domingo, 17 de novembro de 2013

Alexandre O’Neill (1924 – 1986)

Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill de Bulhões GOSE (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 - Lisboa, 21 de Agosto de 1986) foi um importante poeta do movimento surrealista português. Era descendente de irlandeses.

Em 1943, com dezessete anos, publicou os primeiros versos num jornal de Amarante, o Flor do Tâmega. Apesar de ter recebido prêmios literários no Colégio Valsassina, esta actividade não foi grandemente incentivada pela família.1

Datam do ano de 1947 duas cartas de Alexandre O'Neill que demonstram o seu interesse pelo surrealismo, dizendo numa delas (de Outubro) possuir já os manifestos de Breton e a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano, O'Neill, Mário Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus Cadáveres Esquisitos e Diálogos Automáticos, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos.

Por volta de 1948, fundou o Grupo Surrealista de Lisboa com Mário Cesariny, José-Augusto França, António Domingues, Fernando Azevedo, Moniz Pereira, António Pedro e Vespeira. As primeiras reuniões ocorreram na Pastelaria Mexicana. As posições antineorealistas eram frontais e provocatórias, tal como as atitudes contra o regime: em Abril, o Grupo retira a sua colaboração da III Exposição Geral de Artes Plásticas, por recusar a censura prévia que a comissão organizadora decidira impor. Com a saída de Cesariny, em Agosto de 1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades como António Maria Lisboa e Pedro Oom).

Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (em Janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill, António Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Vespeira. Nessa ocasião, Alexandre O'Neill publicou A Ampola Miraculosa como um dos primeiros números dos Cadernos Surrealistas. A obra, constituída por 15 imagens e respectivas legendas, sem nenhum nexo lógico entre a imagem e legenda, poderá ser considerada paradigmática do surrealismo português.

Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos surrealistas (1950-52) e a extinção de ambos os grupos, o surrealismo continuou a manifestar-se na produção individual de alguns autores, incluindo o próprio Alexandre O'Neill. Em 1951, no "Pequeno Aviso do Autor ao Leitor", inserido em Tempo de Fantasmas, ele demarcou-se como surrealista. Nessa mesma obra, sobretudo na primeira parte, Exercícios de Estilo (1947-49), a influência deste corrente manifesta-se em poemas como "Diálogos Falhados", "Inventário" ou "A Central das Frases" e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a bicicleta e a máquina de costura.

Neste primeiro livro de poesia inclui o poema que o tornou célebre, "Um Adeus Português", originado num episódio biográfico que o próprio viria a contar, muitos anos mais tarde: no início de 1950, estivera em Lisboa Nora Mitrani, enviada do Surrealismo francês para fazer uma conferência. Conheceu O’Neill e apaixonaram-se. Meses mais tarde, querendo juntar-se-lhe em Paris, O’Neill foi chamado à PIDE e interrogado. Por pressão de uma pessoa da família, foi-lhe negado o passaporte. Coagido a ficar em Portugal, não voltaria a ver Nora Mitrani.

Não foi, de resto, a única vez que Alexandre O’Neill foi confrontado com a polícia política. Em 1953, esteve preso vinte e um dias no Estabelecimento Prisional de Caxias, por ter ido esperar Maria Lamas, regressada do Congresso Mundial da Paz em Viena. A partir desta data, passou a ser vigiado pela PIDE. No entanto, sendo um oposicionista, não militou em nenhum partido político, nem durante o Estado Novo, nem a seguir ao 25 de Abril – conhece-se-lhe uma breve ligação ao MUD juvenil, na altura em que abandona o Grupo Surrealista de Lisboa. A partir desta época, O’Neill foi-se distanciando de grupos ou tertúlias, demasiado irônico e cioso do seu individualismo para se envolver seriamente em qualquer militância partidária.

Em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca, Alexandre O’Neill viu-se reconhecido como poeta. Na década de 1960, provavelmente a mais produtiva literariamente, foi publicando livros de poesia, antologias de outros poetas e traduções.

A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda, (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no caráter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo).

Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neorealismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor.

Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se "O Poema Pouco Original do Medo", com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — "meu remorso, meu remorso de todos nós". Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor.

