvido a quebrar aquele silêncio. 

- De onde vem o senhor, se me dá licença de perguntar? - indagou ele ao companheiro de mesa, com um olhar astuto. 

- Ah! de Viena - suspirou o outro, olhando o seu copo vazio. 

- E que notícias nos traz da cidade? 

- Hum... nada boas! 

- Nesse caso, quais as más notícias? 

- Receia-se muito que haja uma guerra. 

- Receia-se? Mas que audácia! Como se arriscam a temê-la? 

- Ah, meu senhor, eu também não a temo, desde que esteja a uma distância de trinta léguas; escutei numa adega, uma vez, bombardearem as ruas, e não achei isso nada agradável. 

Mestre Janos ficou mais desconfiado ainda. Resolveu fazê-lo com que bebesse um pouco mais. Seria provável que, assim, acabasse descobrindo algum tipo de conspiração perigosa. Quantos copos um serralheiro demandaria? À segunda caneca, a cabeça descaiu-lhe, e a língua movia-se com dificuldade. "Agora é a hora certa", pensou Mestre Janos, enchendo o copo de novo. 

- Viva a liberdade! - exclamou, esperando que o serralheiro lhe tocasse no copo, para completar a saudação. 

O austríaco não levou muito tempo para atender o convite, e repetiu o "Viva!", tanto quanto sua língua embriagada o permitiu. 

- Agora é a sua vez de levantar um brinde - disse o vice-carcereiro, olhando sua vítima com o canto do olho. 

- Bem, eu não estou acostumado a brindar, senhor: só a acompanhar o brinde dos outros... 

- Vamos lá, não seja egoísta e beba a saúde de quem considera o homem mais notável do mundo, ande. 

- Do mundo inteiro? - perguntou o serralheiro, pensando que o mundo era imenso e ele pouco conhecia dele. 

- Sim, do mundo inteiro, de todo o globo terrestre - continuou Mestre Janos, em tom de confidência. 

O serralheiro hesitou, esfregou o nariz e finalmente gritou: 

- Viva o Mestre Slimak! 

Com esta demonstração, o vice-carcereiro estremeceu. Com certeza este Mestre Slimak era algum chefe eleito, não havia dúvida! E sem aquela, agarrou o serralheiro pela gola do casaco e, conduziu-o até a casa da câmara, onde o arrastou para uma sala estreita e lúgubre, à presença de um sujeito gordo e de rosto rosado. 

- Este homem é um suspeito - exclamou ele. - Em primeiro lugar, teve o atrevimento de temer a guerra; em segundo, esteve sentado das sete às nove e meia, duas horas inteiras sem abrir a boca! E finalmente teve a petulância de brindar publicamente um tal Mestre Slimak, que muito provavelmente é um indivíduo tão suspeito como próprio. 

- Quem é Mestre Slimak? - perguntou, com ar severo, o homem gordo e corado. 

- Ninguém, senhor - respondeu o vienense, tremendo -, a não ser o meu primeiro patrão, um honrado serralheiro como eu a quem servi durante quatro anos e ainda estaria servindo se a mulher dele não tivesse me espancado. 

- Impossível! - replicou o sujeito gordo e corado. - Ninguém faz um brinde em público a um personagem como este! 

- Mas eu não conheço os costumes cá desta terra. 

- Se queria fazer um brinde, porque não brindou à liberdade constitucional, aos exércitos do Danúbio ou à liberdade de imprensa, ou algum brinde semelhante? 

- Mas, meu senhor. Em um mês aqui eu não poderia ter aprendido isso tudo. 

- Mas em três meses espero que possa aprendê-lo muito bem. Mestre Janos, prenda esse homem! O compassivo Mestre Janos agarrou o delinquente pela gola, e levou-o para o lugar reservado aos malfeitores dessa espécie, onde teria tempo para meditar sobre as razões que o tinham ali colocado. 

Os três meses passaram-se com muito vagar para o serralheiro. Eram meados de março. Mestre Janos colocou seu prisioneiro em liberdade. O honrado homem, para provar que tinha modificado seus sentimentos e assim enaltecer-se aos olhos de Mestre Janos, saudou-o com as seguintes palavras: 

- Viva a Liberdade e viva o Exército húngaro! 

Mestre Janos tremeu nas bases, encostou-se à parede, mudo e horrorizado e, ao retomar o equilíbrio, agarrou o serralheiro atônito que, quando deu por si, achava-se mais uma vez na sala estreita e lúgubre. Desta vez, porém, em lugar do homem gordo e corado, encontrava-se diante de um outro, escuro e magro, o qual, ao compreender a acusação contra o prisioneiro, sem permitir explicações, condenou-o a três meses de prisão, informando-se que dali em diante, se não pretendesse pior sorte, deveria de gritar: - Viva o Exército Imperial, viva a grande Constituição e a única e poderosa Áustria! 

E o serralheiro, tendo apenas dado três passos para fora de sua cela, voltou à prisão, refletindo sobre sua pouca sorte. 

Passaram-se mais três meses. Era junho. O compassivo Mestre Janos não deixou de libertar seu prisioneiro. O pobre homem começou logo, ainda na porta da cela, a pronunciar as palavras redentoras: 

- Viva o Príncipe Winischgrätz! Viva a gloriosa Áustria! 

Mestre Janos levou a mão à espada, como se quisesse defender-se daquele homem incorrigível. 

- Como é? Pois não lhe bastaram duas prisões? Ainda não aprendeu o que deve dizer? Tenha a bondade de vir até aqui. 

E pela terceira vez entrava na pequena sala. Em lugar do sujeito escuro e magro estava o outro, gordo e corado, em cuja presença a nossa vítima foi instado a responder pelo seu delito. 

