domingo, 29 de dezembro de 2024

Newton Sampaio (Festa de S. Antônio)

O vilarejo sem história, apertado em todos os flancos pelos grilhões inflexíveis das serras, libertava-se pouco a pouco da dormida plácida sob a colcha enfeitada de estrelas. A alvorada, sem clarins nem tambores, ia espantando, todavia, bem pra lá dos grotões e dos picos, as sombras bracejantes da noite.

E os primeiros fios de luz, deixando descoloridamente em destacado os contornos grotescos das casas, eram vanguardeiros do sol, que não tardaria a chegar com o seu cortejo de luzes. Depois, quando as curvas fidalgas do horizonte emprestavam linhas esculturais às montanhas plebeias, os telhados sem simetria fuzilaram no ar em chapadões borbulhantes.

Já então, as primeiras manifestações da vida começaram a adejar sobre o lugarejo desconhecido. E o rio — um rio largo que vinha lá de longe, e vinha descrevendo arabescos caprichosos entre a deselegância das cordilheiras — arrastou suas águas no coração da vila e levou, diluída nelas, a vibração sem par da manhã cabocla. 

E assim amanheceu o dia de S. Antônio naquela povoação distante.

Lá na última esquina, um comerciante adiposo abre as portas de sua casa de negócio e varre o assoalho cuspido e imundo.

Coçando-se na quina de um poste sem serventia, um pobre cão vagabundo atira ao ar ladridos esparsos, como que antessofrendo, no começo do dia, a melancolia de mais um dia vivido ao léu e sem dono.

No lar do Benedito Olivério desenrola-se a mesma cena de sempre. Ele, sentado na beira do catre, esforça-se por adaptar ao pé o sapatão de couro. A mulher arrasta os chinelos de um lado para outro. E, junto ao fogão, as crianças, esfregando os olhos ainda cheios de sono e de remela, choramingam impertinentes, reclamando um naco de batata assada.

— Mãe, hoje eu queria comer pão.

— Cala a boca, feição do enorme. Onde já se viu esse luxo?

— Pois hoje é o meu dia, mãe...

E Tonico, o filho mais velho, parado na porta que dá para o quintal, contempla com olhos diferentes o azulado longínquo do Pico Agudo.

— Patroa. Faça a vontade do menino. Pelo menos no dia de S. Antônio.

— Qual nada! Extravagância não é pro bico do pobre.

O Benedito Olivério olha a Nida de soslaio. E matutando em silêncio:

— Coitada de minha mulher! Pra ficar “braba” não pede licença. Por um nadinha está subindo a serra. Também, pudera! Uma porção de filhos já quase criados... E ainda por cima uma doença desgraçada no fígado...

E ajeitando a cinta:

— Toma lá, Tonico.

Com gesto displicente, o menino toma a pratinha. E já descendo a rua esburacada, mete as mãos nos bolsos, atirando a esmo assobios discretos. Reflete. A vida... O que era a vida para ele? Uma pasmaceira sem conta... Batera uma crise na casa!... De segunda a sábado, fora os dias santos, atravessar a ponte de manhãzinha, escalar a serra, e lá na primeira baixada ajudar o pai no algodoal. De tarde, um banho no rio. À noite, conversar com a vovó Francelina, e ouvir dela umas histórias sem sabor. Ainda o prendia à velha a gratidão sincera que nutria. Desde pequeno acostumara-se Tonico no conchego da avó. A mãe vivia numa neurastenia sem fim. Até parecia madrasta...

Na volta vê o estrugir de alegria nos outros meninos. E considera a ironia da véspera. Ele, que se chamava Antônio, não tivera uma distração. Nem um busca-pé. Nem uma bomba de parede. E Tonico fica com uma vontade de transformar o mundo numa enorme bomba e atirá-la de encontro ao sol...

Bem de tarde, no quintal da casa, Tonico estende as vistas como que acompanhando um ponto indeterminado a se deslocar no céu que se afogava no delírio do ocaso.

Invade a atmosfera o bimbalhar compassado de um sino. E quebra-se logo ao longe, na fraqueza de ecos sucessivos.

Tonico pensa em assistir à novena de S. Antônio. “Mas pra quê?” E suspende a pergunta na precocidade de seu ceticismo.

No lugarejo, a comemoração do santo continua. Desde a gritaria da criançada até a coparticipação dos grandes. E na algazarra da matula infantil, quando o balão, inflado como fêmea pandorga, inicia livre a ascensão sem destino. E no espoucar intermitente dos traques minúsculos. E no estralejamento vibrante da foguetada.

