domingo, 11 de agosto de 2024

Recordando Velhas Canções (A Festa do Bolinha)


Compositor: Roberto e Erasmo Carlos

Eu ontem fui a festa
Na casa do Bolinha
Confesso não gostei
Dos modos da Glorinha
Toda assanhada
Nunca vi igual
Trocava mil beijocas
Com Raposo no quintal...

Porém pouco durou
Aquela paixão
Pois, Bolinha com ciúmes
Formou a confusão
Aninha tropeçou
E os copos derrubou
E a casa do Bolinha
Num inferno se tornou...

Bolinha provou
Que é ciumento pra xuxu
E que não gosta da Lulu
Bobinha que por ele
Ainda chora...

Com tanto pão
Dando bola no salão
Luluzinha foi gostar
Logo de um Bolão...(2x)

(Repetir a letra)
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Ciúmes e Confusões na Festa do Bolinha
A música 'A Festa do Bolinha', é uma narrativa divertida e cheia de reviravoltas sobre uma festa que acaba em confusão. A letra descreve uma festa na casa do Bolinha, onde a protagonista observa comportamentos que a desagradam, especialmente os de Glorinha, que está 'toda assanhada' e trocando beijos com Raposo no quintal. Essa situação já cria um clima de tensão e desconforto, sugerindo que a festa não será tranquila.

A situação se agrava quando Bolinha, tomado pelo ciúme, causa uma confusão ao ver Glorinha e Raposo juntos. A confusão é tanta que Aninha tropeça e derruba os copos, transformando a festa em um verdadeiro caos. Esse trecho da música ilustra como o ciúme pode ser destrutivo e causar desordem, afetando não apenas os envolvidos diretamente, mas todos ao redor.

Além disso, a música também aborda o tema do amor não correspondido. Lulu, que ainda chora por Bolinha, vê-se em uma situação complicada, pois Bolinha não retribui seus sentimentos. Em vez disso, ele está mais preocupado com Glorinha e Raposo. A letra sugere que, apesar de haver muitas outras opções ('com tanto pão dando bola no salão'), Lulu escolhe gostar justamente de alguém que não a valoriza, o que é uma reflexão sobre as escolhas amorosas e a dor do amor não correspondido. https://www.letras.mus.br/trio-esperanca/926599/ 

Contos das Mil e Uma Noites (A história que é toda mentiras)

Certa noite, tomado de insônia, o califa Harun Al-Rachid mandou chamar o poeta Abu-Nauas e disse-lhe: - Ó Abu-Nauas, estou agitado e oprimido. A única coisa capaz de me divertir seria ouvir uma história tecida de mentiras da primeira à última palavra. Se puderes improvisar essa história, recompensar-te-ei generosamente; mas se puseres nela um grão de verdade sequer, juro que farei com que a tua cabeça se separe do teu corpo. 

Este estranho pedido fez o pobre Abu-Nauas sentir-se bem indisposto, especialmente na região do seu pescoço. Mas ninguém escapa à vontade de um califa. O poeta pediu vinho, bebeu e começou a falar: 

“Sabei, ó Comandante dos Fiéis, que quando meu pai nasceu, minha avó entregou-me a criança e me pediu que a distraísse. Levei meu pai no ombro e saí para a rua. Mas meu pai chorava, e chorava, e chorava; e nada conseguia acalmá-lo até que viu um cesto de ovos à porta de uma quitanda; então, sossegou de repente e, indicando o cesto, disse: “Quero um desses!”

“Comprei-lhe um ovo, e ele ficou radiante. Quando voltamos para casa, deixou cair o ovo. O ovo  quebrou-se, e dele saiu um pintinho. E o pintinho começou logo a crescer. Cresceu tanto que se tornou igual a um camelo. Não podeis imaginar, ó Comandante dos Fiéis, a quantidade de alimentos que esse pinto devorava. Meu avô começava a se preocupar quando uma boa ideia assomou-lhe à mente. Disse-me ele: “Meu filho, por que não levas esse galo pela manhã à floresta e o carregas de lenha para o fogão? 

