terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Mitos Indígenas (Iguaçu - as cataratas que surgiram do amor)

Distribuída em várias aldeias, às margens do sereno Rio Iguaçu, a tribo dos Caingangues formava uma poderosa Nação Indígena. Tinham como Deus Tupã, o Deus do Bem e M'Boy, seu filho rebelde, o Deus do Mal. Era este o causador das doenças, tempestades, das pragas nas plantações, além dos ataques de animais ferozes e das demais tribos inimigas. 

A fim de se protegerem do Deus do Mal, em todas as primaveras, os Caingangues a ele ofereciam uma bela jovem como esposa, ficando esta impedida para sempre de amar alguém. Apesar do sacrifício, esta escolha era para ela um privilégio, motivo de honra e orgulho. 

Naípi, filha de um grande cacique, conhecida em todos os cantos por sua beleza, foi desta vez a eleita. Feliz, aguardava com ansiedade o dia de tornar-se esposa do temido Deus. 

Iniciaram-se assim os preparativos da grande festa. Convidados chegavam de todas as aldeias para conhecê-la. Entre eles estava Tarobá, valente guerreiro, famoso e respeitado por suas vitórias. 

Ocorreu que, talvez pela vontade do bom Deus Tupã, Tarobá e Naípi vieram a se apaixonar, passando a manter encontros secretos às margens do rio. Sem ser notado, M'Boy acompanhava os acontecimentos, aumentando a sua fúria a cada dia. 

Na véspera da consagração, os jovens encontraram-se novamente às margens do rio. Tarobá preparou uma canoa para fugirem no dia seguinte, enquanto todos adormeciam, fatigados com as danças e festejos e sob efeito das bebidas fermentadas. 

Iniciaram a fuga e, já à boa distância do local, M'Boy concretizou sua vingança. Lançou seu poderoso corpo no espaço em forma de uma enorme serpente, mergulhando violentamente nas tranquilas águas e abrindo uma cratera no fundo do rio Iguaçu. Formaram-se assim as cataratas, que tragaram a frágil canoa. 

Tarobá foi transformado em uma palmeira no alto das quedas e Naípi em uma pedra nas profundezas de suas águas. 

Do alto, o jovem apaixonado contempla sua amada, sem poder tocá-la. Resta-lhe apenas murmurar seu amor quando a brisa lhe sacode a fronde. 

Tarobá lança suas flores para Naípi, através das águas, como prova de seu amor. A jovem está sempre banhada por um véu de águas claras e frescas, que lhe amenizam o calor de seus sentimentos. 

Ainda hoje, M'Boy permanece escondido numa gruta escura, vigiando atentamente os jovens apaixonados. Ouve-se dizer que, quando o arco-íris une a palmeira à pedra, pode-se vislumbrar uma luz que dá forma aos dois amantes, podendo-se ouvir murmúrios de amor e lamento.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Edy Soares (Fragata de versos) – 43: Flor da Manhã

 

Artur De Azevedo (Contos em versos) Sem botas

Em tudo acreditava
O Lopes, bom rapaz, rapaz simplório,
Que dos seus companheiros de escritório,
No velho Banco onde os pirões ganhava,
Era o divertimento, era o «pratinho»;
Não lhe pregavam peta, coitadinho!
Que lhe não parecesse uma verdade.
Mas, apesar de tanta ingenuidade,
Pesava-lhe a amargura
De não ter tido nunca uma aventura
Amorosa; lembrava-se com pena
De que não fora nunca herói de um drama
Nem mesmo de uma cena,
Em que entrasse uma dama
Por ele apaixonada,
Ou solteira, ou casada.

Mas uma noite o acaso, enfim, num bonde
Que ele tomara a esmo,
Por fugir ao calor, sem saber onde
Iria ter, nem mesmo
Que tempo no passeio gastaria,
Deparou-lhe a aventura cobiçada:
Linda mulher, ao lado seu sentada,
Olhares tão sensuais lhe dirigia,
E com tanta insistência,
Que ele, apesar da sua inexperiência,
Pois que jamais se vira em tais assados,
Foi dos mais atirados,
E fez, com o cotovelo e com o joelho,
Trabalho digno de um «bolina» velho.

