sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Vereda da Poesia = 204

Trova de
ARI SANTOS CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Meus bons anos se passaram
com a leitura aprendi...
Hoje as letras se apagaram
mas o saber não perdi.
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Gonçalves Crespo

Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Outono em taça

Do ombro de vidro desliza
Sem pressa, uma gota de vinho
E  chega  envolvente e arrepia
O rótulo com cachos de uva,
Sob, o olhar sedutor da taça vazia-
À espera do aroma encorpado,
Suavemente, adocicado...

Entre a verde garrafa
E transparência do cristal
O silêncio e recato
Da folha de plátano.
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Poetrix de
BETO QUELHAS
São Paulo/SP

arteiro

o vento brinca escondendo
na cortina dos seus cabelos
os seus olhos em venenos
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Foram levando qualquer coisa minha
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.

De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.

Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,

E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
no pentagrama de prata.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Velhas árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo”! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
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Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

"Casamento... - alguém já disse – 
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice 
e começa...a criançada..."
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Dobradinha Poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Fruta da Semente

Não meças nela o trabalho,
pois colheita é contingente,
mas quanto, de orvalho a orvalho,
tu já plantaste… em “semente”…

De sol a sol, firmando as mãos no arado,
suor pingando, ao solo se entregava…
– Hoje, um trabalho rude e ultrapassado
do lavrador, que a terra cultivava.

Com grande afinco e sempre atarefado,
fazia os sulcos, com as mãos semeava
e, esperançoso a capinar, cansado,
o agricultor, temente a Deus, rezava…

Pedia chuva para aquela empreita,
o pensamento firme na colheita,
depois que via germinando o grão…

E desejava, então, ardentemente,
ver pão na mesa, fruto da semente,
que enverdecera todo aquele chão!
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Vento de Maio

Risco branco e teso
que eu traço a giz, quando passo.
Meu cigarro aceso.
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Para Telmo Vergara

Era uma rua tão antiga, tão distante
que ainda tinha crepúsculos, a desgraçada...
Acheguei-me a ela com este velho coração palpitante
de quem tornasse a ver uma primeira namorada

em todo o seu feitiço do primeiro instante.
E a noite, sobre a rua, era toda estrelada...
havia, aqui e ali, cadeiras na calçada...
E o quanto me lembrei, então, de um amigo constante,

dos que, na pressa de hoje, nem se usam mais
como essas velhas ruas que parecem irreais
e a gente, ao vê-las, diz: "Meu Deus, mas isto é um sonho!"

Sonhos nossos? Não tanto, ao que suponho...
São os mortos, os nossos pobres mortos que, saudosamente,
estão sonhando o mundo para a gente!
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Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/ SP

O passado é intrigante! 
Ontem mesmo era presente… 
Durou por algum instante 
e esvaiu-se de repente.
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Hino de 
ILHÉUS/ BA

De todos os amores que eu já tive
Você foi o meu primeiro
Ilhéus, minha cidade, minha terra
Meu orgulho, meu amor
Alguém já contou nossa história
Mostrando São Jorge dos Ilhéus
Com cheiro de cravo e canela
Com o ouro do nosso cacau
E um céu tão azul
Essas praias tão lindas, morenas, não tem nada igual

Nossa gente vai cantar
Pra você esta canção
Vai louvar, vai festejar
A sua renovação

Porque a cada dia que se passa
Vai crescendo essa certeza
De todas as riquezas de Ilhéus, a nossa gente é a maior
Juntos vamos caminhando
Juntos vamos construir
Novas histórias de glória
Pra meu São Jorge dos Ilhéus
Terra de grande passado, que faz no presente um futuro melhor.
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Domingo de sol (abrindo o baú)

Domingo cheio de sol!
Mar agitado e espumante,
a rugir feito um gigante
invade a areia e o arrebol.

As crianças a brincar
jogando bola na areia.
Vai lá, vem cá e volteia,
plateia  a observar.

De repente ouviu-se um grito!
Parecia muito aflito,
veio com as ondas do mar.

O salva-vida aplaudido
saiu da água agradecido
fez uma filha respirar.
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Uma Lengalenga de Portugal
LENGALENGA DOS ANIMAIS

Tenho um cãozinho
Chamado Totó
Que me varre a casa
 E limpa o pó.
 
Tenho um gatinho
Chamado Fumaça
Que me lê histórias
E come na taça.
 
Tenho uma vaquinha
Chamada Milu
Que me limpa os móveis
E cuida do peru.
 