- Traidor teimoso! - exclamou o homem. - Não compreende a gravidade de sua ofensa e que, sob a minha responsabilidade, em vez de tê-lo condenado a três meses de encarceramento eu o tivesse entregue a Justiça, você estaria a esta hora cortado em quatro pedaços, como bem o merecia? 

O pobre serralheiro teve de se consolar, em meio a seu terror, com a suavidade do seu castigo. 

- Mas o que é que eu deveria ter dito? - perguntou ao seu indulgente juiz, em tom de desespero. 

- Como? O que deveria ter dito? Viva a República! Viva a Democracia! Viva a Revolução! 

O pobre homem repetiu as três saudações e, prometendo fielmente atendê-los, resignou-se pacientemente a mais uma pequena jornada em sua escura toca. 

Durante os três seguintes meses, tudo mudara, menos a boa sorte do Mestre Janos. Nem o tempo nem o acaso tinham conseguido despojá-lo do seu lugar, como acontecera a tantos outros. Ele era ainda vice-carcereiro da nobre cidade de Peste, como sempre o fora. Era o mês de setembro. A pena do serralheiro terminara; Mestre Janos chamou por ele. O rosto do prisioneiro traduziu que havia alguma coisa de importante; e logo que o dito carcereiro se aproximou dele, segurando-lhe a mão, exclamou entre soluços: 

- Ó Mestre Janos, diga àquela pessoa que lhe beijo humildemente a mão e que desejo do mais fundo da minha alma as prosperidades da República. 

Como o lobo faminto cai sobre o cordeiro, Mestre Janos mais uma vez agarrou o serralheiro pela sua mal cuidada gola. De fato, o digno carcereiro estava tão ofendido que, tendo conduzido o prisioneiro à sala estreita, levou algum tempo até voltar a si, o suficiente para explicar os acontecimentos ao sujeito negro e magro que mais uma vez ocupava o lugar do outro, grande e corado; e grande foi seu desgosto quando aquele cavalheiro, em vez de condenar o delinquente a ser esmagado na roda, apenas lhe deu mais três meses de detenção. 

No dia três de novembro todas as pessoas detidas por pequenos delitos políticos foram postas em liberdade; o serralheiro, entre elas. Quando Mestre Janos abriu a porta, o infeliz serralheiro tapou a boca com o lenço, dando a entender ao carcereiro que dali em diante guardaria suas íntimas saudações apenas para si mesmo. Poderia ter-lhe servido de consolo o fato de se saber que não fora ele o único a gritar "Viva!" na hora errada.

Fonte:
Mör Jokai. Publicado originalmente em 1854, 
em Hungarian Sketches in Peace and War

terça-feira, 25 de julho de 2023

Varal de Trovas n. 585

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 88

Daquelas manhãs rabugentas de agosto - - umidade, frio e a costumeira neblina no vale do Iguaçu. O professor Werno, o "Wernão", entra na sala de aula com a caixinha de giz e livros de chamada embaixo do braço. Nas quartas-feiras são três aulas com ele - Português, Latim e OSPB. Após o "bom dia" a ordem, "abram-se as janelas para que saiam os ares infectos". 

Com aquele frio! 

Quase uma centena de alunos moravam no internato mais conhecido nas barrancas do Iguaçu e cidades lindeiras, de onde vinham para estudar. 

Tempos gloriosos quando a garotada vivia em ebulição, ativa, esperta, a receber conhecimentos. Internatos são educandários referência em termos de educação, respeito, lazer sadio. E lembrar os "quebras" (futebol) lá no bosco dos eucaliptos, o basquete na cancha, o pingue-pongue na sala de jogos. 

Dias e dias, meses e meses, o ano escolar. O internato esplende vida. Passado já das dez da noite alguns ouvem futebol no rádio quando, de repente, estoura uma guerra de travesseiros no dormitório dos menores. 

Tiroteio de travesseiros. Logo o frei Francisco (botafoguense doente) toma as atitudes. Arranca o cíngulo, cordão usado na barriga pelos franciscanos, e distribui laçaços nos mais bagunceiros. Logo o silêncio. A gurizada dorme o sono necessário. Aulas logo cedo. 

Fonte:
Enviado pelo autor.

Graciliano Ramos (Uma canoa furada)

Mestre Gaudêncio curandeiro, homem sabido, explicou uma noite aos amigos que a terra se move, é redonda e fica longe do sol umas cem léguas. 

— Já me disseram isso, murmurou Cesária.

Das Dores arregalou os olhos, seu Libório espichou o beiço e deu um assobio de admiração. O cego preto Firmino achou a distância exagerada e sorriu, incrédulo:

— Conversa, mestre Gaudêncio. Quem mediu? Das telhas para cima ninguém vai. Isso é emboança (lorota) de livro, papel aguenta muita lorota. Cem léguas? Não embarco em canoa furada não, mestre Gaudêncio.

— Ora, seu Firmino! exclamou Alexandre. Para que diz isso? Embarca. Todos nós embarcamos, é da natureza do homem embarcar em canoa furada. Tudo neste mundo é canoa furada, seu Firmino. E a gente embarca. Nascemos para embarcar. Um dia arreamos, entregamos o couro às varas e, como temos religião, vamos para o céu, que é talvez a última canoa, Deus me perdoe. Embarca, seu Firmino.

Levantou-se, foi acender o cigarro ao candeeiro de folha, voltou à rede.

— Embarca. E por falar em canoa furada, vou contar aos senhores o que me aconteceu numa, há vinte anos. Canoa verdadeira, seu Firmino, de pau, não dessas que vossemecê puxou para contrariar mestre Gaudêncio. Ora muito bem. Numa das minhas viagens rolei uns meses por Macururé, levando boiadas para a Bahia. Já andaram por essas bandas? Tenho aquilo de cor e salteado. Ganhei uns cobres, mandei fazer roupa no alfaiate, comprei um corte de pano fino e um frasco de cheiro para Cesária. Demorei-me na capital uma semana. Aí fiz tenção (intento) de vender a fazenda e os cacarecos, mudar-me, dar boa vida à pobre mulher, que trabalhava no pesado, ir com ela aos teatros e rodar nos bondes. Refletindo, afastei do pensamento essas bobagens.