A passageira bela
Saltou do bonde, e o Lopes, prontamente,
Também saltou (pudera!) e foi atrás dela,
Sem saber em que bairro se encontrava,
Nem que rua era aquela,
Onde além deles, nem um cão passava,
— Rua deserta, silenciosa, escura,
Propícia a uma aventura.

Antes que o Lopes qualquer coisa diga,
Ela volta-se, e fala: — Por piedade
Os passos meus não siga.
Se não deseja a minha infelicidade!
Hoje, só hoje, desacompanhada
Fui a sair forçada
Por um negócio urgente.
Meu marido é doente,
E há três dias estamos sem criada.

Fez-me o senhor uma impressão profunda,
Por parecer-se com alguém que o sono
Eterno dorme numa cova funda:
Foi o primeiro dono
Do meu amor de virgem... Acredite:
Não posso crer que um morto ressuscite,
Mas, ao ver essa cara,
Supus que o meu Gabriel ressuscitara!

Adeus, senhor! não tente
Tornar a ver-me! Esqueça-me! É prudente!
— Mas eu... — De conta faça
Que uma visão eu sou... visão que passa...
E esgueirava-se a dama. O namorado
Que se havia deixado
Ficar mudo, enlevado

No som daquela voz, notas estranhas,
Misteriosa música divina
Que lhe invadia o âmago e as estranhas,
Tomou-lhe a mão papuda e pequenina,
Dizendo-lhe: — Senhora,
Não se afaste de mim, não vá se embora,
Sem me deixar ao menos a esperança
De que algum dia tornarei a vê-la!
Não queira que num céu todo bonança
Brilhe, e logo se apague a minha estrela!

— Não! deixe-me partir! — Oh, não! não parta!
— Pois sim... pois bem... escrevo-lhe uma carta...
Dê-me o seu nome e a seu endereço — Pronto!
Meu cartão aqui tem.
E o Lopes, tonto,
Qual se bebera capitoso vinho,
Ficou ali parado,
Enquanto ela seguia o seu caminho
E entrava num sobrado.

A carta não tardou. Dizia a bela
Que jamais faltaria
Ao seu dever por uma fantasia;
Que o pobre Lopes se esquecesse dela;
Se, entretanto, quisesse
Mandar-lhe uma resposta, que o fizesse
Para a posta-restante.
Foi a correspondência por diante,
E, á terceira missiva,
Já se mostrava a dama compassiva,
Prometendo que, logo que pudesse,
Uma entrevista ao Lopes marcaria.
E cumpriu a promessa um belo dia:
«Não posso mais! Se és homem que se afoite,
Podes vir sexta-feira, à meia-noite.
Fica à porta da rua
Uma criada à tua
Espera. Meu marido
Aqui estará, porém... adormecido.

Vê a quanto me exponho
Para tornar verdade um belo sonho!»
Achou o Lopes no posto a medianeira,
Uma velha mulata. Esta lhe disse,
Guardando, agradecida, algumas notas,
Que a escada não subisse
Sem descalçar primeiramente as botas,
Que tinham «ringideira».

Ele subiu ridículo, em palmilhas,
E co’um dedo enfiado nas presilhas
Das duas botas penduradas. Ela,
Que o vira da janela,
Foi no topo da escada recebê-lo,
Sugestivo o penhoar, solto o cabelo,
Ele quis abraça-la;
Ela, porém, fez — Psiu! — e, cautelosa,
Tomando-o pela mão fria e nervosa,
Pé ante pé levou-o para a sala,
Dizendo-lhe baixinho;
— Muito devagarinho...

Ele pode acordar... — Na sala escura
Teve ignóbil desfecho essa aventura...
— Mas teu marido? Tu não tens receio...
— Ai! se soubesses... Eu narcotizei-o!...
Olha... Não o ouves ressonar? — O moço
Nada ouvia, mas respondeu... Sim... ouço...