Alexandre O’Neill, apesar de nunca ter sido um escritor profissional, viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com livros. Em 1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio. Permaneceu neste emprego até 1952. A partir de 1957, começou a escrever para os jornais, primeiro esporadicamente, depois, nas décadas seguintes, assinando colunas regulares no Diário de Lisboa, n’ A Capital e, nos anos 1980, no Jornal de Letras, escrevendo indiferentemente prosa e poesia, que reeditava mais tarde em livro, à maneira dos folhetinistas do século XIX.

Em 1959 iniciou-se como redator de publicidade, atividade que se tornaria definitivamente o seu ganha-pão. Ficaram famosos no meio alguns slogans publicitários da sua autoria, e um houve que se converteu em provérbio: "Há mar e mar, há ir e voltar". Tinha entretanto abandonado definitivamente a casa dos pais, casando com Noémia Delgado, de quem teve um filho, Alexandre. Nesta época, instalou-se no Príncipe Real, bairro lisboeta onde haveria de decorrer grande parte da sua vida, e que levaria para a sua escrita. Neste bairro, encontraria Pamela Ineichen, com quem manteve uma relação amorosa durante a década de 1960. Mais tarde, em 1971, casará com Teresa Gouveia, mãe do seu segundo filho, Afonso, nascido em 1976.4

Fez ainda parte da redação da revista Almanaque (1959-61), publicação arrojada com grafismo de Sebastião Rodrigues onde colaboravam, entre outros, José Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, Augusto Abelaira e João Abel Manta.

A sua atração por outros meios de comunicação, que não a palavra escrita, é testemunhada pela letra do fado "Gaivota" destinada à voz de Amália, com música de Alain Oulman, tal como a colaboração, nos anos 1970, em programas televisivos (fora, aliás, crítico de televisão sob o pseudônimo de A. Jazente), ou em guiões de filmes e em peças de teatro. Em 1982 recebeu o prêmio da Associação de Críticos Literários.

Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre um ataque cardíaco, que o poeta admitiu dever-se à vida desregrada que sempre tinha sido a sua, e que, apesar de algum esforço em contrário, continuou a ser. No início dos anos 1980, já divorciado de Teresa Gouveia, repartia o seu tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila de Constância. Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral, antecipatório daquele que, em Abril de 1986, o levaria ao internamento prolongado no hospital. Morreu em Lisboa a 21 de Agosto desse ano. A 10 de Junho de 1990 foi feito Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a título póstumo.

Obras

Poesia


    1948 – A Ampola Miraculosa, Lisboa, Cadernos Surrealistas.
    1951 – Tempo de Fantasmas, Cadernos de Poesia, nº11.
    1958 – No Reino da Dinamarca, Lisboa, Guimarães.
    1960 – Abandono Vigiado, Lisboa, Guimarães.
    1962 – Poemas com Endereço, Lisboa, Moraes.
    1965 – Feira Cabisbaixa, Lisboa, Ulisseia.
    1969 – De Ombro na Ombreira, Lisboa, Dom Quixote.
    1972 – Entre a Cortina e a Vidraça, Lisboa, Estúdios Cor.
    1979 – A Saca de Orelhas, Lisboa, Sá da Costa.
    1981 - As Horas Já de Números Vestidas (Em Poesias Completas (1951-1981))
    1983 - Dezanove Poemas (Em Poesias Completas (1951-1983))

Antologias feitas na vida

    1967 – No Reino da Dinamarca – Obra Poética (1951-1965), 2.ª edição, revista e aumentada, Lisboa, Guimarães.
    1974 – No Reino da Dinamarca – Obra Poética (1951-1969), 3.ª edição, revista e aumentada, Lisboa, Guimarães.
    1981 – Poesias Completas (1951-1981), Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982.
    1983 – Poesias Completas (1951-1983), 2.ª edição, revista e aumentada, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984.
    1986 – O Princípio de Utopia, O Princípio de Realidade seguidos de Ana Brites, Balada tão ao Gosto Popular Potuguês & Vários Outros Poemas, Lisboa, Moraes.

Antologias póstumas

    2000 – Poesias Completas, com inclusão de dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim.
    2005 – anos 1970. Poemas Dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim.