“Matuto, quando sai do mato, perde o jeito. Quem é do chão não se trepa. Ninguém me conhecia na cidade cheia como um ovo. A propósito, sabem que um ovo custa lá cinco tostões? Calculem. Não me aprumo nessas ruas grandes, onde gente da nossa marca dá topadas no calçamento liso e os homens passam uns pelos outros calados, como se não se enxergassem. Nunca vi tanta falta de educação. Vossemecê mora numa casa dois ou três anos e os vizinhos nem sabem o seu nome.

“Nos meus pastos a coisa era diferente. Lá eu tinha prestígio: votava com o governo, hospedava o intendente, não pagava imposto e tirava presos da cadeia, no júri. Vivia de grande. E quando aparecia na feira, o cavalo em pisada baixa, riscando nas portas, os arreios de prata alumiando, o comandante do destacamento levava a mão ao boné e me perguntava pela família. Tenho tocado nisso algumas vezes, e os amigos vão pensar que estou aqui arrotando importância. É engano, detesto pabulagem. Na capital só viam em mim um sujeito que vendia gado. Mas se quiserem saber a minha fama no sertão, deem um salto à ribeira do Navio e falem no major Alexandre. Cinquenta léguas em redor, de vante a ré, todo o bichinho dará notícia das minhas estrepolias. 

"A história da onça, a do bode, o estribo de prata, este olho torto, que ficou muitas horas espetado num espinho, roído pelas formigas, circulam como dinheiro de cobre, tudo exagerado. É o que me aborrece, não gosto de exageros. Quero que digam só o que eu fiz. Esse negócio da canoa entrou num folheto e hoje se canta na viola, mas com tantos acréscimos que, francamente, não me responsabilizo pelo que escreveram. Exatamente o que sucedeu com o marquesão. Lembram-se? Dr. Silva pegou o marquesão de jaqueira e fez dele o que entendeu, encheu a casa de cortiços. Não era o meu marquesão, que só deu quatro pés de jaca. O caso da canoa também foi muito aumentado. É bom prevenir. Se vossemecês ouvirem falar nele em cantoria, fiquem sabendo que as nove-horas são astúcias do poeta. O acontecido foi coisa muito curta, que eu podia embrulhar num instante. E se converso demais, é porque a gente precisa matar tempo, não sapecar tudo logo de uma vez. Se não fosse assim, a história perdia a graça. Por isso espichei diante dos amigos a cidade grande, os teatros, os bondes, os ovos e a roupa nova, o corte de pano fino e o frasco de cheiro que ofereci a Cesária. Ela vestiu o pano fino e botou o frasco de cheiro no lenço, mas isto não adianta. Sem cheiro e sem pano, a história da canoa seria a mesma, um pouco mais encolhida. Bem, como disse aos amigos, demorei na Bahia, com desejo de arranjar-me por lá. 

“Quando vi que a intenção era besteira, decidi voltar para casa, amansar brabo, arrematar caixas de segredo em leilão e animar o cordão azul e o cordão vermelho, no pastoril, que foi para isto que nasci. Sim senhores. Selei o cavalo e atirei-me para o norte. Caminhei, caminhei, cheguei ao S. Francisco. Seu Firmino andou no S. Francisco? Não andou. É o maior rio do mundo. Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento. Quer dizer que, se em vez de correr por cima da terra, ele corresse para os ares, apagava o sol, não é verdade, mestre Gaudêncio? Nunca vi tanta água junta, meus amigos. É um mar: engole o Ipanema em tempo de cheia e pede mais. Está sempre com sede. Não há rio com semelhante largura. Vossemecês pisam na beira dele, olham para a outra banda, avistam um boi e pensam que é um cabrito. Por aí podem imaginar aquele despotismo. Pois eu ia morrendo afogado no S. Francisco, vinte anos atrás. Afogado não digo que morresse, porque enfim dou umas braçadas, mas, se não me afogasse, era certo estrepar-me no dente da piranha, o bicho mais infeliz que Deus fabricou. Já viram piranha? Se não viram, perdem pouco. É uma criatura que não tem serventia e morde como cachorro doido. Onde há sangue aparece um magote delas. Entra um vivente na água e em cinco  minutos deixa lá o esqueleto. 

“Percebem? Topei o S. Francisco empanzinado (entupido), soprando. Tinha lambido as plantações de arroz, comido as ribanceiras, e a escuma subia, ia cobrindo as catingueiras e as baraúnas. Viajei dois dias para as cabeceiras, procurando passagem. E, ali pelas alturas de Propriá, vi uma canoa cheia de gente que botava para as Alagoas. — “Seu moço, perguntei ao remador, essa gangorra é segura?” E o homem respondeu, de cara enferrujada: — “Segura ela é. Mas garantir que chegue ao outro lado não garanto. Se tem coragem de se arriscar, entre para dentro, que ainda cabe um.” 

“Fiquei embuchado, com uma resposta atravessada na goela, pois acho desaforo alguém pôr em dúvida a minha disposição. Que, para usar de franqueza, o que faço direito é correr boi no campo. Mergulhar e brigar com peixe não é ocupação de gente. Desarreei o animal, amarrei o cabresto na popa da canoa, arrumei os picuás e embarquei. O cavalo nadou, três mulheres velhas puxaram os rosários e navegamos em paz até o meio do rio. Aí, quando mal nos precatávamos (preveníamos), o diabo do cocho se furou e em poucos minutos os meus troços estavam boiando. Foi um deus nos acuda: os homens perderam a fala, as mulheres soltaram os rosários e botaram as mãos na cabeça, numa latomia (barulhada), numa choradeira dos pecados. — “Então, seu mestre, perguntei ao canoeiro, o senhor não disse que esta geringonça era segura?” E o desgraçado respondeu: “Segura ela era. Mas, como o senhor está vendo, agora não é.” — “Que é que vamos fazer?” gritei desadorado. — “Sei lá, disse o homem. Quem tiver muque puxe por ele e veja se alcança terra, o que acho difícil.” 