Noitinha já, entra Tonico na casa. Os irmãos todos de mãos vazias, mas num assanhamento sem conta, foram espiar a festa das outras crianças. A vovó, como sempre, na novena.

— Pai, eu queria arrebentar uma bomba hoje.

— Diabo de guri pedinchão! (E Nida interrompe brutalmente o pedido). Pensa que nós plantamos dinheiro na horta?

— Não se amofine, patroa. É comigo que ele está falando.

Benedito trincoleja no bolso as moedinhas parcas.

— É um esbanjamento nesta casa... Guarda esse dinheiro, Dito. 

— Deixa, mulher, deixa.

Não se conforma a Nida. Aperta as maxilas de raiva. E praguejando: — Tomara que arrebentem não sei onde essas malditas bombas.

O menino sai em silêncio. Que vontade ainda de comprar uma bomba enorme, do tamanho do mundo, e jogá-la de encontro à lua, no crescente!

— Seu Fidélis. Qual é a maior bomba que o senhor tem aí?

— A maior? É esta. Veio como brinde. Mas eu não sei como brincar com isso. Cuidado, menino. O estouro dessa não é estouro de traque, não.

Na esquina próxima, a criançada se agita. A gargalhada dilui-se perdulariamente em todas as gargantas.

— Pessoal! Escute só o estouro desta!

Tonico, de feições contraídas, quer que todos estejam atentos. Não seria melhor que o mundo inteiro olhasse a casa da esquina, naquele momento, como que a válvula única para sua infinita amargura?

O menino, apertando fortemente na mão direita o perigoso embrulho, precisa tomar impulso. Arreda o passo. Volteia o braço para trás. Ao mesmo tempo, imprudentemente, a Piva, uma irmãzinha do Tonico, corre pela calçada. No entanto, não é mais possível tolher o golpe. Projetada com energia contra a parede, reflete-se um pouco a bomba, e estrondeia junto à menina.

No seu aturdido, Tonico não compreende, no primeiro momento, os gritos lancinantes de dor. Em atonia completa, apenas enxerga a irmãzinha nos braços da gente que acorrera. Depois, pela concentração de todas as energias, desliza como uma sombra na rua deserta.

Lá, nos pilares incoercíveis da ponte, o rio continua a música do atrito. E a música da luz, longe, nas estrelas e no crescente, continua a procurar a superfície da água para a multiplicação do concerto supremo. E a sinfonia da semiloucura quer arrebentar os miolos do Tonico...

Sabedora do ocorrido, Francelina sai como doida à procura do neto. Encontra-o na cabeceira da ponte, com o rosto entre as mãos, chorando. Aconchega-o, carinhosa, ao peito. Beija-o com efusão. E sussurra:

— Tonico. Vamos pra casa. Eu sei de uma história bonita que se deu comigo lá em Minas, numa festa de S. Antônio...

Na rua recomeça a alegria. A mesma barulheira esturdia.

— Santo Antônio! Meu bom Santo Antônio!

E o vilarejo sem história, apertado já em todos os flancos pelas cadeias eternas das serras, cobriu-se melhor na colcha enfeitada de estrelas. E imobilizou-se ainda mais nos grilhões inflexíveis da noite…
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Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 13/06/1933.
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Newton Sampaio natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (A Soleira do Conhecimento)

Nota: A ideia deste texto fictício partiu de uma conversa com um amigo escritor, de Monteiro Lobato/SP, Paulo Vieira Pinheiro (Paulo Vinheiro), daí só foi dar asas à imaginação. 
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Era uma manhã tranquila no sítio de Paulo, um homem de setenta anos que, após uma vida inteira de trabalho duro, finalmente havia encontrado um pouco de paz. O sol começava a despontar no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa. Ele se espreguiçou, sentindo a brisa fresca que entrava pela janela do seu quarto. A casa, rodeada por árvores frutíferas e o canto dos pássaros, parecia um santuário.

Sempre fora um homem curioso. Desde jovem, tinha um amor insaciável pelo conhecimento. Passava horas na biblioteca, devorando livros sobre história, ciência e filosofia. Agora, em sua aposentadoria, ele se dedicava ao cultivo da terra e à leitura, mas sempre havia uma inquietação dentro dele, um desejo de descobrir mais sobre o mundo e talvez até sobre si mesmo.

