sexta-feira, 13 de junho de 2025

Juan Barnav (Como escrever um livro) – 8, final. A resolução da obra

(tradução do espanhol por José Feldman)


Ao longo dos pontos-chave anteriores, focamos na origem, no desenvolvimento e nas características da nossa história e de seus personagens.

À medida que o enredo se aproxima do fim, precisamos dar-lhe uma conclusão.

Discutimos as características de um conto, que, em última análise e para os nossos propósitos, é o mesmo que um romance; a única diferença é a extensão. Estamos nos referindo à introdução, ao clímax e à conclusão.

Existem várias maneiras de chegar à conclusão de uma história, dependendo de nossas preferências. Pode haver um final feliz, onde os protagonistas alcançam seus objetivos desejados e todos ficam muito felizes; sendo uma história romântica, o casal apaixonado será muito feliz, e terminaria praticamente como o final clássico da história "eles se casaram e viveram felizes para sempre". No entanto, existem outras maneiras de alcançar a felicidade sem precisar se casar, dependendo das necessidades do nosso enredo.

Também pode acontecer de a conclusão não conter os elementos de felicidade que o leitor deseja. O autor, com os fios da trama em mãos, poderia então lograr um final trágico onde os protagonistas não alcançassem a felicidade almejada.

Outra maneira de atingir o clímax da obra é onde a justiça prevalece e todos estão em seu lugar, embora nem todos estejam necessariamente satisfeitos. E um final também pode ser exatamente o oposto, sem necessariamente decair para a tragédia; a conclusão pode ser injusta para os protagonistas em alguns aspectos e pode se aplicar ao provérbio "para o bem há males".

Da mesma forma, podemos concluir nossa história de qualquer uma das maneiras mencionadas, mas também tentar deixar uma mensagem; isto é, como no caso das fábulas, mencionar a moral clássica do conto, para que a história recém-lida possa ser tomada como uma lição; e então ela terá características didáticas.

Consequentemente, para chegar ao final desejado e para que ele seja considerado adequado, dadas as características de nossos personagens, bem como o ambiente em que se desenrolam, é necessário considerar três aspectos: a ideia geral básica da obra; que tipo de narrativa pretendemos criar; e a declaração do tema ou enredo. Por fim, o desfecho que se pretende dar, de acordo com os conceitos de gênero literário que indicamos anteriormente.

Sugere-se, portanto, que escrevamos uma sinopse, um resumo dos pontos principais da nossa história, que servirá de guia para o esboço do enredo. Uma vez conhecido o tema e a evolução que ele sofrerá, será necessário considerar como a obra será narrada, destacando o básico em oposição ao que será meramente episódico: os eventos fundamentais versus os adicionais, o que ajudará a "vesti-la" melhor. No entanto, existem histórias que não contêm diálogos, mas apenas narração, mesmo quando escritas exclusivamente em primeira pessoa.

Se quisermos conseguir um final dramático para a nossa história, é principalmente na ação que devemos concentrar nossa atenção.

No final trágico, são os protagonistas que morrem, ao estilo de Romeu e Julieta, por conta própria, devido à impossibilidade de seu amor.

Exercício:

Escreva uma sinopse com as características indicadas, no máximo uma página: personagens principais, situações, tema definido. Ensaie três finais diferentes: um trágico, um humorístico e um com uma mensagem.

CONCLUSÕES

Depois de terminar seu trabalho...

Faça uma pausa:

Embora possa não parecer, o esforço despendido na escrita de uma obra literária, por menor que seja, merece uma pausa. Mas não de você, mas da própria obra.

Em outras palavras, você precisa deixá-la descansar para que seu ânimo se acalme um pouco e você possa revisá-la com calma e entusiasmo, ao mesmo tempo, fazendo os ajustes e correções que julgar necessários; especialmente aqueles relacionados a aspectos estritamente gramaticais, em especial a ortografia.

Com o espírito satisfeito por ter concluído seu trabalho, por ter dado o toque final a um projeto que pode ter várias páginas, é importante encarar as coisas com calma.

Esta é a razão fundamental para o merecido descanso do nosso trabalho. Depois de revisarmos nosso conto ou romance e darmos o que consideramos o toque final para confirmar que está pronto para ser apresentado ao público em geral, passaremos para a segunda fase do trabalho do escritor, que consiste em efetivamente concluir o registro da obra.

O número de cópias da primeira edição. Pode variar de 1.000 a 3.000 na primeira edição, embora haja exceções. O número de edições que pretendem fazer do seu trabalho. A qualidade do papel em que será impresso. Isso está diretamente relacionado ao preço pelo qual será vendido ao público. Se será uma edição econômica, uma edição de bolso, uma edição de luxo ou uma edição pautada, já que as editoras atendem a diferentes mercados e têm linhas especiais para cada um. 

Da mesma forma, a capa ou a contra-capa apresentarão apenas letras, letras e algumas ilustrações, ou letras e uma fotografia marcante. 

A qualidade da encadernação é importante. Você sem dúvida já teve livros em mãos e as páginas começaram a se soltar simplesmente ao folheá-los. É importante garantir uma encadernação de boa qualidade, caso contrário, isso será prejudicial às vendas do seu livro. 

É importante compreender todos os itens acima para que um autor iniciante possa ter certeza de que os editores conduzirão o trabalho com bom gosto e propriedade.

Fontes:
http://www.mailxmail.com/curso-como-escribir-libro/ Acesso em 20.06.2022
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Hans Christian Andersen (Bons Vizinhos)


    Quem visse aquilo havia de supor que alguma coisa muito importante se passava em frente ao tanque dos patos.

