sábado, 12 de outubro de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (Impulso canino)

ARABRUTO ACORDOU eufórico. Estava decidido. Aquele dia iria liberar seu lado cachorro. Desde que Anabela viera trabalhar em seu apartamento, na Belizário Pena, na Ilha do Governador, como secretária do lar, prestando os serviços mais variados, nas quintas e sextas-feiras, Arabruto desembestou, assim do nada, seu lado canino. Pôs na cabeça que dessa sexta-feira não passaria. Assim que a graciosa chegou, como sempre, bem vestida, arrebatada num meio-vestidinho que lhe deixava as pernas bem torneadas à mostra, o desregulado de sua cabeça degringolou de vez. O fato é que todo o conjunto da bela, em sintonia com o pecado carnal, deixava fora de órbita qualquer ser humano que não tivesse um pingo de juízo no cérebro. A musa suscitava uma visão danada para nenhum marmanjo colocar defeito. Arabruto, um desses manés que, desde que a moça aportara em sua casa, vivia engendrando uma maneira de pular em cima dela com a ferocidade devastadora que lhe consumia as entranhas. Seus instintos estavam, realmente, à flor da pele. O presente texto contará tudo como de fato aconteceu, sem tirar nem por.

— É hoje, é hoje que me esbaldo... – teria dito Arabruto pouco antes de partir para o tudo ou nada.  

Como sempre, no horário habitual, a deusa encantada chegou. Antes de se dar em serviço, interfonou da portaria. Arabruto atendeu. Sabia, antecipadamente quem se fazia do outro lado da linha. Se arreganhou em mesuras:

— Minha fofa, nem precisava avisar. Você é parte das boas coisas do meu dia a dia. Tem a chave. Bastava pegar o elevador e se pôr a caminho...

Anabela educadamente deu a resposta:

— Bom dia, seu Arabruto. Sua esposa me ligou e pediu para eu passar aqui na padaria. Falou que a última caixa de leite havia sido aberta. Aproveito e levo uns pães frescos...

— Ótimo, Anabela. Tem dinheiro?

— Quando eu for embora, no final do expediente, o senhor ou dona Isaltina me reembolsam... pode ser?

— Ok. Fechado.

Assim aconteceu. Quando a moça entrou pela única porta existente, ou seja, a da sala, Arabruto a esperava escondido deitado no chão, atrás da geladeira, camuflado de um jeito que ela não o veria, quando ingressasse na peça. Aquela se fazia a primeira vez que o seu chefe agia daquele jeito. Não deu outra. Anabela tomou, pois, em consequência, um susto grandioso. Sua reação, não poderia ser pior. Como nunca antes o desmiolado se escondera, ou brincara de se passar por um cachorro, e pior, latindo, e pegando nas pernas dela, à altura dos joelhos com as mãos à guisa de abocanhada de um totó encarniçado, o desespero da prestadora nota mil se fez pavoroso e inevitável. Anabela, em ato de se precaver, passou a mão no primeiro objeto que encontrou. Uma panela cheia de feijão em cima do fogão. Sem pensar duas vezes, meteu a sua arma de resguardo improvisada em ação e o fez com toda força de suas agilidades, atingindo diretamente os cornos de Arabruto. Em face do intempestivo, a moça deixou cair por terra o saco de pão e a sacola com a caixa de leite que trouxera consigo. 

Por conta dessa brincadeira desastrosa e não programada, e, claro, de estropiado gosto sinistro, Arabruto arranjou uns bons cortes e galos na cabeça, bem ainda nas costa e pernas. Caso passado, susto refeito, o resultado do vexame, atonou:

—  Seu Arabruto, me desculpa. Que baita susto! O que fazia metido aí nos fundilhos da geladeira?

— Esperando você...

— E para quê?

— Você sabe, não é de hoje prometi a mim mesmo lhe daria umas mordidas de brincadeirinha. Olha como você me deixou...