Prosa

    1970 - As Andorinhas não Têm Restaurante, Lisboa, Dom Quixote.
    1980 - Uma Coisa em Forma de Assim, 2ª edição, revista e aumentada, Lisboa, Presença.

Antologias feitas por O’Neill

1959 – Gomes Leal – Antologia Poética (em colaboração com F. da Cunha Leão), Lisboa, Guimarães.
    1962 – Teixeira de Pascoaes – Antologia Poética (em colaboração com F. da Cunha Leão), Lisboa, Guimarães.
    1962 – Carl Sandburg – Antologia Poética, Lisboa, Edições Tempo.
    1963 – João Cabral de Melo Neto – Poemas Escolhidos, Lisboa, Portugália.
    1969 – Vinicius de Moraes – O Poeta Apresenta o Poeta, Lisboa, D. Quixote.
    1977 – Poesía Portuguesa Contemporánea / Poesia Portuguesa Contemporânea (em colaboração com a Secção de Literatura da Direcção Geral de Acção Cultural), edição bilingue, Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura.

Discos de poesia

Alexandre O’Neill diz poemas da sua autoria – colecção «A Voz e o Texto», Discos Decca, PEP 1010.
    Os Bichos também são gente – colecção «A Voz e o Texto», Discos Decca, PEP 1278.

Filmografia

    1962 – Dom Roberto
    1963 – Pássaros de Asas Cortadas
    1967 – Sete Balas Para Selma
    1969 – Águas Vivas
    1970 – A Grande Roda
    1975 – Schweik na Segunda Guerra Mundial (TV)
    1976 – Cantigamente (3 episódios da série)
    1978 – Nós por cá Todos Bem
    1979 - Ninguém (TV)
    1979 - Lisboa (TV)

Ator (Narrador)


    1933 – Las Hurdes, tierra sin pan
    1969 – Águas Vivas
    1971 – Sever do Vouga. Uma Experiência
    1976 – Máscaras

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_O%27Neill

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Introdução

Um dos mais completos e, ao mesmo tempo, sintéticos estudos da narrativa breve no Ceará intitula-se “Evolução e natureza do conto cearense”, de Braga Montenegro, incluído na revista Clã n.º 12, de 1952, e reeditado como apresentação de Uma Antologia do Conto Cearense, em 1965. O ensaio contém 35 páginas e é composto de oito partes. Inicia-se assim: “A evolução do conto cearense, durante a fase romântica e naturalista, se processou com bastante lentidão. Poder-se-ia mesmo afirmar que nada realizamos, no curso desse longo período, relativamente à arte de contar, não fosse uma que outra manifestação de talento logo sepultada na poeira do tempo”.

Outro estudo valioso se intitula “O Conto Cearense, de Galeno ao Grupo Clã”, de Sânzio de Azevedo, do livro Dez Ensaios de Literatura Cearense, de 1985. Contido em 31 páginas, este ensaio se originou de uma aula proferida em 3 de junho de 1983, na Universidade de Fortaleza, no curso de análise literária “Panorama do Conto Brasileiro”.

Em 2005 se publicou Panorama do Conto Cearense (Brasília; Fortaleza: Ed. Códice), deste autor – estudo histórico, no qual se mencionam todos ou quase todos os escritores nascidos no Ceará ou que nele viveram durante algum tempo e escreveram histórias curtas, com menção especial aos que se dedicaram mais ao gênero conto do que a outros e se sobressaíram, na visão dos historiadores e críticos.

É chegada a vez de se deixar de lado a cronologia, a História, a simples referência a nomes de escritores e títulos de livros e se passar ao comentário. Não exatamente a crítica literária, acadêmica ou não. Entretanto, não será possível analisar um a um todas as obras. Em compensação, ao lado das observações críticas virão alguns contos.

Como seria impossível comentar num só livro todos os contistas cearenses, ou todos os que publicaram pelo menos uma coleção de histórias breves, optou-se por uma seleção. Os mais importantes em suas épocas, segundo historiadores, críticos e, logicamente, o autor deste estudo. Desse modo, das centenas de escritores, selecionaram-se pelo menos dois, por época: século XIX, início do XX, Grupo Clã e assim por diante. Acredita-se, desse modo, que os leitores, sobretudo os mais dedicados ao estudo da Literatura Cearense, não discordarão da seleção dos nomes mais antigos, como Oliveira Paiva, Adolfo Caminha, Gustavo Barroso e Herman Lima.

Quanto à seleção dos contos, foi preciso ser mais exigente, ou seja, reduzir ainda mais a quantidade de contistas, para que o livro não se tornasse um volume de difícil publicação. Assim, foram escolhidos contos de alguns dos escritores comentados.

Leitores discordarão em relação aos nomes a partir do Grupo Clã e mais ainda depois de 1970, tendo em vista que a maioria está viva e escrevendo.

É pretensão do autor desta obra dar continuidade a ela, com a elaboração do volume 2, no qual serão estudados contistas mais novos e incluídos contos de alguns que aqui não tiveram narrativas transcritas.       

E o título do livro? Nada mais simples e objetivo do que Contistas do Ceará. Por que o subtítulo D’A Quinzena ao Caos Portátil? Como informa Sânzio de Azevedo em Literatura Cearense, o Clube Literário “floresceu no ano de 1886” e foi “responsável pelo surgimento de alguns dos maiores nomes da literatura no Ceará”. E mais esclarece: “O Clube Literário teve como órgão na imprensa a revista A Quinzena, que circulou de janeiro de 1887 a junho de 1888, perfazendo 30 números.” Acrescenta: “Ao lado de poemas românticos de Juvenal Galeno e das narrativas, igualmente românticas, de José Carlos Júnior ou Jane Davy (Francisca Clotilde), surgiam os contos cientificistas de Rodolfo Teófilo; o Realismo despontava, porém, com mais força e arte através dos contos de Oliveira Paiva.” Ou seja, com ela, A Quinzena, surgiram os primeiros grandes contistas cearenses. Mas não se pode omitir aqui a história da Padaria Espiritual, fundada em 1892. Muito menos seu órgão oficial, o jornal O Pão, que teve duas fases: a primeira, com seis números, naquele ano, e a segunda, iniciada em 1895, num total de 36 edições. Nele muitos contos se publicaram. Na outra ponta da História se vê a revista Caos Portátil, criada em 2005. Em quatro edições publicou quase todos os contistas cearenses contemporâneos.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Lima Barreto (Manel Capineiro)

Quem conhece a Estrada Real de Santa Cruz? Pouca gente do Rio de Janeiro. Nós todos vivemos tão presos à avenida, tão adstritos à Rua do Ouvidor, que pouco ou nada sabemos desse nosso vasto Rio, a não ser as coisas clássicas da Tijuca, da Gávea e do Corcovado.

Um nome tão sincero, tão altissonante, batiza, entretanto, uma pobre azinhaga, aqui mais larga, ali mais estreita, povoada, a espaços, de pobres casas de gente pobre, às vezes, uma chácara mais assim ali. mas tendo ela em todo o seu trajeto até Cascadura e mesmo além, um forte aspecto de tristeza, de pobreza e mesmo de miséria. Falta-lhe um debrum de verdura, de árvores, de jardins. O carvoeiro e o lenhador de há muito tiraram os restos de matas que deviam bordá-la; e, hoje, é com alegria que se vê, de onde em onde, algumas mangueiras majestosas a quebrar a monotonia, a esterilidade decorativa de imensos capinzais sem limites.

Essa estrada real, estrada de rei, é atualmente uma estrada de pobres; e as velhas casas de fazenda, ao alto das meias-laranjas, não escaparam ao retalho para casas de cômodos.

Eu a vejo todo dia de manhã, ao sair de casa e é minha admiração apreciar a intensidade de sua vida, a prestança do carvoeiro, em servir a minha vasta cidade. São carvoeiros com as suas carroças pejadas que passam; são os carros de bois cheios de capim que vão vencendo os atoleiros e os "caldeirões", as tropas e essa espécie de vagabundos rurais que fogem à rua urbana com horror. Vejo-a no Capão do Bispo, na sua desolação e no seu trabalho; mas vejo também dali os Órgãos azuis, dos quais toda a hora se espera que ergam aos céus um longo e acendrado hino de louvor e de glória.