     Todos os patos que estavam descansando na superfície da água, e os que se apoiavam sobre a cabeça - porque eles podem ficar de cabeça para baixo - nadavam agora em tumulto para terra e iam deixando impresso o rasto no chão úmido, enquanto o alarido das grasnadas repercutia, perto e longe. A água, um momento antes tão clara e lisa como um espelho, estava garota agitada. Ainda há pouco todas as árvores, todos os arbustos que ficavam perto do velho chalé de teto esburacado, cheio de ninhos de andorinhas - e principalmente a grande roseira literalmente coberta de rosas - tudo se espelhava distintamente na superfície da água - A roseira cobria a parede e ficava suspensa sobre a água, onde se via toda a paisagem como um quadro - mas de pernas para o ar. Quando, porém, a água se encrespou, tudo aquilo pareceu ir nadando,  e a paisagem desapareceu. Duas penas, que tinham caído dos patos que nadavam, embalavam-se ao sabor das ondas; de súbito moveram-se rapidamente, como se tivessem sido impelidas, enquanto a água ia alisando e serenando de novo. Já as rosas podiam espelhar-se. Eram muito lindas, ainda que não os soubessem, porque ninguém jamais lhes tinha dito isso. O sol espiava por entre as folhas tenras, vagava no ar uma aroma suave, e todas as coisas sentiam o que nós mesmos sentimos, quando nos vem alegrar a ideia da nossa felicidade.

   - Como é bela a vida! - dizia cada uma daquelas rosas. - O único desejo que tenho é de beijar o sol, tão quente e tão brilhante. Gostaria muito de beijar também as rosas que estão lá embaixo na água, e os passarinhos que metem a cabeça fora do ninho, e piam:  " Tuiii!" com uma vozinha fraca, e não tem penas, como as dos pais. São bons vizinhos, tanto os de cima como os de baixo. Que bela é a vida!

   Os filhotes de baixo e de cima - os de baixo eram apenas o reflexo na água - eram pardais; os pais também eram  pardais, que tinham tomado posse de um ninho vazio de andorinha, do ano anterior, e agora moravam nele como se fosse seu.

   - São os filhos dos patinhos que vão nadando lá? - Perguntaram os filhotes de pardal, olhando para as penas de pato que vogavam na água.

   - Se querem fazer perguntas, façam - disse a mãe - mas ao menos que sejam perguntas sensatas. Pois vocês não veem que aquilo são penas, matéria-prima para vestuário, com as que nós usamos- e vocês hão de usar também? A única diferença é que as nossas são mais bonitas. Ainda assim... bem quisera eu tê-las aqui no ninho, porque conservam muito o calor! Estou curiosa por saber o que foi que tanto assustou os patos... Certamente não seria de nós que se espantaram - apesar de ter eu dito "Tuiii!" bem alto para vocês. É claro que essas rosas não sabem nada, e nada mais fazem senão olhar para si próprias e cheirar... Estou farta de semelhante vizinhança!

    - Escutem os lindos passarinhos de cima! - diziam as rosas. -Também eles começam a cantar; mas ainda não conseguem grande coisa. Tudo virá a seu tempo! Que prazer teremos então! É muito agradável ter vizinhos tão alegres!

    Subitamente apareceu uma parelha de cavalos, cabriolando; iam tomar banho. Montado em um deles vinha um rapaz um camponês, que tirou toda a roupa, ficando somente com o chapéu preto, de aba larga. Assobiava como um passarinho; entrou, a cavalo, até o ponto mais fundo do açude, e ao passar pela roseira colheu uma rosa. Espetou-a no chapéu e continuou a cavalgar, achando-se muito elegante. Às outras rosas ficaram olhando para aquela irmã, e perguntavam consigo:

   - Onde irá ela?

   Mas ninguém  o sabia.

   - Eu gostaria de ir por esse mundo - disse uma - apesar de ser tão lindo o nosso lar verdejante. De dia o sol brilha e nos dá calor, e à noite o céu brilha ainda com maior encanto, com a gente vê pelos buraquinhos!

   Elas queriam dizer -  as estrelas, mas não sabiam que eram estrelas.

   - Nós tornamos a casa muito agradável - dizia a mãe pardal; - e como as pessoas dizem que ninho de andorinha traz sorte, elas estão contentes conosco. Agora quanto aos nossos vizinho, uma roseira como aquela só traz umidade. Provavelmente ela será retirada dali, e tomara que plantem em seu lugar nem que seja uma espiga de trigo. As rosas não prestam  para nada, a não ser para serem vistas e cheiradas, ou, quando muito, para serem postas no chapéu. Ouvi minha mãe dizer que elas caem todos os anos. A mulher do lavrador conserva-as então em sal, e depois elas recebem um nome francês, que eu nem posso nem quero pronunciar; polvilham com elas o fogo, para sentirem um cheiro agradável. E esta é a sua  carreira no mundo: são destinadas apenas a alegrar  os olhos e o nariz. E agora já vocês sabem em que consiste a vida das rosas.

   Quando anoiteceu, e os mosquitos andavam brincando no ar tépido e entre as nuvens rosadas, veio o rouxinol e cantou para as rosas: que beleza se assemelha o sol neste mundo, e que a beleza vive para sempre. Mas as rosas pensavam que o rouxinol cantava seu próprio louvor- o que não é de admirar; porque se há coisa que jamais sonharam é que aquele canto se referisse a elas. Ficaram  deliciadas com a canção, ainda assim, e perguntavam lá consigo se todos os filhotes de pardal viriam a ser também rouxinóis. E os filhotes diziam:

   - Eu compreendo perfeitamente o canto deste passarinho. Há só uma palavra que não sei o que significa...Que é " beleza"?