A moça obviamente espiou, mas nada disse a respeito do que presenciava. Aproveitando o ensejo, se defendeu:

— Eu não esperava essa atitude de sua parte. O senhor ficou maluco? Olha como lhe deixei. Meu Deus, vamos para o pronto socorro aqui da Ilha, logo ali na Estrada do Dendê. Está jorrando muito sangue. Rápido, preciso dar conta do serviço ou a sua esposa vai subir nos cascos e me botar de volta para Bonsucesso com passagem só de ida...

Entretanto, não deu tempo. Dona Isaltina, a mulher de Arabruto, por algum motivo incalculado pintou de volta, dez minutos depois, não comparecendo aquela manhã ao seu local de trabalho. Em face disso, deu com a empregada toda melosa, o vestido curto mostrando o que não devia, socorrendo seu marido, os dois acomodados no chão. 
 
Para engrossar o caldo, na justa hora do assomo na cozinha, Anabela tentava estancar o sangue do cocuruto e também dos olhos e queixo do abestalhado, com ele acomodado tipo uma criancinha desprotegida em seu colo de fundo rosa. E o desgraçado sem vergonha se aproveitando da situação, mantinha os braços envoltos em torno do pescoço da prestimosa. Esse flagra deu um baita “BO,” ou melhor, um tumultuado “BU” (Boletim Unificado), na 37ª DP da Ilha do Governador, na estrada do Galeão, uma vez que a empregada, coitada, precisou explicar, toda confusa, à sua patroa, pormenorizadamente os motivos do marido dela, ensanguentado estar literalmente atarracado em seus braços e nuca. Final da tragédia, prevaleceu a mordida de um cachorro vira-lata e seus latidos invisíveis que sequer existiram. Caso passado, início de noite desse mesmo dia, depois dos curativos no hospital, compra de remédios e mentiras sem pé nem cabeça, o casamento de Arabruto e Isaltina culminou em separação. Sumariamente despejado, o desditoso jogou no ralo um relacionamento de quase trinta anos. Sem saída, as tralhas jogadas no elevador de serviço, o doidivana se aquartelou, às pressas, na casa de uma filha casada (rebento advindo da união dele com a sua adorada Isaltina). Quanto a ela, tão logo recuperada do baque, trocou de empregada e continuou tranquilamente em seu cargo. Isaltina exercia a função de assistente de uma empresa de advogados famosos na Avenida Presidente Vargas, quase às barbas da Igreja da Candelária e realizava as suas habilidades, desde quando ainda nem pensava em se unir ao Arabruto.  

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 131 =


Estância Tríplice de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Sonho de paz

As balas que ecoam, em triste lamento,
na sombra da vida há tanto a esperar,
mas a paz é um rio que flui em movimento,
e o amor é um sonho que pode reinar.

Na mesa da vida há espaço pra todos,
e na voz da razão, a força de amar,
quebrando os preconceitos, se erguendo dos lodos,
para juntos, em paz, finalmente caminhar.

Que as esperanças sejam luzes brilhantes,
que os olhares se cruzem sem mais se temer,
pois um mundo unido são sonhos constantes,
e a paz é o futuro que queremos viver.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Enquanto eu tirava espinhos
das rosas que te ofertava,
deixavas nos meus caminhos
os espinhos que eu tirava...
= = = = = = 

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

O amor é primo-irmão da dor

Se minha lágrima feliz vem sem  aviso,
o paraíso assume formas diferentes,
o sentimento que me dou... é tão preciso,
que até meu riso ri das dores insistentes. 

E nesse flash, o meu olhar mais expressivo, 
dentro do espelho do  meu doce encantamento, 
sublima o pranto, pois se choro, estou mais vivo 
e sobrevivo desse  embevecimento. 

Por ser  feliz é desse jeito que me exprimo, 
O amor é primo-irmão da dor que dele emana
e se ele engana o coração, quando sorri, 

não corto a víscera da dor, porque, se esgrimo, 
só me defendo... e até mesmo  a dor insana, 
num riso tênue, restitui o que perdi.
= = = = = = 

Trova Humorística Premiada em Irati/PR, 2023
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA 
São Paulo / SP

Tentou roubar no baralho...
Se arriscou e apostou tudo...
Mas, se a meta era um cascalho,
levou, foi mesmo, um cascudo!
= = = = = = 

Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

O poder do amor

Mote:
Dentre os poderes na terra
o do amor é bem mais forte,
somente o amor vence a morte
e pode acabar a guerra!
(Nilson Matos)

Glosa:
Dentre os poderes na terra
o que tem maior valor,
o que mais poder encerra
é com certeza, o do amor!

