segunda-feira, 7 de agosto de 2023

José Feldman (Viagem ao Mundo Fantástico da Babilônia)


(Dedicado ao meu amigo Andréa Righetti)

Onde? Filme? No Brasil? Onde fica? O que tem de fantástico?

Mas, que você, caro leitor, ficou curioso, com certeza ficou e, apesar de livros como o Guia dos Curiosos ou o Mundo Curioso da Natureza, sempre vem à mente aquilo que nossos pais, os pais deles, os pais dos pais, e assim por diante, diziam: “Meu filho! A curiosidade matou o gato!”.

Fique tranquilo! Após esta leitura, ninguém morrerá, nem de raiva – pelo menos, eu acho.

Nossa história de passa em uma cidade do interior de São Paulo.

Não! Ela não se chama Babilônia!

O nome dela é Piracicaba. 

Todo mundo lembra da música “O Rio Piracicaba...” e assim por diante. Se não lembra, não fique chateado, eu também não lembro.

Mas, vamos diminuir a nossa esfera localizacional (“êta” palavra chique, que deixa qualquer um mais perdido do que cego em tiroteio), e vamos para a Rua Boa Morte.

Gente! Os piracicabanos que me perdoem, mas um nome deste é assustador. Eu é que não vou passar nesta rua, sozinho, à meia-noite. Dá o que pensar um nome assim. 

Quando você entra na rua deveria haver uma Agencia de Plano Assistencial Boa Morte, com direito a escolha de terreno e advogado para efetuar o testamento. Percorrendo a rua, no meio dela, uma casa funerária e ao final, um cemitério.

- Ô, cumpadi. Pronde ocê vai?

- Prá  Boa Morte.

- Pêsames, finado.

Vamos lá! Pensa um pouco! Um nome destes! Cruz Credo!!!!! 

Será que o Bairro se chama Pé na Cova?

Bom! Deixemos estas elocubrações de lado e que sendo boa a morte, resolvi aproveitar a boa vida e fui a um restaurante me fartar no pecado da gula (esta é uma Boa Morte: Comendo bem). 

O restaurante chamado Babilônia. Não sei não. Talvez Sodoma e Gomorra casasse mais com o nome da rua. Mas, Babilônia dá um ar de paraíso na Boa Morte.

Entremos neste Éden de delícias, que é comandado pelo César italiano de nome Andrea.

Mas, para não pensarem que eu estou fazendo propaganda do dono que é o Andrea, nascido na Itália (uma dúvida fica de repente: Babilônia é colônia italiana?), não vou chama-lo de Andrea, usarei um nome fictício que faz jus aos nomes italianos de seus antepassados. Portanto, Andrea, passa a ser chamado de Toshio Nakama. Portanto, Babilônia é comandada pelo valoroso carcamano Toshio Nakama, que veio da Itália, não recordo bem, mas acho que nas costas de uma tartaruga.

Imagino que seja, pois demorou tantos anos para chegar aqui no Brasil.

Ecco! Tutto bona gente!

Enfim, após a saudação habitual pro-forme: “Ave, Toshio. Os que vão morrer te saúdam”, o banquete estava servido. Uma mesa enorme com iguarias finas dos mais profundos rincões das Itália: feijão, linguiça, palmito, tutu, lazanha. Resumindo, uma salada russa.

Como o leitor pode perceber, nosso amigo Toshio Corleone não discrimina nações.

Mas, o que torna este restaurante fantástico, o que faz viajarmos na Babilônia de nossos sonhos é o molho que é servido por um indivíduo que é uma mistura de Corcunda de Notre Dame com o ator Jean Reno, isto é, é de dar pena, parece uma trombada de dois trem-bala. Este molho, se chama Righetti. 

E o bacana de tudo é que quando as pessoas vão lá, vão para comer o Righetti.

- Porque você vai tanto no Babilônia?

- Adoro comer o Righetti.

Vão lá! O Righetti é fantástico!

Concomitantemente (êta palavra linda, e enooooooooooooooorme. Não sei bem o que significa, mas que é bacanona é!), depois que todos comem o Righetti, Toshio Nakama percorre as mesas observando a todos e animando com o seu bom-humor. Afinal por lá tudo é bom. Bom apetite, bom humor, boa morte...ahhhh! A Boa Morte outra vez!

Todos que saem de lá se sentem transportados aos Jardins da Babilônia, um paraíso perdido, ainda mais porque comeram o famoso Righetti.

Finalmente, para não encerrar sem uma boa mensagem a quem suportou esta crônica até agora, que li não lembro onde:

“O discípulo veio ao mestre Zen, lamentando-se, em plena fossa:

- É curta a vida! É curta a vida!

O mestre Zen, porém aproveitando as mesmas palavras, com variante na pontuação, solucionou:

- É curta a vida, é? Curta a vida!”
------------------------

Observação: O Restaurante Babilônia onde Toshio Nakama me aguarda todos os dias com um machado na mão (não sei porquê), fica na Rua Boa Morte, 1262, em Piracicaba. Não esqueçam de dizer que querem comer o Righetti.