Tenho um periquito
Chamado Piolho
Que me limpa a chaminé
E coze o repolho.
 
Tenho um peixinho
Chamado Palhaço
Quando vai às compras
Usa sempre um laço.
 
Tenho uma porquinha
Chamado Joana
Que lava a louça
E me faz a cama.
 
Um dia escorregou
E caiu no chão
Oinc… oinc… oinc…
Que grande trambolhão!
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Quadra Popular de
Ouro Fino/MG

Quando o loureiro der baga
e o loureiro der cortiça,
então te amarei, meu bem,
se não me der a preguiça.
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Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto a Cora Coralina – In Memoriam 

Poesia simples, plena de filosofia,
de gente humilde da cidade e do interior,
que só nos trouxe tanta vida e tanto amor,
colhidos no lutar no afã do dia-a-dia...

Viveu a transmitir sua sabedoria,
na qual não faltaram as pitadas de dor,
mas momentos também de jovem alegria,
em que desenvolveu seu talento de humor...

Foi Cora Coralina, a poetisa exemplar,
cuja existência de noventa e cinco anos,
quase um século de conhecimento audaz...

Seus versos vão viver por longo tempo, a dar
uma bênção sublime aos viventes humanos,
porque ela foi feliz, sempre pregando a paz…
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Estante de Livros (“Carmilla, a Vampira de Karnstein”, de Joseph Sheridan)

texto enviado por Jaqueline Machado


Laura é uma jovem que vive isolada em um castelo com seu pai e as empregadas, quando uma carroça sofre um acidente em frente ao castelo, e interrompe a viagem de uma intrigante mulher, e sua filha. 

Mesmo em condições mais precárias, a senhora decide seguir a viagem devido a um compromisso urgente, mas pede ao pai de Laura para que hospede sua filha Carmilla até que ela volte. Ele, gentilmente hospeda a moça. 

Carmilla conserva um ar de mistério. Ninguém sabe de fato quem ela é. E nem quais são suas verdadeiras intenções. Laura e a hóspede desenvolvem rapidamente uma intensa e envolvente amizade. 

Esta é a premissa da literatura clássica e vampiresca, publicada em 1872, por Joseph Sheridan.

Na medida em que se conhecem, coisas estranhas começam a acontecer no castelo, na mente e no corpo de Laura. Uma, encanta-se pela outra de maneira a fazer o leitor entender que, embora sejam amigas, uma paixão secreta, cheia de dúvidas e temores as envolve de forma peculiar. 

UM TRECHO BELÍSSIMO DA OBRA:

"Verdade seja dita, meus sentimentos em relação à encantadora estranha eram inexplicáveis. Sem dúvida, algo nela me atraía e havia me conquistado, mas sentia uma espécie de repulsa misturada às minhas emoções. No entanto, a ambiguidade desse sentimento era vencida pela afeição que eu tinha por ela, que me cativava e deslumbrava. Era radiante de tão linda, e de uma presença mais arrebatadora do que as palavras poderiam descrever. Sua companhia me deleitava de muitas maneiras. Em uma de nossas conversas, ela admitiu que sentiu um choque semelhante ao meu, quando me avistou pela primeira vez. Agora ríamos juntas desses momentos iniciais de alegria e horror."

Muitas reviravoltas acontecem na história. E o final é surpreendente. 

Fonte:
Texto e imagem enviados por Jaqueline Machado

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 08


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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

José Feldman (O Ladrão Azarado)

Era uma manhã nebulosa na pequena cidade de Valverde, e o banco central, com suas paredes de vidro reluzente, parecia um oásis de tranquilidade. Mas, para Carlos, um ladrãozinho de origem humilde, aquele era o dia perfeito para mudar de vida. Com um plano mal elaborado na cabeça e um nervosismo palpável, ele se dirigiu ao banco, acreditando que seria fácil.

— Hoje é o dia! — sussurrou Carlos para si mesmo, enquanto segurava a arma que havia pegado emprestada de seu primo, um verdadeiro entusiasta do crime.

Ao entrar no banco, ele respirou fundo e, com uma voz trêmula, anunciou:

— Isso é um assalto! Todo mundo parado!

Os clientes e funcionários olharam assustados, mas nada poderia prepará-los para o caos que estava prestes a acontecer. 

Carlos, em sua ânsia, puxou a arma com tanta força que ela escapuliu de suas mãos e caiu, acertando exatamente o seu pé.