Dentre tantos sentimentos,
o do amor é bem mais forte,
pois abriga bons momentos
que indicam o nosso norte!

Pra que contarmos com a sorte,
se o amor é o nosso guia?
Somente o amor vence a morte
e nos traz muita alegria!

O amor é a chave da vida,
sua porta, não nos cerra...
Sua força é conhecida,
e pode acabar a guerra!
= = = = = = 

Trova Popular

A cantar ganhei dinheiro,
a cantar se me acabou.
O dinheiro mal ganhado,
água deu, água levou.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Maquiavélico

Há horas em que minha alma sente e pensa,
Num tempo nobre que não mais se avista,
Encarnada num príncipe humanista,
Sob o Lírio Vermelho de Florença.

Vejo-a, então, nessa histórica presença,
Harmoniosa e sutil, sensual e egoísta,
Filha do idealismo epicurista,
Formada na moral da Renascença.

Sinto-a, assim, flor amável do Helenismo.
Virtuose — restaurando os velhos mapas
Do gênio antigo, entre exegeta e artista.

E ao mesmo tempo, por diletantismo,
Intrigando a política dos papas,
Com a perfídia elegante de um sofista...
= = = = = = 

Trova de
HAROLDO LYRA
Fortaleza/CE

Com sua vela enfunada
não lhe intimidam navios
e singra, afoita jangada,
os verdes mares bravios.
= = = = = = 

Soneto de
JOAQUIM GANHÃO
Évora/Portugal

Imaginação   

Sou somente uma imaginação?
Será que eu sou uma vida real?
Serei apenas uma breve ilusão'
Verdade ou a mentira no geral?
                 
Estarei simplesmente a sonhar?
Alguém pode a verdade garantir?
O que o sonho nos pode ficcionar,
se é tão real o nosso ver e o ouvir?
                 
Dizem que a vida é uma passagem
então o sonho, o que é realmente?
Será uma ponte pra outra margem?
                 
Será este rio apenas um afluente?
Ou esta vida é visionária miragem
onde coexistimos com o ambiente?
= = = = = = 

Trova Humorística de
FRANCISCO ASSIS MENEZES
Porangatu/GO

Com tal mania pro jogo,
mesmo detido, em verdade,
Jogava dama o Diogo,
usando a sombra da "grade"...
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Casa dos poetas

Visito sempre a casa dos poetas,
Pois lá me sinto bem a qualquer hora;
É onde eu sempre encontro as mais seletas
Poesias de levar tristeza embora...

Na sala principal estão completas
As obras de imortais e os de agora...
Há versos mil de amor, canções diletas
A um coração que de saudade chora...

Um corredor de trovas me conduz
Às redondilhas numa sala enorme,
Com muito belas odes e poemetos...

A tudo leio e tudo me traz luz
Para eu fugir das mágoas, bem conforme
Às lições que eu aprendo nos sonetos!
= = = = = = 

Trova Humorística de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Só por descuido é que a Helena
acabou por se casar…
Pois, pensou que Cibalena
fosse a pílula… Que azar!
= = = = = = 

Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Morreste silencioso…
De ninguém te despediste.
Do mundo nada quiseste.
Ao mundo nada pediste.
= = = = = = 

Soneto de 
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Miguel Couto/RJ

A  imagem  do  tempo
 
 O olhar é opaco, a face contraída,
há flacidez nas pálpebras cansadas,
a boca é seca, a tez esmaecida,
encimada por mechas desgrenhadas...
 
Todo o peso das culpas desta vida
repousa sobre as costas encurvadas.
O farto ventre, a carga mais sentida,
castiga as frágeis pernas arqueadas...
 