(Piracicaba 23 outubro 2009)

domingo, 6 de agosto de 2023

Fabiane Braga Lima (Esperança...)

Eu não sei qual é a tua idade, ou de onde és, também não sei se és um escritor ou escritora. Se for um escritor ou escritora, eu quero te dar um conselho, dê tempo ao tempo, não ultrapasse o tempo e nem troque o certo pelo incerto.

Não queira assassinar os sentimentos seus e alheios, guarde-os somente contigo. O nosso país mudou, olhe tudo ao nosso redor, distópico, utopia e de repente tudo virou uma grande piada sem graça dita por um piadista sem talento.

Mas, vamos nos permitir pelo menos, acreditando que tudo de ruim irá passar. Então, não troque o certo pelo incerto, respeite o tempo, para que juntos, possamos ter esperança, de que ainda vale a pena, contar boas histórias e sermos honestos...!

Fonte:
Enviado por Samuel da Costa

Flora Munhoz da Rocha (Dezesseis batizados)

Esta é a história atrevida de um astuto vigarista de audácia sem precedentes. O homem teve a petulância de batizar o filho dezesseis vezes. Verdade. Não há exagero — dezesseis vezes. Toda vez que acabava o dinheiro em casa, ele não tinha dúvida, saía atrás de um padrinho de posses e já marcava em nova igreja um novo batizada. Logrou engenheiros, advogados, gente que não tinha nada de boba. Madrinha não tinha, era sempre Nossa Senhora. Ele sabia que mulher esmiuça as coisas e acabaria descobrindo.

Sabemos que é costume entre a classe mais humilde, os padrinhos vestirem o afilhado no dia do batizado. Mas padrinho, quanto mais importante, menos tempo tem para se preocupar com enxovalzinho, então iam dando dinheiro, que era o que o pai do menino queria.

Embolsando o dinheiro recomeçava a trajetória do batizado seguinte. Já nem embaraço sentia mais. Entretanto, o raciocínio dele não abrangeu todas as hipóteses. Só na Caixa Econômica ele tinha três compadres e, conversa vai, conversa vem, os padrinhos do menino se certificaram do logro - meu marido, Jofre Cabral e, se não me engano, o terceiro era o Orlando Loyola.

Jofre foi o que mais se sentiu ludibriado. Ele, com seu entusiasmo peculiar, não sabia fazer nada pela metade e, além do dinheiro para o camisolão branco, pendurou no pescoço do menino cordão de ouro com medalha de São Judas Tadeu, abriu caderneta de poupança e no dia até conduziu-os no seu belo carro à Igreja Santa Felicidade, por causa da promessa que o malandro garantiu ter feito por ocasião do nascimento do garoto.

Sua vigarice merecia sério corretivo, e quando o acusaram de haver cometido um sacrilégio, pendendo os braços para o lado ficou com uma cara de choro totalmente ridícula, se justificando: "Não vejo gravidade nisso, quanto mais batizado meu filho for, melhor para ele, fica mais filho de Deus".

Recordo de que quando ouvi essa história, lembrei de outra muito parecida de quando na nossa casa éramos crianças e um dos meus irmãos, que tinha o apelido de Pedro Malazarte, fizera a primeira comunhão quatro vezes. Ele era levado da breca e vivia sendo convidado a se retirar dos colégios de padre e a cada vez que trocava de internato, afirmava nunca ter feito a primeira comunhão por causa dos doces, da vela na mão, do dia de folga.

Acho que foi por isso que escutei sem espanto a história dos dezesseis batizados.
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Flora Camargo Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado (1951), cronista, (1911-2014) nasceu em Curitiba-PR onde viveu a maior parte de sua vida. Com a criação do estado da Legião Brasileira de Assistência, atuou no campo social: implantou quarenta postos de puericultura nas cidades do interior; em Curitiba, fundou a Creche Branca de Neve e a Cidade dos Meninos para recuperação e ensino profissionalizante de até trezentos adolescentes. Colaborou, por muitos anos, na Gazeta do Povo, no Jornal da Imprensa e na revista O Cruzeiro. Seu conto "Elisa" teve os direitos comprados pela Rede Globo, que o adaptou para o programa "Você decide"; e seu poema "Canção nupcial" foi musicado pelo maestro Eleazar de Carvalho e apresentado em récita de gala pela Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro. Recebeu várias condecorações, destacando-se a Lateraeclésia (Vaticano) em 1956 e o título de Vulto Emérito pela Câmara Municipal de Curitiba em 1978. Fundadora da fundação da Academia Feminina de Letras do Paraná, exerceu a vice-presidência durante a primeira gestão. Foi membro da Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil, do Centro de Letras do Paraná, do Centro Paranaense Feminino de Cultura, da União Cívica Paranaense, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, da Sala do Poeta, da Academia de Letras José de Alencar, da Academia Feminina de Letras do Paraná e da Academia Paranaense de Letras. Publicou Apontamentos (1954, crônicas); Crônicas de Domingo (1956); Três menos Um (1956, peça teatral); O Armazém de Seu Frederico (1973, contos); Domingo a Gente se Fala (1975, crônicas); Ida e Volta (1976, flagrantes de viagens); A Beleza de Ser Criança (1977); O Sofá Azul (1980); Bento Munhoz da Rocha Netto e A Imagem que Ficou (1985); Quadros sem Molduras (1986); Entre sem Bater Memórias (1998).