“Assim o fiz; mas no dia seguinte, a ave amanheceu doente, com um ferimento nas costas. E imaginai a nossa surpresa quando deste ferimento vimos surgir, todo verde, um broto de nogueira. Dentro de pouco tempo, o broto tornou-se uma nogueira gigante, com doze ramos tão grandes e tão esparsos que não era possível ouvir-se de um ramo para outro.

“Quando chegou a época de colher as nozes, doze homens foram encarregados de proceder à colheita. E quando acabaram, meu avô mandou-me ver se não tinham esquecido algumas frutas entre a folhagem. Examinei a árvore e descobri apenas, uma noz, na ponta de um ramo. Apanhei o que me pareceu ser uma pedrinha e atirei-a de encontro à noz. A noz caiu. Mas, para meu deslumbramento, o que julgara ser uma pedra, era, na verdade, um torrão de lama seca que começou a se estender numa gigantesca planície até cobrir todos os ramos da nogueira. 

“Naturalmente, meu avô ficou encantado de ver tantas terras adicionadas às propriedades que já possuía. Mandamos construir escadas e subir o gado para cultivar a nova terra; e tão vasta era ela que precisamos de doze bois trabalhando um mês inteiro para lavrá-la. Quando o solo ficou pronto, perguntamos a alguns lavradores qual seria a plantação mais indicada. Todos aconselharam o sésamo (gergelim). Semeamos a área de sementes de sésamo. E mal tínhamos acabado de plantar, eis que vieram outros lavradores e perguntaram o que havíamos semeado. Quando respondemos: “Sésamo,” puseram-se a rir, dizendo: “Sésamo! Onde se viu plantar sésamo em terra virgem? Deveriam ter plantado melancia, que é a melhor planta para o solo virgem.” 

“Meu avô olhou para mim com tristeza e mandou-me apanhar todas as sementes de sésamo que tínhamos semeado na imensa planície. Obedeci e apanhei todas as sementes sem um murmúrio sequer. Quando tinha reunido todas elas, meu avô contou-as e achou que faltava uma, e mandou-me procurá-la. Busquei-a por toda parte, mas não houve meio de encontra-la. À tardinha, porém, quando voltava para casa desesperado, vi uma formiga arrastando a semente perdida. “Não me escaparás,” gritei-lhe, e tentei apoderar-me do sésamo, puxando-o para meu lado; mas a formiga não o largava e o puxava também. Nenhum de nós se dava por vencido até que, por fim, o sésamo partiu-se em dois e, por Alá, um rio de óleo de sésamo espalhou-se entre a formiga e eu. Sem exagero, ó Comandante dos Fiéis, era um rio tão largo e profundo quanto o próprio Tigre. Então, plantamos novamente a terra, desta vez com sementes de melancia. E quando as melancias amadureceram, fui encarregado de vigiá-las. 

“Certo dia de calor, quis comer uma melancia. Passei a vista por todo o campo e escolhi a maior de todas. Depois, saquei da minha adaga e tentei abrir a melancia. Mas a minha adaga entrou na fruta e desapareceu. Não podia eu segui-la, dentro da melancia, e deixar minhas plantações sem vigia. E não queria perder meu facão. Pensei e pensei e então tive uma ideia luminosa: decidi cortar a minha cabeça, com a minha espada, e pô-la por cima da torre de vigia. Assim ficava livre para ir procurar a minha adaga.

“Sem hesitar, pus meu plano em execução. Quando entrei na melancia, achei-me dentro de uma cidade. Tudo nela era-me novo e desconhecido. As ruas estavam cheias de gente. Todavia, olhando com atenção, verifiquei que todos aqueles homens eram, como eu próprio, sem cabeça, embora parecessem acertar o caminho sem dificuldade. Comecei a andar e, logo depois, dei com uma multidão reunida em volta de um pregoeiro que perguntava em alta voz: “Quem perdeu uma cabeça?” Quando me aproximei, vi que se tratava da minha cabeça. Gritei-lhe: “Essa é a minha cabeça.” Mas outros reclamavam a mesma cabeça. Então o pregoeiro gritou: “Lançarei esta cabeça ao ar e, no pescoço onde ela cair, ficará.”