De confidentes restam a bengala
e uma imagem sagrada, lá na sala:
– Fiéis acompanhantes da velhice!
 
Velhice de incertezas e mistério,
que o tempo vai legando a seu critério...
e a mim agora impôs...sem que eu pedisse!
= = = = = = 

Trova de
LEDA COSTA LIMA
Fortaleza/CE

Quando eu sofro a tua ausência
e a solidão me devassa,
com suave paciência
chega a saudade e me abraça!...
= = = = = = 

Poema de 
CRIS ANVAGO
Lisboa/ Portugal

Porque dizes não quando pensas sim?
É timidez, medo do que eu possa dizer?
Sabes que os teus olhos se focam em mim
Lês tudo o que eu não consigo escrever

Nas entrelinhas dos meus versos
Existe um segredo que se esvai no nevoeiro
Todas as palavras inversas se cruzam
Todos os medos ficam pendurados no bengaleiro

Estou protegida quando chove
Quando ninguém me vê no nevoeiro
Não sou D. Sebastião
Sou mais guerreira!
Não desaparecia do nada para a vida inteira!

Quero ser tudo o que sonho
Sim! O impossível vive em mim!
Perco-me no horizonte e amo o infinito
Sei que o amor é e será assim…
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP


Perdeu no xadrez também...
e, sem dinheiro, se abate
ouvindo a ordem de alguém:
— Se não der um cheque... mate!
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Minha escola

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Benditas sejam as vidas 
que, alegres, serenas, santas, 
vivem a vida envolvidas 
em levar vida a outras tantas!
= = = = = = 

Poema de
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

O palco da vida

Peguei no meu viver, pus nos dois pratos…
Da balança que pesa a minha vida.
Ficou a balouçar, enlouquecida,
Perante a imensidão de tantos fatos!

Desesperei. Quis ver quais os relatos,
Que a deixaram assim, enfurecida!
Teria ela ficado ressentida…
P’lo turbilhão perverso, dos meus atos?

Eu fui mais um ator que desfilou!
Que fez o seu papel, representou!
Que foi palhaço. Herói. E foi guerreiro!

Se errei alguma vez no meu percurso.
Por certo não havia outro recurso,
Terão de condenar, o mundo inteiro!
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Na vida, a luta não cessa
em prol do sonho e do pão
e a liberdade começa
onde acaba a servidão!
= = = = = = 

Hino de 
Terra Roxa/PR

Princesa d'oeste, cheia de encantos,
Rodeada por imensos cafezais
E, onde outrora tudo era selva.
A soja rivaliza com trigais.

Salve salve, Terra Roxa
Princesa de encantos mil
Por teu progresso sempre lutaremos
Queremos ver-te brilhar no Brasil.

Teus fundadores podem orgulhar-se
De seu trabalho que não foi em vão
Os teus jardins e praças tão floridos
A todos, disto, testemunhos dão.

Salve salve, Terra Roxa
Princesa de encantos mil
Por teu progresso sempre lutaremos
Queremos ver-te brilhar no Brasil.

Em ti se unem confissões e raças
Dos que chegaram para trabalhar
Por teu progresso, expansão e glória.
Com os teus filhos, vão se empenhar.

Salve salve, Terra Roxa
Princesa de encantos mil
Por teu progresso sempre lutaremos
Queremos ver-te brilhar no Brasil.

Avante Terra Roxa do Oeste
Prossiga em ritmo forte varonil.
Com fé em Deus alcançará teu alvo
E brilharás, honrando o Brasil.

Salve salve, Terra Roxa
Princesa de encantos mil
Por teu progresso sempre lutaremos
Queremos ver-te brilhar no Brasil.
= = = = = = 

Trova de 
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

No tempestuoso caminho
para ficar ao teu lado,
fui em busca de carinho,
vim na saudade enlaçado…
= = = = = = 

Poema de 
DARIO VELLOZO
Curitiba/PR, 1869-1937

Flor de cacto

Vens do Azul, da Quimera, alma de olhos sidéreos,
Que a minha alma de asceta aos paramos eleva
E à minha viuvez de mágoas e mistérios
Abre as aras do Além para o ofício da treva.