Fontes:
– 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Daniel Maurício (Palavras de Cheiro) 1

A faca
Do tempo
Retalha
O corpo
Mas com ela,
A alma
Mais
Entalhada
Fica.
= = = = = = = = = 

  Ah,
Se o outono
Fosse
Só o cair
De folhas!
Meus olhos
Outonam
Por você.
= = = = = = = = = 

Ah, se todas as mulheres
Entendessem de mulher.
O mundo teria outra cara
Outro corpo, seria mais feliz.
Porque mulher,
Não é só "dona de casa"
É dona do seu destino
É dona de bem mais
do que do seu próprio nariz.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Ao dar
minhas
mãos
a você
Meu
coração
também
pediu
Pra ir junto.
= = = = = = = = = 

A olhos vistos
Era tanta
Realidade
Que os sonhos
Ficaram
Escondidos
Só no
Cantinho dos
Olhos.
= = = = = = = = = 

Aprendi
A ser insistente
Como o mar.
Um dia
Ainda beijarei
Bem mais
Do que
Os seus pés.
= = = = = = = = = 

Caia em si.
Pra não ser
O dó ré mi,
Na sonora gargalhada
Dos outros.
= = = = = = = = = 

Ela
6uardava n'alma
Um linguajar
Muito simples.
Pra dizer
Que era eterno,
Simplesmente
Dizia
Que era
Pra sempre.
= = = = = = = = = 

Ele
Desnudava o peito
Deixando a mostra
Uma poesia
Escrita em "Amorês"
Embora esta seja
Uma língua universal
Para ela
Não passava
De um hieróglifo.
= = = = = = = = = 

Lágrimas
Na "maré cheia"
Emocionada,
A alma
Nada ligeira
Esborrifando
Gotinhas salgadas
Que até poderiam
Ser chamadas
De pedacinhos
De mar interior.
= = = = = = = = = 

Não
Se trata
De perder
Per(doar)
Tem
Muito mais
A ver
Com dar.
= = = = = = = = = 

No dia da Mulher
Zequinha levantou
Bem cedo pra fazer
Uma serenata
Revelando um segredo:
Uma mulher é uma flor
Mas juntas são jardim
Carregam o dom da vida
Semeando amor sem fim.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

Quem me dera
Que o amor
Estivesse
Disponível
Em
Um
Pacotinho!
= = = = = = = = = 

Sinônimos
São os mesmos
Só que
Com roupas
Diferentes.
Já o antônimo,
Ah!!!
Esse é sempre
O "cara"
Do contra.
= = = = = = = = = 

Sobre ontem?
Ah!
Foi você
Que
Amanheceu
Em mim,
Ou sou eu
Que ainda
Não acordou?
= = = = = = = = = 
Fonte:
Enviado pelo poeta.
Daniel Maurício. Palavras de Cheiro. Curitiba: Ed. do Autor, 2021.

Clarisse da Costa (O amor subiu pelo telhado)

Sabe aquela história do "gato subiu pelo telhado"? Pois então, agora quem subiu pelo telhado foi o amor. É um tanto irônico isso, mas é a realidade atual. A Cinderela desceu as escadas de sandália, entrou no ônibus, na linguagem popular "busão", e foi trabalhar. No celular uma mensagem de alguém que nunca viu na vida dizendo: Oi minha linda, eu vi a sua foto e me apaixonei. 

Quase que dizendo eu te amo. Porque as pessoas ultimamente dizem "eu te amo" como se dissessem bom dia. Simples falar de amor, mas quem ama de verdade? 

Esse idealismo dos contos de fadas é totalmente fora do contexto da realidade. Os príncipes nem sequer conheciam as princesas e já tinham um imenso amor por elas. Seria este o amor à primeira vista? É como ler um livro e não passar do primeiro capítulo. E não me venha com a história de que a culpa é das estrelas, o culpado é a falta de sensibilidade e humanidade de muitas pessoas. 

Chegando em casa, a Cinderela de uma comunidade pobre, numa região litorânea do sul do Brasil, vê as mensagens recebidas. Todas falando de amor e como de costume aquele bate-papo clichê. São tantas palavras no aplicativo de mensagens que o dicionário Aurélio tem ficado para trás, porque não tem nas suas páginas o linguajar usado na Internet.

E o amor com todas as abreviações fica sem sentido.

Fonte:
Enviado por Samuel da Costa.

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo 7: Vida em risco

Dona Ana vinha se sentindo cansada há algum tempo. Dores no corpo, acompanhadas de tonturas e falta de ar, passaram a fazer parte de seu cotidiano.

Não conseguindo disfarçar todos os sintomas, embora tentasse, queixava-se apenas de um simples cansaço. 

Na manhã seguinte ao baile, levantou da cama tomada por uma forte tontura e mal conseguindo parar de pé, desmaiou.