— Ai! — gritou Carlos, pulando de dor. — Que droga!

Os clientes começaram a sussurrar, alguns rindo nervosamente da cena. Ele se agachou para pegar a arma, mas o movimento causou uma nova desventura. Ao se levantar, havia um saco de dinheiro em cima do balcão. Com um golpe de sorte, ele conseguiu agarrá-lo, mas o saco se arrebentou, espalhando notas por todo o chão.

— Não! — exclamou ele, tentando coletar as notas, mas no meio do desespero, tropeçou em um maço de dinheiro e caiu de nariz no balcão.

— Ouch! — gemeu, enquanto o impacto da queda lhe quebrava o nariz. O sangue começou a escorrer, e ele se levantou com dificuldade, a cabeça rodando.

E, como se o universo quisesse garantir que sua má sorte continuasse, Carlos, ainda atordoado, acertou a cabeça na quina do balcão. Um galo enorme surgiu na sua testa, e ele ficou meio desacordado, cambaleando.

Os gritos de “socorro” e “é um assalto!” ecoavam, mas os que chegavam não sabiam se Carlos era o ladrão ou a vítima. Quando a polícia chegou, encontrou Carlos, em um estado deplorável, com o nariz sangrando e o galo na cabeça.

— O que aconteceu aqui? — perguntou um dos policiais, olhando para o espetáculo tragicômico à sua frente.

— Ele... ele tentou assaltar o banco! — disse uma funcionária, ainda tentando conter o riso.

— Tentou? — questionou o policial, claramente divertido. — Parece que você é a verdadeira vítima aqui, amigo! 

Carlos, ainda meio tonto, tentou explicar:

— Eu só queria... pegar um pouco de dinheiro... — e, ao levantar o braço para gesticular, acertou um soco no próprio queixo.

— Ai! — gritou ele, agora com uma dor adicional.

Os policiais mal conseguiam conter as risadas ao testemunhar a sequência de desastres. Um deles comentou:

— Você sabe que isso é uma tentativa de assalto, certo? 

— Claro que sei... — murmurou Carlos, com lágrimas nos olhos, não apenas pela dor, mas pela humilhação. — Meu horóscopo disse que eu não devia sair de casa hoje...

Os policiais trocaram olhares cúmplices, rindo ainda mais. 

— Você lê horóscopos? — perguntou um deles, tentando conter a risada.

— Não, mas talvez eu devesse começar... — respondeu Carlos, enquanto era algemado, chorando de dor e frustração.

Assim, ele saiu do banco, algemado e com a cabeça baixa, murmurando para si mesmo:

— Se ao menos eu acreditasse em horóscopos... 

A cena se tornou uma lembrança engraçada para os funcionários do banco e os policiais, que, ao contar a história, sempre terminavam com uma gargalhada ao lembrar do ladrão mais azarado que Valverde já conhecera. 

Carlos, por sua vez, aprendeu da maneira mais difícil que, às vezes, é melhor deixar o crime para os filmes. E que, definitivamente, um dia de azar é melhor ser passado de pijama em casa.
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Fontes:
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = Wanda de Paula Mourthé



Contos das Mil e Uma Noites (Convite à paz universal)

Conta-se que um xeque venerável possuía uma bela criação de aves domésticas que produziam ovos e frangos grandes e apetitosos. Ora, naquela capoeira havia um grande e maravilhoso galo, de voz ressonante e plumagem vistosa que, além dos seus distintivos físicos, era dotado de sabedoria e sagacidade e conhecia as zonas sombrias do coração. Sabia também ser justo e atencioso para com suas esposas e evitar provocar nelas ciúmes e ressentimentos. Era citado como modelo em tudo, e seu dono chamava-o Voz-da-Aurora. 

Certo dia, Voz-da-Aurora saiu a descobrir as terras que se estendiam para além da capoeira. Encantado com o que via, foi picando os grãos de trigo ou cevada ou milho que encontrava pelo caminho até que, levado mais longe do que planejara, achou-se num sítio selvagem que nunca visitara e onde tudo lhe parecia estranho e hostil. 

Começou a preocupar-se e soltou alguns gritos ansiosos. Enquanto procurava o caminho da volta, viu uma raposa correndo na sua direção. Temendo por sua vida, voltou as costas e voou com toda a força de suas asas até o alto de um muro em ruínas onde a raposa não era capaz de atingi-lo. 