   - Ora! Não é nada importante, não - replicou a mãe pardoca (fêmea do pardal). - Refere-se apenas ao exterior. Lá em cima, na casa grande, onde os pombos são alimentados diariamente com ervilhas e trigo – já tenho tomado parte em suas refeições algumas vezes, e vocês hão de também participar delas, quando for tempo, porque minha máxima é esta: "Dizem-me com quem andas, dir-te-ei quem és" – pois bem: lá em cima, na casa grande, como tu ia dizendo, há duas aves de pescoço verde, que tem topete, e podem abrir a cauda como uma enorme roda. As cores são tão brilhantes, que ofuscam os olhos da gente, quando nelas bate o sol. Essas aves chamam-se pavões, e representam  a beleza; mas se lhes arrancassem alguma daquelas penas, não ficariam diferente de nós. E eu teria certamente arrancado, se não fossem aves tão grandes!

   - Pois eu vou arrancá-las! - guinchou o menorzinho dos filhotes, que ainda não tinha penas.

   No chalé morava um casal novo; os esposos amavam-se ternamente, e eram diligentes e ativos - por isso tudo quanto os cercava estava em ordem e bem cuidado. Todos os domingos, de manhã cedo, a moça colhia algumas rosas, que arranjava em um copo d'água, sobre a cômoda.

   - Agora estou vendo que é domingo – dizia o marido, beijando-a,

   Sentavam-se então, de mãos dadas, e liam o livro de orações; e os sol iluminava com seus brilhantes raios as rosas e o jovem par.

   - Que vista monótona, está! – disse um dia a mãe pardal, que lá do seu ninho via o que se passava na sala. - Sempre a mesma coisa!

    E ela voou do ninho.

   No domingo seguinte repetiu-se a mesma coisa –  novas rosas foram colhidas e postas no copo; e apesar disso a roseira continuava cheia de flores e de beleza. Os filhotes de pardal já estavam emplumados, e gostariam bem de voar com a mãe, mas a pardoca não lhes deu licença; e eles tiveram de ficar em casa. Ela saiu voando; mas de repente viu que estava presa em uma rede de sedenho (tranças) que uns meninos tinham amarrado a um galho de árvore. O sedenho apertou-lhe tanto as pernas, que parecia cortá-las. Que susto, e que angústia! Os meninos vieram correndo, subiram à árvore, e seguraram o passarinho sem nenhum cuidado.

  - Ora! É um pardal! - disseram eles desapontados.

   Contudo, não a soltaram: levaram-na para casa; e cada vez que ela piava, batiam-lhe no bico.

   Os meninos conheciam um velho, em uma granja próxima, que sabia preparar sabão, para lavar roupa e para barbear também. Era um velhote alegre, que vivia andejando pela região. Ouviu os meninos se queixarem de que aquele passarinho não servia para nada, e disse-lhes:

   - Querem ver com ele vai ficar bonito?

    A pardoca sentiu pelo corpo todo ao ouvir estas palavras.

   O velho tirou então da sua caixa, cheia de tintas de várias cores, uma porção de folhas douradas, e pediu aos meninos que lhe trouxessem uma clara de ovo; untou com ela todo o corpo da avezinha, assentou por cima as folhas, e a mãe pardoca ficou toda dourada, da cabeça às patinhas. E ela, porém, pouco se lhe dava aquele esplendor, e tremia de susto. O saboeiro tirou então um pedaço do forro vermelho do seu casaco velho, cortou-o em bicos, fingindo uma crista de galo, e amarrou-o na cabeça da pardoca.

   - Agora vocês vão ver o casaco-de-ouro voar! - disse o velho, libertando o animalzinho.

   E a pardoca saiu voando, meio morta de medo, à luz do sol ardente. E como brilhava!

   Não foi só aos pardais que ela assustou, não: um corvo velho, apesar de toda a sua experiência, ficou espantado diante daquela estranha visão. E foram todos voando atrás da mãe pardoca, na esperança de descobrir quem poderia se aquele pássaro estrangeiro.

   Desesperada de aflição e de medo, a pardoca voou para casa; mas ia quase caindo, por não ter forças para sustentar o corpo. O bando de pássaros que a perseguia aumentava cada vez mais; alguns tentaram mesmo dar-lhe bicada. E gritavam:

   - Olhem o bicho! Olhem o bicho!

   - Olhem o bicho! Olhem o bicho! - repetiam os filhotes no ninho, quando viram que a ave se aproximava. Isto há de ser um pavãozinho novo, porque tem todas as cores, e elas ofuscam os olhos da gente, como disse a mamãe! Tuiii! Tuiii! Isto é a beleza!

  E davam bicadas na mãe, com os biquinhos ainda tão pequenos; e ela não podia chegar ao ninho. Estava tão fraca que não se animava a dizer sequer "Tuiii! quanto mais explicar que " era mamãe"! E as outras aves caíram em cima da pardoca, e arrancam-lhe as penas, até ela cair, toda ensanguentada, sobre a roseira.

     - Coitadinha! - disseram as rosas. - Fica tranquila; nós te escondemos. Deita a cabecinha no nosso peito.

    A pardoca abriu ainda uma vez as asas, depois cingiu-as ao corpo e caiu morta no meio de suas vizinhas, as frescas e lindas rosas.

   - Tuiii! Tuiii! - pipilavam lá do ninho. - Mas que poderá reter nossa mãe tanto tempo? É inconcebível! Será um ardil dela, para mostrar que devemos cuidar de nossa vida? Ela nos deixou a casa de herança; mas a qual de nós pertencerá, quando tivermos nossas famílias?