Sucederam-se novas entrevistas,
Sempre co’as mesmas precauções já vistas.
Logo à segunda, o Lopes foi sangrado
Em quinhentos mil réis, não para ela,
Que nada lhe faltava, Deus louvado,
Mas para a tal mulata, sentinela,
Que tinha precisão dessa quantia.
Oito dias depois, nova sangria;
Outra, mais outra, e muitas, — finalmente
Nunca se viu mulher mais exigente!

Ele mandava ao diabo a sua estrela!
Amante cara! E não podia vê-la
Senão à meia luz, e receoso,
De despertar o esposo!

Que idade ela teria
Ele ignorava, e despreza-la queria;
Porém era dos tais que não reagem
Por falta de coragem.

Os colegas do Banco
Perceberam que o Lopes ocultava
Alguma coisa que o mortificava.
Perguntaram-lhe o que era, e ele foi franco:
— Imaginem, rapazes,
Que numa noite em que eu esparecia
Num bonde da Alegria,
Uns olhos vi, capazes
De um morto erguer da sepultura fria!
Noite de amor nefasta!
Ela saltou na rua***. — Basta! basta!
(Um dos rapazes disse)
Que grande patetice!
Já sei de quem se trata:
É da celebre tipa da mulata,
Uma velha cocote aposentada,
Que finge ser casada,
E acha que toda a gente é parecida
Co’um tal defunto de quem foi querida!
Aos amantes faz crer que narcotiza
Um marido fantástico! Artemisa
Diz que se chama e chama-se Tereza! —
Pasmado estava o Lopes. — Com certeza
(Acrescentou o amigo, entre chacotas),
Para subir a escada,
Foste obrigado a descalçar as botas...
— Sabes de tudo! não ignoras nada!
— Se eu faço parte dos três mil idiotas
Que entraram lá sem botas!
Cara foi a lição, completa a cura,
Pois o Lopes não teve outra aventura.

Fonte> Artur de Azevedo. Contos em verso (contos cariocas). Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público . Convertido para o português atual por J. Feldman

Naiker Dàlmaso (Trovas Capixabas)



Amizade verdadeira
se prova com lealdade.
Do contrário, é traiçoeira,
só traz infelicidade.
= = = = = = = = = 

Ao nascer a gente chora.
Quando jovem, quantos ais!
Velho sabe, não demora
– tempo é menos, que mais.
= = = = = = = = = 

Brotam suspiros no peito,
também lágrimas no olhar.
Os versos que tenho feito,
de você me faz lembrar.
= = = = = = = = = 

Da trova faço um buquê, 
com versos do coração; 
cheirosa feito você, 
a rosa da inspiração!
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Desde o albor da mocidade, 
ébrio amor que enaltecemos, 
bebo doses de saudade, 
da ebriez que já vivemos!
= = = = = = = = = 

Desta vida eu agradeço 
tudo, tudo, até má sorte! 
Não há erro num tropeço, 
toda queda me fez forte.
= = = = = = = = = 

Em busca dos meus anseios,
me desfiz em mil pedaços;
me perdi nos devaneios
até cair nos seus braços!
= = = = = = = = = 

Esta rosa e quatro espinhos
que abrandou meu coração,
perfumou os meus caminhos,
deu à vida mais razão.
= = = = = = = = = 

Há de rir quem encontrar 
a luz da felicidade. 
Mas quem não sabe chorar, 
nunca vai rir de verdade. 
= = = = = = = = = 

Imaturo, fraquejei,
com medo das frustrações…
Mas cada vez que esquivei,
chorei por mais ilusões!…
= = = = = = = = = 

Lembro bem do meu lugar,
salpicado de esplendor;
Onde as ondas vêm beijar,
bate a rede o pescador!…
= = = = = = = = = 