Ao contrário da mãe, Isadora acordou muito bem disposta. A primeira imagem que veio à sua mente pela manhã foi o sorriso do rapaz que lhe encheu a alma de alegria no fandango.  E sorriu, ao lembrar das palavras ditas pela sábia vó Gorda.

“A vó disse que um amor está vindo  em minha direção.”, pensou.

O que a prenda não podia imaginar naquele instante, bordado em fios de ouro pelas tramas do destino, eram os problemas que ainda estariam por vir. 

Ao sair do quarto, seu instante de céu transmutou-se em inferno, em profundo breu, e se viu completamente sem chão ao encontrar a mãe caída no corredor. 

- Mãe! O que houve? - perguntava ela  tentando reanimar dona Ana.

A mulher continuava desacordada e Isa saiu em busca de socorro.

Juca a levou para um hospital da cidade. E lá, no HCB, Hospital de Caridade e Beneficência, após receber os primeiros socorros e passar por alguns exames, o plantão médico anunciou que dona Ana sofrera um mal súbito, e aconselhou que ela fosse transferida para passar por alguns exames mais detalhados na capital, Porto Alegre.

- Cadê o pai, Juca? Nunca sabemos por onde ele anda. -  reclamou Isadora.

- Não sei. Mas vou correr atrás dele. - disse o capataz.
 
- Vai logo. Precisamos transferir a mãe o mais rápido possível. Ainda não sabemos o que ela teve.

Horas depois, Juca apareceu com o patrão.

Ao saber dos custos dos exames, o velho, de susto, quase caiu para trás.

- Pai, estás esperando o quê para dar início aos procedimentos da transferência?

- Tô indo,  “fia”!  - disse o senhor Antônio, meio sem saber o que fazer. 

O velho parecia mais preocupado com as finanças do que com a saúde da esposa. 

Foi à fazenda, e pegou um dinheiro que tinha escondido num embrulho de pelego no alçapão da cozinha. Retornou ao hospital e, só então, as providências da transferência foram tomadas.

Dona Ana foi removida para a Santa Casa de Misericórdia (hospital mais antigo do Rio Grande do Sul), onde permaneceu por alguns dias em observação.

Isadora rezava a Deus e à Virgem Maria pela vida da mãe. E entre uma prece e outra, um pensamento se repetia:

- A pedido da minha santa mãezinha, nunca ousei enfrentar o pai, mas sinto que chegou a hora de termos uma conversa séria. 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
continua…

Fonte:
Enviado pela autora.

2. Concurso Nacional de Poesia Oracy Dornelles (Prazo: 30 de agosto)

A Casa do Poeta de Santiago promove o Concurso Nacional de Poesia Oracy Dornelles, 
que visa homenagear a memória do poeta santiaguense que lhe empresta o nome, bem como estimular produções literárias na categoria poema, com objetivo de revelar novos talentos das letras nacionais.

Oracy Dornelles, foi pintor cartazista, decorador, desenhista de publicidade, caricaturista, escultor, perito em grafologia judiciária e poeta. Observando cronologicamente a poesia de Oracy vemos poemas realizados na década de 50 que apresentam versificação e metrificação perfeitas (sonetos, quadras, sextilhas, oitavas). Com o passar dos anos, nota-se a evolução no processo criativo do poeta em perspectivas inovadoras: ele passa a se utilizar do verso livre (característica dos poetas modernistas), mas intensificando o ritmo e a cesura, que imprimem forte musicalidade e cadência aos seus poemas, pela conveniente alternância de sílabas tônicas e átonas, acentuando a sua mensagem cósmica, universal. Publicou os livros: “Agonia das Trevas”, 1954, “Belkiss”, 1955, “Ninguém e Mais Eu”, 1959, “Poemas Opus 4”, 1981, “Poesia a Dois”, 1984, “Cantares Ares”, 1992, “Antologia a”, 2000, “Cânticos do hoje”, 2006, “ Páginas Impossíveis”, 2008, “320 Caricaturas Menos Uma”, 2009, “Poesias Novíssimas e Antycqüas”, 2009, “epitáfios e últimos poemas”, 2010, “poesia y chronica” 2011.

Serão selecionados 25 poemas, dos quais os três melhores receberão premiação em dinheiro, bem como será premiado com o Prêmio Terra dos Poetas o melhor poema de escritor(a) natural ou residente na cidade de Santiago há mais de dois(02) anos. Os textos selecionados farão parte de um e-book que será produzido pela Casa do Poeta de Santiago, com os devidos registros (ISBN e Ficha Catalográfica) e disponibilizado nas redes socais.

1- Participação:

1.1 - Poderão participar do Concurso de Poesia Oracy Dornelles candidatos de nacionalidade, brasileira, residentes no país ou no exterior.

1.2 - Cada participante poderá inscrever-se com somente um texto;

1.3 - O texto inscrito deverá ser rigorosamente INÉDITO.