     - Não me agrada que fiquem aqui comigo, quando eu aumentar minha família: quando tiver mulher e filhos! - disse o mais novo.

   - Mas eu hei de ter mais mulheres e mais filhos do que tu, certamente- disse o segundo.

   - Mas e eu, eu sou o mais velho! - bradou outro.

   Estavam todos, davam bicadas, e de repente - Bum! - foram caindo, uma um, para fora do ninho. Lá ficaram, furiosos, com a cabecinha inclinada para um lado, e piscando e revirando os olhos. Era  a  sua maneira de mostrar zanga.

   Podiam apenas dar voos muito curtos, mas com exercício constante, conseguiram mais destreza. Concordaram em combinar uma senha, para se reconhecerem mutuamente, caso se encontrassem ainda algum dia no mundo. Consistia ela em uma espécie de "tuiii! " particular, ao mesmo tempo que arranhavam o chão três vezes com o pé.

   O mais novo, que ficou de posse do ninho, espichou-se o mais que pode, pois que era agora o dono da casa. Mas o seu regozijo não durou muito: nessa mesma noite rebentaram das janelas do chalé labaredas vermelhas, e toda casa desmoronou em chamas; e o pardalzinho pereceu, enquanto o casal novo escapava com vida, felizmente!

   Ergueu-se o sol mais uma vez, e a natureza inteira parecia renovada, como se saísse de um sono tranquilo; do chalé nada mais restava, senão alguns barrotes carbonizados, que se apoiavam na chaminé, agora solitária. Subiam ainda das ruínas rolos de fumaça; mas cá fora a roseira, intata, continuava a florescer, sempre fresca, e todas as flores, e  todos os brotinhos espelhavam-se ainda na água límpida.

  Um homem que passava exclamou:

   - Que lindas estão aquelas rosas, assim em frente do chalé queimando! Não se pode imaginar mais belo quadro! Vou esboça-lo.

    E o estranho tirou do bolso um livrinho de folhas em branco, pois era pintor, e desenhou um esboço das ruínas fumegantes, dos barrotes carbonizados, e da chaminé, que dominava o quadro, e parecia cada vez mais vacilantes; e no fundo aparecia a grande roseira florida, que fazia um belo efeito. na verdade, a roseira sugerira ideia do quadro.

   No mesmo dia dois do pardais que tinham nascido ali, voltaram.

  - Mas ...onde está a casa? - perguntavam eles. - Onde está o ninho? Tuiii! ...Tudo pegou fogo, e com a casa lá se foi o nosso valente irmão! Aí está o que ele ganhou, em ficar com o ninho! As rosas é que se livraram lindamente! E ainda conservam as faces rosadas...Não se importam nada com a infelicidade dos vizinhos! Por isso mesmo nem vou falar com elas! Além de tudo, este lugar aqui é muito feio, para meu gosto.

   E os pardais foram embora.

  No outono, num dia claro e luminoso, que mais parecia de pleno verão, um bando de pombas, brancas, cinzentas e manchadas, andavam passeando  em frente da larga escada, no pátio da casa grande. Sua plumagem luzia ao sol. E a velha mãe pomba dizia aos filhotes:

   - Vamos! Formem grupos! Formem grupos! Fica melhor assim!

   - Que é aquilo? Aquelas criaturinhas cinzentas, que andam saracoteando ao redor de nós? - perguntou uma pomba velha, de olhos verdes e vermelhos.

    E pôs-se a gritar.

   - Casaquinhos pardos! Casaquinhos pardos!

   - São pardais - muito boas criaturas, por sinal; e como nós temos sido sempre reconhecidos como gente bondosa, vamos deixá-los  comer alguns grãos conosco, porque não interrompem a nossa conversa, e espicham a perna com tanta graça...

     Era certo, sim, que estavam espichando uma perna - por sinal que a esquerda! - e dizendo: "Tuiii!" Reconheceram-se, pois: eram os pardais que em tempos tinham morado no ninho do chalé que o incêndio destruiu.

   - Há aqui comida boa, e abundante - disseram os pardais.

   As pombas empertigavam-se, pavoneando-se, aferrando-se cada uma aos seus próprios pensamentos e opiniões.

    - Estás vendo aquele pombo " papo de vento"? - disse uma delas, falando de outra. - Vês como ele engole ervilhas? Come tanto - e o que há de melhor, além disso! Cou!...Cou!...Como aquela criatura suja, feiosa e perversa ergue a crista! Cou...Cou!...

   E, com os olhos luzentes de maldade:

   - Formem grupos! Formem grupos! Casaquinhos pardos! Casaquinhos pardos! Cou!...Cou!...

  Os pardais comiam sofregamente, escutando com atenção, e chegaram a formar fila com os outros; mas como não estava habituados, não deu resultado. Assim, depois de fartos, deixaram as pombas, trocaram opiniões a respeito delas, e depois meteram-se por baixo dos sarrafos que cercavam o jardim; e um deles, achando aberta a porta da sala. arrojado agora, depois da boa refeição, saltou para o limiar, dizendo:

   - Tuiii! Eu voarei bem longe!

   - Tuiii! - disse outro. - Eu voarei também, e mais longe ainda! - E saltou para dentro da sala.  Lá não havia ninguém, e, vendo isso, o terceiro voou ainda mais longe, para o fundo da sala, dizendo:

  - Agora ou nunca! Isto é um velho ninho humano, não há dúvida, e... mas... que é que puseram ali? Que pode ser aquilo?