Na exaustão do sofrimento 
que lacera e amarga o peito, 
o poeta em desalento, 
faz dos versos o seu leito. 
= = = = = = = = = 

Nas águas que me banhei,
do seu quente litoral,
anseios, sonhos, deixei
nas ondas de coqueiral!
= = = = = = = = = 

Nas andanças dessa vida,
antes de te conhecer,
fiz coisas que Deus duvida,
e o diabo nem quis ver!
= = = = = = = = = 

Nas veredas dessa vida, 
vou plantando os versos meus… 
Pra faze-la mais florida, 
antes de dizer adeus! 
= = = = = = = = = 

O barco, seu passaporte,
pro portal da imensidão…
Pescador de braço forte,
o mar é seu ganha-pão.
= = = = = = = = = 

Olho a noite e lembro em pranto, 
nessa ocasião lunar, 
que hoje o céu é seu recanto, 
e a saudade o meu lugar.
= = = = = = = = = 

O nosso amor tem efeito
poético! E me envolvendo,
quanto mais amor no peito,
mais trovas eu vou fazendo…
= = = = = = = = = 

Os castanhos olhos seus:
uma flecha de harmonia.
Que após atingir os meus,
fez minha vida em poesia!…
= = = = = = = = = 

Perfeita combinação:
é café com poesia.
Um preenche o coração,
o outro nos dá energia.
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Quantos ais, ó dura vida, 
os espinhos foram tantos! 
Porém tu, minha querida, 
foste a cura dos meus prantos.
= = = = = = = = = 

Quem o sonho realiza,
sem perder os seus valores,
encara a dor, se humaniza,
dos espinhos colhem flores!…
= = = = = = = = = 

Se a vida é obra de arte,
o Artista teve a destreza,
que você fizesse parte
da mais linda natureza!
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Sem ter fé, és indefeso 
no estirão para o futuro; 
Igual não teres aceso 
nenhum fósforo no escuro.
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Ser feliz é uma sina,
na arte de viver a vida;
ou trabalha a disciplina,
ou acabará ferida.
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Se triste, do trilho escapo,
e falso sorriso trago.
Deixo de sentir-me um trapo,
só com o seu terno afago.
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Todo pai é um gigante!
A seu filho dá-se inteiro.
Força e fé edificante –
o Grão Mestre conselheiro.
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Naiker Dàlmaso é de Vila Velha/ES

Fonte> https://versifica.blog/

Contos e Lendas da Espanha (Notícias do céu)

Era uma vez uma viúva que voltou a se casar.

Certo dia, enquanto que o marido trabalhava, um mendigo manco bateu à porta e pediu uma ajuda. A mulher, que gostava muito de conversar, perguntou-lhe de onde vinha. O mendigo, animado com a perspectiva de conseguir uma boa esmola, disse:

— Venho do Céu, com a permissão de Deus. Quero ver se arranjo aqui na Terra algumas coisas que facilitem minha vida lá em cima.

A mulher reagiu surpresa:

— Quer dizer que os habitantes do Paraíso também passam necessidade?

— E como, senhora! — o mendigo exclamou. — Nem mesmo no Céu existe igualdade de direitos. Lá, os que têm muito vivem melhor do que os que têm pouco... Exatamente como aqui.

A mulher ficou pensativa por alguns momentos. Por fim, disse ao mendigo:

— Meu primeiro marido deve estar por lá, pois era um homem bondoso e sábio. Talvez o senhor o conheça.

— Talvez — o mendigo repetiu, com gravidade. — Como é o nome dele?

— Pello Bidegain — disse a mulher.

O mendigo sorriu;

— Claro, como não haveria de conhecê-lo se ele é justamente o meu melhor amigo!

— Que incrível coincidência! — a mulher exclamou encantada.

— Pois estou lhe dizendo, senhora. Lá em cima, eu e seu primeiro marido somos como unha e carne.

Ansiosa, a mulher pediu:

— Então, dê-me notícias de meu Pello Bidegain. Como é que ele está?