Naquela manhã, enquanto preparava seu café, olhou pela janela dos fundos e viu algo que nunca havia notado antes: uma luz suave emanava de um canto do quintal, perto da velha árvore de figo. Intrigado, ele decidiu investigar. Calçou suas botas e saiu, atravessando o gramado coberto de orvalho.

Ao se aproximar da árvore, a luz se intensificou, e uma sensação estranha começou a envolver Paulo. Era como se a atmosfera estivesse vibrando, pulsando com energia. Ele se agachou para examinar melhor e, de repente, notou uma pequena porta na base da árvore, quase imperceptível. Era uma porta de madeira antiga, com entalhes que pareciam contar histórias de tempos passados.

Com o coração acelerado, sentiu que aquele momento era especial. Ele estendeu a mão e abriu a porta. Ao cruzar a soleira, foi envolvido por uma luz brilhante e, em um instante, se viu em um lugar completamente diferente.

O que antes era o seu quintal agora se transformara em uma floresta mágica, cheia de árvores altíssimas e plantas que nunca havia visto. O céu era de um azul profundo, e nuvens flutuavam com formas curiosas. Sons melodiosos preenchiam o ar, vindos de criaturas que pareciam mais lendárias do que reais.

Paulo ficou atordoado, mas não sentiu medo. Ao contrário, sentiu uma onda de curiosidade percorrendo seu corpo. Ele começou a andar, admirando a beleza ao seu redor. As árvores sussurravam segredos, e o vento parecia guiá-lo. A cada passo, ele se sentia mais conectado a esse novo mundo.

Depois de caminhar por um tempo, encontrou um pequeno grupo de seres que pareciam humanos, mas com características etéreas. Seus olhos brilhavam com sabedoria, e suas vozes eram suaves como a brisa. Eles se apresentaram como os Sábios da Floresta, guardiões do conhecimento e da harmonia.

— Você veio em busca de algo, não é verdade? — perguntou um deles, com um sorriso gentil.

Paulo assentiu, sentindo-se á vontade. Ele explicou seu desejo de aprender, de entender mais sobre a vida e sobre si mesmo. Os Sábios trocaram olhares significativos e, em seguida, começaram a compartilhar com ele os segredos da natureza, da história do mundo e da essência do ser humano.

Os dias passaram como horas, e Paulo mergulhou em um universo de aprendizado. Ele aprendeu sobre as plantas que curam, sobre os ciclos da vida e da morte, e sobre a importância da conexão entre todos os seres. Os Sábios o ensinaram que o conhecimento não é apenas o que se lê em livros, mas também o que se vive, o que se sente.

Uma tarde, enquanto descansavam sob uma árvore centenária, um dos Sábios disse a Paulo:

— O conhecimento é uma jornada, não um destino. Cada experiência, cada amizade, cada dor, é uma peça do quebra-cabeça que compõe quem somos.

Paulo ouviu com atenção. Aquela frase ressoou dentro dele, como um eco de verdades que sempre soubera, mas nunca tivera a coragem de aceitar plenamente.

Após o que pareceu uma eternidade, percebeu que era hora de voltar. Ele havia adquirido sabedoria, mas também sentia saudade de sua vida no sítio, das pequenas coisas que o faziam feliz. 

Os Sábios o acompanharam até a porta da árvore.

— Lembre-se, Paulo — disse uma sábia com olhos brilhantes —, você pode levar o conhecimento consigo. Mas nunca se esqueça de que a verdadeira sabedoria é vivida no dia a dia. Não tema as perguntas, pois elas são o caminho para novas descobertas.

Com um último olhar para aquele mundo mágico, Paulo atravessou a porta e retornou ao seu quintal. O sol ainda brilhava, mas algo havia mudado dentro dele. Ele olhou ao redor, sentindo a familiaridade do lugar, mas agora com uma nova perspectiva.

Nos dias que se seguiram, começou a aplicar o que aprendera. Ele passou a observar mais a natureza ao seu redor, a cuidar das plantas com um carinho renovado. Suas conversas com vizinhos e amigos tornaram-se mais significativas, e ele se interessou em compartilhar suas experiências.

Também começou a escrever um diário, registrando não apenas suas descobertas, mas as reflexões que surgiam de cada dia. Ele percebeu que o conhecimento não era algo que se acumulava em livros, mas uma vivência que se compartilhava.

Aquele homem de setenta anos, que um dia se sentiu perdido em meio às rotinas do dia a dia, agora caminhava com um brilho novo nos olhos. A soleira da árvore, que o levara a uma dimensão desconhecida, também o guiara a uma nova compreensão de si mesmo e do mundo.