1.4 - O texto com a ficha de inscrição deverá ser enviado através do e-mail casadopoeta.stgo@gmail.com 

2 - Inscrição:

2.1 - As inscrições deverão ser realizadas de: 15/07/2023 a 30/08/2023 on line através do e-mail casadopoeta.stgo@gmail.com anexando ficha de inscrição e o texto com o título e pseudônimo.

2.2 - O preenchimento da ficha de inscrição deve ser completo e o tema do texto é de Livre escolha do autor.

2.3 - Não há delimitação de páginas ou caracteres.

2.4 - No documento (POEMA) NÃO deverá constar o nome do autor. O pseudônimo é obrigatório e deverá ser colocado logo abaixo do título do texto e alinhado à direita.

2.5 - Assim que recebida a inscrição com arquivo do texto a comissão organizadora sinalizará o recebimento, caso o arquivo não abra entrará em contato.

3 - Seleção:

3.1 - A seleção e premiação dos textos será realizada por uma Comissão Julgadora composta de membros da Casa do Poeta de Santiago;

3.2- A identificação dos concorrentes será feita após a decisão da Comissão Julgadora, quando serão conferidos o título e pseudônimo dos textos premiados e selecionados, com os dados da ficha de inscrição que acompanha os textos e os premiados serão informados através de seus e-mails.

3.3 - O não cumprimento, ou violação de qualquer uma das regras deste regulamento resultarão na desclassificação do participante.

Parágrafo Único - Os textos premiados e selecionados serão corrigidos de acordo com as novas regras ortográficas da Língua Portuguesa. Sendo assim, a correção do texto, para edição do livro, fica sob a responsabilidade da Casa do Poeta de Santiago, com conhecimento e consentimento do autor do texto. O livro dos premiados e selecionados será publicado em forma de e-book e disponibilizado nas redes sociais da Casa do Poeta de Santiago.

4 - Premiação:

4.1 – O primeiro, segundo e terceiro colocados receberão, respectivamente de acordo com a sua colocação:

1o Lugar: R$ 300,00(trezentos reais)
2o Lugar: R$ 200,00(duzentos reais)
3o Lugar: R$ 100,00(cem reais)

4.2 - Será concedido um “Prêmio Terra dos Poetas” ao melhor poema de escritor(a) natural ou residente na cidade de Santiago há mais de dois(02) anos. Essa premiação somente se dará mediante a apresentação de comprovante de residência ou documentação afim, enviada junto
ao e-mail de inscrição;

4.3 - O valor do “Prêmio Terra dos Poetas” será de R$ 300,00 (trezentos reais);

4.4 - A critério da Comissão Julgadora, poderão ser atribuídas até três (3) Menções Honrosas.

4.5 – A premiação ocorrerá durante a 25a Feira do Livro de Santiago, 06 a 12.11.2023, em dia e horário a serem definidos.

5 - Publicação:

5.1- Os 25 poemas selecionados, comporão um e-book que será organizado e produzido pela Casa do Poeta de Santiago, sem custo aos participantes.

5.2 - Por ocasião das publicações, os selecionados precisarão assinar documento de cedência direitos autorais.

5.3 - O e-book terá seu lançamento na mesma data da premiação do concurso.

6 - Disposições Gerais:

6.1- No ato das inscrições, o participante aceitará, implicitamente, todas as disposições deste regulamento.

6.2 - As decisões de seleção e premiação da comissão julgadora terão caráter irrecorrível.

6.3 - Os participantes selecionados declaram desde já que os textos escritos e enviados são de
suas autorias ao mesmo tempo que, ao se inscreverem, autorizam a utilização de seus nomes e imagens para divulgação do referido concurso.

7 - Cronograma:

7.1 - Inscrições e envio dos textos: 15/07/2023 a 30/08/2023
7.2 Análise da comissão organizadora: 01/09/2023 a 30/09/2023
7.3 - Divulgação do resultado: 07/10/2023
7.4 – Premiação e lançamento do e-book: na 25a Feira do Livro de Santiago (06 a 12.11.2023)


Fonte:

sábado, 5 de agosto de 2023

Tertúlia da Saudade 09: Francisco José Pessoa de Andrade Reis

 

Aparecido Raimundo de Souza (Brilho ofuscado)

DE REPENTE, NUM GRANÍTICO silêncio introspectivo, estanco, resoluto, os passos, e nesse embargar, olho, meio que desconfiado, para o espelho preso à parede bem ali na minha frente, em meio à penumbra do reduzido corredor que liga o banheiro ao quarto. Com o que vejo, me assusto, ou melhor, fico paralisado com o que não gostaria, jamais, de encontrar diante dos olhos. No fundo, permaneço inconfundível na minha seriedade à flor da pele, como uma vertigem em temperatura de fusão constante a me fazer voar entre labirintos aborbidos (exorbitantes) e iracundos (furiosos). Por alguns breves momentos, me ponho em pânico assombrado. Pequeno e inerte, degenerado e espúrio (falso) me sinto mofino e canhestro (desajeitado) diante do espelho, síntese de todas as imperfeições, o porta voz do meu destino, como se estivesse emaranhado nos sargaços de um mar tenebroso e imenso. 