“A minha vontade foi dar uns tabefes no sem-vergonha, mas não havia tempo, os amigos veem que não havia tempo. — “Está bem, tornei. Nós ajustaremos contas depois. Se escaparmos, será na banda alagoana. Se formos para o fundo, no céu ou no inferno a gente se encontra e você me contará isso direitinho, seu filho de uma égua.” Acocorei-me e pus-me a esgotar aquela miséria com o chapéu. Os viajantes machos fizeram o mesmo e as mulheres dos rosários, chamadas à ordem, agarraram cuias e caíram no trabalho. Tempo perdido. Gastávamos forças e o traste cada vez mais se enchia. Desanimei, ia entregar os pontos quando me veio de repente uma ideia, a ideia mais feliz que Deus me deu. Lembrei-me de que tinha no bolso da carona um formão e um martelo, comprados para o serviço da fazenda. Muito bem. Veio-me a ideia, dei um salto, fui à carona, peguei o formão e o martelo, fiz um rombo no casco da canoa. Os companheiros me olhavam espantados julgando talvez que eu estivesse doido. Mas o meu juízo funcionava perfeitamente. Imaginam o que sucedeu? A embarcação se esvaziou em poucos minutos, continuou a viagem e chegou sem novidade a Porto-Real-do-Colégio. Natural. A água entrava por um buraco e saía por outro. Compreenderam? Uma coisa muito simples, mas se eu não tivesse pensado nisso, alguns pais de família e três devotas teriam acabado no bucho da piranha. Desembarcamos na terra alagoana. Aí chamei de parte o canoeiro, sem raiva, e dei-lhe meia dúzia de trompaços (bofetões), que o prometido é devido. Ele se defendeu (era um tipo de sangue no olho) e propôs camaradagem: — “Seu Alexandre, vamos deixar de besteira. O senhor é um homem.” Ficamos amigos, fomos para a bodega e passamos uma noite na prosa, bebendo cachaça."

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
RAMOS, Graciliano. Histórias de Alexandre. Publicado originalmente em 1944.

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 16 -


ARTILHEIROS DA CULTURA

A cada vez que comprimimos o gatilho
da emoção, a nossa arte se projeta,
não temos alvo, pois na mira de um poeta
Está o amor que a emoção chama de filho.

As nossas fardas se confundem, os paisanos
e os militares se diluem na vontade
de abençoar a sua sensibilidade,
com os mesmos sonhos de aprendizes e decanos.

O Forte é sempre um coração dentro da história,
a inspiração é uma sutil onda de mar
que acaricia a solidão de cada olhar,
criando imagens que borbulham na memória...

Nossos canhões não silenciam... o festim
dos seus disparos sobre nossa antologia
são ecos soltos que declamam poesia,
de todo amor que vive em ti e existe em mim.

Nossas palavras são registros de ternura,
somos iguais com rara sensibilidade,
e por criarmos a poesia em liberdade
é que nos chamam de Artilheiros da Cultura.
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CINEMA MUDO

Meu coração está no porto, a despedida
É iminente... o adeus não marca hora,
E eu só sei que, se a tristeza for embora,
A minha dor esquecerá cada partida.

Minha razão nem sempre aponta uma saída,
Mesmo escondida, eu percebo que ela chora...
E quando minha solidão a apavora,
Ela dilui-se em minha dor mais... dolorida.

Um pleonasmo é necessário, quando a falta
De uma palavra não conserta uma ferida,
Por isso, a dor mais insistente e atrevida
Apaga as luzes que enfeitam a ribalta.

Sou o Carlitos de um velho cinema mudo,
Fazendo mímica de cada sentimento,
E quando o pano cai no último momento,
É que um piano silencia... ao fim de tudo.
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NO INSTANTE EM QUE TU VENS ME VISITAR

Multiplico tua face se te penso...
São milhares de olhares me percorrendo,
Fico louco, entorpecido, quente...tenso
Mas me lembro que sequer tu estás me vendo.

Tua imagem poliforma-se em meus sonhos
Atraente, envolvente, glamorosa...
Dissolvendo-se em meus olhos tão... tristonhos...
Tua imagem excitante e... vã... teimosa.

Eu procuro evitar teus olhos, tento
Dissolvê-los em mudanças de atitudes,
Mas teu corpo não me sai do pensamento,
Como eu tento... tu me tentas e...me iludes!

Sem poder raciocinar... inebriado
Com teus olhos percorrendo o meu olhar,
Fecho os olhos e te beijo...extasiado
Mas... coitado...eu nem posso te tocar.

A paixão é uma espécie de licor
Que embriaga a razão com a fantasia,
Mas depois que essa razão torna-se dor,
O amor é essa dor que se extasia...

Minha lágrima embaça a imagem
Sensual que o meu olhar pensa que vê,
Minha angústia só disfarça a maquiagem
E a razão nem sabe mais no que ela crê...

Um sorriso melancólico se instala
Nos meus lábios, parecendo aceitar
Uma eterna solidão que a dor embala
No instante em que tu vens... me visitar.
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POR QUE POR QUÊ?

Por que é que tudo tem que ter sempre um porquê?
... o amor, amada, não precisa de respostas
e o desamor e a solidão nos dão as costas,
...se eu expresso o amor que sinto por você.