A raposa chegou ao pé do muro e, vendo que lhe era impossível subir até o galo, levantou a cabeça para ele e disse-lhe: “A paz esteja contigo, ó figura de bom augúrio, ó meu irmão, ó companheiro encantador.” 

Mas Voz-da-Aurora não respondeu à saudação nem olhou na direção da raposa. A raposa não desanimou e disse-lhe: “Ó meu prezado e bonito amigo, por que não olhas para mim nem me saúdas quando te trago notícias maravilhosas?” 

O galo permaneceu calado e inamistoso. 

A raposa tornou: “Ó meu irmão, se soubesses de que boa notícia encarregaram-me de te trazer, descerias imediatamente para me abraçar e beijar-me na boca.” 

Mas o galo permaneceu indiferente, e fixava ao longe seus olhos redondos. 

- Fica sabendo, meu irmão, disse de novo a raposa, que nosso senhor leão, sultão dos animais, e nossa senhora águia, sultana das aves, acabam de reunir uma assembleia no meio de um prado cheio de flores e de córregos, com a participação de todos os animais da Criação, tigres, hienas, leopardos, linces, panteras, chacais, antílopes, lobos, carneiros, rolas, codornizes e demais aves e animais. Nessa assembleia, decretaram que, de hoje em diante, a segurança, a fraternidade e a paz reinarão em toda a extensão da terra habitada; que laços de afeto mútuo e de simpatia ligarão todas as aves e todos os animais domésticos e selvagens, sepultando-se para sempre os antagonismos e ódios raciais. Também proclamaram que fosse quem fosse que não aplicasse essas novas normas seria levado diante deles para ser sumariamente julgado e condenado. Ademais, designaram-me seu único representante para divulgar essas decisões em toda parte e para levar até eles quem estiver desobedecendo às citadas determinações. É por isso, deleitável irmão, que me vês aqui a oferecer-te minha amizade e as relações mais fraternas.” 

Mas o galo parecia nem ouvir nem se interessar.

A raposa, sentindo já a carne tenra da ave sob os dentes, insistiu: 

“Meu irmão, não te dignas nem lançar um olhar sobre a representante de nossos senhores o leão e a águia? Devo lembrar-te que, se permaneceres nesse mutismo, terei que comunicar tua conduta ao conselho da assembleia. E receio que sejas então condenado à morte, pois nossos amos estão determinados a concretizar a paz universal, mesmo que tenham que destruir, a serviço desse nobre ideal, a metade das aves e dos animais.” 

O galo, que se tinha mantido numa altiva indiferença, esticou o pescoço e virou-o um pouco para que ele e a raposa pudessem ver-se diretamente e disse: “Ao contrário, minha irmã, ouvi tuas palavras com toda a atenção, e inclino-me diante de tua qualidade de mensageira e comissária de nossa ama a águia. Meu silêncio não era rebelião, mas a necessidade de fixar a atenção numa coisa que vejo por além desta planície e que me preocupa.” 

- E o que vês ao longe? exclamou a raposa. Espero que não seja nada calamitoso. 

O galo esticou o pescoço um pouco mais e disse: “Minha irmã, como não percebes o que vejo, quando Alá te concedeu a graça desses olhos penetrantes?” 

- Mas enfim, dize o que vês. Tua posição nesse muro te permite ver o que não vejo daqui. 

O galo Voz-da-Aurora respondeu: “Em verdade, vejo um bando de falcões correndo para cá. E vejo qualquer coisa que anda com quatro patas, de pernas altas, de feitio longo e delgado, de cabeça fina e pontiaguda e de orelhas longas. 

- Será um cão lebréu? perguntou a raposa, tremendo dos pés à cabeça. 

- Não sei se é um cão lebréu, mas é certamente um cão audacioso. 

Ao ouvir estas palavras, a raposa exclamou: “Vejo-me na obrigação de despedir-me de ti, ó meu irmão.” 

E voltou as costas e desatou a correr. 

- Espera, espera, minha irmã, espera por mim, gritou o galo. Eu desço. 

- É que tu não sabes, mas eu tenho uma grande antipatia pelo cão lebréu que não é meu amigo nem pessoa de minhas relações

- Mas não me disseste que vinhas proclamar o decreto da paz e da amizade entre todos os animais domésticos e selvagens? 

- Sim, é verdade, mas esse cão faltou ao nosso congresso e receio que não tenha sido informado das decisões tomadas e prossiga na sua inimizade contra mim. Que Alá te proteja até minha volta. 