Percebo com profundo pesar, não sobrou muita coisa daquele jovem de alguns janeiros atrás, quando tudo parecia porvir de um laboratório de prazeres etéreos. Dos tempos em que a vida fluía, não com a intensidade de coisas findas, contudo, com as garras pujantes e a perseverança opulenta de que os caminhos a serem percorridos eram mais cheios de flores e deslumbramentos geográficos, de formas fortes e concretas, tão destemerosas e denodadas que eu não precisava guardar fantasias policrômicas ou pegar nas asas do tempo uma carona, para evitar que a juventude ganhasse a passos largos o destino de um instante longínquo, incerto e algaraviado. Dessa forma, entre perplexo e abobalhado, confundido e estonteado, tomei conhecimento e consciência de que o tempo passou. Voou ligeiro, destravado, hábil, despachado e apressurado...

Meus filhos, ontem crianças inocentes e sem maldades, cresceram, espicharam, avultaram numa saciedade perene. As pessoas que viviam ao meu redor, os vizinhos de toda hora, em oposto, enfraqueceram, ficaram mais velhas, se arrebicaram (ornaram) de artifícios capengas, os cabelos de toda essa gente embuçaram (encobriram-se) embranquecidos. Outras tantas partiram, mudaram, sumiram, morreram, deixando em seus lugares velhas fotografias amarelas e desbotadas. Trasladados que não falam dos tempos esvaídos, eclipsados, tão somente dão conta de um sem som constrangedor e pior, de uma mudez reticente abraçada a uma saudade pegajosa que insiste em ficar grudada, comboiada (acompanhada), aderida na pele, e não só nela, na alma, sem querer ir embora. Meu Deus! Há tanto tempo não olhava para meu rosto, não mexia em meus cabelos... não sentia a testa inteiriçada de carquilhas e rugas. Há tanto tempo, não sei quanto, não sentia pena de ter perdido o viço, tentando encontrar algo útil, talhado e aproveitado que pudesse ser meu. Por uma breve faísca de lucidez nitescente (brilhante), não me reconheço sóbrio e mesurado, equânime e morigerado (bem educado) nos ínfimos gestos. 

Passo a mão trêmula no espelho frio, na expectativa gélida, abortada e frustratória (ilusória) de que seja este instante, um momento fugaz, perfunctório (efêmero), de pura emoção, vinda, talvez, do fundo da alma. Entretanto, é exatamente nesse interregno que sinto um vazio amargo e de proporções imensas, côncavo que se achegou emancipado e tomou formas fantasmagóricas. Do nada preencheu tudo, ocupou os espaços que restavam guardados para a possível chegada de uma felicidade triunfal que prometia vir de muito longe. Neste momento, diante do espelho obsequiado pela penumbra do quarto, não sei dizer, ao certo, se a tal felicidade apareceu ou ficou encantada. Se de fato chegou aqui, se bateu na minha porta, se tocou a campainha, se deixou recado com o porteiro, ou com os vizinhos de ambos os lados da rua. Não sei dizer, como não saberia precisar onde estava e o que fazia. Não sei, igualmente, onde estaria metido com a cabeça, ou com o raio do nariz que não pressenti o cheio forte de sua aproximação. 

Apenas tenho ciência, tudo ficou no estéril do labirinto. Tudo virou um desprovido de conteúdo. O nada estancou desabitado. O volúvel se fez consistente, tão longevo e perdurável, que inundou a minha alma a ponto de uma bruxa malévola aparecer na janela, reavivar assombrações que rangeram seus sapatos de encontro ao chão. De roldão, um anjo de asas negras contrapesou. Desceu espavorido de algum plano acima deste e apagou a chama da tranquilidade mística que reinava por todos os cantos e recantos da casa. Às vezes tenho saudades de voltar ao passado. Fazer parte da paisagem do ontem eivado (contaminado) de farturas desordenadas. Colher frutos caídos, beber da água que passou sob a ponte, correr solto, livre e leve, capturar miragens dos idos de menino, avivar lembranças de mamãe ralhando, igualmente de papai voltando do trabalho, dos irmãos sentados à mesa do jantar para o derradeiro banquete do dia esvaído. 

De poder encontrar as oportunidades que foram jogadas ao léu, outras no ralo de garganta profunda, de rever os momentos de encantamentos que estiveram ao alcance das minhas mãos, mas que, por ignorância tamanha, me fiz palhaço de um rei deposto e me tornei um bobo de sua corte, achando que o melhor e o mais acertado seria atender aos desjuízos que afloravam da cabeça bagunçada. Em vista disso tudo, a solidão se entrelaçou companheira inseparável de todas as horas. Veio de mala e cuia morar junto, sem ser convidada, passou a fazer parte do cotidiano, a dar ordens e promover pequenos contratempos. Com o decorrer dos dias, essas adversidades se transformaram em rimas de total fracasso.  O sol bonito que brilhava quente e mavioso, fulgente e radioso, sumiu do firmamento e em seu lugar um punhado de nimbos escuros e pesados coroou de melancolias incertas todos os sonhos que estavam, ainda, por nascer. 