— Infelizmente, não muito bem — o mendigo respondeu, meneando a cabeça com uma expressão de pesar. — Para ser franco, Pello Bidegain anda em sérias dificuldades.

— Que tipo de dificuldades, senhor?

— Financeiras, senhora... Anda sempre mal vestido e nunca tem dinheiro para nada, nem mesmo para as necessidades mais básicas.

— Pobre querido — a mulher murmurou. De súbito, teve uma ideia: — Diga-me, o senhor não poderia levar algumas coisas para ele?

— Claro que sim.

— Então, espere um minuto, por favor.

A mulher entrou em casa e logo voltou com muitos presentes para o falecido:

— Aqui estão dois pares de sapatos e algumas peças de roupa; calças, meias, camisas e também a boina da qual Pello Bidegain nunca se separava. O pobrezinho deixou tudo aqui, antes de ir para o Céu. Naturalmente, nem de longe poderia imaginar que a vida lá em cima fosse tão parecida com a que levamos aqui na Terra...

— É mesmo, senhora. Ninguém adivinharia. — Então o mendigo perguntou: — A senhora não teria também algo de comer?

— Claro que sim. — E a mulher explicou: — Providenciei um pouco de toucinho, chouriço, queijo e alguns pães.

— Está ótimo, senhora. Aposto que Pello Bidegain ficará muito feliz. Mas, depois de se vestir condignamente e saborear todas essas delícias, com certeza desejará coroar a refeição com um bom vinho.

— E o senhor acha que já não pensei nisso? — Sorrindo, a mulher entregou-lhe três garrafas do melhor vinho que tinha em casa.

— Ah, minha senhora, Pello Bidegain ficará tão agradecido!

O mendigo guardou tudo num grande saco que trazia às costas. Já se preparava para ir embora, quando ocorreu-lhe uma nova ideia:

— A senhora não teria também algum dinheiro para mandar a Pello Bidegain?

– Pois era justamente nisso que eu estava pensando.

A mulher deu ao mendigo uma moeda de cinquenta pesetas e pediu:

— Entregue-a para ele, por favor. Diga-lhe que o amo mais do que a qualquer outro homem, inclusive mais do que a Mikel, que é meu atual marido.

— Eu direi, senhora.

Assim, o falso enviado do Céu partiu, coxeando, curvado ao peso dos presentes que levava. Estava tão feliz, que até sentia vontade de dançar ao som de castanholas.

Enquanto isso, Mikel, o segundo marido da mulher, voltava para casa. Ao vê-lo, a esposa disse radiante:

— Você nem imagina o que aconteceu.

— O que foi? — o marido perguntou com estranheza.

— Por que toda essa euforia?

— É que tive notícias de meu querido Pello Bidegain. Soube que ele está no Céu... Mas não tão bem quanto eu imaginava.

— Você diz cada disparate, mulher. O Céu é o lugar ideal para as boas almas que partiram deste mundo. Se Pello Bidegain foi para lá, não poderia ter melhor sorte.

— Acontece que a vida lá em cima é muito parecida com a vida aqui embaixo.

Intrigado, o marido perguntou:

— Mas, afinal, quem foi que lhe deu essa notícia?

— Um mendigo manco que desceu do Céu com a permissão do Senhor — a mulher respondeu. — Aliás, ele foi muito gentil e aceitou levar algumas roupas, alimentos, vinho e dinheiro para Pello Bidegain, que está passando necessidade, pobrezinho.

Compreendendo o que havia acontecido, Mikel saiu de casa. Munido de um grande bastão, montou seu cavalo e já ia partir, quando a mulher gritou:

— Ei, aonde você vai?

— Também tenho um presente para aquele enviado do Céu — ele respondeu sem se voltar. — Mas preciso correr, se quiser alcançá-lo.

Enquanto galopava, Mikel ia pensando na surra que daria naquele mendigo mentiroso e aproveitador. Mas o mendigo, astuto como uma raposa, já esperava por represálias. Caminhava pela estrada receoso e a toda hora olhava sobre os ombros para ver se alguém o
seguia.