Como se fosse mesmo uma estrada de lugares afastados, ela tem também seus "pousos". O trajeto dos capineiros, dos carvoeiros, dos tropeiros é longo e pede descanso e boas "pingas" pelo caminho.

Ali no "Capão", há o armazém "Duas Américas" em que os transeuntes param, conversam e bebem.

Pára ali o "Tutu", um carvoeiro das bandas de Irajá, mulato quase preto, ativo, que aceita e endossa letras sem saber ler nem escrever. É um espécime do que podemos dar de trabalho, de iniciativa e de vigor. Não há dia em que ele não desça com a sua carroça carregada de carvão e não há dia em que ele não volte com ela, carregada de alfafa, de farelo, de milho, para os seus muares.

Também vem ter ao armazém o Senhor Antônio do Açougue, um ilhéu falador, bondoso, cuja maior parte da vida se ocupou em ser carniceiro. Lá se encontra também o "Parafuso", um preto, domador de cavalos e alveitar estimado. Todos eles discutem, todos eles comentam a crise, quando não tratam estreitamente dos seus negócios.

Passa pelas portas da venda uma singular rapariga. É branca e de boas feições. Notei-lhe o cuidado em ter sempre um vestido por dia, observando ao mesmo tempo que eles eram feitos de velhas roupas. Todas as manhãs, ela vai não sei onde e traz habitualmente na mão direita um bouquet feito de miseráveis flores silvestres. Perguntei ao dono quem era. Uma vagabunda, disse-me ele.

"Tutu" está sempre ocupado com a moléstia dos seus muares.

O "Garoto" está mancando de uma perna e a "Jupira" puxa de um dos quartos. O "Seu" Antônio do Açougue, assim chamado porque já possuiu um muito tempo, conta a sua vida, as suas perdas de dinheiro, e o desgosto de não ter mais açougue. Não se conforma absolutamente com esse neg6cio de vender leite; o seu destino é talhar carne.

Outro que lá vai é o Manel Capineiro. Mora na redondeza e a sua vida se faz no capinzal, em cujo seio vive, a vigiá-lo dia e noite dos ladrões, pois os há, mesmo de feixes de capim. O "Capineiro" colhe o capim à tarde, enche as carroças; e, pela madrugada, sai com estas a entregá-lo à freguesia. Um companheiro fica na choupana no meio do vasto capinzal a vigiá-lo, e ele vai carreando uma das carroças, tocando com o guião de leve os seus dois bois - "Estrela" e "Moreno".

Manel os ama tenazmente e evita o mais possível feri-los com a farpa que lhes dá a direção requerida. Manel Capineiro é português e não esconde as saudades que tem do seu Portugal, do seu caldo de unto, das suas festanças aldeãs, das suas lutas a varapau; mas se conforma com a vida atual e mesmo não se queixa das cobras que abundam no capinzal.

— Ai! As cobras!... Ontem dei com uma, mas matei-a .

Está aí um estrangeiro que não implica com os nossos ofídios o que deve agradar aos nossos compatriotas, que se indignam com essa implicância. Ele e os bois vivem em verdadeira comunhão. Os bois são negros, de grandes chifres, tendo o "Estrela" uma mancha branca na testa, que lhe deu o nome. Nas horas do ócio, Manel vem à venda conversar, mas logo que olha o relógio e vê que é hora da ração, abandona tudo e vai ao encontro daquelas suas duas criaturas, que tão abnegadamente lhe ajudam a viver. Os seus carrapatos lhe dão cuidado; as suas "manqueiras" também. Não sei bem a que propósito me disse um dia:

— Senhor fulano, se não fosse eles, eu não saberia como iria viver. Eles são o meu pão.

Imaginem que desastre não foi na sua vida, a perda dos seus dois animais de tiro. Ela se verificou em condições bem lamentáveis. Manel Capineiro saiu de madrugada, como de hábito, com o seu carro de capim. Tomou a estrada pra riba, dobrou a Rua José dos Reis e tratou de atravessar a linha da estrada de ferro, na cancela dessa rua.

Fosse a máquina, fosse um descuido do guarda, uma imprudência de Manel, um comboio, um expresso, implacável como a fatalidade, inflexível, inexorável, veio–lhe em cima do carro e lhe trucidou os bois. O capineiro, diante dos despojos sangrentos do "Estrela" e do "Moreno", diante daquela quase ruína de sua vida, chorou como se chorasse um filho uma mãe e exclamou cheio de pesar, de saudade, de desespero:

— Ai mô gado! Antes fora eu !…

Fonte:
www.nead.unama.br


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Orlando Woczikosky (Príncipe dos Trovadores do Paraná)

1
A Vida é maravilhosa
e o lar, um jardim florido
quando a mulher é uma rosa
e o jardineiro, o marido.
2
A cantar, a minha vida,
eu canto em qualquer cidade,
mas minha terra querida,
eu não canto sem saudade!
3
Agora sou nau sem rumo,
Que zarpou da mocidade,
Para encalhar, eu presumo,
No banco duma saudade.
4
A mãe da gente é uma luz
que brilha, brilha e rebrilha:
dá-nos vida e nos conduz
pela mais sagrada trilha.
5
Amor que não tem saudade,
é planta que não dá flora;
amor que é amor de verdade,
na saudade é mais amor.
6
A mulher é diferente
no terreno da emoção:
- O homem diz sim e consente,
ela consente e diz não!
7
A nossa UBT querida
é meu verdadeiro amor,
faz parte da minha vida
como a um jardim, uma flor.
8
Às vezes, na multidão,
estou só sem ver ninguém,
porque a maior solidão
é estar longe do meu bem.
9
A vagar pela cidade
Hoje, bem longe de ti,
Vejo, através da saudade,
O tesouro que perdi.
10
Beba água mineral
e viva despeocupado,
porque água só faz mal
para quem morre afogado.
11
Cônscio de que nada valho,
quando te beijo, formosa,
eu sou uma gota de orvalho
que tremeluz numa rosa.
12
Convidei a minha sogra
pra passear no Butantã:
a velha mordeu a cobra,
e a cobra ficou tantã!
13
Curitiba, paraíso
Que mil encantos encerra,
Linda Cidade-Sorriso:
– Sorriso da minha terra!
 14
Dezoito anos de idade
Completei no fim da guerra,
No fim da calamidade
Que tingiu de sangue a terra.
15
Dentro de certas pessoas
há duas forças latentes:
uma que as trona tão boas,
outra que as vira serpentes.
16
Desde que cedo me acordo,
Até que à noite me deito,
Com saudade te recordo,
Meu único amor perfeito!
17
Em noites de lua cheia,
no tênue alvor que se espraia,
minha alma foge e vagueia,
perambulando na praia.
18
É nobre quem não exalta
vitória já conquistada,
pois a nobreza mais alta
é vencer sem dizer nada.
19
É nos olhos que a pimenta
quando toca nos magoa:
quem tem sogra não a aguenta,
quem não tem diz que ela é boa.
 20
Esta saudade é uma luz,
Na noite da minha vida,
O guia que me conduz
À tua imagem, querida.
21
Eu fui a tua metade
E foste a minha, porque,
Agora, só na saudade
Inteiro a gente se vê!
22
Eu não gosto de sorteio
Porque a sorte é contra mim:
Talvez porque eu seja feio,
De uma feiura sem fim.
23
Eu não troco uma jazida
De ouro puro e refinado,
Por uma hora vivida
Na saudade do passado.
24
Eu nasci pobre na vida,
no entanto sei quanto valho,
pois conheço a dor sentida
dos que tombam no trabalho.
25
Felicidade é a esperança
que está sempre em nós presente,
mas a gente não a alcança
e ela não alcança a gente!
26
Flavo sol que as flores pintas
com doce tonalidade,
empresta-me as tuas tintas,
quero pintar a saudade.
27
Minha avó, que já está morta,
queria tudo perfeito:
até fazendo uma torta,
fazia torta direito.
28
Não fosse a necessidade
De tanto, tanto te amar,
Sufocaria a saudade
Nas profundezas do mar.
29
Não me comove a riqueza,
E nem lhe adoro a conquista,
Pois, em saudade e pobreza
Também sou capitalista.
30
Não te incomodes, querida
Se o meu peito a dor invade,
Pois, são temperos da vida
A dor, o amor e a saudade.
31
Não vim para te dar um beijo,
vim pra te dar muito mais,
vim dizer que te desejo
O melhor dos teus Natais!
32
Natal é uma festa linda,
festa de luz e esplendor,
que nos rememora a vinda
De Jesus, Nosso Senhor.
33
Nesta vida de percalços
todo mundo tem defeitos,
mas entre honestos e falsos
todos se julgam perfeitos.
34
Neste ano, peça a Deus,
que a todos, como a você,
os mesmos tesouros seus,
aos seus semelhantes dê.
35
Ninguém proíbe que morras
nas tuas loucuras andanças,
mas dirigindo não corras
para não matar as crianças.
36
No dia dos namorados
fico triste, simplesmente,
por ver que há muitos coitados
sem ter a quem dar presente.
37
O amor é a coisa mais bela
deste mundo encantador!
E é você quem me revela
toda a beleza do amor!
38
O amor é igual à comida:
demais, não se dá valor;
quando falta em nossa vida,
dá-se a vida pelo amor!
39
Oh! doce mundo da infância,
todo em saudade tecido,
a recordar-te a distância,
eu choro por ter crescido.
40
Para trovar, certamente,
não bastam apenas rimas;
trovador inteligente
faz das trovas obras-primas.
41
Pela guerra não há glória:
- Perder, vencer, tanto faz!
- A verdadeira vitória,
só se alcança pela paz!
42
Por mais que hoje louve a vida
dos que fazem bem por lei,
trago n'alma a dor sentida,
dos males que pratiquei.
43
Pra me esquecer de você,
Tenho rezado à vontade!
Mas não te esqueço, porque
A minha reza é saudade.
44
Quando a trova justifica
sobejamente a valia,
- Rima pobre ou rima rica -
sempre é grande poesia.
45
Quando em meus braços te aperto,
todo o infinito sorri,
porque a vida é um céu aberto
quando estou perto de ti.
46
Quando tu fores velhinha
E eu também, da mesma idade,
Sentirás saudade minha,
Sentirei de ti saudade.
47
Quem diz que não tem saudade
e se é verdade o que diz,
não teve a felicidade
de já ter sido feliz.
48
Quem pratica a Medicina
espelhando-se em Jesus,
por certo Deus ilumina
com sua divina Luz.
49
Quem se afunda na bebida,
para afogar sua mágoa,
descobre, no fim da vida,
que a melhor bebida é água.
50
Que não valha a minha trova
por nada do que ela exiba,
senão por tudo o que prova
do valor de Curitiba.
51
Revivendo, na saudade,
a minha casa paterna,
Choro! Mas tenho vontade
que a saudade seja eterna.
52
Saudade é a lembrança viva
Daquilo que já morreu;
É fogo que inda se ativa
Das cinzas do escombro seu.
53
Saudade é coisa que nasce
À tona do pensamento,
E, por mais que o tempo passe,
Paramos nesse momento.
54
Saudade é lua que vaga
Nas sombras do sol do amor;
Quanto mais o sol se apaga,
Mais a lua traz langor.
55
Saudade é luz matutina
no crepúsculo da gente.
Sol que o passado ilumina
quando escurece o presente.
56
Se, à noite, chega o negror
E todo o meu ser invade,
Clareia-se o meu amor,
Dentro da luz da saudade.
57
Se eu de você fico ausente
e alguém os meus olhos vê,
lendo os meus olhos pressente,
no fundo deles, você!
58
Se partes, fica o desgosto
da minha alma sem a tua,
e eu pareço um rei deposto
perambulando, na rua.
59
Ser Presidente de Honra
da UBT, é, para mim,
mais do que uma simples honra,
é uma lisonja sem fim.
60
Sou feliz por te dizer,
em palavra comovida,
que minha vida é um prazer
se há prazer na tua vida.
61
Trocando sempre teus ares,
foges de mim com prazer;
mas apesar dos pesares
eu não te posso esquecer.
62
Tudo que é bom, nesta vida,
foge-nos celeremente,
somente a dor mais sentida
fica na vida da gente.
 63
Vermelho igual ao tomate,
meu coração é um bife:
quanto mais alguém lhe bate,
mais amolece o patife.