Alguma coisa desconhecida aproveitou esse momento de fraqueza e ofuscou o brilho das estradas. Escureceu os horizontes e fez sumir nas brumas da insensatez, o amanhã que se preparava para resplandecer por inteiro, integro, perficiente (perfeito) e primoroso. Sem que me apercebesse, as horas entraram em colapso, e o tempo de novo, o meu tempo, se comprimiu dentro de um túnel sem saída, escuro, frio, desconhecido. Os pássaros deixaram de cantar, o vento de soprar gostoso em meus ouvidos. Portas foram batendo às minhas costas, chaves secretas fechando desvãos possíveis à minha presença, e novamente os espíritos inquietos da solidão se agigantando e, a medida que aumentavam de forma e tamanho, pressionavam o pouco da Esperança que insistia manter viva a tênue luz que restava acesa em meio a toda essa imensurável escuridão.   

Pudesse vestir, neste momento, o terno do agora, calçar os sapatos de novas caminhadas, e como um novo dia de sol me abrir em jatos de vontades criadoras, enquanto na soleira da eternidade, talvez esse espelho de aspecto cadavérico não me botasse tanto medo dentro do coração... talvez se encontrasse as flores do cristal eterno e pudesse olhar ao meu redor com outras perspectivas de amanhã, gritar aos berros necessários, meus expurgos aprisionados, quem sabe todos os meus resquícios se levantassem de suas covas e surgissem, diante de mim, de mãos estendidas, com a expectativa de começar tudo outra vez (como uma volta ao recomeço).  Eu não sentiria mais, com certeza, esse punhal maligno, a riscar o ar, a desenhar aos meus pés ciladas circunspectas. Oxalá não estivesse tudo perdido, quem sabe ainda não fosse muito tarde para ser novamente e imensamente Feliz. E outra vez, ainda que “in petto”, me reencontrar magistral e perficiente dentro de mim.

Fonte:
Enviado pelo autor.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LVIII


POBREZA
La pobreza en  la humildad,
 en noche fría de invierno,
 es  tristeza, es soledad...
 ¡es mismo, un cruel infierno!
 
MOTE:
A pobreza na humildade,
em noite fria de inverno,
é solidão, é saudade...
é mesmo um cruel inferno!
Carmen Patiño Fernandes 
(España)

GLOSA:
A pobreza na humildade,
quando falta pão e abrigos,
suspira por igualdade,
lamenta a falta de amigos!
 
Dormindo, só, pela rua,
em noite fria de inverno,
o menino tem da Lua,
seu único abraço terno!
 
É triste a realidade,
amarga, sem alegria,
é solidão, é saudade...
é só dor, só nostalgia!
 
A miséria, a fome, enfim,
parece um problema eterno...
Sinto em prantos  dentro em mim:
é mesmo um cruel inferno!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

MEDOS...
 
MOTE:
A solidão forja medos...
e ao me deixares um dia,
feri os pés nos rochedos
sem temer a travessia!
Florestan Japiassú Maia
Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 2006

GLOSA:
A solidão forja medos...
Eu me sinto enclausurado,
escravo dos meus segredos
e neles acorrentado!
 
Eu pensava que me amavas...
e ao me deixares um dia,
meu coração tu roubavas
e toda a minha alegria!
 
Rasguei, então, os enredos,
da nossa história de amor,
feri os pés nos rochedos
e enfrentei toda essa dor!
 
Com meus medos exilados,
vestidos de nostalgia,
transpus abismos passados
sem temer a travessia!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

FUTURO INCERTO...
 
MOTE:
Quanto mais olho o futuro,
vejo a solidão na estrada
fico perdido, inseguro,
ante a angústia de meu nada...
Ivone Taglialegna Prado  
Paraguaçu/MG,  ??? –  2022, Belo Horizonte/MG

GLOSA:
Quanto mais olho o futuro,
menos consigo enxergar,
está tudo tão escuro,
me sinto desanimar.
 
Na estrada da solidão,
vejo a solidão na estrada
e o meu pobre coração,
só com ela acompanhada!
 
Sozinho, não me aventuro,
tremo e choro, eu sinto medo,
fico perdido, inseguro,
o meu futuro é um segredo!
 
Essa dúvida angustia
minha alma desordenada,
que parte em busca do dia
ante a angústia de meu nada...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

SONHOS
 
MOTE:
Sou feliz na meia-idade,
revivendo, persistente,
os sonhos da mocidade,
nos sonhos do meu presente.
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012

GLOSA:
Sou feliz na meia-idade,
vivo de recordações
da colorida amizade
sempre cheia de emoções!
 
Sinto de novo a ternura
revivendo, persistente,
tantos dias de ventura
de uma vida comovente.
 
Relembro com ansiedade
aquele amor  tão profundo...
os sonhos da mocidade,
melhores sonhos do mundo!
 
Quase-velho e já cansado
me torno um adolescente,
transformo o sonho passado,
nos sonhos do meu presente.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

EU TE AMEI
 
MOTE:
Eu te amei sem ser amado,
e ainda, por te querer,
peço perdão de um passado
que eu não consigo esquecer...
Milton Nunes Loureiro
Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ

GLOSA:
Eu te amei sem ser amado,
te desejei noite e dia,
foste o sonho mais sonhado...
foste a tristeza e a alegria!
 