Bom é amar, sem ter que dar explicações...
as emoções libertam todo o nosso encanto
e a cada pranto, sempre há novas sensações
de ouvir a voz dos mais sublimes acalantos.

O nosso amor, tão preocupado com sonhar
nunca dá tempo à indagação inconveniente...
... porque o amor mais sedutor que a gente sente,
responde sempre com o brilho do nosso olhar

Portanto, amada... se alguém lhe perguntar
- com esse "porquê" que interroga e não responde,
diga: - Não sei, o nosso amor só vai aonde
a emoção faz a razão brincar... de amar.
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SINTAXE

Precisava impressioná-la.
Estudou,
com afinco,
as colocações pronominais.

Optou pela mesóclise:

Amar-te-ei
- quase declamou -
emocionado.

- Não enche! - Ela gritou.
Empurrou-o irritada
e foi embora.

Se iniciasse a frase
- coloquialmente -
com um pronome oblíquo,
contrariando
propositalmente
a gramática,
a discordância - apenas sintática -
seria perfeita

... e não mataria
a concordância...
... amorosa.

Fonte:
Luiz Poeta. Nuvens de versos. Campo Mourão/PR: Ed. Jfeldman, 2020.

Contos e Lendas da África (O que os matou?)

(por Robert Hamill Nassau)

Personagens
Mbwa (cachorro)
Kudu (jabuti)
Mbala (esquilo)

PREFÁCIO
O cachorro e o esquilo tinham a mesma idade e ambos tiveram o mesmo fim. A obsessão de cada um foi a causa de sua morte.
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O cachorro Mbwa, o esquilo Mbala, o jabuti Kudu e outros animais viviam todos em uma mesma aldeia. Na época, todos se alimentavam com o mesmo tipo de comida. De repente, a paz que reinava no local acabou, então Mbala e Mbwa propuseram a Kudu:

— Vamos nos separar e viver em paz cada um em sua própria aldeia. Se você quiser, Kudu, pode continuar morando aqui com os outros.

O esquilo anunciou que se mudaria para um lugar a cerca de cinco quilômetros ao norte. O cachorro escolheu um local cinco quilômetros na direção oposta. Assim, todos se instalaram em seus pequenos povoados. 

Certo dia Mbala avisou sua esposa:

— Vou visitar meu amigo Mbwa.

E viajou, acompanhado de uma de suas esposas, até chegar à casa do cachorro. Lá, foram recebidos e entretidos por Mbwa, que matou uma ave para o jantar.

Mbwa e Mbala ficaram conversando na sala de estar enquanto as mulheres cozinhavam. Passado algum tempo, o cachorro pediu licença para ver como estava o preparo do jantar. Deixou o esquilo sozinho e foi para os fundos da casa, onde deitou-se em frente à lareira.

Lá ficou até que o jantar ficasse pronto. Então voltou para onde estava seu amigo e arrumou a mesa. Em seguida as mulheres chegaram com os pratos e sentaram-se todos para a refeição.

Durante o jantar, Mbala perguntou:

— Meu amigo! Aonde você foi enquanto as mulheres cozinhavam? Fiquei sozinho na sala.

— Ah, você sabe o quanto eu gosto de fogo. Quando estávamos conversando, o frio me incomodou.

— Você gosta de fogo até demais. Um dia ele será sua morte.

Após a refeição, o esquilo preparou-se para voltar à sua aldeia.

— Meu amigo Mbwa, devo esperar sua visita para daqui a quantos dias? — perguntou ao cachorro.

— Irei em dois dias. — respondeu Mbwa.

Ao chegar em casa, as esposas e filhos de Mbala lhe contaram o que havia se passado em sua ausência. Por sua vez, o esquilo contou o que havia visto na casa do cachorro.

— E notei uma coisa. Meu amigo Mbwa é obcecado por fogo. — acrescentou.

Dali a dois dias, Mbwa foi visitá-lo. Mbala matou uma ave e pediu para sua esposa prepará-la para o jantar. Enquanto esperavam, os dois amigos sentaram-se na sala de estar para conversar.

— Com licença, já volto. — disse o esquilo.

Então saiu para o quintal e subiu em uma bananeira para comer as bananas que já estavam maduras. Depois de algum tempo, desceu e voltou à casa para arrumar a mesa. Em seguida sentaram-se todos para a refeição, o esquilo, o cachorro e suas respectivas esposas.

— Meu amigo, aonde foi quando me deixou sozinho? — indagou Mbwa.

— Você sabe o quanto eu gosto de bananas, meu caro. Por isso, subi na bananeira para comer algumas.

— Você gosta de bananas até demais. Um dia morrerá por causa delas.

Terminado o jantar, Mbwa anunciou:

— Agora voltarei à minha aldeia. — e assim fez.

Apenas dois dias após seu retorno, o cachorro acidentalmente caiu na lareira e morreu queimado. Ao saber sobre sua morte, o esquilo comentou:

— Eu avisei. Ele gostava demais de fogo.

Certo dia, na Cidade dos Homens, um dos habitantes notou que todos os cachos de sua bananeira haviam sido comidos por algum animal. Então colocou uma armadilha na árvore.

No dia seguinte, Mbala pensou: “Estou com tanta vontade de comer bananas que vou subir na primeira bananeira que encontrar.”

Chegou até a Cidade dos Homens e, ao subir na bananeira, foi capturado e morto pela armadilha. O Homem o encontrou e ficou satisfeito por ter apanhado o ladrão de frutas.

As notícias da morte do esquilo chegaram até sua aldeia natal. Seus filhos, ao saberem que havia sido morto comendo bananas, disseram:

— Pois é, nosso pai gostava muito de bananas. Sempre dizia que Mbwa morreria queimado, de tanto que gostava de fogo. Ele, no entanto, amava bananas.

Fonte:
Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC.
Distribuição gratuita.

Dicas de Escrita (Como Descrever a Aparência de um Personagem) – 2, final –


I
ncorporando as características do personagem na descrição

1. Pense na movimentação do personagem. 

A movimentação e as escolhas dele dizem muita coisa a quem lê, assim como fornecem detalhes importantes! Coloque a movimentação na descrição para que o leitor veja mais coisas sobre o personagem.

Exemplo: um personagem que tem o passo arrastado parecerá e agirá diferente de um personagem que perambula ou anda a passos largos.

Talvez o personagem não pare de se mexer ou envie muitas mensagens de texto; ele pode andar de um lado para o outro enquanto conversa com as pessoas ou andar de cabeça baixa para não ser notado. Coloque esses tipos de movimentos que o efeito será positivo.

2. Use o penteado do personagem para caracterizá-lo. 

Muitas vezes, as pessoas escolhem um penteado que creem representá-las. O corte, a cor de cabelo do personagem e a maneira como ele usa o penteado transmitirão uma mensagem ao leitor.

Exemplos: um moicano espetado cor-de-rosa pode mostrar que o personagem é rebelde, já um alisamento de salão pode indicar que ele é do tipo “metrossexual”.

Você também pode usar o penteado para mostrar que o personagem tem diferentes tipos de personalidade. Exemplo: o personagem principal pode ser um empresário bem-sucedido com um cabelo curto mais sofisticado, mas também pode ter uma mecha roxa escondida entre os fios ou um lado do cabelo raspado que permite a ele mudar do estilo engomadinho para o modo “garoto moderninho”.

3. Mostre a personalidade do personagem com as roupas. 

As pessoas também se expressam através das roupas. Seguindo o modelo do passo anterior, use as roupas do personagem para mostrar aspectos da personalidade dele. Lembre-se de que o leitor, para entender bem o papel do personagem na trama, precisa conhecê-lo e o figurino também facilita a caracterização de personagens secundários. Veja alguns exemplos:

Um personagem sério pode usar roupas executivas.

Um artista pode usar roupas com salpicos de tinta.

Uma estrela do rock pode usar uma jaqueta de couro.

Um personagem secundário atleta pode usar roupas esportivas.

Escrevendo a descrição

1. Decida quantas descrições deseja incluir. 

Não sobrecarregue o leitor com muitos detalhes. Ao mesmo tempo, o que interessa é fazê-lo imaginar como o personagem é.

Tenha em mente quem é o seu leitor, assim como o gênero que está escrevendo, para decidir se trará uma descrição completa e detalhada de um personagem ou só alguns detalhes para dar uma ideia do todo.

Exemplo: os escritores literários normalmente preferem descrever minimamente os personagens, dando ao leitor apenas informações suficientes para que tenham uma ideia de como é o personagem. 

Exemplo: “Uma voz rouca surgiu de algum lugar dentro daquela barba grande”.

Por outro lado, os escritores de ficção costumam ser mais detalhistas. 

Exemplo: um escritor de fantasia ou ficção científica provavelmente daria uma descrição completa de um personagem que não é humano, como um ciborgue ou um elfo.

Você pode escrever: "Uma placa de metal cobria metade da cabeça dela e mostrava os fios por baixo dele sempre que a mandíbula se movia; um olho azul olhava normalmente pelo encaixe direito, mas o olho esquerdo dela se expandia e dava zoom como uma lente de câmera; um nariz comprido apontava para baixo, como uma flecha, sobre os lábios finos e robóticos."

2. Concentre-se nos grandes detalhes, que caracterizam, em vez dos pequenos detalhes. 

Só é necessário trazer informações que os leitores precisam saber, uma vez que é impossível dizer tudo sobre um personagem. Uma boa descrição mostra muito mais do que a aparência em si.

Observe alguns exemplos legais:

As raízes morenas mais grossas contrastam com o tom loiro platinado de seus cachos”. Essa informação diz ao leitor que o personagem pinta o cabelo, mas também que ele não consegue se adequar ao estilo.

“Ele usava uma blusa que fazia propaganda de uma pizzaria que fechou há três anos. A blusa no corpo magro dele parecia um casaco pendurado em um cabideiro”.

- Nesse caso, percebemos que o personagem está usando roupas ultrapassadas que não cabem mais, provavelmente porque não tem dinheiro para comprar roupas novas.

3. Use o sentido figurado para deixar as descrições mais envolventes. 

As figuras de linguagem (metáforas, símiles, hipérboles, personificações, etc.) servem para ajudar o leitor a imaginar as pessoas e os eventos da história. Dito de outra forma, elas permitem descrever o personagem de forma criativa em vez de ficar empilhando os detalhes básicos.

Exemplo: não diga "Clara tem longos cabelos castanhos e olhos castanhos", diga "Cachos escuros caíram sobre o rosto de Clara, escondendo seus olhos cor de âmbar".

As metáforas e símiles comparam duas coisas aparentemente diferentes, mas a símile usa o “como” para deixar as comparações mais óbvias.

A personificação dá características humanas a um animal ou objeto inanimado. Exemplo: “os olhos dela desviavam de suas perguntas”.

4. Evite a prosa púrpura. 

Esta técnica é um tipo de escrita que contém muita descrição e palavras extravagantes, deixando pouco substancial o trecho da história em que é usada — é algo que frustra muito os leitores. Nesse caso, apenas use as descrições quando elas realmente servirem para contar a história. 

Você pode evitar essa técnica detalhando apenas o necessário, mantendo curtas as descrições.

Use o mínimo possível de palavras.

Exemplo: escreva “Ela tingiu o cabelo com aquela cor porque a deixava com cara de artista". 

Não é necessário se explicar demais, como na frase “Os cabelos escuros sombreavam sua pele pálida como uma mancha de óleo na água. Sempre que se olhava no espelho, ela via um poeta romântico preso em uma época diferente, deixando-a com a sensação de ser a artista que ela sempre quis ser”.

5. Use a sinédoque quando uma única característica consegue representar o personagem por inteiro. 

A sinédoque é uma estratégia literária onde o escritor usa uma parcela de algo para representar uma pessoa, lugar ou coisa no todo. Em outras palavras, significa que não é necessário descrever um personagem por inteiro: em vez disso, usa-se apenas uma característica que se destaca. É uma boa maneira de você descrever rápida e significativamente um personagem sem falar muita coisa.

A sinédoque é muito útil para descrever personagens secundários.

Pense nos traços fortes que identificam facilmente o personagem, como um moicano cor-de-rosa, um queixo pontiagudo, uma corcunda, um andar diferenciado, um cheiro único, etc. A característica pode ser positiva ou negativa, dependendo do personagem, e a use quando estiver se referindo especificamente a ele.

Exemplo: “Quando vi o moicano cor-de-rosa passando pela minha janela, percebi que meu vizinho estava chegando em casa”.

6. Coloque detalhes sensoriais para dar vida aos personagens. 

Não coloque apenas as características físicas: apele para os cinco sentidos dos leitores! Talvez não dê para incluir todos os sentidos, mas coloque o máximo que puder — e fizer sentido.

Olfato: mencione o cheiro do personagem. 
Exemplo: “O seu Carlos sempre tinha um cheiro de biscoitos que acabaram de sair do forno”.

Tato: mencione a textura da cicatriz do personagem ou a maciez da pele, que parece seda.

Audição: relacione o som da voz do personagem a um pássaro que está cantando ou ao barulho de um motor.

Visão: descreva a roupa e o penteado do personagem.

Sempre que puder, apele ao sentido preferido do leitor. 
Exemplo: quando dois personagens se beijam.

7. Descreva de uma forma bem-feita em vez de colocar muitos detalhes. 

Visto que é necessário não encher o texto com descrições, concentre-se nos detalhes que apresentam, ao leitor, mais de uma característica do personagem. Dessa forma, o personagem ficará melhor descrito e não sobrecarregará o leitor com o excesso de informações.

Exemplo: “A palavra que melhor descreve Laura é ‘árvore’, porque ela tem rosto e braços longos, assim como pernas compridas que parecem pernas de pau”.

8. Escreva os detalhes durante o progresso da história em vez de desperdiçar as informações em um único momento.

Não é legal sobrecarregar o leitor com um monte de detalhes aleatórios e extensos, técnica essa conhecida como infodumping (enxurrada de informações). A forma mais comum de evitar esse problema, dependendo do tamanho do trabalho ou obra, é distribuir os detalhes em vários parágrafos ou páginas.

Exemplo: descreva o personagem durante uma cena em vez de falar tudo de uma vez só.

Dicas

Uma forma de decidir como descrever o personagem é usar as características de amigos, familiares e celebridades. Basta encontrar características que façam sentido para você e misturá-las no seu personagem.

Esboce o personagem antes de descrevê-lo para ajudá-lo a descobrir o melhor jeito de fazer a descrição.

Não descreva demais os personagens ou coloques os detalhes todos de uma vez. É melhor espalhar esses detalhes em vários parágrafos.

Seja criativo, pois a imaginação é essencial para se ter uma boa história e detalhes interessantes. Faça do jeito que quiser, sempre usando a criatividade.

Você pode usar um dicionário de sinônimos para achar uma palavra mais adequada para dizer algo em certos momentos, mas use-o com moderação. É recomendado, ou mais fácil, descrever algo usando as palavras que você costuma usar.
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Fonte:

segunda-feira, 24 de julho de 2023

José Feldman (Versejando) 29

 


Aparecido Raimundo de Souza (Como a forja e a matriz)

TERRA É COMO O BARRO e o barro é morro e nuvem é céu. Tudo provém lá do mais alto e longínquo firmamento. Ou diretamente do Altíssimo, uma vez que o Altíssimo, indubitavelmente, é Deus. Deus é espírito, como, no mesmo sentido, é amor e amor é algo como O Senhor de nossas vidas. Ele não morre nunca. É eterno, sagrado e luculento. Sobre todas as coisas, resplandece e celebra em nosso âmago uma concretude inter-relacionada que nada mais é que a alma e o espírito fundidos, grudados, amalgamados num só corpo e inseridos harmoniosamente no planeta em que vivemos.

Deveríamos todos estar “lincados” ou direcionados na rota da Paz. A Paz é direção, comando e lenidade. Mesmo modo, a serventia, a gerência, ou a gestão de vivermos cotidianamente em sintonia meridiana com a natureza. De roldão, jamais nos esquecermos de cultivar a graça da serenidade e da complacência. Em senda idêntica, não sermos prolixos, entediantes e difusos, nem nos deixarmos vencer pelos muitos vícios que nos fazem descambar para o buraco negro da derrota. Carecemos de acreditar num porvindouro melhor, onde todas as coisas são possíveis e alcançáveis, bastando apenas que lutemos com perseverança, força de vontade irrestrita e afinco incondicional. 

O amor é por excelência a ponte sobre um rio amplo, longo e de águas límpidas. Uma torrente que nos levará através dessa ponte, ao sucesso, que nos unirá ao futuro, que afastará de nossos corações as horas ásperas e repletas de melancolias amarescentes. Termos em conta, sempre, haja o que houver, e absorvermos e afiançarmos, a ideia de que não existe nada rotulado de “ruim” ou “péssimo” para o nosso corpo, se não quisermos. Assim como inexiste a perniciosidade, se estivermos abertos somente para as coisas boas e carismáticas que a vida nos oferece.

