sexta-feira, 6 de junho de 2025

Juan Barnav (Como escrever um livro) – 5. Definição da época e do lugar

tradução do espanhol por José Feldman


Definição da época

Uma vez definidas as características de nossos personagens, precisamos determinar o período em que eles se moverão. Ou seja, em que momento histórico os situaremos, pois este também é um fator que influencia fortemente a ação da trama.

É normal que alguém que está começando no desconhecido universo da ficção ambiente sua história na contemporaneidade, a época em que vivemos atualmente. Isso acontece pela simples razão de ser a época que eles melhor conhecem. Isso não é de forma alguma algo ruim. Pelo contrário, é um bom começo para um novo autor.

O que acontecerá quando alguém decidir escrever uma história futurista, uma daquelas chamadas "ficções científicas", agora que computadores, voos espaciais e os instrumentos mais sofisticados são comuns, e que os autores do pós-guerra de 1945 — a era de ouro da ficção científica — ainda sonhavam como algo irrealizável?

Essa situação nos leva a um aspecto que não podemos e não devemos negligenciar: a linguagem. Para ser congruente com a situação, o modo de expressão é muito importante.

Se formos prolixos na forma como detalhamos as vestimentas dos personagens, devemos pesquisar as características da moda da época.

Exercício:
Escolha um período da história humana que mais lhe agrade. Tente definir as características da época, em termos do modo de vida das pessoas, forma de sociedade, regime político, modos de se vestir e o que comiam. Utilize textos especializados para auxiliá-lo.

Onde a obra se passará

Em nosso trabalho de escrita de uma peça literária, uma vez estabelecidos os personagens e suas características físicas, emocionais ou psicológicas, se também definimos o momento histórico e a época em que a ação se passará, o próximo passo é determinar o lugar onde nossa história se desenrolará.

Não podemos esquecer que, dependendo do tipo de livro que realizamos, precisaremos adotar um certo grau de rigor científico; ou seja, conferir-lhe credibilidade ou autenticidade para validar nossos argumentos. Seja uma obra histórica ou de ficção, é muito importante definir o local das ações.

Se esclarecermos o local das ações, teremos dado um passo importante em nosso trabalho. Se o assunto for histórico — uma biografia, por exemplo —, é vital ressaltar que os lugares citados devem ser necessariamente aqueles onde ocorreu o evento histórico que estamos narrando ou revisando, para evitar erros.

Daí a importância de nossas fontes de pesquisa, sejam elas documentários, livros, revistas ou jornais, até mesmo correspondências entre o sujeito de nosso trabalho e certas figuras que também podem ser importantes para conferir maior autenticidade ao trabalho.

No caso do trabalho histórico contemporâneo, como apontamos anteriormente, as entrevistas ou pesquisas sociais, assim como as chamadas pesquisas de campo, ou seja, ir ao local dos acontecimentos para fazer observações diretas sobre determinados acontecimentos que nos interessam, são técnicas que nos permitirão enriquecer nosso trabalho de escritório: a pesquisa documental e a redação.

Na literatura criativa, pode-se escolher livremente o local para desenvolver a trama. Qualquer canto do mundo fornecerá o cenário ideal, se soubermos reconhecer o habitat dos personagens, já que até mesmo o clima pode afetar significativamente seu comportamento e reações, pois constitui o ambiente natural e cultural em que se desenvolvem.

Um homem que vive na cidade, com todos os luxos e confortos proporcionados por morar em uma área residencial, não pode reagir da mesma forma que alguém que vive no meio da selva, onde a eletricidade é simplesmente desconhecida e a principal preocupação é a chegada de uma estação chuvosa benéfica — não muito abundante, aliás — para que não prejudique as plantações ou o suprimento de óleo para as lamparinas que iluminam a escuridão de suas noites.

Entre as muitas possibilidades oferecidas por essas pistas, o local pode parecer insignificante à primeira vista. O importante para um escritor iniciante é aproveitar sua inventividade escolhendo um local adequado para sua história, mas sempre tentando descrevê-la da forma mais realista possível para convencer o leitor de sua autenticidade.

Exercício:
Descreva como seria a superfície do planeta Vênus. Como ele está sempre envolto em nuvens de água, deve conter muita água. 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
continua… 6. Sucessos fundamentais da obra

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Asas da Poesia * 33 *

 

Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Aos que começam...

Se escreves, nesse humilde e obscuro anonimato,
a enfrentar, com denodo, os lances audaciosos,
para a glória de um texto ou graça de um relato,
que não te anule o brilho, astral, dos mais famosos!

Sabes bem que o trabalho é teu fiel retrato.
Se és capaz de conter delírios ambiciosos,
no labor hás de ter o perfil mais exato
do ideal que conduz à frente os vitoriosos!

Quem folheia um jornal, pela manhã bem cedo,
desconhece, por certo, a nobre e intensa lida
que envolve o jornalista em seu diurno enredo.

Mas, quanto o valoriza aquele que, enfim, pensa:
- como seria o mundo apático e sem vida,
sem o bravo clamor... das máquinas da imprensa!
= = = = = = = = =  

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Quando não mais se vislumbra
nem réstia de um bem-querer,
saudade é doce penumbra
pairando em nosso viver.
= = = = = = = = =  

Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Incógnito

Parti no alvorecer, ainda menino,
à procura do Amor e da Verdade
mas antes de se por o sol a pino
entre pedras perdi a identidade.

Debalde tento agora reencontrá-la
em cada esquina, em cada gesto e olhar...
- Quem sou?  -  pergunto ao céu e ele se cala;
- Que sou? – desesperado indago ao mar.

E sem respostas – pássaro sem ninho –
vou pela vida na indefinição
de quem procura, às cegas, um caminho
para o porto inseguro da ilusão.
= = = = = = = = =  

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Prazer é sentir os dedos
de nossas mãos artesãs
pintando os lindos segredos
das auroras das manhãs!
= = = = = = = = =  

Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ

Esperança ante a praga

Tantos se foram, Pai, ante esta maladia 
arrepiante que arrebata tantas vidas!
Toda a alegria viu-se filha da agonia!
Tantas famílias hoje mortas e falidas! 

Valas comuns a gente amada em galhardia!
Pilhas de corpos lado a lado desvalidas!
Um frio intenso pela espinha me aturdia 
até que ouvi sacras palavras perseguidas. 

Tal como a praga pipocara ardentemente,
uma esperança veio a então cristalizar-se
na ponta doce duma agulha que nem arde!

Santa vacina abençoada, um grão presente
como o do trigo a gerar pão, multiplicar-se 
e salvar vidas cedo, agora e mesmo tarde! 
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

A dor que meu peito tem,
meu coração não publica.
Tome amor com quem quiser
que essa mágoa cá me fica.
= = = = = = = = =  

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O baile na flor

Que belas as margens do rio possante, 
Que ao largo espumante campeia sem par! 
Ali das bromélias nas flores doiradas 
Há silfos e fadas, que fazem seu lar... 

E, em lindos cardumes, 
Sutis vaga-lumes 
Acendem os lumes 
Pra o baile na flor. 

E então — nas arcadas 
Das pet’las doiradas, 
Os grilos em festa 
Começam na orquesta 
Febris a tocar... 
E as breves Falenas 
Vão leves, 
Serenas, 
Em bando 
Girando, 
Valsando,
Voando no ar! …
= = = = = = = = =  

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Há muita gente vaidosa
seguindo o exemplo da lua,
e refletindo, vaidosa,
uma luz que não é sua...
= = = = = = = = =  

Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Tudo é importante?
Não!

Só é importante o que eu quero que seja!
Os teus lábios cor de cereja
O teu sorriso que abraça o meu
O teu corpo mel
E, o meu corpo, extensão do teu…

O teu olhar que me encanta
No rio ou no mar sempre me espanta
A maneira do sorriso do teu olhar

Quando me canso do dia
volto para ti,
tudo é harmonia.
Foram minutos que perdi
que são preciosos todos os dias

Nas madrugadas despertas
Nas horas tão incertas
O sol sempre nasce
mesmo que não apareça

Tu sentes o calor do abraço
Não existe espaço entre nós
O coração bate no mesmo compasso
No mundo que é só nosso!
= = = = = = = = =  

Trova de
ARI SANTOS CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

As saudades não têm fim;
a luz do sol se apagou...
Secou a flor do jardim 
e o trem da vida passou.
= = = = = = = = =  

Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Beijos mortos

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.
= = = = = = = = =  

Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Folhas pelo chão,
São meus sonhos que se arrastam
cheios de ilusão!
= = = = = = = = =

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Caíram, uma a uma, pelo chão
(Verso de Glória Merreiros)

Caíram, uma a uma, pelo chão
As perlas que eu chorei e tu choraste
Nessa hora em que, triste, me abraçaste
Fugindo ao mundo vil da solidão.

Tão frágil, a sofrer, teu coração
Batia no teu peito feito haste
Ao vento dessa dor que recusaste
E punha o teu olhar na escuridão.

De amor puxei teu corpo contra o meu
E quando a força usada me doeu
Eu cri que os nossos braços deram nó.

Mais forte do que nunca o nosso abraço
Deixou entre nós dois tão pouco espaço
Que eu soube que no amor somos um só.
= = = = = = = = = 

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

Contemplando este cenário
que avisto dos coqueirais,
no barquinho solitário
eu navego com meus ais!
= = = = = = = = =  

Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Lindóia

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"
= = = = = = 

Trova de
MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Com textos, fotos ou mapas,
o bom livro é uma estrutura
onde o leitor, entre as capas,
mata a sede da cultura.
= = = = = = = = =  

Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Sou uma leve brisa,
o beijo do dia.
Uma lágrima na noite
fria, solidão sombria.
Sou doce perfume,
suave sangria.
Gargalhada aprisionada
ou veneno, sua alforria.
Sou a rosa do tango,
drama na alegria.
Rodopiando na valsa
sorrio, faço poesia.
= = = = = = = = =  

Trova de
GERSON CESAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Quando a dor se manifesta,
não desisto, sigo em frente,
pois sei que a luz que me resta
é Sol para muita gente.
= = = = = = = = =  

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Meu verso

Cheguei aqui para escrever meu verso,
trago papel, caneta e o pensamento.
Quero implorar à musa do Universo
inspiração e amor no meu intento.

Se este mundo se mostra tão perverso,
quero a flor, o perfume e o sentimento,
que o coração, contrito, esteja imerso
neste festim da rima, o meu alento.

Que a natureza, então, em vivas cores
seja mostrada em todos seus valores
e no meu verso não tenha rival.

Minha esperança é ver a natureza
amada, respeitada e com certeza;
- meu soneto seria universal! 
= = = = = = = = =  

Trova de
LUIZ CARLOS ABRITTA
Cataguases/MG, 1935 – 2021, Belo Horizonte/MG

Todos querem sufocar,
com disfarces atrevidos,
e sordidez invulgar,
o grito dos excluídos .
= = = = = = = = =  

Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

Fala-me…

Fala-me ao nascer do dia,
no primeiro raio de Sol.
Fala-me com o perfume das flores
e eu pintarei o arco-íris com outras cores.

Fala-me ao entardecer,
quando o céu encontra o mar.
Fala-me com o voar das andorinhas
e eu mandar-te-ei lembranças minhas.

Fala-me no silêncio da noite,
na tranquilidade da cidade.
Fala-me com um simples olhar
e eu deixar-me-ei por lá ficar.

Porque entre nós as palavras são escassas,
são os nossos gestos que falam por si.
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Apressados
passos
passam.
Por que
não passeiam?
= = = = = = = = =  

Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

O oratório

Ao atender meu apelo
se a vida se faz ingrata,
chego a sentir o desvelo
com que Deus sempre me trata!
* * *

A casa, da fazenda, imensa e bela!...
No quarto, que o lampião iluminava,
um oratório... e, à noite, acesa a vela,
alegre ou triste, minha avó rezava.

A casa, na cidade, bem singela!...
No quarto, quando o dia se apagava,
um oratório... e eu lembro a imagem dela,
alegre ou triste, minha mãe orava.

No quarto simples, quando a noite cai,
um oratório... e, a sós, eu clamo ao Pai,
alegre ou triste, muito Lhe agradeço

os dons da paz, saúde, vida e amor
e, de mãos postas, louvo ao meu Senhor,
pois deu-me muito mais do que mereço.
= = = = = = = = =  

Trova de
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

Num relógio, vendo a hora,
no outono de minha lida,
vejo que não há demora
no ocaso de minha vida!
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Gostosa embriaguez

No teu abraço encontro placidez,
No teu sorriso, singular dulçor,
Na tua boca provo do licor,
Motivo da gostosa embriaguez.

Provoca-me teu corpo sedutor
E, assim, quando passeio em tua tez,
Mergulha o coração em calidez,
São toques revestidos de furor.

Se te entregares, linda, notarás
Meus olhos radiantes a fulgir.
Na busca do prazer sou fera edaz.

Confesso que teu mágico elixir
Maravilhosamente me compraz,
Não posso aos teus encantos resistir.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
DALTON LUIZ GANDIN
São José dos Pinhais/PR

Arte
 
Meu papel foi natura.
Agora,
eu imprimo cultura.
= = = = = = = = =  

Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Desejo

Sou feita de atos e pensamentos
corpo e alma das letras em ação.
Mas o que mais me identifica e desenha meu perfil
são  as  palavras.
Eu sou o que escrevo, sou a palavra que me  revela
nas  entrelinhas dos meus poemas.
Queria tocar os corações das pedras,
queria que as pedras me lessem!
= = = = = = = = =  

Haicai de
ANDRÉ RICARDO ROGÉRIO
Arapongas/PR

A coruja pia
Inverno, fito e deito
Com jeito ela espia.
= = = = = = = = =  

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Quem há de...

- Quem há de... - indagaste-me, vaidosa- 
fazer minha razão titubear?
Bailávamos... estavas tão charmosa, 
e eu, perdido inteiro, em teu olhar. 

- Quem há de... - retruquei - que causa às rosas-
inveja, mesmo ao se despetalar? 
e tu sorriste tão... maravilhosa... 
que nem meu coração quis mais pulsar. 

Fazendo, do salão, a alegoria
do enredo de um sonho particular, 
o enlevo conduziu-me à fantasia

e quando  me dei conta, despertei... 
- Quem há de ser feliz sem se deixar
levar por este sonho que eu... sonhei?
= = = = = = = = =  

Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Não temas qualquer enigma
que venha te causar dor;
pois trazes na alma o estigma
daquele que é trovador!
= = = = = = = = =  

Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Amigos

Deus proíbe a livre escolha de um irmão,
Consanguíneo ser gerado pelos pais;
Mas as forças dos Céus não negam, jamais,
Um amigo de verdade a nossa opção.

Quando a dúvida me vinha por inteiro
Face a algumas derrocadas frente à vida,
Foram teus braços abertos a acolhida,
À maneira de um confrade verdadeiro.

Pelas mãos firmes do amigo, pus-me em pé...
Teu apoio proporciona-me energia.
Nossa troca de instruções é sinergia
Que nos faz crescer na vida pela fé.

Horizontes amplos, tem nossa amizade!
Aprendi muito com teus ensinamentos
E também já te passei conhecimentos;
São pilares de total fraternidade.

Sobre o próximo, nós temos convergência
Com propósitos cabais de paz e amor...
Num planeta sem conflitos e sem dor,
Com o "ser" vencendo o "ter" na convivência.
= = = = = = = = =

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Parceria

Como não te sorrir, se vens tão mansa?…
Silente e a passos lentos me acompanhas,
sem nada me exigir, sem artimanhas;
parceira a me seguir desde criança!…

E como não chorar pelas façanhas, 
tornando-se retalhos de lembrança,
se a idade pesa o prato da balança
e não me deixa chances de barganhas?…

Mas sem queixumes vãos… e sem tolice!
Nascemos “um pro outro”, (eu e a velhice),
e se estou vivo e aqui, é o que interessa.

Acato as leis do tempo, de bom grado,
e até feliz em ter-te, do meu lado…
Se assim não for, eu morro mais depressa!
= = = = = = = = =  

Trova de
ANGÉLICA VILLELA SANTOS
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

No palco da vida, atuante,
junto a comédias e dramas,
o destino, ator brilhante,
vai tecendo sua trama…
= = = = = = = = =  

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
= = = = = = = = =

Figueiredo Pimentel (A moça do lixo)


Passavam um dia duas fadas por um jardim formosíssimo e bem tratado, quando viram um monte de estrume que o chacareiro havia deixado para estercar a terra.

– Que coisa nojenta! – Disse uma delas. – Como é que se consente num jardim tão belo tamanha porcaria, ainda que seja por um momento!...

– Tive uma ideia, disse a outra. – Eu faço para que essa esterqueira se transforme numa mulher tão linda como Leona, a princesa adivinha, que é a mais formosa criatura do mundo.

– E eu faço, retorquiu a outra, para que ela tenha um anel no dedo. Enquanto estiver com esse anel, só poderá pronunciar a palavra “porcaria”, sem que nada mais possa dizer. Tirando-lhe o anel, será uma moça instruída e espirituosa, ao passo que, quem o usar, ficará com o mesmo defeito.

As duas fadas desapareceram, e, do estrume, surgiu uma moça maravilhosamente formosa.

Era nos jardins reais. O príncipe, passando por acaso, viu-a e ficou apaixonado. Perguntando-lhe quem era, de onde vinha, como se chamava, só obteve em resposta:

– Porcaria! Porcaria!...

Admirado por ouvir aquela grosseria, tão suja, em boca tão formosa, sua alteza insistiu. Em vão! A deslumbrante moça respondia sempre:

– Porcaria!... Porcaria!...

O príncipe quis fazê-la sua esposa, mas o rei, os ministros, os conselheiros da coroa e os grandes dignatários não o consentiram.

Não podendo, entretanto, deixar de vê-la a todos os instantes, o futuro soberano fê-la alojar no palácio.

Tempos depois teve de se casar, como era obrigado por lei. Deram-lhe como noiva uma princesa, filha de um imperador vizinho e aliado.

Preparando-se a toalete da noiva, uma criada lembrou-se que Porcaria tinha um anel sem igual.

Tirou-o, e apresentou-o à sua nova ama, que o enfiou no dedo.

Quando o cortejo chegou à igreja, na hora da celebração do casamento, perguntando o padre à noiva, se livremente recebia o príncipe, ouviu-a dizer:

– Porcaria!... Porcaria!...

Não houve meios de se lhe arrancar outra coisa: – Porcaria!... Porcaria!... falava sempre. O príncipe, em vista daquilo, exclamou:

– Não! Não me serve! Porcaria por porcaria, tenho lá na palácio uma melhor.

Foram buscar a outra, que encontraram falando e conversando com todo o espírito, e o casamento foi celebrado.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
ALBERTO FIGUEIREDO PIMENTEL nasceu e morreu em Macaé/RJ, 1869 — 1914 foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil e tradutor. Manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada Binóculo na Gazeta de Notícias. Publicou novelas, poesia, histórias infantis e contos. Um de seus grandes êxitos foi o romance O Aborto, estudo naturalista, publicado em 1893, e por mais de um século completamente esgotado. Como poeta, participou da primeira geração simbolista chegando a se corresponder com os franceses. Era amigo de Aluísio Azevedo, com quem trocou cartas, enquanto o autor de O Cortiço estava fora do país como diplomata. Poeta, romancista, escritor de literatura infantil, ganhou destaque e se perpetuou nos compêndios da literatura brasileira. A coluna Binóculo, assinada pelo autor na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, de 1907 até 1914, obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda, o que faz de Figueiredo Pimentel o primeiro cronista social da capital. Era ele quem tratava das novidades da moda, do bom gosto, do chique em voga em Paris e que deveria ser aqui aclimatado. Obras: Fototipias, poesia, 1893; Histórias da avozinha, conto - somente em 1952; Histórias da Carochinha; Livro mau, poesia, 1895; O aborto, 1893; O terror dos maridos, romance e novela, 1897; Suicida, romance e novela, 1895; Um canalha, romance e novela, 1895.

Fontes:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado originalmente em 1896. 
Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing