quarta-feira, 4 de junho de 2008

Mapa Cultural Paulista - Expressão Literatura

Incentivar e identificar diversas expressões culturais por todo o Estado de São Paulo. Esse é o objetivo do Mapa Cultural Paulista, projeto da Secretaria de Estado da Cultura. Criado em 1995, a edição 2007/2008 conta com três representantes do Grande ABC entre os 15 autores escolhidos na fase final do Mapa Cultural Paulista - Expressão Literatura. Os trabalhos dos vencedores farão parte do Catálogo de Artes: Literatura, livro que será lançado no ano que vem e distribuído e debatido em vários municípios.

Neste ano, o evento reuniu 274 participantes de mais de 170 cidades. O concurso é aberto a expressões artísticas como artes visuais, canto coral, dança, teatro, vídeo e literatura.

Na categoria crônica, a jornalista Lara Pezzolo Fidelis venceu com o texto Armazém de Aromas, que remete a seus tempos de criança. 'É um texto memorialista da minha infância. Fala dos aromas que me lembro do armazém de meu avô', explica a moradora de Santo André, cidade que representou no concurso. A história é bem detalhista e tem aspectos de um realismo fantástico, mesclando um pouco as duas vertentes.

Como o evento ocorreu em etapas ao longo do ano passado e só teve término neste mês, a autora foi premiada em duas ocasiões especiais. 'Achei bem engraçado, sendo que uma etapa ocorreu na época do Natal e a entrega dos prêmios foi agora no último dia 11. Primeiro foi um presente de Natal e depois um de Dia das Mães', lembra. Ela vê o prêmio como uma grande vitória e um reconhecimento de seu trabalho. Além da crônica, Douglas Lara também concorreu com o conto Tsunami, que chegou às finais, mas não foi escolhido vencedor.

Outra representante da região é a escritora Beth Brait Alvim. Com o poema In Paix (em paz, em latim), a moradora de Diadema venceu na categoria poesia. Sobre o trabalho, acredita que a arte fala por si só. 'É difícil falar de poema, não se explica um poema. O que eu posso dizer é que fala de um ritual de perda', diz Beth, que começou a fazer poesias aos 12 anos. Sua participação no concurso foi por acaso, pois o texto fazia parte da Amostra de Diadema e o vencedor representaria automaticamente a cidade no Mapa Cultural deste ano.

A escritora, que chegou a ser convidada para integrar o júri da edição deste ano do concurso paulista, vê a poesia como um importante instrumento didático. 'Seria fundamental haver contato da poesia com crianças e jovens. É importante na formação de indivíduos críticos', ressalta a ex-diretora da Casa da Palavra de Santo André, que também já ministrou oficinas em Diadema.

Foi em uma dessas oficinas que ela conheceu José Geraldo Neres, vencedor na categoria conto. 'A Beth é La Maestra. Ela foi fundamental na minha carreira. Aquela oficina foi um divisor de águas para mim', diz o escritor. Morador de Santo André, cidade que representa entre os premiados, Neres começou a produzir literatura após suas aulas com a professora, em 1999.

O texto vitorioso nesta edição levou cerca de quatro anos para ficar pronto. A prosa poética O Silêncio Entre Vozes faz um questionamento a partir do célebre conto O Barril de Amontillado, do poeta norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849).

Para Neres, apesar de a região contar com três escolhidos para o trabalho final do projeto, o número parece pequeno para a tradição cultural do Grande ABC. 'A região foi muito bem representada. Além dos três que venceram, houve outros bons participantes que achei que estariam entre os finalistas', afirma, lamentando que o número de 15 escolhidos é muito pequeno.

O Mapa Cultural Paulista pretende promover o intercâmbio cultural entre diversas regiões do Estado. 'É uma possibilidade de dialogar com outras realidades literárias. Como diferentes regiões do Estado se unem em um único projeto, é importante ver e conhecer essas diferenças', afirma Neres.

Neste ano, o evento reuniu 274 participantes de mais de 170 cidades. O concurso é aberto a expressões artísticas como artes visuais, canto coral, dança, teatro, vídeo e literatura.

As eliminatórias ocorrem em três etapas: uma fase municipal, outra regional e, por final, uma que determina os representantes estaduais. Os 15 vencedores escolhidos receberam um troféu, um prêmio de R$ 1.000 - por direitos autorais - e terão direito a 50 edições do livro-catálogo. 'Eu acompanho o Mapa há muitos anos, desde o início. Tenho algumas críticas, mas acho muito importante o Estado ter projetos literários', conclui Beth Alvim.

Informações podem ser obtidas no site www.brazilsite.com.br/abacai/mcpaulista. A organização cultural Abaçaí conduz o processo de seleção.

Dois trechos e um poema

ARMAZÉM DE AROMAS, por Lara Pezzolo Fidelis

'(...) Debruça-se sobre os imensos tonéis de madeira, que escondem em água salgada deliciosos petiscos. Azeitonas verdes, pretas, grandes, pequenas, chilenas, portuguesas. Com a grande escumadeira, retira um punhado e começa a devorá-las ali mesmo, ainda na ponta dos pés, sentindo cócegas no nariz pelo excesso de sal. Receia levar bronca se acidentalmente derrubar os caroços dentro de algum barril. E, pior, ser proibida de desfrutar novamente daquele festim. O armazém é um banquete para todos os sentidos. (...)'

O SILÊNCIO ENTRE VOZES, por José Geraldo Neres

'(...) A face na sombra, no reencontro das sombras que vestem esse lugar, além das duas lâminas - os ponteiros que escorrem pelas quatro paredes - o tempo úmido, além do tempo. O sangue misturado aos pedaços de carne presos nos restos da pedra, a saliva está por toda a parte, os movimentos das mãos estão comprometidos. Uma sombra golpeia a vidraça. Abre nos olhos o primeiro labirinto, labirinto que precisa saciar a sua sede. Outra, joga-se contra a terceira parede. O silêncio é quase absoluto, liquefeito, a escorrer pelo chão. (...)'


IN PAX, por Beth Brait Alvim
só agora envelhecida e dura pego você nos braços e aspiro a canela e a pimenta exaladas
pelo teu coração e dedos
tão pequena e entregue que temo quebrar teus ossos no ínfimo mover de tuas flores e
consternar teus tímpanos encarcerados
paira no nada tua voz de purpurina e sobre teu seio vazio insetos
navegam febris
acetinei meus dedos de lâmina livre e austera
eu seiva
você casca
forcei tuas sobrancelhas de ouro e beijei a porcelana almejada embalsamando tuas rugas e
os lábios pétreos que não consegui pintar
tua beleza e o cheiro pútrido no meu colo
teu encolhimento
tua imobilidade
teus olhos de vidro
tua loucura que embebedou velhos costumes
sorry
mas eu não fui capaz de extirpar com pedras e facas o peixe sorrateiro que necrosou teu
sangue
sangue do meu sangue
só agora
meu ventre
invertido
te verte
no parto
que
te aprendi

Fontes:
Diário do Grande ABC
http://home.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=4&id=6718#
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

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