A certa altura, avistou um cavaleiro a galope, levantando uma nuvem de poeira. Agindo com rapidez, o mendigo escondeu o grande saco atrás de uns arbustos e sentou-se à beira do caminho.

Quando Mikel o viu, fez com que o cavalo parasse e perguntou:

— Você não viu um mendigo manco, levando um enorme saco nas costas?

— Sim, senhor. Eu o avistei ainda há pouco. Percebi até que ele estava assustado, pois volta e meia olhava para trás e corria, arrastando a perna direita. E quanto mais olhava para trás, mais depressa o pobre diabo tentava correr. Por fim, acabou entrando naquela trilha cheia de espinheiros. Mas aposto que não conseguirá chegar muito longe, por ali. O senhor nao terá dificuldade alguma em alcançá-lo.

— Acontece que a trilha é estreita demais para meu cavalo.

Então vá a pé, senhor, e vá tranquilo, que eu tomarei conta do animal.

— Nesse caso, eu lhe agradeço.

Enquanto Mikel se embrenhava na trilha, o mendigo pegou o saco que havia escondido, pendurou-o na sela, montou o cavalo e partiu, congratulando-se com o destino.' Decididamente, aquele era seu dia de sorte.

Horas depois, Mikel voltou para casa, triste e abatido. Mas fingiu-se muito calmo, até alegre, para que a mulher não o importunasse com perguntas que ele não gostaria de responder.

Ao vê-lo entrar, ela disse:

— E então? Conseguiu alcançar o mendigo?

— Claro.

— E o que foi que você lhe deu?

– O cavalo... Para que chegasse mais rápido ao Céu.

Fonte> Yara Maria Camillo (seleção). Contos populares espanhóis. SP: Landy, 2005.

Mitos Indígenas (Mundo novo - o paraiso terrestre)

A Nação Indígena dos Caiapós habitava uma região onde não havia o sol nem a lua, tampouco rios ou florestas, ou mesmo o azul do céu. Alimentavam-se apenas de alguns animais e mandioca, pois não conheciam peixes, pássaros ou frutas. 

Certo dia, estando um índio a perseguir um tatu canastra, acabou por distanciar-se de sua aldeia. inacreditavelmente à medida que este se afastava, sua caça crescia cada vez mais. Já próximo de alcançá-la, o tatu rapidamente cavou a terra, desaparecendo dentro dela. Sendo uma imensa cova, o indígena decidiu seguir o animal, ficando surpreso ao perceber que, ao final da escuridão, brilhava uma faixa de luz. Chegando até ela, maravilhado, viu que lá existia um outro mundo, com um céu muito azul e o sol a iluminar e a aquecer as criaturas; na água muitos peixes coloridos e tartarugas. Nos lindos campos floridos destacavam-se as frágeis borboletas; florestas exuberantes abrigavam belíssimos animais e insetos exóticos, contendo ainda diversas árvores carregadas de frutos. Os pássaros embelezavam o espaço com suas lindas plumagens. 

Deslumbrado, o índio ficou a admirar aquele paraíso, até o cair da noite. Entristecido ao acompanhar o pôr do sol, pensou em retomar, mas já estava escuro... 

Novamente surge à sua frente outro cenário maravilhoso: uma enorme lua nasce detrás das montanhas, clareando com sua luz de prata toda a natureza. Acima dela multidões de estrelas faziam o céu brilhar. Quanta beleza! E assim permaneceu, até que a lua se foi, surgindo novamente o sol. 

Muito emocionado, o índio voltou à tribo e relatou as maravilhas que viera a conhecer. O grande pajé,  Caiapó, diante do entusiasmo de seu povo, consentiu que todos seguissem um outro tatu, descendo um a um pela sua cova através de uma imensa corda, até o paraíso terrestre. Lá seria o magnífico Mundo Novo, onde todos viveriam felizes.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 23

 

Isabel Furini (Traição???)