Paulo sabia que, embora a vida fosse finita, a busca pelo conhecimento e pela conexão com o outro era eterna. E assim, ele viveu seus dias com a alma leve, coração aberto e mente curiosa, sempre pronto para aprender mais.
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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores de universidades do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Vereda da Poesia = 189


Trova de
JOSÉ VALDEZ DE CASTRO MOURA
Florianópolis/ SC

Tento fugir da rotina,
conquistar um novo espaço...
mas minha tristeza assina
seu nome por onde passo...
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Tão leve estou que já nem sombra tenho
Mário Quintana in "A rua dos Cataventos", p. 48

Tão leve estou que já nem sombra tenho
Como nuvem que passe transparente
No céu dos dias onde é sempre ausente
A cor forte do velho e nobre estanho.

Sou como o traço fino de um desenho
Magro e sumido, um corpo em seu poente
Que viva da palavra e se alimente
Do verso que estiver de bom tamanho.

Tão leve, qualquer dia eu me evaporo
Deste corpo onde quase já não moro
Por castigo ou capricho do destino.

Mas por graça da suma divindade
Subirei através da claridade:
Vou ser eternamente e só menino!
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Trova de
EDUARDO AMARAL DE OLIVEIRA TOLEDO
Pouso Alegre/ MG

A mentira mais fingida
que aprendi, quando criança,
foi ouvir que pela vida
quem espera sempre alcança.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Faço-me lágrima

Quando àquelas distantes
nuvens
Nublam teu olhar
(Abraço teus tons
de gris)
Abro e
fecho
parênteses
E inebriada, silencio-me

Faço-me lágrima
Para deslizar dos teus cílios,
Alongando desejos
De te beijar
E desaguo no cantinho
Dos teus lábios
E, assim desperto uma pontinha
Do teu sorriso...
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Trova de
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

Num relógio, vendo a hora,
no outono de minha lida,
vejo que não há demora
no ocaso de minha vida!

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Soneto de
LAÉRCIO BORSATO
Poços de Caldas/MG (via Port Hope, Canadá)

... Às margens do Lago Ontário 

Andando às margens do lago Ontário
Por alguns instantes, após o sol posto.
Dia vinte e seis deste lindo mês de agosto.
Como o sol, havíamos cumprido o itinerário...

Nessa tarde sentia-me feliz e disposto,
Caminhava e tinha em mente, involuntário
Desejo de voltar. Via naquele cenário,.
O espelho das águas, esculpir o meu rosto...

Desviei o olhar nas orlas do horizonte
Ataviadas em cores róseas. Vi o monte
Exibindo um verde que não vira, até então.

Nesse devaneio ao meio a lindas flores,
Vi estrelas mostrando seus resplendores;
E a saudade invadiu de vez meu coração.
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Trova de
LORIS TURRINI
Tremembé/SP

Este manto que carregas,
como bandeira estendida,
é vitória das refregas
que enfrentaste nesta vida!
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Incontentado

Paixão sem grita, amor sem agonia,
Que não oprime nem magoa o peito,
Que nada mais do que possui queria,
E com tão pouco vive satisfeito...

Amor, que os exageros repudia,
Misturado de estima e de respeito,
E, tirando das mágoas alegria,
Fica farto, ficando sem proveito...

Viva sempre a paixão que me consome,
Sem uma queixa, sem um só lamento!
Arda sempre este amor que desanimas!

Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,
O coração, malgrado o sofrimento,
Como um rosal desabrochado em rimas.
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

O papel que eu desempenho 
na poesia, não tem preço; 
pelos amigos que eu tenho… 
Ganho mais do que mereço!
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Poema de 
JOSÉ FARIA NUNES
Caçu/GO

Poesia e liberdade

A caneta do poeta
rebela-se
ante a injustiça
do poder.
E faz-se poder
na liberdade
do ato de pensar.
Quando o poder
em seu império de força
impõe-se
sobre a caneta do poeta
então este carece
de ser mais que poeta:
dele se exige
a engenharia dos deuses
na construção mágica
do amor.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Na briga que o meu cabelo, 
e a careca estão travando 
lamento ter que dizê-lo, 
a careca está ganhando...
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Poema de
TERESINKA PEREIRA
Ohio/Estados Unidos

As portas 

Não podemos aceitar 
todo o sofrimento 
que nos impõe o desconhecido. 
Para cada porta fechada 
haverá mais de cem portas abertas 
na história da nossa vida. 
Nossa mente fará a jornada 
se permitirmos que nos deve 
mais uma vitória 
neste vertiginoso romance 
com as pessoas que nos amam 
o suficiente para entender-nos.
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Trova de
CAROLINA RAMOS 
Santos/ SP