   Bem na frente dos pardais estavam as rosas, em plena floração, refletidas na água; e os barrotes chamuscados inclinavam-se contra a chaminé, que torreava acima das ruínas. Mas  que acontecera? Que seria aquilo? Como viera tudo aquilo parar dentro de uma sala, na casa grande?

   E os três pardais quiseram voar para a chaminé; mas bateram contra uma superfície plana, porque era um quadro - um grande e belo quadro - que o artista pintara daquele pequenino esboço.

   - Tuiii! - disseram os pardais. - Isto não é nada! Isto só parece alguma coisa. Não, não é nada! Tuiii! Isto é a beleza! Vocês acham que isto tem sentido! Eu, não!

   E, como naquele momento entrava alguém na sala, saíram voando.

Passaram-se um ano e um dia. As pombas tinham muitas vezes arrulhado, para não dizer brigado - criaturinhas perversas, aquelas! Os pardais tinham tremido de frio no inverno, e vivido na fartura durante o verão; todos se haviam acasalado, ou casado; todos tinham filhotes, e, é claro, cada um achava que o seu era o mais bonito e inteligente. Um voou para um lado, outro para outro; e quando se encontravam, reconheciam-se pelo outro; e quando se encontravam, reconheciam-se pelo "Tuiii!” e porque estendiam três vezes a perna esquerda. A pardoca mais velha ficou solteira, e nunca teve ninho nem filhotes; seu maior desejo era ver uma cidade grande, e voou para Copenhague.

   Junto do castelo e do canal, onde flutuavam navios carregados de maças e de cascos de vinho, via-se uma grande casa, pintada de várias cores. As janelas eram mais largas embaixo do que em cima, e os pardais, espiando pelas vidraças, viram uma sala que parecia uma tulipa, pintada com as cores mais alegres do mundo. No centro da tulipa viam-se criaturas humanas, umas feitas de mármore, outras de gesso - o que, para os pardais, é a mesma coisa. No teto via-se um carrinho de metal, com cavalos de metal, guiado por uma Deusa da Vitória, também de metal. Era o Museu Thorwaldsen.

   - Mas que coisa brilhante! Que coisa brilhante! - disse a pardoca solteirona - Aquilo deve ser a beleza! Tuiii! Mas é maior que o pavão...

  Lembrava-se ainda do tempo da infância, em que ouvira sua mãe proclamar o pavão como o mais perfeito exemplo do belo. Baixou o voo e entrou no pátio, cujos muros eram pintados com muito gosto, representando palmeiras e folhagens; no centro do pátio florescia uma grande e bela roseira, que espalhava os ramos frescos e suaves sobre um túmulo. E a pardoca, avistando gente da sua espécie, voou para lá, dizendo: "Tuiii!" e espichando o pé - maneira de cumprimentar que muitas vezes tinha experimentado durante todo o ano, sem receber a devida resposta, porque os que se dispersam não se encontram todos os dias! Mas é aquela forma de saudação já se fizera hábito nela.

   Mas agora dois pardais velhos e um novo replicaram; "Tuiii!" esticando três vezes a perna esquerda.

   - Ah! Bom dia! Então, como passas?

   Eram dois pardais velho, daqueles que primitivamente moravam no ninho, e um novo, da mesma família. E continuaram:

   - Quem havia de imaginar, hem? Encontrarmo-nos aqui! Isto é um lugar muito aristocrático, mas falta o que comer; isto é a beleza! Tuiii!

   Saíam agora muitas pessoas, que vinham das salas cheias de esplêndidas estátuas de mármore, e aproximavam-se do túmulo, onde jazem os restos mortais do célebre mestre, cujo gênio formara aquelas estátuas. E todas, com expressões de admiração ardente, paravam ao pé do túmulo do Thorwaldsen; algumas juntavam as pétala de rosas que estavam espalhadas ali, para guardá-las. Toda aquela gente viera do estrangeiro: uns da poderosa Inglaterra, outros da Alemanha, outros ainda da França. Uma dama muito linda colheu uma rosa e escondeu-a no seio. E os pardais pensaram então que as rosas eram onipotentes naquele lugar, e que a casa inteira fora construída em sua intenção, o que, seja dito de passagem, achavam que era demasiada honra. Contudo, como todos lhes prestavam tantas homenagens, também eles não queriam ficar atrás em matéria de cortesia.

   -Tuiii! - disseram então, varrendo o chão com a cauda.

   Deitaram um olhar de esguelha às rosas, e convenceram-se sem demora de que eram as suas velhas vizinhas. E eram, de fato. O pintor que tinha feito aquele esboço da roseira vizinha do chalé incendiado obtivera permissão para transportá-la, e dera-a de presente ao arquiteto, porque nunca tinha visto rosas mais belas; e o arquiteto plantara-a no túmulo de Thorwaldesen, onde ela continuou a florescer, como a imagem da beleza, semeando no chão suas pétalas rosada e cheirosas, para que pudessem ser levadas para terras estrangeiras, como lembrança daquele sítio reverenciado.

  - Então vocês obtiveram nomeação para a cidade? - perguntaram os pardais.

   E as rosas acenaram com a cabeça - que sim; porque reconheceram também seus vizinhos pardacentos, e ficaram muito contentes de tornar a vê-los.

   - Como é agradável - disseram elas - viver, e florescer, e tornar a encontrar velhos amigos...e ver diariamente rostos alegres! É como se todos os dias fossem domingos!

   - Tuiii! responderam os pardais. - Sim, elas são mesmo as nossas antigas vizinhas. Lembramo-nos muito bem da sua origem, junto do açude. Tuiii! Como subiram de categoria! E que honras, as que recebem! Ah! É bem certo que algumas pessoas nascem com uma colher de prata na boca! Mas lá está uma folha seca...