“A cabeça subiu no ar e, quando desceu, veio diretamente para o meu pescoço. Olhei em volta de mim e, pela vida do meu senhor, não havia nem cidade, nem campo de melancia, nem nogueira, nem galo do tamanho de um camelo; nem pai recém-nascido, nem nada de todas as coisas que lhe contei, ó Príncipe dos Fiéis!”

Harun Al-Rachid ficou de tal maneira satisfeito que desatou a rir. E acrescentou: “Não é sem razão que te chamam o príncipe dos poetas. Nunca ouvi história tecida de tantas mentiras. E embora pusesses nela alguma verdade lá pelo fim, fizeste-o com tanta habilidade que não te pedirei conta disto e te compensarei conforme mereces.” 

E Harun Al-Rachid premiou Abu-Nauas com um rico traje de seda e um saco cheiro de ouro.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público

sábado, 10 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 21

 

Arthur Thomaz (Velho Maracanã: reminiscências)

Em uma manhã de domingo, ecoa uma voz longínqua. Começa, então, a dura missão de afastar a ressaca resultante da balada da noite anterior. 

Ninguém levanta até que se ouve a frase mágica: “vai dar praia”.

Traje regulamentar: sunga, bermuda, chinelo, uma camiseta surrada e 10 cruzeiros no bolso interno da sunga.

Para completar: pingado e pão com manteiga na padaria mais próxima. Caminhando, até que surge o local mágico, a tão almejada e ensolarada praia.

Um mergulho e a ressaca vai embora. Em instantes está formado um time de futebol de areia. Gordos, magros, jovens, idosos, mulheres e crianças, em um elenco heterogêneo e democrático.

O jogo transcorre maravilhosamente, até que do nada aparece um vendedor de cerveja. Pausa para reidratação preconizada pela FIFA.

Mais alguns minutos de jogo, até que alguém grita que é hora do Maraca. Fila para a ducha gelada, trajes recolocados e seguir para o almoço no primeiro “buteco” encontrado.

Uma cachaça antes de um PF (Prato Feito), digno dos grandes chefs. Feijão preto ao fundo, coberto com arroz, um bife que é impossível de ter sua origem determinada, e por cima, uma salada que consistia em uma equilibrada rodela de cebola sobre uma de tomate.

Tudo isso pelo módico preço de 1 cruzeiro.

Um ônibus lotado com bandeiras e cantos dos hinos de ambos os times. Fila na bilheteria, e enfim, hora de garantir um assento naquilo que poderia ser comparado ao trono da rainha da Inglaterra, o quentíssimo cimento da arquibancada.

Então, começa o espetáculo mágico de 100 mil pessoas, cantando e tremulando suas coloridas bandeiras, enquanto os jogadores desfilam majestosamente no gramado. São 90 minutos de êxtase total.

Ao final da peleja, na descida da rampa, iniciam-se debates democráticos e sadios que se estenderão pela semana inteira.

Correr para o ônibus que levará à rodoviária, e de lá, embarcar no último “Viação Valenciana”. Passar a semana estudando e sonhar com o próximo fim de semana mágico.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor

Vereda da Poesia = 80 =


Trova de Nova Friburgo/RJ

NÁDIA HUGUENIN
(Nádia Elisa Sanches Huguenin)
1946 – 2008

Foi por falta de carinho 
que errei e perdi meus passos, 
mas bendigo o “mau caminho” 
que me levou aos teus braços… 
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Poema de Canoas/RS

NELSI INÊS URNAU

Buscas 

Busquei lá fora, um dia, 
uma vida inteira... 
Busquei sem saber, 
o que mesmo eu queria... 
Busquei e corri mundos, 
travessias, desertos profundos, 
tantas realidades, tantas verdades 
não parei de procurar. 