As coisas excelentes que a vida nos oferece, de graça, é de alvitre necessário alinharmos, agem em nós como fluídos renovadores que vêem do espaço, bastando, unicamente, que saibamos abrir as portas e as janelas do nosso universo pessoal, ou espaço sideral, como melhor entenderem, na hora precisa. Todas as vantagens e as benesses as mais dadivosas e caridosas estarão latentes e presentes em cada um de nós. Por assim, se concordarmos que os fluídos da infinita grandeza entrem e se espalhem em nosso “eu interior”, e, da mesma forma, permitirmos, sem restrições, preencham todos as reentrâncias que se acharem vazias e ociosas, seremos prósperos, felizes, afortunados e realizados. 

Mesmo tom (nenhum dos cinquenta tons de cinza, logicamente), mas o branco ebúrneo e alvacento, o casto e o lácteo, sempre tendo na mente que o Criador de todas as coisas nos dá, a cada novo amanhecer (sem nada pedir em troca, repetindo, de graça e sem custos), chuvas abundantes e infinitas de bênçãos as mais poderosas... em outras palavras, Ele derrama sobre as nossas cabeças, benfazejas ações multiplicadoras de incomensuráveis prosperidades... basta, todavia, que saibamos a hora exata, o minuto propício de sairmos em campo e mostrarmos as nossas caras e os propósitos de sermos felizes e jubilados. 

E não só o ato de sairmos de nossos esconderijos. Igualmente de agirmos seguindo de espírito erguido a linha pontilhada do amor sem fronteiras.  Logicamente, sabermos discernir (e isto é a coisa mais importante) e sem meios termos, notadamente entendermos e diferenciarmos uma chuva comum e destrutiva, de uma enxurrada de feições maviosas e fagueiras. Estas chuvas corteses e amenas, sem sombras de dúvidas, vêm diretamente dos desígnios Santos do Pai Maior. Dito de forma mais direita: Deus é aquele ser mágico e Onipotente que nos modela em sua Onisciência, para sermos, vida afora, à sua Semelhança mais Justa e Perfeita. 

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Edy Soares (Cristais Poéticos) VIII


COADJUVANTES

Qual nuvem dançante ao vento;
Criança pobre mulamba;
Palhaço gritante, alegre;
Malabarista na corda bamba.

Qual vespa que beija a flor
Ou lua que o céu prateia;
Amantes que dão amor;
Pássaro triste que gorjeia.

Festeiro poeta ou ator,
Levo a vida segurando as rédeas,
Mesmo em momentos de dor,
Faço dos dramas minhas comédias.

Somos todos atores em cena,
Responsáveis pela decupagem*,
Não há ator principal;
Somos coadjuvantes em um longa metragem.
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Decupagem - do francês décotipage, derivado do verbo découper, recortar - no cinema
e na comunicação, a divisão do planejamento de uma filmagem em planos e cortes.
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EPITÁFIO

O texto pode até ser grande,
Histórias diversas e esparsas,
Encontros, desencontros,
Flores, amores, mordaças.

A vida se escreve lentamente,
Com derrotas e vitórias,
Fracassos e glórias,
Com o tempo que passa.

Há vidas que,
Imaturas se acabam,
Outras perduram,
Insistem na permanência.

Alguns exaltados
Vagueiam no abstrato.
Embasado em crenças.

Outros preferem o concreto,
Não trocam o incerto
Pela lucidez do que pensa.

Há quem se perde
E quem se adapta,
Mas com a mesma sentença:
UM BREVE EPITÁFIO NA LÁPIDE.

Todos em uma viagem sem volta,
Escrevendo a história a partir da partida,
Lapidando, com tropeços, as pedras
Encontradas na estrada da vida.
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O REI BÊBADO

Há quem diga que má companhia faz o viciado.
A sobriedade do "bêbado" é o que mais me assombra.
Vejo-o sóbrio, velhaco e o povo enganado.
Na "lucidez" desse ébrio, o perigo nos ronda.

Quem pensa que o homem do gole não é um velhaco,
Quem não se preocupa com o que o ébrio apronta,
Há de ver no fim da festa, as garrafas aos cacos
E o garçom exigindo que paguemos a conta.

Beberrão que, de esperto, embola o que fala,
Nunca perde o equilíbrio e se preciso, se cala,
Jamais deixa pegadas nos botequins onde passa.

Nunca fica perdido ou caído nos cantos.
Não cambaleia e sabe escolher os seus bancos.
Usa terno e gravatas e é o rei da manguaça.
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POR ONDE ANDEI

Por onde andei
Não falei de você
Nem do meu coração
Pra não lembrar meu passado.

E todas as outras coisas que vivi
Em cada uma delas, aprendi.
Cada minuto é novo,
Nada É igual ao que se foi.

Quero pensar que amanhã,
Junto com o sol, vai renascer
Um novo dia e a esperança
é motivo pra eu querer continuar.

E se eu voltei
Sem falar como estou,
É Porque nem eu sei
Se recolhi meus pedaços.

Se um dia errei, foi sem querer,
Preciso mais um tempo pra entender.
Nada de recomeço!

Se um novo dia vai chegar,
Vamos deixá-lo responder.
Carrego em mim as cicatrizes
E cada uma faz lembrar você.
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RELATO DE UM MENDIGO

Vagando na noite, pobre vagabundo,
Mulambo faminto, intruso no mundo,
Não é dono de nada, nem tem endereço
E é sempre excluído, avesso do avesso.

É fruto caído que o fruteiro não colhe.
É quase indigente que ninguém acolhe.
Enjeitado na igreja e nos bares na vida,
Recolhe o que sobra, adormece onde pisa,

Da vida que traz,
De tudo que faz,
Melhor ser esquecido,
Se a outra vida viver,
Se puder escolher,
Talvez seja:
Eu declino!

Fonte:
Enviado pelo poeta.
Edy Soares. Flores no deserto. Vila Velha/ES: Ed. do Autor, 2015.