   E deram bicadas e bicadas na folha, até vê-la cair ao chão.

   Mas a roseira continuou a florescer, mais fresca e mais verdejante que nunca; e rosas, ao calor do sol, espalhavam o seu perfume sobre o túmulo de Thorwaldsen, a cujo nome imortal ficaram assim ligadas.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, autor de famosos contos infantis. Nasceu em Odense/Dinamarca, em 1805. Era filho de um humilde sapateiro gravemente doente morrendo quando tinha 11 anos. Quando sua mãe se casou novamente, Hans se sentiu abandonado. Sabia ler e escrever e começou a criar histórias curtas e pequenas peças teatrais. Com uma carta de recomendação e algumas moedas, seguiu para Copenhague disposto a fazer carreira no teatro. Durante seis anos, Hans Christian Andersen frequentou a Escola de Slagelse com uma bolsa de estudos. Com 22 anos terminou os estudos. Para sair de uma crise financeira escreveu algumas histórias infantis baseadas no folclore dinamarquês. Pela primeira vez os contos fizeram sucesso. Conseguiu publicar dois livros. Em 1833, estando na Itália, escreveu “O Improvisador”, seu primeiro romance de sucesso. Entre os anos de 1835 e 1842, o escritor publicou seis volumes de contos infantis. Suas primeiras quatro histórias foram publicadas em "Contos de Fadas e Histórias (1835). Em suas histórias buscava sempre passar os padrões de comportamento que deveriam ser seguidos pela sociedade. O comportamento autobiográfico apresenta-se em muitas de suas histórias, como em “O Patinho Feio” e “O Soldadinho de Chumbo”, embora todas sejam sobre problemas humanos universais. Até 1872, Andersen havia escrito um total de 168 contos infantis e conquistou imensa fama. Hans Christian Andersen mostrava muitas vezes o confronto entre o forte e o fraco, o bonito e o feio etc. A história da infância triste do "Patinho Feio" foi o seu tema mais famoso - e talvez o mais bonito - dos contos criados pelo escritor. Um dos livros de grande sucesso de Hans Christian Andersen foi a "Pequena Sereia", uma estátua da pequena sereia de Andersen, esculpida em 1913 e colocada junto ao porto de Copenhague/ Dinamarca, é hoje o símbolo da cidade. Quando regressou ao seu país, com 70 anos de idade, Andersen estava carregado de glórias e sua chegada foi festejada por toda a Dinamarca. Após uma vida de luta contra a solidão, Andersen logo se viu cercado de amigos. Faleceu em Copenhague, Dinamarca, em 1865. Devido a importância de Andersen para a literatura infantil, o dia 2 de abril - data de seu nascimento - é comemorado o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Muitas das obras de Andersen foram adaptadas para a TV e para o cinema.

Fontes:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público
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quarta-feira, 11 de junho de 2025

Asas da Poesia * 36 *

 

Poema de
SAMMIS REACHERS
São Gonçalo/RJ

O poeta, esse “figura” da linguagem

Já nasce metáfora: nem é homem, é bruma
Detesta comparação: sua carne é tal como purpurina 
Casa antíteses, juiz de paz de terra e céu 
Dispara metonímias lendo Drummond e Gullar 
Mata catacreses ao dar nome ao que não o tem: 
Braço de sofá vira espuvelo, assim, na caraça 
Celebra paradoxos, esses desconstrutores criativos:
Como encher de vazio um balão vazio?
Faz tudo dialogar em prosopopeias, a caneta chora, o chapéu gargalha
É bicho todo trabalhado na sinestesia: degusta a paisagem, ouve seus aromas
Rima o interno dos versos em aliteração
É um babaquara da assonância, um papa-vatapá 
Desafios opera o poeta em hipérbatos
Faz rir nas onomatopeias, feito garnizé cocoricó
Desce pra baixo do mar molhado em seu submarino, o pleonasmo
É polissíndeto: É alegre e loquaz e terno e carmim
Mas tem lá seus momentos assíndetos: solitário, introvertido, fujão
Viaja em anáforas: se eu voasse, se eu pudesse, se eu sonhasse, se... 
“Quero morrer de tanto versejar”, vocifera, hiperbólico 
“Ou bater as botas de mui cantar”, solfeja em eufemismo e preciosismo 
Dias tem em que escreve com a delicadeza de uma mula (opa, contém ironia!) 
Outros em que olha a vida pela janela e solta um lacônico “Que tédio!” em apóstrofe 
Nesse jogo de encanta e cansa, o poeta nos diverte com sua graça, humano que é, esse figuraça…
= = = = = = = = =

Trova de
GÉRSON CESAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Nas mãos de Deus tudo entrego
fazendo um pedido assim:
que estes sonhos que carrego
não morram antes de mim!
= = = = = = = = =  

Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"
= = = = = = = = =  

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Gélidos caminhos

Apaixona-se o tempo
Ao olhar os veios do mármore
Gélidos caminhos...

Apaixona-se o vento
Ao desenhar círculos no lago,
Movendo a breve bolha de sabão-

Apaixonam-se os ramos
De camomila à caneca de ágata
Ao sentirem a água desaguando,

Contidos no tempo, no vento
E no aroma de camomila
Momentos de amor –
Sincronicidade,

Poemas ao alcance
Das pontas dos dedos...
= = = = = = 

Poetrix de
THOMAZ RAMALHO 
Angola

melancolia

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte…
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Estão paradas como nos vitrais
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.

A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.

Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,

Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
= = = = = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Após causar desencantos 
e nos fazer peregrinos, 
a seca fez chover prantos 
nos olhos dos nordestinos!
= = = = = = 

Poema de
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE
São Francisco de Itapaoana/RJ

Favela

Favela
Aquarela
Vida Amarela
No Morro ou na Periferia
Ora é alegria
Ora e tristeza,
Fome, pobreza...
Ora é realeza!

Gente que com esperteza
Dribla a sorte
Escapa da Morte
Tem que ser forte
Faz carnaval!
Favela
Festival...
De sonhos e esperança
Mesmo quando não alcança
Vencer o carnaval.

Favela...
Do bem e do mal
Onde se faz poesia
Da pobreza e da tristeza
Transformando em alegria
A triste realidade
Com tanta verdade

Que aonde ninguém queria viver
E vive sem querer
Precisa viver
Pra vida vencer
E não deixar morrer
Os sonhos, a esperança,
E como tal
O Carnaval.
= = = = = = 

Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Histórias de Algumas Vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.
= = = = = = 

Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
= = = = = = 

Hino de
ÂNGULO/ PR

No planalto majestoso, imponente. 
Que ornamenta esta linda região 
Braços fortes e o brio desta gente 
Fizeram um gigante do antigo rincão. 

Nosso preito de eterno louvor 
À Maria Caçadeira e demais pioneiros 
Seu exemplo de audácia e valor 
Espelha a fibra de heróis verdadeiros.

Estribilho
Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná .

Pirapó irrigando este chão 
Num cenário de rara beleza 
Onde o milho, a soja, o algodão,
Simbolizam a nossa riqueza. 

Eu que sou filho deste recanto 
Com orgulho hei de sempre dizer 
És ó Ângulo, colmeia de encanto, 
Onde sempre eu hei de viver.

Tens ó Ângulo a santa proteção 
E o amparo do glorioso São João 
És a joia mais linda que há 
Ornamentando o querido Paraná.
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Gestos de anjo

A tarde vai chegando docemente,
e nós dois a falar de amor eterno,
e tudo que sonhamos neste inverno,
é aquecer com nosso amor o ambiente.

E ao som desse trinado tão moderno,
que veio no relógio de presente,
teremos uma orquestra diferente
a embalar-me os anseios sem governo.

A noite vai chegando e eu nem percebo,
com todo esse carinho que recebo,
envolvida em teus braços amorosos.

E através da vidraça e o céu brilhando,
vejo esta lua cheia observando,
estes teus gestos de anjo poderosos.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

O delegado Pereira…
Êta Pereira bacana,
- É de pouca brincadeira,
não dá pera, só dá “cana”!…
= = = = = = = = = 

Uma Lengalenga de Portugal
LENGALENGAS DOS DEDOS
  
(Várias versões)
  
Estas lengalengas são ditas segurando a mão de alguém, apontado para os dedos, à vez, enquanto é dita.
 
  Pequenino (o dedo mindinho)
  Seu vizinho (o anelar)
 Pai de todos (o dedo médio)
 Fura bolos (o indicador)
 E mata piolhos. (o polegar)
  ***
 
 Este diz: quero pão
 Este diz: que não há
 Este diz: que Deus dará
 Este diz: que furtará
 E este diz: alto lá

***
 
 O dedo mindinho quer pão
 O vizinho diz que não
 O pai diz que dará
 Este o furtará
 E o polegar: «Alto lá!»
= = = = = = = = =  

Quadra Humorística de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

Eu já fui à sua casa
e já sei o que ela é.
A fartura que vi nela
foi pulga e bicho de pé.
= = = = = = = = =  

Soneto de
MARIA JOSÉ FRAQUEZA
Fuseta/Algarve/Portugal

Há poesia no céu

O Céu abriu as portas par em par…
Florbela, recebeu-te com Amor…
A Poesia cantada num altar…
Cada poema é benção do Criador

Florbela e Marilena, vou louvar,
Que o meu poema seja como flor…
Meus olhos já cansados de chorar
Por andar a carpir a minha dor!

A dor, esta saudade tão sentida…
Com a mágoa dolorosa da partida,
Que se sofre,  num elo de Amizade!

Vosso corpo desceu à terra fria,
Mas na Terra ficou a Poesia…
Que falará por Vós Eternamente

(Marilena Gomes Ribeiro foi Presidente da Associação de Escritores de Niterói)
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quando vires a tarde triste
e a noite para chover,
são lágrimas de meus olhos
que correm por não te ver.
= = = = = = = = =  

Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Uma glosa "traiçoeira"! 

Mote:
Minha vida vai sem rumo 
buscando um sonho encantado, 
em seus braços me consumo... 
sou mais um pobre enganado!
(José Feldman – Floresta/PR)

Glosa:
Minha vida vai sem rumo 
pelo mar da solidão 
depois que perdi o prumo 
norte do seu coração! 

Náufrago, na maresia, 
buscando um sonho encantado, 
sonhei que você, um dia, 
voltaria pro meu lado! 

E neste sonho sem prumo 
dizia pra minha amada: 
em seus braços me consumo... 
foi só um sonho e mais nada! 