Busquei cá dentro um coração 
e não consegui defini-lo... 
Não sei o que é a 
alma, o espírito. 
Caminhei léguas sem fim 
e me perdi de mim... 

Ainda caminho, 
navego, voo, corro, 
paro, descanso, medito... 
Contudo, 
ainda a incerteza 
de ter, um dia, 
tudo o que busco 
e que busquei.
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Trova do Rio e Janeiro/RJ

JOÃO FREIRE FILHO
(1941 – 2012)

Na tua ausência, meu fado
tornou-se eterna contenda:
corto os laços do passado,
mas a saudade os remenda!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

Para o meu perdão

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo
no ódio que punge desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro,
chamo por teu amor com o mais profundo amor...

Mal sabes que se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,

eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão . . .
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Trova Premiada em Itapema/SC, 2015

JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Neste mar de desenganos,
levado pela maré,
em tantos sonhos insanos,
minha força é sempre a fé.
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Poema de Vila Velha/ES

EDY SOARES
(Edmardo Lourenço Rodrigues)

Fim de estação

Quando acabar a guerra,
Não precisa mais munição.

Quando acabar a dor,
Não precisa mais compaixão.

Quando acabar o amor,
Os mortos estarão mortos,
Os corpos sobrepostos
E a alma sem salvação.

Quando acabar a esperança,
Terá acabado a razão.

Quando não tiver mais quem lute,
Estará dominada a nação.

Os abutres continuarão com fome,
Sem como explorar mais os homens,
Terá chegado o fim da estação.

Quem produzia fora exterminado;
Quem explorava, condenado
A não ter mais quem lhe dê o pão.

Os virtuosos foram dizimados;
Do fruto do trabalho, despojados
E destruídos por quem conduziu o mundo
À ultima estação.
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Trova Popular

Tanto limão, tanta lima,
tanta silva, tanta amora,
tanta menina bonita
e meu pai sem uma nora...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

BASTOS TIGRE 
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ

Definição

Amor é mal, é mal que não tem cura;
mas, sendo mal, sofre-lo nos faz bem . . .
Chora o amante, se o amor lhe dá ventura,
e ri da dor, se dele a dor lhe vem.

O amor é vida e leva a sepultura;
é doce filtro, o amor, e fel contém.
É luz, mas, entretanto, em noite escura
vive, às cegas, o alguém que ama outro alguém.

O amor é cego, e vê todo o invisível;
sendo imutável, quase sempre é vário,
é deus, e faz de um Santo um pecador !

Fraco a indefeso, é força irresistível;
sendo, pois, a si próprio tão contrário,
quem é que pode definir o amor?
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Dentro da farsa, o sorriso
é tinta de maquiagem
que borra e torna impreciso
o traço da própria na imagem.
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Poema de São Vicente/SP

CID SILVEIRA
1910 – ????

Ofícios 

Para ganhar meu pão, basta que exista
um oficio qualquer, seja qual for:
caldeireiro, engraxate, motorista,
tecelão, alfaiate ou ferrador.

Todo trabalho é nobre quando honesto,
quando não favorece a exploração
e não provoca o mínimo protesto
de outros que também tem seu ganha-pão.

Por mais rude que for, não me intimida
nem me causa aversão nenhum mister.
Porque trabalho, não receio a vida
e espero sempre o que de pior me vier.

Nem todos os ofícios são amenos
como os que para nos sonharam nossas mães ...
Tudo serei na vida, tudo; menos
agente de policia ou laçador de cães!
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Trova Mineira 

HÉRON PATRÍCIO
Ouro Fino/MG, 1931 – 2018, Pouso Alegre/MG

A saudade é um passarinho
em teimosa migração...
vem do passado, e faz ninho
nos beirais do coração.
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Soneto Paulistano

CLEÓMENES CAMPOS 
Maroim/SE, 1897 - 1967, São Paulo/SP

Coração Distante 

Eu bem sei que a tua alma está longe da minha,
tão longe que talvez não a possa alcançar:
vela que mal se vê na amplitude marinha,
dando mais a impressão de um reflexo de luar.