Ana e Juliano são invejados pelos amigos. Ambos são professores de literatura, amam livros, especialmente os romances escritos por grandes autores como Proust, Kafka,  Joyce. Ambos desprezam os livros de autoajuda.

- Livros superficiais. Não sei como as pessoas podem ler esses livros, sem qualidade literária - enfatizava Juliano.

O casal compartilhava leituras, teatro, ópera, concertos. De repente, Ana começou a passar os finais de semana com sua irmã.

– Passarei o sábado com  Geraldina, querido - disse ela com voz meiga.

Juliano suspeitou. Geraldina sempre viajava no final de semana, pois tinha uma chácara na cidade de Araucária. Sorrateiro, ele falou com o seu amigo Daniel que trabalhava no UBER.

Sábado, quando Ana saiu, Juliano, que já havia combinado com Daniel, subiu ao carro e a seguiu a uma distância prudente. Ela pegou a estrada que leva à cidade de Araucária. 

Ela tem um amante, pensou Juliano, mas não disse nada. Ficaram em silêncio. Daniel acendeu um cigarro. Meia hora depois, ela estacionou o carro diante da chácara da irmã.

Juliano desceu do Uber e caminhou até a porta da chácara. Ana estava olhando-o com olhos esbugalhados.

Ela chorando disse: - Querido, eu não queria que você soubesse...   sinto muito. Vai ser horrível para você!

- Ana...

- Eu falei com minha irmã e ela me aconselhou a cometer traição. Sinto muito... foi para que você não sofra..

- Você tem um amante, Ana?

- Não, Juliano. Mas eu sei que você odeia... Você odeia mesmo. E eu gosto. Sinto muito, mas eu  gosto muito de ler livros de autoajuda.

Carolina Ramos (O Folclore em Versos)


SACI-PERERÊ

Saci-Pererê... O moleque atrevido!
Só tendo uma perna, veloz como o vento,
faz mil peraltices sem ser pressentido...
- Transforma a quietude da noite em tormento!

Dispara a boiada.,. Galopa e extenua
os pobres cavalos... e a crina lhes trança!
Cachimbo na boca... nas noites de lua,
remoinha a poeira na trêfega dança!

Se alguém, de surpresa, um dos gorros vermelhos,
consegue roubar... E, com sorte, reter...
terá como escravo o Saci de joelhos
que, sem o capuz, perde o mago poder!

Não raro, o Saci pode ser caluniado!
Se às vezes o culpam do extremo alvoroço,
nem sempre de tudo, em verdade, é culpado...
Do mal, talvez, seja até pálido esboço...

Pois... há muita gente, de pele bem alva,
que tem duas pernas... cachimbo nem vê,
que bole com tudo... nem santo salva!
E é muito pior... que um Saci-Pererê!
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O RIO MAR I
(lenda amazônica - origem do rio Amazonas)

Jassyendy* prateava a natureza!
Jassy** era feliz, serena e amada
pelo formoso Cuara***, na certeza
de tudo ter... sem desejar mais nada!

O amor, pujante e livre, na largueza
do azul crescia, em força imensurada,
com esplendor intenso e tal grandeza,
que a Onipotência estava preocupada:

- Não fosse logo essa paixão contida,
em pouco a morte extinguiria a Terra!
Secariam os rios... sem mais vida

e secaria, assim... todo o Universo!
- Sol e Lua... Tupã**** separa! E encerra,
com seu poder, aquele amor adverso!
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*Jassyendy = luar
**Jassy = lua
*** Cuara = sol
**** Tupã = Deus
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O RIO MAR II

A sentença é implacável - sem poesia!
Separação - é a fórmula sensata:
- Cuarassy*, sendo o Sol - brilha de dia!
- Jacy, a Lua - à noite, a luz desata!

Tupã, o poderoso, decidia!
E Curussá**, num brilho que arrebata,
a cruz de estrelas no amplo céu abria,
marcando para sempre a triste data!

A alternar-se no azul, em desalento,
não se encontram jamais o Sol e a Lua!
Ao ver Jassy, tão pálida, em tormento,

Cuarassy, em protesto, ostenta um halo
de dor e de saudade... E o adeus flutua
em cada triste ocaso... A torturá-lo!
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* Cuarassy = Sol de verão
** Curussá = Cruzeiro do sul
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O RIO MAR III

Em vão as súplicas! Também baldados
os apelos dos astros que se uniram
aos pés de Tupãssy!*... Desalentados,
Jassy e Cuarassy de amor deliram!...

Lágrimas, em roldão, pelos costados
e planícies rolaram!... Não se ouviram
na Amazônia os lamentos dos copados
seringais que, engolidos, sucumbiram!

E o pranto de Jassy, protesto insano,
em caudal impetuoso e avassalante,
foi arrojar-se aos braços do oceano!

E a rugir, a gemer e a espumejar,
do manancial de um coração amante,
nascia, então, grandioso - o Rio Mar!
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* Tupâssy = mãe de Deus
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O CANTO DO UIRAPURU
(Lenda da Amazônia)

Pequenina e graciosa,
a índia, cor de canela,
tinha voz meiga, maviosa...
e a tanga verde e amarela.

Olhos de corça amansada,
mais negros do que o saci,
era feliz... porque amada
por um guerreiro tupi.

Na verde mata, fez ninho.
E a cantar seu grande amor,
parecia um passarinho,
a adejar de flor em flor!

Mas... o guerreiro, malvado,
seu carinho desprezou,
e por outra apaixonado,
o ninho antigo deixou!

Foi definhando, angustiada,
aquela índia menina,
pelo noivo abandonada…
e a guarda-lo na retina!

Enfim... Tupã, condoído,
a abrandar-lhe a triste sorte,
dá-lhe à vida outro sentido,
para poupá-la da morte:

- Numa avezinha encantada,
cor auri-verde-canela,
foi a índia transformada
e voz maviosa revela!

Uirapuru é seu nome
e pelas frondes viçosas,
toda a angústia que a consome,
canta... em notas dolorosas[

Seu trinar, límpido e triste,
a mata escuta silente!
E a mágoa que nele existe,
é a mágoa que a gente sente!

Numa pergunta constante,
dorida, Uirapuru diz
ao seu amado distante:
– Tão triste estou!... És feliz?!...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

LOBISOMEM
(Folclore Universal)

Meia noite... sexta-feira...
- Cruiz-credo!... Yaiá escuitô?!
Lápras banda da portêra,
foi lobisome... que uivô!

- Lobisomem, Benedita?!
Yaiá senta alvoroçada
no leito... e a Dita se irrita:
- Tão tarde!.... E Yaiá acordada?

- Calminha... amanhã desconto!
- Antes do cuco acusar
que são dez horas em ponto,
ninguém venha me acordar!...

- E agora, me conte a história,
meu sono já está no fim...
- Bem... si nun faia a memória,
as coisa cumeça anssim:

Sete fio encarrerado,
mêmo que tenha bom nome,
ninguém foge do ditado:
- o caçula... é lobisome!

-E... em noite de lua, quando
é sexta-fêra, minina,
ôio de brasa... escumando,
num grande cão se acumbina!

- Peludo... as presa arreganha,
assustando bicho e gente!
- E mata... tudo qui apanha...
guardando as sobra nos dente!

- Di manhã... ôtra veiz home,
esquece o que assucedeu
...e, inocente, se consome,
pranteando arguém qui morreu!

- Os home... são sempre os mêmo!
- São mau... sem sabê pruquê!
- Santinhos pur fora... e demo
pur drento! - saiba vancê!

- Pur isso... muita cautela...
num querdite neles, não!...
- Mêmo qui a muié... costela
seje desse tar de Adão!

- Dum hôme se adiscunfia...
tenha inté cara di bobo...
pois, se alembre, minha fia:
- num zás-trás... si vira in lobo!!!

Fonte: Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Enviado pela autora.