Neste sonho eu percebi 
outro "sujeito" ao seu lado, 
finalmente eu entendi: 
sou mais um pobre enganado!
= = = = = = = = =  

Trova de
EMÍLIO DE MENESES  
Curitiba/PR, 1866– 1918, Rio de Janeiro/RJ

Estranha contradição
que a Terra vira e revira:
muita mentira é paixão,
muita paixão é mentira.
= = = = = = = = =  

Martelo Agalopado de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Nosso velho rojão é tão dolente
que as estrelas marejam no infinito,
chora a imagem pintada no granito
nos instantes finais do sol morrente;
as estrelas fulguram no nascente
e a montanha se cobre de beleza,
para ouvir a canção da singeleza
que o poeta verseja e não vacila,
cada verso é uma estrela que cintila
no universo da santa natureza!
= = = = = = = = =  

Epigrama de
CLÓVIS AMORIM
Amélia Rodrigues/BA, 1912 – 1970, Salvador/BA

Veio ao mundo esse Raimundo 
Devido a um erro, talvez, 
E só Deus que fez o mundo 
Sabe ao certo quem o fez.
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Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Ser mãe 

Abraços em braços 
que tocam, acolhem,
afastam as tristezas 

em gestos mágicos, doces sutilezas.
De mãos dadas, imortalizam olhares
disfarçados em beijos, raras riquezas
que amenizam as aflições. Saudosos
risos, para sempre nossas fortalezas.
= = = = = = = = =  

Soneto de
MAURO RAUL DE MORAES ANDRADE
São Paulo/SP, 1893– 1945

Artista

O meu desejo é ser pintor — Leonardo,
cujo ideal em piedades se acrisola;
fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
do sonho ilustre que em meu peito guardo...

Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
da vida, a cor da veneziana escola,
dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
a quanto houver de penedia ou cardo.

Quando encontrar o manancial das tintas
e os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,

irei morar onde as Desgraças moram;
e viverei de colorir sorrisos
nos lábios dos que imprecam ou que choram!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Triverso de
FABRÍCIO CARPINEJAR
Caxias do Sul/RS

A vida com erros de ortografia
tem mais sentido.
Ninguém ama com bons modos.
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Poema de
ANTÓNIO LAMPREIA
Setúbal/Portugal, 1929 – 2003, Lisboa/Portugal

Sombras da madrugada

Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra já esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu não queres
mas já te amou!
É madrugada não importa
neste silêncio há mais verdade
a noite é triste e tão sozinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu não te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.
Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
já não tem nada
anda perdida
quando a manhã, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!
= = = = = = = = =  

Trova Premiada  de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
= = = = = = = = =  

Glosa de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

MOTE:
 Pai, eu te peço perdão
por não ser o que querias!
Eu vivo na contramão,
num refúgio... de poesias!
 José Feldman (Floresta/PR)
  
GLOSA:
 Pai, eu te peço perdão
por ter frustrado teu sonho.
Assim, não queria, não;
é disso que me envergonho!
 
Lamento muito, meu velho,
por não ser o que querias!
 Na leitura do Evangelho,
eu tento acalmar meus dias.
 
Desde cedo, fiz a opção,
eu nasci pra ser poeta.
Eu vivo na contramão
de tua paternal meta.
 
Não me ajeito a obrigações,
só faço o que repudias.
Vivo minhas emoções
num refúgio... de poesias!
= = = = = = = = =  

Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

metrô
transportando
cansaço
na
cidade
grande
= = = = = = = = =  

Ditirâmbo* de
OSWALD  DE ANDRADE
São Paulo/SP, 1890 - 1954 

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
=============

* Ditirambo, poema lírico de estrofes irregulares que exprime o delírio do entusiasmo, da alegria. (Dicionário Aulete)

O poema é simultâneamente claro e sombrio, talvez daí o nome ditirambo...faz lembrar um daqueles sonhos em que tudo parece perfeito, mas há um pormenor que o transforma em pesadelo, causando-nos espanto e desespero (Alexis, in http://www.luso-poemas.net)

Nas origens do teatro grego, o ditirambo era um hino grego antigo cantado e dançado em homenagem a Dionísio, o deus do vinho e da fertilidade; O termo também foi usado como um epíteto do deus. Platão, em As Leis, ao discutir vários tipos de música, menciona "o nascimento de Dionísio, chamado, eu acho, de ditirâmbdio". Platão também observa na República que os ditirâmbos são o exemplo mais claro de poesia em que o poeta é o único orador.

No entanto, em A Apologia, Sócrates foi aos ditirâmbos com algumas de suas passagens mais elaboradas, perguntando seu significado, mas obteve uma resposta de: "Você vai acreditar em mim?" que "me mostrou em um instante que não por sabedoria os poetas escrevem poesia, mas por uma espécie de gênio e inspiração; São como adivinhos ou adivinhos que também dizem muitas coisas boas, mas não entendem o significado delas".

Plutarco contrastou o caráter selvagem e extático do ditirâmbo com o peão. De acordo com Aristóteles, o ditirâmbo foi a origem da tragédia ateniense. Um discurso ou peça de escrita extremamente entusiasmada ainda é ocasionalmente descrito como ditirâmico.

Ditirâmbos foram cantados por coros em Delos, mas os fragmentos literários que sobreviveram são em grande parte atenienses. Em Atenas, os ditirâmbos eram cantados por um coro grego de até cinquenta homens ou meninos dançando em formação circular, que podem ou não estar vestidos como Sátiros, provavelmente acompanhados pelos aulos. Eles normalmente relatariam algum incidente na vida de Dionísio ou apenas celebrariam o vinho e a fertilidade.

Os gregos antigos estabeleceram os critérios do ditirâmbo da seguinte forma:

Ritmo especial
Texto enriquecedor
Conteúdo narrativo considerável
Caráter originalmente antistrófico

Competições entre grupos, cantando e dançando ditirâmbos eram uma parte importante das festas de Dionísio, como a Dionísia e Lenaia. Cada tribo entraria em dois coros, um de homens e outro de meninos, cada um sob a liderança de um corifeu. Os nomes das equipes vencedoras das competições ditirâmbicas em Atenas foram registrados. Os No entanto, a maioria dos poetas permanece desconhecida. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ditirambo)