Contudo, muita vez, ela se me avizinha,
que a esperança é também uma brisa de mar.
E a alegria, que em tua ausência já nem vinha,
para te receber, não sai do meu olhar.

Não percebes, porém, a minha angústia imensa.
Prefiro o teu desprezo à tua indiferença;
à tua polidez, prefiro o teu rancor!

Teu coração distante, é inútil, pois não ama,
se o inferno ele não é - porque lhe falta a chama,
o céu não pode ser - porque lhe falta o amor!
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Busquei a felicidade
e ela, sempre fugidia,
deixou atrás a saudade,
que hoje me faz companhia.
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Spina de Belo Horizonte/MG

OLEMAR MARIZ

Esses escritores 

Escrevem para mim
adentram o coração, 
extravasam o sentir...

Expressam as palavras certas, incrível!
Chamando a razão tão determinados,
bálsamo para solidão simples admitir,
palavras turvando mágoas, borram dor
fazendo-me voar, planar, viajar, refletir...
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Trova Humorística de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Satisfazendo desejos,
o casal cortou etapas,
pois entre tapas e beijos
eles ficavam nos tapas ...
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Soneto Carioca

FILINTO DE ALMEIDA 
(Francisco Filinto de Almeida)
Porto/Portugal, 1857/ 1945, Rio de Janeiro/RJ

Chama da vida 

Dá-me a tua mão, Amiga, e vamos indo
alegremente pela estrada fora.
É já tarde, e o crepúsculo é tão lindo
como foi o dilúculo da aurora.

Vamos subindo devagar, agora;
dá-me o teu braço, assim, vamos subindo...
Repara: é o mesmo Sol de amor de outrora
que ainda no poente ao longe está fulgindo . . .

Virá depois o luar e, de seguida
clarões de estrelas com que o céu se inflama.. .
E os clarões, e o luar, e o Sol, querida,

são várias formas de uma mesma chama
que está dentro de nós, - chama da Vida
que rebenta no peito de quem ama.
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Trova Premiada em Cachoeiras de Macacu/RJ, 1989

JOSÉ RAUL VINCI 
(Pindamonhangaba/SP)

Devido a minha fraqueza
vi meu sonho se esfumar
na espuma da correnteza
que eu não soube represar.
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Poema Gaúcho

MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

Canção de um dia de vento 

O vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule.
As mãos da menina morta
Estão varadas de luz.
No colo, juntos, refulgem
Coração, ancora e cruz,
Nunca a água foi tão pura...
Quem a teria abençoado?
Nunca o pão de cada dia
Teve um gosto mais sagrado.
E o vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule...
Menos um lugar na mesa
Mais um nome na oração.
Da que consigo levara.
Cruz, ancora e coração
(E o vento vinha ventando...)
Daquela de cujas penas
Só os anjos saberão !
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Como é triste o desencanto 
daquele que a duro custo 
desabafa e diz em pranto: 
– Eu me cansei de ser justo! 
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Escada de Trovas de São Paulo /SP

FILEMON MARTINS
(Filemon Francisco Martins)

A lua

NO TOPO:
"É frio, a noite descansa;
O espaço é vasto e medonho.
De repente, a lua mansa
Surge nos braços de um sonho".
Humberto Del Maestro 
(Vitória - ES)

SUBINDO:
"Surge nos braços de um sonho"
numa beleza sem fim,
e a poesia que componho
fica mais perto de mim.

"De repente, a lua mansa"
aparece sorridente
dando vivas à esperança
e sorrindo à minha frente.

"O espaço é vasto e medonho"
quase sempre me dá medo,
que às vezes fico tristonho
pensando no teu segredo.

"É frio, a noite descansa"
e eu sonho com as estrelas
tão belas, ninguém alcança,
- só é permitido vê-las.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda,
quando é impossível sonhar!
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Hino de Ilha Bela/SP

Minha cidade meu torrão
Meu berço amado onde nasci
Tens meu amor, meu coração
Pertenço todo, todo a ti

Com que prazer, com que alegria
Eu te saúdo neste dia
Feliz me sinto Ó terra amada
Por ver-te assim glorificada

Oh Ilhabela tão faceira
Terra de sonhos tão querida
Tuas montanhas e palmeiras
Pôr todo o mundo és preferida

Oh Ilhabela gentil
Noiva do mar de encantos mil
Valioso adorno és do diadema
Que envolve o nome Brasil.
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Trova de Lisboa/Portugal

JORGE ALARCÃO POTIER
(1954 – 2019)

Quando olho pra mim eu rio,
 embora por dentro chore...
 sou como um poço vazio,
 casa aonde ninguém more.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CASSIANO RICARDO
Cassiano Ricardo Leite Machado
São José dos Campos/SP, 1894 – 1974, Rio de Janeiro/RJ
 
Café Expresso

1
Café expresso — está escrito na porta.
Entro com muita pressa. Meio tonto,
por haver acordado tão cedo. . .
E pronto! parece um brinquedo. . .
cai o café na xícara pra gente
maquinalmente.

E eu sinto o gosto, o aroma, o sangue quente de
São Paulo
nesta pequena noite líquida e cheirosa
que é a minha xícara de café.
A minha xícara de café

é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me
vêm à memória apagada. . .

Na minha memória anda um carro de bois a bater as
porteiras da estrada. . .
Na minha memória pousou um pinhé a gritar: crapinhé!
E passam uns homens
que levam às costas
jacás multicores
com grãos de café.

E piscam lá dentro, no fundo do meu coração,
uns olhos negros de cabocla a olhar pra mim
com seu vestido de alecrim e pés no chão.

E uma casinha cor de luar na tarde roxo-rosa. . .
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na
catleia cor de sol que floriu no portão. . .

E o fazendeiro, calculando a safra do espigão. . .
Mas acima de tudo
aqueles olhos de veludo da cabocla maliciosa a olhar
pra mim
como dois grandes pingos de café
que me caíram dentro da alma
e me deixaram pensativo assim. . .

2
Mas eu não tenho tempo pra pensar nessas coisas!
Estou com pressa. Muita pressa.
A manhã já desceu do trigésimo andar
daquele arranha-céu colorido onde mora.
Ouço a vida gritando lá fora!
Duzentos réis, e saio. A rua é um vozerio.

Sobe e desce de gente que vai pras fábricas.

Pra-lá, pra-cá de automóveis. Buzinas. Letreiros.
Compro um jornal. "O Estado"! "O Diário Nacional"!
Levanto a gola do sobretudo, por causa do frio.
E lá me vou pro trabalho, pensando. . .

Ó meu São Paulo!
Ó minha uiara de cabelo vermelho!
Ó cidade dos homens que acordam mais cedo no mundo!
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Trova de Curitiba/PR

NEI GARCEZ

Deus fez tudo o que quisera,
fez o céu e fez as flores,
fez mais linda a primavera
e depois, os trovadores!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os médicos

Certo médico, chamado
De alcunha o Tanto-melhor,
Foi visitar um doente,
Do qual o Tanto-pior
Era médico assistente.

O último, sempre funesto,
Que o doente morreria
Altamente sustentava,
E o Tanto-melhor dizia
Que o pobre enfermo escapava.

Houve sobre o curativo
Mui grande contestação;
Um aplicava calmantes,
O outro armava uma questão.
Em favor dos irritantes.

No fim de tanto debate,
O enfermo a vida perdeu,
E o Tanto-pior clamou:
«Vejam qual de nós venceu!
Se o meu cálculo falhou.»

Tornou-lhe o Tanto-melhor,
Mostrando um vivo pesar:
«Pois eu sempre afirmarei
Que morreu por não tomar
Os remédios que indiquei.»

Enquanto a mim, se os tomasse,
Morrer havia igualmente;
Mas é desgraça maior
Cair um pobre doente
Nas mãos dum Tanto-pior.

(tradução: Curvo Semedo)