Resta sempre uma esperança,
e ainda, por te querer,
sinto aumentar a confiança...
nova luz no amanhecer...
 
Mas quando estou ao teu lado,
sinto medo, um medo atroz,
peço perdão de um passado
nunca vivido por nós!
 
O amor não correspondido
causa dor e padecer,
é tão forte, tão sofrido,
que eu não consigo esquecer...

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas X. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Agosto 2003.

Leandro Bertoldo (Como se fosse pássaro)


Texto inspirado em canções de Chico Buarque e da tela Acidente de Trabalho, de Sigaud.

O operário que todo dia fazia tudo sempre igual achou um destino diferente...

Francisco escolhera o branco para se parecer com os pássaros que via em voos tão de perto por cima daquele andaime pingente. Juntou parte de suas economias, meteu-se em uma camisa de cambraia branca e saiu daquela loja como se fosse a última. Andava pelas ruas sentindo-se livre. Todo ele era um sorriso de passarinhar. Sentia que seus braços eram asas e as penas dos dedos tocavam o firmamento. Lembrou-se da história da cidade iluminada a qual por tempos não recordava o nome, mas havia lido em uma revista aberta ao acaso na espera do barbeiro, e quis tocar o céu, fazer um buraquinho nele para deixar passar o facho de luz brilhante. Logo ele a passar dias e dias como se fosse náufrago das alturas ao estar tão perto e tão longe do que desejava. Desejava? Ele não sabia, apenas sentia (que é bem diferente) um leve desprendimento.

Andava como se fosse sábado por aquelas ruas de segunda-feira. Como um aluno travesso, só que adulto, matava o dia de trabalho sem se importar com as consequências. Só gargalhava como se ouvisse música, aquela do farfalhar do princípio de um sorriso flácido de quem nasceu para olhar. Só olhar. Mas agora ele deseja voar como seus amigos das alturas; os pássaros, naturalmente, porque os outros eram operários como ele, com as mesmas mãos grandes e pés enormes contrapondo-se com as cabeças pequenas sem pensação.

Nisso, passou por aquelas ruas poetizando o tráfego sem se dar conta para onde ia. Não carregava pastas, documentos, celular, caderneta, patuá, nada para o identificar ou que lhe fizesse lembrar o desarranjo do uniforme azul marinho da firma. Ao menor sinal de memória corria a distrair-se em olhar para a cambraia branca e novamente se passarinhava.

Desejou tomar sorvete e comer cachorro-quente sem implicar de melar os dedos e os cantos da boca. E daí? Era só limpar! Não entendia a recriminação de sua mãe em tempos meninos e depois de sua esposa sempre tão arbitrária em questões de prazer. Ela era capaz de dizer que não ficava bem a um homem pai de família abocanhar um pão no meio da rua. E assim era por tudo: pela risada mais alta que a gente tem que engolir, pelo grito de gol que a gente tem que encobrir, pela alegria fortuita de nunca sentir. Arree!

Mal começa o sol se pôr, ouve-se o badalar do relógio da matriz. “Os carros avançam os sinais na hora da Ave-Maria”, já dizia a canção plácida de um amigo. "Seria o momento de sair do trabalho" — pensa Francisco — no exato instante em que ouve, vindo do alto dos andaimes, os operários o chamarem, clamarem, gritarem por cuidado. Nem se dera conta de como foi parar ali em frente à construção. Certamente o costume a direcionar a alma distraída para a obrigação de todo dia. A partir daí tudo foi lento e rápido. Rápido para a multidão que se aglomerava e maravilhosamente lento para ele ao sair da noite infinita e retornar à quietude do quintal como numa roda-gigante. Tudo, absolutamente tudo rodou num instante. De repente uma freada. Uma buzina. Um baque. Olhos assustados. Gritos. Muitos olhos. Mais gritos. Rostos disformes. Mãos na cabeça. Nas bocas. Tempo. Paz. Quanto tempo? Não sabia. Quanta paz? Ela agora existia. A sexta badalada do relógio. Silêncio.

Olhou para o vermelho da sua cambraia — não era branco? — e sentiu-se flutuando naquele chão de dormir. Ouviu novamente o farfalhar de asas por cima de sua cabeça ao som longe da Ave-Maria que lá vem, que lá vem, que lá vem...

Lá estavam eles, os pássaros, a esperá-lo...
Apenas sorriu...
Agora...
Podia...
Voar.
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"Amou daquela vez como se fosse a última". As músicas de Chico sempre me fizeram pensar. Pensar em acontecimentos, pensar em situações, pensar em histórias... Essa é uma delas, e juntamente com a tela de Sigaud nos conduz a um desprendimento perfeitamente possível à suavidade. Por que não? Para uma experiência ainda maior, ouça e depois deixe seus comentários, eles são muito importantes.

Fonte:
Enviado pelo autor. Disponível na Árvore das Letras (https://arvoredasletras.com.br/2023/07/23/como-se-fosse-passaro/)