E eu bendigo, e sigo o teu corpo de Sombra,
Peito de névoa e luz; névoa das louras tranças,
Luz do olhar, desse olhar, deliciosa alfombra,
Calvário e serial de minhas esperanças.

Ilusões são punhais. Cada ilusão que aflora
A penumbra de um sonho, alma de olhos sidéreos,
Leva o espectro da cruz às flâmulas da Aurora
Cruz do Além, cruz feral, de mágoas e mistérios.

A carícia cruel de teu seio fremente
Abre as asas do Além pra o ofício da Treva,
E eu te digo. E a minha alma, ajoelhada, sente
Que a tua alma de morta ao passado nos leva...
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

No lar que me fez honrado,
ante os conceitos de espaço,
o respeito era sagrado,
mesmo que o pão fosse escasso!
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O homem e a serpente

Um moço encontrou
Dormente
Serpente
Que o gelo enervou.

À casa a levou,
E logo
Do fogo
Mui perto a chegou.

A vil se animou,
Que em breve
Da neve
O efeito acabou.

A cauda anelou;
Erguendo
E torcendo
O colo, silvou.

A quem a salvou
Do corte
Da morte
Matar intentou.

O moço tomou
Pesado
Machado,
E ao meio a cortou.

A ingrata acabou
Partida,
Com a vida
Seu crime expiou.

O ter caridade
É da humanidade
Um sacro dever:
Porém não a ter
Com feras ingratas
É de almas sensatas.

Estante de Livros ("Crônicas Indígenas para Rir e Refletir na Escola", de Daniel Munduruku)

"Crônicas Indígenas para Rir e Refletir na Escola" é uma coletânea de contos do autor e educador Daniel Munduruku, que busca apresentar de maneira acessível e envolvente a cultura, as tradições e as vivências dos povos indígenas do Brasil. O livro é dividido em crônicas que misturam humor, crítica social e reflexões profundas sobre a identidade indígena e suas interações com a sociedade contemporânea.

As crônicas abordam diversas situações do cotidiano indígena, destacando a riqueza das tradições orais, a relação com a natureza e as questões enfrentadas pelos povos indígenas, como preconceito, desinformação e a luta pela preservação de suas culturas. Munduruku utiliza uma linguagem simples e direta, apropriada para o público jovem, enquanto insere elementos de crítica e reflexão sobre a realidade dos indígenas no Brasil.

Cada crônica é uma oportunidade para rir e refletir, instigando os leitores a questionar estereótipos e preconceitos. O autor também enfatiza a importância da educação e do respeito à diversidade cultural, propondo que a escola seja um espaço de aprendizado sobre as culturas indígenas, promovendo um diálogo entre diferentes saberes.

Munduruku explora a identidade indígena de maneira multifacetada, abordando as diferentes etnias e suas particularidades. Ele destaca a riqueza das tradições, costumes e línguas, reafirmando a diversidade cultural dos povos indígenas. A identidade é apresentada como algo dinâmico e em constante construção, desafiando a visão homogênea que muitas vezes é imposta à cultura indígena.

O autor enfatiza a conexão profunda que os indígenas têm com a natureza, apresentando-a como um elemento central de sua cultura e espiritualidade. As crônicas ressaltam a importância da preservação ambiental e a sabedoria indígena em relação ao uso sustentável dos recursos naturais. Munduruku sugere que essa relação deve ser respeitada e aprendida por todos, promovendo uma reflexão sobre a crise ambiental contemporânea.

Uma das principais críticas do livro é à maneira como os indígenas são frequentemente representados na sociedade. Munduruku utiliza o humor para desmantelar estereótipos e preconceitos, mostrando que os indígenas são seres humanos complexos, com suas próprias histórias e desafios. O autor convida os leitores a refletirem sobre suas próprias percepções e a importância de uma abordagem mais respeitosa e informada sobre as culturas indígenas.

O livro propõe que a escola seja um espaço de aprendizado sobre as culturas indígenas, promovendo a diversidade cultural como um valor essencial. Munduruku defende que o conhecimento sobre as tradições e modos de vida indígenas deve ser integrado ao currículo escolar, contribuindo para uma educação mais inclusiva e consciente. O autor acredita que a educação é uma ferramenta fundamental para a transformação social e para o combate ao preconceito.

O uso do humor nas crônicas é uma estratégia eficaz para atrair o interesse dos jovens leitores. Através do riso, o autor cria um ambiente propício para a reflexão, permitindo que temas sérios sejam abordados de maneira leve e acessível. O riso é apresentado como uma forma de resistência e resiliência dos povos indígenas, que enfrentam desafios cotidianos com uma perspectiva otimista.

"Crônicas Indígenas para Rir e Refletir na Escola" é uma obra que vai além da simples narrativa; é um convite à reflexão crítica sobre a cultura indígena e seu lugar na sociedade contemporânea. Daniel Munduruku, através de sua escrita envolvente e humorística, desafia os leitores a se desapegarem de preconceitos e a abraçarem a diversidade cultural. O livro é um recurso valioso para educadores e alunos, promovendo um diálogo necessário sobre a identidade indígena, a relação com a natureza, e a importância da educação na construção de uma sociedade mais justa e respeitosa. 

A obra de Munduruku é um chamado à ação, incentivando a valorização das vozes indígenas e a necessidade de um espaço de aprendizagem que respeite e celebre a diversidade cultural do Brasil.

Fonte: José Feldman. Estante de livros. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Recordando Velhas Canções (Rasguei minha fantasia)


(marcha/carnaval, 1935) 

Compositor: Lamartine Babo

Rasguei a minha fantasia
O meu palhaço
Cheio de laço e balão
Rasguei a minha fantasia
Guardei os guizos no meu coração

Fiz palhaçada
O ano inteiro sem parar
Dei gargalhada
Com tristeza no olhar
A vida é assim...
A vida é assim...
O pranto é livre
Eu vou desabafar

Tentei chorar
Ninguém no choro acreditou
Tentei amar
E o amor não chegou
A vida é assim...
A vida é assim...
Comprei uma fantasia de pierrô

A Melancolia por Trás da Fantasia
A música 'Rasguei a Minha Fantasia', de Lamartine Babo, é uma obra que explora a dualidade entre a alegria aparente e a tristeza interior. A letra começa com o eu lírico declarando que rasgou sua fantasia de palhaço, um símbolo de alegria e diversão. No entanto, ao rasgar essa fantasia, ele revela que guardou os 'guiços' (sinos) no coração, sugerindo que a tristeza e a melancolia ainda estão presentes, mesmo que escondidas.

O segundo verso aprofunda essa dualidade ao descrever como o eu lírico fez palhaçadas o ano inteiro, mas com tristeza no olhar. Essa imagem é poderosa, pois mostra como muitas vezes as pessoas escondem suas verdadeiras emoções atrás de uma máscara de felicidade. A frase 'A vida é assim!' é repetida, enfatizando a resignação do eu lírico diante das dificuldades e desilusões da vida. Ele tenta chorar, mas ninguém acredita em seu choro, e tenta amar, mas o amor não chega. Essas tentativas frustradas reforçam a sensação de isolamento e incompreensão.

Por fim, a música termina com o eu lírico comprando uma nova fantasia de pierrô, outra figura tradicionalmente associada à tristeza e à melancolia. Isso sugere que, apesar de tentar se livrar da fantasia de palhaço, ele ainda está preso em um ciclo de tristeza e desilusão. A escolha do pierrô como nova fantasia é significativa, pois essa figura é conhecida por sua expressão de tristeza e solidão, contrastando com a imagem alegre do palhaço. Assim, 'Rasguei a Minha Fantasia' é uma reflexão profunda sobre a complexidade das emoções humanas e a dificuldade de encontrar verdadeira felicidade e compreensão.
Fonte: https://www.letras.mus.br/lamartine-babo/1877876/significado.html