As bandeiras desfraldadas..,
O povo em vai-vem nas ruas...
e as esperanças sonhadas
são minhas... e também tuas!
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Hino de
BODOCÓ/ PE

No sopé dessa serra planalto
Bodocó se afirmou e cresceu
E é hoje o destaque mais alto
No cenário erudito e plebeu

Já contando alguns anos de vida
Desde que por lei se emancipou
É a nossa cidade querida
A quem rendemos nosso louvor

A cidade sempre adolescente
Com orgulho costuma mostrar
Sua juventude inteligente
Que estuda e quer prosperar

O seu povo é muito ordeiro
Pois aqui só se pensa em crescer
E o exemplo há de ser pioneiro
Do progresso e do bom conviver
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Trova de
CÉLIA GUIMARÃES SANTANA
Sete Lagoas/MG

O guri, a todo dia,
uma vidraça quebrava.
O seu pai empobrecia...
E o vidraceiro enricava!
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Soneto de 
MÁRCIA SANCHEZ LUZ
São Paulo/SP

Bilhete de Julieta

Por que você partiu sem me contar
que o fim estava próximo e que nós
não poderíamos nos ver após
a cotovia, lúgubre, cantar?

Não foi de fato amor de acarinhar,
nem foi de fato amar de amor feroz.
Da forma como veio, assim veloz,
partiu e me deixou sem me acordar.

E agora o que fazer sem seu carinho
para acalmar a febre em sonhos meus?
Não quero mais ninguém em nosso ninho.

Eu sei – a vida é assim –, dirá quem ler,
mas não sei mais o que fazer, meu Deus!
Como é difícil deste amor morrer!
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Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Não diga adeus por favor, 
me deixa assim , iludida. 
Quero pensar que este amor 
não tem porta de saída.
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Fabiane Braga Lima (Arrogância...)

Viramos pedra, já não temos mais vozes! Sabíamos da verdade, mas por vaidade nos calamos, pois sempre somos os donos das verdades. E o que nos restou? Apenas se silenciar diante do real, da realidade! 

Engana-se, aquele que vive fantasiando! Perde-se as razões, e o tempo, que é o senhor de todas as razões, ele corre veloz e urge feroz. Resta-nos apenas esperar, nos remendar, remendar os estilhaços caídos e lançados ao chão duro e frio.

Hoje calados, intactos, cessamos os nossos sonhos e as nossas fantasias e tudo virou piada. Resta-nos a verdade, mas a verdade não, pois a verdade hoje gera a morte certa.

E agora? Agora é esperar o tempo passar, esperar sem contradições. Pois cair em contradições, sobre o que defende é o maior ataque a mim mesmo é pura arrogância....! 
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Fabiane Braga Lima é poetisa e contista, em Rio Claro/ SP

Fontes:
Enviado por Samuel da Costa
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Onde a coruja dorme”


A expressão é bastante conhecida no meio futebolístico, e é usada principalmente pelos locutores esportivos para indicar que a bola entrou, após ser chutada por acaso ou com maestria, em um dos ângulos retos superiores da trave do gol. Invariavelmente se ouve, com o entusiasmo próprio de quem narra uma partida: – Golaço! A bola entrou onde a coruja dorme!…

É um dos lugares mais difíceis para um goleiro defender a bola, haja vista que por mais que tente, não consegue impulso suficiente para alcança-la a tempo de impedir a marcação do gol. Este tipo de chute também é conhecido no meio esportivo como “chute na gaveta” ou “chute no ângulo”. Antigamente, alguns narradores variavam o jargão e também diziam “onde a coruja faz o ninho”.

Mas afinal, quando e porque teria surgido essa expressão? Circula entre os entusiastas de futebol (e que no Brasil são milhões) a versão de que nos anos 70, numa fria noite de muita garoa, o time da Sociedade Esportiva Palmeiras enfrentava um adversário de menor expressão, numa partida morna, pelo evidente desequilíbrio das forças entre os dois competidores. Como o Palmeiras era muito superior, fazendo prever uma goleada contra o fraco opositor, os fotógrafos incumbidos de cobrir a peleja se posicionaram atrás do gol do adversário, esperando que o poderoso Palestra Itália iniciasse a qualquer momento o festival de gols.

Enquanto isso não acontecia, o tranquilo goleiro palmeirense, com pouco ou nenhum trabalho para fazer, se recostou em sua trave, cruzou os braços e encolheu-se para melhor se proteger do frio que naquela oportunidade fazia. Foi quando no canto superior oposto de onde ele se encontrava, pousou uma vistosa coruja e lá ficou quieta, observando atentamente a movimentação dos arredores. De imediato, mesmo estando do lado oposto do campo, o fotógrafo Domício Pinheiro percebeu a inédita cena, correu rapidamente até lá e registrou numa única foto, que ele tirou posicionando-se por trás do gol, a indigitada coruja pousada lá em cima, no canto da trave, hirta de frio causado pela chuva fina, entorpecida e imóvel como se estivesse dormindo, porém visivelmente sintonizada com a própria monotonia do jogo que o goleiro enfrentava.

Para preservar o “furo” jornalístico ele espantou a coruja, para que nenhum outro fotógrafo dela fizesse a mesma foto, que posteriormente foi publicada como ilustrativa do que foi a pasmaceira daquele jogo. A partir daí, quando um jogador acerta qualquer dos ângulos numa partida de futebol, os locutores alardeiam que a bola entrou “onde a coruja dorme”. É bom lembrar que os locutores de futebol também são artistas natos, cada qual com a sua narrativa personalizada, seus jargões prediletos, que se tornam uma espécie de marca registrada de cada qual, e também constituem parte do espetáculo, pois são capazes de cativar o público com a sua verve e criatividade. Assim, naturalmente, a classe desses talentosos profissionais acabou adotando a expressão para tipificar as situações acima descritas.

De tão emblemática se tornou a expressão, que fora do futebol, passou a servir também para definir as vivências de cada qual em situações limites. “Eu vou onde a coruja dorme…” foi a frase adotada pelo cantor e compositor Bezerra da Silva, para definir seu tortuoso e sofrido processo de trabalho para se firmar no meio musical. Com seu jeito malandro desde o início da carreira, o festejado artista percorria os morros e recantos da Baixada Fluminense gravando sambas de jovens desconhecidos e buscando inspiração para encantar com a sua música o público brasileiro, com letras bem humoradas sobre o cotidiano das favelas.

Que a vida de goleiro não é fácil bem sabem aqueles que já levaram um frango vergonhoso nos acréscimos do segundo tempo. Em algumas situações, no entanto, tudo parece conspirar contra esses valorosos atletas responsáveis por manter o placar inalterado durante o jogo inteiro. Bola chutada de longe que entra “onde a coruja dorme” nem de longe constitui um frango, apenas uma circunstância favorável ao atacante e adversa a qualquer goleiro.
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Uruá Tapera. 10 junho 2024.
https://uruatapera.com/onde-a-coruja-dorme/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 28 de dezembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 69


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Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.

José Feldman (O Encontro de Titãs)

Em uma noite silenciosa e estrelada, uma biblioteca antiga repousava no coração da cidade, envolta em mistério e sabedoria. As prateleiras, repletas de volumes empoeirados, guardavam histórias que transcenderam o tempo. Enquanto o relógio soava a meia-noite, um fenômeno extraordinário começou a ocorrer.

Das páginas de um livro específico sobre escritores, três figuras icônicas começaram a emergir. Primeiro, Ernest Hemingway, de chapéu panamá e um olhar penetrante, apareceu com um copo de rum em uma mão. Logo depois, Jack London, robusto e cheio de energia, saiu do volume com um brilho nos olhos, seguido por Mark Twain, com seu característico paletó branco e um sorriso travesso.

Ernest Hemingway observou os dois escritores e, com um gesto de saudação, disse:

— Boa noite, amigos. Parece que a literatura nos trouxe a este lugar mágico.

Jack London, sempre entusiasmado, respondeu:

— É uma honra estar aqui. Acredito que estamos em uma biblioteca que guarda não apenas livros, mas também almas de escritores.

Mark Twain, com seu humor característico, completou:

— E que lugar melhor para um debate literário? Afinal, temos um velho marinheiro de Hemingway, um lobo do mar de London, e a sagacidade do Mississippi em mim.

Hemingway, percebendo a centelha de provocação no ar, sorriu e comentou:

— Falo de um velho que luta contra um mar indomável. “O Velho e o Mar” é a minha reflexão sobre a resistência humana. O que vocês acham?

London, cruzando os braços, respondeu:

— A luta é nobre, mas o que se pode aprender do velho? Ele é um símbolo, sem dúvida, mas a natureza é mais forte. Em “O Chamado Selvagem”, mostro que a sobrevivência não é apenas uma questão de resistência, mas de adaptação.