Tendo assim falado, a raposa desapareceu ao longe. E o galo, que escapou da morte graças a sua finura e sagacidade, voltou feliz para sua capoeira e contou às aves sua aventura. As galinhas se regozijaram, e os galos celebraram sua vitória com um canto sonoro.
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As Mil e Uma Noites é uma coleção de histórias e contos populares originárias do Médio Oriente e do sul da Ásia e compiladas em língua árabe a partir do século IX. As histórias que compõem as Mil e uma noites têm várias origens, incluindo o folclore indiano, persa e árabe. Não existe versão definitiva da obra, uma vez que os antigos manuscritos árabes diferem no número e no conjunto de contos. O Imperador brasileiro Dom Pedro II foi o primeiro a traduzir diretamente do árabe para o português partes da obra mais conhecida da literatura árabe, e o fez com um rigor raro para a época. Já em idade avançada, aos 62 anos, ele começou o processo, o último registro de texto traduzido é de novembro de 1891, um mês antes de sua morte.

O que é invariável nas distintas versões é que os contos estão organizados como série de histórias em cadeia narrados por Xerazade, esposa do rei Xariar. Este rei, louco por haver sido traído por sua primeira esposa, desposa uma noiva diferente todas as noites, mandando matá-las na manhã seguinte. Xerazade consegue escapar a esse destino contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a curiosidade do rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para continuá-lo na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de várias noites - as mil e uma do título - ao fim das quais o rei já se arrependeu de seu comportamento e desistiu de executá-la.

Fontes:
As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público
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Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Chato de galocha”

É o famigerado “mala sem alça”, “dose pra elefante”, “dose pra cavalo”, que não tem “simancol”, termo popular utilizado quando alguém não se toca, não se manca, não percebe que está sendo impertinente, inconveniente, sem senso se oportunidade, de comportamento social desagradável, que se insinua sem ser chamado, é repetitivo, insiste em assuntos desinteressantes ou que só a ele interessam e por isso todo mundo dele quer distância.

O pior é que esse tipo de pessoa, independentemente do nível de escolaridade, nem se dá conta de quão inconveniente é. Os “CHATOS DE GALOCHA” tem um status mais elevado na escala mundial da chatice, formam uma categoria especial, pois de tão inoportunos, conseguem chatear o chato, dizem anedoticamente que chegam a dar dor de dente em serrote.

Quanto à origem da expressão, acredita-se que ela tenha surgido em meados da década de 50, quando o uso de galochas era um costume típico entre homens e mulheres. Galochas são botas usadas para proteger os pés do contato com a água, preservando-os da umidade, principalmente durante o inverno, onde prevalecem ambientes alagados e de muita lama. São feitas de material muito resistente, normalmente de borracha sintética e são calçadas por cima dos sapatos normais, servindo-lhes de proteção e mantendo os pés aquecidos.

A expressão se firmou porque, durante o período invernoso, antigamente o indigesto cidadão calçava suas galochas e entrava na residência de pessoas conhecidas, emporcalhando a casa do anfitrião, que naturalmente achava aquilo um despautério, porém ficava inibido de esboçar qualquer reclamação, em razão do vínculo de amizade, compadrio, vizinhança, relação de negócios ou de parentesco que geralmente existia entre a vítima e o chato. Quando finalmente iam embora, seguia-se a faina da família para a limpeza, não sem muitos impropérios contra o abominável visitante.

Atualmente, a expressão continua sendo usada para descrever pessoas com especial talento para aporrinhar a paciência alheia, encher o saco, mesmo que hoje não mais usem galochas, cada vez mais raras de serem vistas, por terem caído em franco desuso, sendo substituídas pela bota de plástico em PVC, largamente utilizada nas obras da construção civil, postos de gasolina, lojas de autopeças, agroindústrias, atividades agrícolas, pesca, etc. 

É muito difícil para alguém nunca ter encontrado esse tipo irritante de pessoa ou dela ter sido eventual vítima predileta. Em qualquer situação, “CHATO DE GALOCHA” é uma expressão idiomática muito usada entre os brasileiros para descrever uma pessoa inconveniente, irritante, pegajosa e que se comporta de forma inapropriada, constrangendo os demais presentes ou convidados.

Ouve-se, comumente desabafos do tipo: “fulano é um chato de galochas, não deixa ninguém falar”. Ou, “o meu dia até que estava ótimo até aquele chato de galochas infelizmente aparecer”. E ainda situações marcadas pelo radicalismo: “eu não vou sair com vocês hoje, porque o sicrano vai e ele é um chato de galochas, vai estragar a nossa noite”.

A verdade é que gente chata costuma ter algumas características em comum, por isso são facilmente identificáveis e a partir daí, abertamente evitadas. São polêmicas, raivosas, reclamam de tudo, insistentes, rudes, manipuladoras, sarcásticas, rancorosas e parecem padecer de uma deficiência que se torna o denominador comum entre todas elas: – nunca percebem que são chatas. 

Um traço importante da personalidade desses indivíduos é que eles costumam discordar de tudo, não possuem sendo de humor, são mesmo “do contra”. É evidente que a percepção da chatice tem nítidas consequências sociais, afetando a cordialidade que as pessoas devem merecer em circunstâncias normais de convívio social e de relações interpessoais. 

Conta-se que um conhecido e notório “CHATO DE GALOCHA” de uma pequena cidade ribeirinha, daqueles que entra numa conversa para ter o prazer de discordar e ser contrário à opinião da maioria, ao fazer a travessia de barco para a margem oposta enfrentou uma ventania, naufragou e pereceu afogado.

Vários dias foram gastos pelas equipes de resgate, que vasculharam rio abaixo atrás do corpo e nada encontraram. Até que alguém lembrou que ele passara a vida sendo contra tudo, mesmo aquelas iniciativas mais louváveis dos amigos eram por ele contestadas. E a partir desse “estalo” passaram a procurar o corpo do náufrago rio acima, onde ele finalmente foi encontrado. Ou seja, fiel à sua própria chatice, até depois de morto seu corpo deslocou-se contra a correnteza...  
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Enviado pelo autor
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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Edy Soares (Fragata da Poesia) 71

Fonte: Edy Soares. Sonetos sonantes. Vitória/ES: Aquarius, 2024. Livro enviado pelo poeta.  
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Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 127

É certo que a poesia e a musicalidade permeiam, volitam e persuadem pessoas com seus eflúvios e sonoridades . Poemas e letras de músicas põem corações a recordar e vibrar. 
    
Mais do que verdadeiro que o  Brasil é um ninho imenso de musicalidade associada com poesia, e então temos os nacos, lampejos, pedacinhos que são verdadeiros quase-poemas das músicas do sul da pátria.  Fragmentos  preciosos.  Como estes :

Sem ternura as almas morrem de fome.
Linda vertente das minhas lembranças.
A solidão é uma tapera.
Sina estradeira  faz trocar de rincão.
Na alma do poeta uma rima sonolenta. 

Tristezas são sementes não nascidas.
A constância inconstante das estradas.
O rancho pariu silêncios.
Sou um cais navegando a procurar teu navio.
Lembranças castigam como açoite. 

Dois olhos de coruja num castiçal de moirão.
Há um ar de brisa cálida no teu rosto.
Lembranças de um tempo de adoça a alma.
Sinto teu cheiro na baeta do meu corpo.
O que restou foi sonho e o rancho vazio.
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fontes: 
Texto enviado pelo autor. 
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José Feldman (A História de uma Cadela)

Olá, humanos! Meu nome é Laila, e sou uma cadela que tem muito a contar. Minha vida começou em uma manhã ensolarada, mas, como vocês sabem, nem sempre o sol brilha para todos. Eu nasci em uma caixa de papelão, em um canto esquecido de uma rua movimentada. Minha mãe, uma cadela corajosa, tentou me proteger, mas o mundo lá fora era difícil, e logo ela se foi nem sei porquê, deixando eu e meus irmãos sozinhos.

Os primeiros dias da minha vida foram cheios de barulhos estranhos e cheiros intensos. Havia pessoas passando, mas ninguém parecia notar a gente. Eu e meus irmãos nos aconchegávamos juntos, tentando manter o calor e a esperança. Mas, ao longo do tempo, um a um, eles foram desaparecendo. O medo e a solidão começaram a ser meus companheiros.

Eu ainda me lembro do dia em que a caixa foi descoberta. Um grupo de crianças a abriu, e eu, com meu pequeno corpo trêmulo, tentei abanar o rabo. 

“Olha! Um filhote!” gritou uma delas. 

Mas logo as risadas se transformaram em gritos de desespero. As crianças começaram a chorar quando perceberam que não podíamos ficar. E assim, eu fui deixada para trás, sozinha novamente.

A vida na rua era dura. Eu procurava comida entre os restos dos lanches e tentava me esconder do frio à noite. Aprendi a evitar os humanos que passavam apressados, e a me manter distante dos carros que zuniam. A cada dia, eu me tornava mais cautelosa, mas a esperança de um lar nunca me abandonou. Sonhava com um lugar quentinho, onde pudesse dormir em paz.

Certa vez, enquanto procurava comida, conheci outros cães. Eles eram mais velhos e tinham histórias próprias. Um deles, um vira-lata chamado Rufus, me ensinou a caçar migalhas e a encontrar abrigo. 

“Você precisa ter cuidado”, dizia ele, com seu olhar sábio. “A vida na rua pode ser cruel, mas somos sobreviventes.”

Foi em um dia qualquer, em que o sol brilhava intensamente, que tudo mudou. Eu estava encolhida em um canto, quando um homem apareceu. Ele não parecia apressado como os outros. Ele tinha uma expressão gentil e um olhar que transmitia calma. Quando se aproximou, meu coração disparou. 

“Oi, pequena”, disse ele, agachando-se. “Você está sozinha?”

Naquele momento, algo dentro de mim despertou. Eu sabia que ele era diferente. Ele me ofereceu um pedaço de pão e, com a barriga roncando, não consegui resistir. Depois de comer, eu me aproximei dele, hesitante, mas ele estendeu a mão e acariciou minha orelha. Era o toque mais suave que eu já havia sentido.

Ele decidiu me levar para casa. O caminho foi uma mistura de emoções: medo, alegria e incredulidade. Quando cheguei ao seu apartamento, percebi que era um lugar acolhedor, cheio de cheiros que pareciam prometer conforto. Ele me deu um nome: Laila, e desde então, minha vida começou a mudar.

Nos primeiros dias, eu era tímida e desconfiada. Mas ele, com muita paciência, foi me mostrando que eu estava a salvo. Ele me chamava de “irmã”, e isso fez meu coração se aquecer. “Você é parte da minha família agora”, dizia ele, enquanto me oferecia carinho e um cobertor quentinho para dormir.

Os dias se passaram, e eu fui descobrindo o que era ser amada. Ele me levava para passear no parque, onde eu corria livre, sentindo a grama fresca sob minhas patas. O cheiro das flores e o canto dos pássaros eram um verdadeiro banquete para os sentidos. Eu nunca havia experimentado tanta alegria.

Ele sempre falava comigo, contando suas histórias, e eu me sentia como se estivesse entendendo tudo. “Hoje, irmã, vamos fazer um piquenique!”, ele dizia, e eu pulava de felicidade. Eu adorava quando ele preparava sanduíches e levava biscoitos para mim.

Às vezes, enquanto observava os outros cães brincando, eu me lembrava da vida na rua. O medo, a solidão e o desamparo. Mas agora, eu tinha um lar, e isso me fazia sentir que tudo tinha valido a pena. Cada dificuldade que enfrentei me trouxe até ele, e eu não trocaria isso por nada.

“Você sabe, Laila”, ele dizia em um tom contemplativo, “a vida é cheia de altos e baixos, mas sempre devemos olhar para frente.” 

E eu, com a cabeça apoiada nas pernas dele, sentia que, ao seu lado, eu poderia enfrentar qualquer coisa.

Hoje, continuo a viver com meu humano, que se tornou meu melhor amigo e protetor. Ele cuida de mim com tanto amor, e eu retribuo com minha lealdade e carinho. Juntos, exploramos novos lugares, vivemos aventuras e criamos memórias que ficarão para sempre em nossos corações.

A cada dia, agradeço por ter encontrado um lar e uma família. A vida pode ser cheia de surpresas, e a minha, que começou com abandono, agora é uma história de amor e superação. 

Eu sou Laila, a cadela que encontrou seu lugar no mundo, e sempre vou lembrar que, por mais difícil que seja a jornada, o amor pode transformar tudo.
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Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 202


Trova de
GÉRSON CESAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Nas mãos de Deus tudo entrego
fazendo um pedido assim:
que estes sonhos que carrego
não morram antes de mim!
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Gélidos caminhos

Apaixona-se o tempo
Ao olhar os veios do mármore
Gélidos caminhos...

Apaixona-se o vento
Ao desenhar círculos no lago,
Movendo a breve bolha de sabão-

Apaixonam-se os ramos
De camomila à caneca de ágata
Ao sentirem a água desaguando,

Contidos no tempo, no vento
E no aroma de camomila
Momentos de amor –
Sincronicidade,

Poemas ao alcance
Das pontas dos dedos...
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Poetrix de
THOMAZ RAMALHO 
Angola

melancolia

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte…
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Estão paradas como nos vitrais
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.

A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.

Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,

Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Após causar desencantos 
e nos fazer peregrinos, 
a seca fez chover prantos 
nos olhos dos nordestinos!
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Poema de
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
São Francisco de Itapaoana/RJ

Favela

Favela
Aquarela
Vida Amarela
No Morro ou na Periferia
Ora é alegria
Ora e tristeza,
Fome, pobreza...
Ora é realeza!

Gente que com esperteza
Dribla a sorte
Escapa da Morte
Tem que ser forte
Faz carnaval!
Favela
Festival...
De sonhos e esperança
Mesmo quando não alcança
Vencer o carnaval.

Favela...
Do bem e do mal
Onde se faz poesia
Da pobreza e da tristeza
Transformando em alegria
A triste realidade
Com tanta verdade

Que aonde ninguém queria viver
E vive sem querer
Precisa viver
Pra vida vencer
E não deixar morrer
Os sonhos, a esperança,
E como tal
O Carnaval.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Histórias de Algumas Vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
= = = = = = 

Hino de
ÂNGULO/ PR

No planalto majestoso, imponente. 
Que ornamenta esta linda região 
Braços fortes e o brio desta gente 
Fizeram um gigante do antigo rincão. 

Nosso preito de eterno louvor 
À Maria Caçadeira e demais pioneiros 
Seu exemplo de audácia e valor 
Espelha a fibra de heróis verdadeiros.

Estribilho
Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná .

Pirapó irrigando este chão 
Num cenário de rara beleza 
Onde o milho, a soja, o algodão,
Simbolizam a nossa riqueza. 

Eu que sou filho deste recanto 
Com orgulho hei de sempre dizer 
És ó Ângulo, colmeia de encanto, 
Onde sempre eu hei de viver.

Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná.
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Gestos de anjo

A tarde vai chegando docemente,
e nós dois a falar de amor eterno,
e tudo que sonhamos neste inverno,
é aquecer com nosso amor o ambiente.

E ao som desse trinado tão moderno,
que veio no relógio de presente,
teremos uma orquestra diferente
a embalar-me os anseios sem governo.

A noite vai chegando e eu nem percebo,
com todo esse carinho que recebo,
envolvida em teus braços amorosos.

E através da vidraça e o céu brilhando,
vejo esta lua cheia observando,
estes teus gestos de anjo poderosos.
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

O delegado Pereira…
Êta Pereira bacana,
- É de pouca brincadeira,
não dá pera, só dá “cana”!…
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Uma Lengalenga de Portugal
LENGALENGAS DOS DEDOS
  
(Várias versões)
  
Estas lengalengas são ditas segurando a mão de alguém, apontado para os dedos, à vez, enquanto é dita.
 
  Pequenino (o dedo mindinho)
  Seu vizinho (o anelar)
 Pai de todos (o dedo médio)
 Fura bolos (o indicador)
 E mata piolhos. (o polegar)
  ***
 
 Este diz: quero pão
 Este diz: que não há
 Este diz: que Deus dará
 Este diz: que furtará
 E este diz: alto lá

***
 
 O dedo mindinho quer pão
 O vizinho diz que não
 O pai diz que dará
 Este o furtará
 E o polegar: «Alto lá!»
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Quadra Humorística de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

Eu já fui à sua casa
e já sei o que ela é.
A fartura que vi nela
foi pulga e bicho de pé.
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Soneto de
MARIA JOSÉ FRAQUEZA
Fuseta/Algarve/Portugal

Há poesia no céu

O Céu abriu as portas par em par…
Florbela, recebeu-te com Amor…
A Poesia cantada num altar…
Cada poema é benção do Criador

Florbela e Marilena, vou louvar,
Que o meu poema seja como flor…
Meus olhos já cansados de chorar
Por andar a carpir a minha dor!

A dor, esta saudade tão sentida…
Com a mágoa dolorosa da partida,
Que se sofre,  num elo de Amizade!

Vosso corpo desceu à terra fria,
Mas na Terra ficou a Poesia…
Que falará por Vós Eternamente

(Marilena Gomes Ribeiro foi Presidente da Associação de Escritores de Niterói)
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