Twain, divertindo-se com a discussão, interveio:

— Ah, mas não podemos esquecer que o velho representa todos nós. Ele é o arquétipo do homem em busca de significado. A luta é interna e externa, uma dança com o destino!

Hemingway franziu a testa:

— Concordo, mas a simplicidade da história é o que a torna poderosa. O mar é uma metáfora da vida, e o velho é um lutador solitário. O que há de errado em ser um herói em sua própria narrativa?

London, com seu espírito indomável, argumentou:

— O heroísmo é importante, mas e os que não têm a mesma sorte? Em minhas histórias, os personagens enfrentam a brutalidade da vida, e isso é tão verdadeiro quanto a luta do velho. A natureza não se importa com a coragem, e isso me fascina.

Twain, sempre o mediador, observou:

— Ambos têm razão. A luta do velho é uma batalha pessoal, mas não podemos ignorar o contexto. Todos nós somos moldados pelo nosso ambiente — seja o mar revolto ou a floresta implacável.

Hemingway, agora mais relaxado, começou a entender a perspectiva de seus novos amigos. Ele disse:

— Então, talvez a beleza da literatura esteja em como interpretamos a luta. Cada um de nós traz suas experiências para a narrativa. O velho, o lobo, o rio… todos são símbolos de algo maior.

Os três escritores, então, sentaram-se em uma mesa de madeira antiga, cercados por pilhas de livros. A conversa fluiu livremente, e as diferenças começaram a se dissolver sob a luz suave da biblioteca.

Twain concluiu:

— O que importa é que cada história ecoa em nós de maneiras diferentes. O velho e o mar falam de perseverança, enquanto o lobo e a floresta falam de instinto. As duas narrativas são igualmente válidas.

London assentiu, admirando a profundidade do pensamento de Twain:

— Exato! E no final, somos todos parte da mesma narrativa humana, lutando contra nossos mares pessoais.

Hemingway sorriu, levantando seu copo em um brinde:

— À literatura, que nos une mesmo após a morte. Que possamos sempre encontrar força nas palavras.

À medida que a primeira luz da manhã filtrava-se através das janelas da biblioteca, Hemingway, London e Twain se acomodaram, prontos para dar prosseguimento à sua conversa. O ar estava carregado de uma mistura de reflexão e expectativa.

Mark Twain, com um sorriso brincalhão, lançou:

— Já que falamos sobre luta e resistência, que tal discutirmos o papel da ironia na literatura? É um elemento que permeia muitas das minhas histórias. O que vocês acham?

Ernest Hemingway, ligeiramente intrigado, respondeu:

— A ironia pode ser uma faca de dois gumes. Em minha obra, eu prefiro a sinceridade bruta. Há uma beleza na simplicidade, na verdade nua, que não precisa de adornos.

Jack London, animado, interveio:

— Mas a ironia é uma ferramenta poderosa! Ela revela a hipocrisia da sociedade e a complexidade do ser humano. Em “O Lobo do Mar”, a ironia da luta pela sobrevivência em um mundo tão cruel é palpável. É um reflexo da realidade.

Twain, acenando com a cabeça, concordou:

— Exato! A ironia nos permite rir das desgraças e nos faz refletir. É um espelho distorcido da vida que pode nos ensinar muito. Afinal, quem não ri de sua própria tragédia?

Hemingway ponderou sobre o que seus amigos estavam dizendo:

— Entendo o que vocês querem dizer. Mas não podemos esquecer que a ironia pode desviar o foco da luta real. Às vezes, o que precisamos é de uma narrativa direta, que inspire ação e coragem, como a jornada do velho.

London, com seu olhar penetrante, respondeu:

— Mas não é também uma forma de coragem enfrentar a realidade com ironia? Reconhecer as falhas do mundo e, ainda assim, seguir em frente? É uma forma de resistência em si.

Twain, agora mais sério, acrescentou:

— E a ironia permite que os leitores se conectem de uma maneira mais profunda. Eles veem a vida não apenas como um campo de batalha, mas como uma tapeçaria rica em nuances. Cada história é uma lição disfarçada.

Hemingway, refletindo sobre o que ouviu, finalmente disse:

— Então, talvez a ironia e a sinceridade não sejam opostas, mas complementares. Uma pode realçar a outra. Afinal, a vida é cheia de momentos em que rimos e choramos ao mesmo tempo.

London sorriu, satisfeito com a nova direção da conversa:

— Concordo! Cada um de nós traz suas próprias experiências à mesa, e isso enriquece nossas narrativas. A ironia é apenas uma das muitas formas de ver a luta humana.

Twain, com seu espírito provocador, finalizou:

— E no final, seja com ironia ou sinceridade, o que importa é que nossas histórias ressoem no coração das pessoas. Que elas inspirem, desafiem e, acima de tudo, façam refletir.

Os três escritores assentiram, sentindo a profundidade da conversa. A biblioteca, testemunha daquela troca rica em sabedoria, parecia vibrar com a energia criativa que emanava deles. 

E assim, naquela biblioteca mágica, três titãs da literatura se uniram em um diálogo atemporal, celebrando a diversidade das narrativas e a beleza das lutas humanas. 

Quando o sol começou a raiar, eles lentamente retornaram às páginas de seus livros, deixando para trás um eco de sabedoria que perduraria através das gerações.
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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores de universidades do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Monsenhor Orivaldo Robles (Nem tudo é verdade)

Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), filósofo grego, era um pensador cuja sabedoria sobrepujava em muito à dos conterrâneos. Dono de admirável autodomínio, não perdia a serenidade nem mesmo por causa de ofensas que recebesse de forma gratuita. Opondo-se ao sistema de vida dos concidadãos, foi condenado à morte. Aceitou-a sem nenhum protesto. Conta-se que, certa vez, envolvido em debate filosófico com discípulos, recusou-se a atender Xantipa, sua mulher, que o chamava com insistência e em tom cada vez mais alto. Depois de algum tempo, irritada com o descaso do marido, ela se aproximou e, sem que ele notasse, derramou-lhe uma vasilha de água na cabeça. Ele nem se moveu. Todo ensopado, comentou calmamente: “Era natural que, depois da trovoada, caísse uma tempestade”. De outra feita, um orgulhoso ateniense, muito convicto de sua importância pessoal, irritou-se por não receber de Sócrates a atenção que julgava merecer e o agrediu com violento pontapé. Surpresos com a não reação do mestre, os discípulos o questionaram se não ia tomar providência por ter sido ferido. Ele respondeu: “Ora, se um asno me desse um coice, eu deveria levá-lo ao tribunal?”.

É surpreendente como passa o tempo, mas a gente não muda. Bem observou Belchior, genialmente interpretado por Elis Regina – os mais jovens talvez não conheçam nenhum dos dois – “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Por mais que nos ufanemos de progredir e de alcançar condição de vida melhor do que no passado, ainda continuamos cometendo os mesmos erros.

A sociedade pós-moderna que construímos só dá valor a quem conquistou dinheiro, cargo importante ou brilho social. Quem desfruta disso está acima do bem e do mal. Não precisa admitir que erra. No mundo competitivo em que vivemos, as pessoas estão armadas umas contra as outras. Nosso convívio social acabou tornando-se uma permanente luta de todos contra todos. Vige a lei do mais forte, a regra do “quem pode mais chora menos”. A partir do exemplo que vem de cima, ninguém aceita os próprios erros. Se algo não deu certo, a culpa só pode ser dos outros; jamais nossa. Baste um exemplo: no trânsito é mais fácil ouvir “desculpe” ou, ao contrário, “seu burro” (para não falar outra coisa)?

Somos falíveis. Com frequência caímos em falhas, inseparáveis de nossa pobre condição. Erros humanos quase sempre magoam pessoas à volta de quem os cometeu. De seres civilizados e, mais que isso, de cristãos, espera-se compreensão com as faltas alheias. E coragem de reconhecer as próprias.

Quem presta serviço voluntário não cansa de receber pontapé em vez de gratidão. Abre mão do próprio conforto, do uso do seu tempo, da convivência com familiares, até do seu dinheiro para prestar serviço à comunidade. Sem interesse pessoal, por pura bondade de coração. E o que ganha em troca? Crítica, chacota, ofensa à própria honra, por vezes. Com a invenção do blog, do twitter, do facebook, de tantos recursos informáticos ficou ainda mais fácil acabar com o nome de alguém. É só um tipo de maus bofes, indignado por não ver satisfeito um capricho qualquer, postar um comentário venenoso. Pronto! Foi para o brejo a honra de pessoa respeitável. Vá depois provar que focinho de porco não é tomada!
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Monsenhor Orivaldo Robles nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória – Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro “Celeiro Desprovido”, com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região. Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.

Fonte:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing