segunda-feira, 22 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 63 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Diz “Não” à sogra e à cunhada.
- é astuto e não cai na rede –
“Família, aqui, só a Sagrada
e pregada na parede!”
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Poema de Maringá/PR

JOSÉ FELDMAN

Tempo de magia
(Dedicado a Luciano Pavarotti – In Memoriam)

Não há ninguém na velha rua suja!

Havia magia no ar
Entre as árvores quentes e sussurantes

Em um rio de sons
Através do espelho
A magia da música
Ilumina o caminho
Projetando nossas imagens
No espaço e no tempo,
A música tocando nossa alma...
A música do espírito.

Beber sonhos
Nos córregos,
Andar sobre o arco-íris
Como os duendes!

Está na hora
De abrir asas e voar
Viajar para algum lugar
Distante, bem longe
Levado pelo vento
Numa estrela cadente
Como uma borboleta
Solta no alto -
Espírito errante!
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Aldravia do do Rio de Janeiro/RJ

MESSODY RAMIRO BENOLIEL

Saudade
bandoleira
sem
ontem
hoje
amanhã
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Soneto de Petrópolis/RJ

RAUL DE LEONI
(1895– 1926)

Legenda dos Dias

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas… e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada…

As horas morrem sobre as horas… Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada…”

Ontem, hoje, amanhã, depois, e assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera…

E a Vida passa… efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia… 
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Trova Premiada  em Curitiba/PR, 2010

FRANCISCO JOSÉ PESSOA 
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Meus cabelos cor de prata,
que o luar pintou em mim,
são marcas de serenata
nas madrugadas sem fim.
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Poema de de Funchal/Ilha da Madeira/Portugal

HERBERTO HELDER

Se Houvesse Degraus na Terra...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
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Trova Popular

Aqui tens meu coração
e a chave para o abrir;
não tenho mais que te dar
nem tu o que me pedir!
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Soneto de Belo Horizonte/MG

SÍLVIA ARAÚJO MOTTA

Gravatas italianas evocam amor

Beleza nata, digna de uma tela
o nu impecável traz valor ardente!
Bem escondido, o corpo da donzela
vem na gravata e encanta a toda gente.

Atrai o sonho ao ver figura bela,
agita o mar que explode em cada mente...
Como se fosse a escuna vejo nela
perigo à vista! Sou mulher carente!

Vejo o naufrágio deste puro amor
que enfim proíbe dar um simples beijo,
que o vento leva e faz cair a flor.

Por um momento, juro que pensei
ter encontrado a paz que tanto almejo...
sei que sonhei... agora já acordei.
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Trova de Angra dos Reis/RJ

JESSÉ NASCIMENTO

Sinto uma grande alegria 
e o alvo sempre persigo: 
conquistar a cada dia 
um novo e leal amigo.
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Poema de Brasília/DF

PEDRO CÉSAR BATISTA

Candeeiro do tempo

Olhos cerrados não veem a manhã
Sustentam-se na escuridão do medo e do passado
Bocas enganam ouvidos
Alegram fantasmas que submergem em mentes
Bailam em cantos iludidos com o brilho das luzes
Voos arrastam almas em frágeis desejos supérfluos
Ouvidos se animam ao tilintar de 30 moedas
Falam em suas crenças
Cantam desilusões e dores
Nada creem no amor e em Iris brilhantes
Acham que todos os olhares são cinzentos
Todos os abraços falsos
A manhã se suicida com medo do dia
Prefere a escuridão da solidão do poder
Desiste de receber a luz das flores e dos pássaros
O dia se vai
Nem noite vem
Deixa-se inebriar no tempo de dor
Onde estou que ainda sonho
Preciso acordar e voar ao infinito
Retirar as folhas que abafam meu canto
Pássaros não alimentam mais sonhos
A dor de quem não sonha
Passos sobrevoa oceanos
Desejam ser brilho nessa escuridão
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Trova Humorística de São Paulo/SP

SÉRGIO FERREIRA 

Confuso, o dono do empório
não anda bom da veneta:
na orelha um supositório,
mas nem sinal da caneta!
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Soneto do do Ceará

FRANCISCA CLOTILDE
Tauá/CE (1862 – 1935) Aracati/CE

Mariposa

Incauta mariposa em torno à luz
Viceja pela chama fascinada,
Até que enfim examine, crestada
Cai em meio do fogo que a seduz.

A chama que dos olhos teus transluz
Tem minha alma em desejos torturada
E aii tento fugir mais abrasadas
Me sinto neste amor que cresce a flux.

Oh! Fecho os negros olhos sedutores,
Não me queimes nos férvidos ardores
De uma louca paixão voraz e forte

Receio que minha alma caia exausta
Neste abismo de luz como a pirausta*
Que buscam o prazer e encontra a morte.
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* Pirausta = inseto de quatro patas com asas transparentes. Vivia no fogo como uma salamandra e morria se afastasse do fogo.
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Trova de Rio Novo/MG

EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
1946 – 2003

Não que eu seja pessimista
mas causa um certo desgosto
ir de conquista em conquista
traçando o nada em meu rosto!...
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Shopping Center de Trovas

 MOTE:
Se a inspiração me emitir
todo dia, ideias novas
brevemente irei abrir
um Shopping Center de Trovas!
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
Se a inspiração me emitir
o que eu mais gosto de ter,
eu vou, das musas, ouvir
sobre o que, devo escrever!

É bom ganhar de presente,
todo dia, ideias novas,
pois isso, faz bem à gente,
nos lançando a belas provas!

Não vou mesmo resistir...
Sendo assim, então garanto,
brevemente irei abrir
um novo e belo recanto!

Quero o seu consentimento:
Diga, amigo, se me aprovas!
Abrirei com sentimento,
um Shopping Center de Trovas!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN (1934 – 1996) Rio de Janeiro/RJ

Meditando sobre a morte,
digo aos crentes e aos ateus:
a bondade é o passaporte
que nos conduz para Deus.
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Soneto de Santos/SP

MARTINS FONTES
1884 – 1937

Soneto

Antes de conhecer-te, eu já te amava.
Porque sempre te amei a vida inteira:
Eras a irmã, a noiva, a companheira,
A alma gêmea da minha que eu sonhava.

Com o coração, à noite, ardendo em lava
Em meus versos vivias, de maneira
Que te contemplo a imagem verdadeira
E acho a mesma que outrora contemplava.

Amo-te. Sabes que me tens cativo.
Retribuis a afeição que em mim fulgura,
Transfigurada nos anseios da Arte.

Mas, se te quero assim, por que motivo
Tardaste tanto em vir, que hoje é loucura,
Mais que loucura, um crime desejar-te?
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Trova Premiada na Academia Brasileira de Trova/1991

JONAS RAMOS DA CUNHA
Natal/RN

Devemos nos espelhar
no mais singelo segredo
da teimosia do mar,
na conquista do rochedo.
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Poema de Curitiba/PR

ANDRÉ CARNEIRO
Atibaia/SP, 1922 – 2014, Curitiba/PR

As reticências

Anseio manobrar a língua
dos fatos sólidos
e a outra,
do sentimento abstrato,
explosiva no ódio até
a úmida ternura do beijo.
Palavras com cores diversas,
cinzas e vermelhos
marcando sangue na página.
Haverá um teclado
medindo a tensão de cada dedo,
a mágica apaga versos frouxos,
letras borboletas voam
e pregam mensagens
no teto dos amores fugidios.
Tenho só um dicionário roto,
dedos hesitantes e o
sorriso do humor necessário.
Meu diário é suposto,
foto desfocada da
vida em movimento.
Tento transmitir
apelo, medo, desejo,
nas palavras alinhadas,
tímidos soldados
antes da luta.
É raro saber o gosto alheio
pelo abstrato alimento.
Depois de algumas linhas,
o fim vale como vírgula
para o futuro ignoto
das reticências.
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Triverso do Rio de Janeiro/RJ

MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
(1923 – 2012)

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
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Setilha de Porto Alegre/RS

DELCY CANALLES
Pedro Osório/RS, 1931 – ??? Porto Alegre/RS

Chega setembro e os odores
perfumam nossas estradas!
A Primavera sorrindo
embeleza as madrugadas,
e há flores pelos caminhos,
e há convites de carinhos
em noites enluaradas!
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Trova de Magé/RJ

MARIA MADALENA FERREIRA

Se não tens muito, não faças
pouco do pouco que é teu,
que... esses “pouquinhos” são graças
que a vida te concedeu!
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Hino de Sorocaba/SP

I

Saudamos-te, querida Sorocaba,
Com muito júbilo e acendrado amor;
desde a selva selvagem, o índio e a taba,
teus feitos cantaremos teu valor.

Às fraldas norte da Paranapiacaba,
tu te elevas Rainha d'esplendor,
e ao pé do morro d'Ouro, o Araçoiaba,
és pioneira paulista do interior.

Ó' Sorocaba, cantamos triunfantes,
bravos, heróis, cantamos teus pioneiros;
Cidade, és filha e mãe de bandeirantes,
com muito orgulho, a "Terra dos Tropeiros".

Tu és, ó Sorocaba, uma das molas
deste grande São Paulo glorioso,
cidade do Trabalho e das Escolas,
dos Liberais de brio belicoso.

Com teus arranha-céus, ao alto evolas
todo o ideal de um povo laborioso,
e o potencial fabril que hoje controlas
é o signo de um Brasil mais poderoso.

II

Tu, Sorocaba, marchas, "pari-passu"
com tuas irmãs, ao lado das primeiras,
Marchas tu com São Paulo no compasso,
Já desde os áureos tempos das bandeiras.

Foste terra de peões, campeões do laço;
Com suas tropas, com suas famosas feiras;
hoje és comércio, indústria, torres de aço,
Tudo é teu sangue, nas veias brasileiras.

Ó' Sorocaba, cantamos triunfantes,
bravos heróis, cantamos teus pioneiros;
Cidade, és filha e mãe de bandeirantes,
com muito orgulho, a "Terra dos Tropeiros".

Pela alvorada, a orquestra dos apitos,
O operário marcha ao seu mister fabril
e os homens da palavra e dos escritos,
da ciências, em teu progresso atuantes mil;

às escolas a colher frutos benditos,
a juventude marcha varonil,
O Saber e Labor marcham contritos,
em prece a Deus, pela Pátria - Brasil.
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Sorocaba: Um Hino de Orgulho e História
O 'Hino de Sorocaba - SP' é uma celebração vibrante e emotiva da cidade de Sorocaba, localizada no interior do estado de São Paulo. A letra exalta a história rica e o desenvolvimento da cidade, desde os tempos dos indígenas e das tabas até sua ascensão como um importante centro urbano e industrial. A referência à 'selva selvagem' e ao 'índio e a taba' remete às origens pré-coloniais da região, enquanto a menção à Paranapiacaba e ao morro de Araçoiaba destaca a geografia local e a importância histórica desses locais.

O hino também presta homenagem aos bandeirantes, figuras históricas que desempenharam um papel crucial na expansão territorial do Brasil. Sorocaba é descrita como 'filha e mãe de bandeirantes', sublinhando seu papel central na história paulista e brasileira. A cidade é celebrada como a 'Terra dos Tropeiros', um título que remete à sua importância no comércio e no transporte de mercadorias durante o período colonial. A letra também destaca o desenvolvimento industrial e educacional de Sorocaba, com menções aos 'arranha-céus' e ao 'potencial fabril', simbolizando o progresso e a modernidade.

A segunda parte do hino reforça a ideia de progresso contínuo e de marcha conjunta com outras cidades paulistas. A referência às 'famosas feiras' e ao 'comércio, indústria, torres de aço' ilustra a transformação de Sorocaba em um polo econômico dinâmico. A letra também celebra o trabalho e o saber, com imagens do operário e dos homens da ciência e da palavra contribuindo para o progresso da cidade. A juventude é vista como herdeira desse legado, marchando com vigor e determinação. O hino conclui com uma prece a Deus pela pátria, reforçando o sentimento de patriotismo e devoção à cidade e ao Brasil.
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Poetrix de Minas Gerais

JUDITH DE SOUZA

matinal

busco a poesia, de teimosia,
pintando quadros negros
com luzes de Monet
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Soneto de São Paulo/SP

MÁRCIA SANCHEZ LUZ

Sonho Alado

Ele fugia a cada passo dado
por mim em direção ao seu encontro;
quando por vezes eu lhe dava os ombros,
voltava a me chamar para o seu lado.

Ele dizia estar apaixonado,
eu respondia assim, logo de pronto,
que parecia mais um reencontro
de duas vidas, de um sonhar alado.

Logo passamos a nos convencer
que o que deixamos era pra ficar
entre nós dois, como um selado pacto

de confidências sobre o abstrato,
eterno e transcendente renascer
de corações e flores a brilhar.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A saudade é a companhia 
mais doce que Deus nos deu. 
Sem ela, o que restaria 
aos velhinhos como eu?... 
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O lobo e o cão

Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.
Sinal é que, de orelha arrebitada,
Bem vigilante andava a canzoada.
Encontra o lobo um dogue forte, grosso,
Nutrido, luzidio, uma beleza!
Que distraído abandonara a estrada.
Sorri-lhe a nédia presa.

Saltar-lhe logo ali, fazê-la em postas
O seu desejo fora. Dura empresa!
A luta era infalível! Voltar costas
Não usam perros quando são valentes,
E, mais, os brutos! dão às vezes cabo
Do fero contendor! Diabo! diabo!
Então aquele, com aqueles dentes!

Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda;
Chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;
Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,
Que deixe que ele admire, que ele aplauda
Topá-lo assim... e com tão bom cabelo!...
E rijo! e gordo! Um frade! uma abadessa!
«Esplêndido senhor, — o cão responde —
De vós depende o ter igual gordura.
Fugi dos bosques, onde
Por teima da desgraça,
De fome e frio só achais fartura,
Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.
Dias e dias sem comerem nada!
E lá por festas raras, esquecidas,
Um petisquinho conquistado, à espada,
Tragado às escondidas!
Aí é certa a morte!
Furtai-vos a seus braços!
Segui... segui meus passos;
Tereis outro destino e melhor sorte.
— Mas como? volve o lobo.
Fazer então que devo? — Bagatela:
Nem morte de homem, nem de igreja roubo;
Simplesmente estas coisas: não dar trégua
À santa gente rota, mendicante,
Bordão numa das mãos, noutra a tigela,
Que vem ainda a distância duma légua
E já tresanda a essência de tratante.
Lamber as mãos ao dono; ser submisso...
Dar coca — é o termo próprio — ao dono e a todo
Quanto bicho careta houver em casa.
Salário apanhareis que vos apraza:
Ossos das aves, rodas de chouriço,
Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!
Até uns tagatés em cima disso!»

Tendo prestado ao cão atento ouvido,
O lobo, coitadinho!
Com perspectiva tal enternecido,
Não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho!
Iam caminho já do povoado,
Quando o lobo notou que no pescoço
O cão era pelado!
«Que tens aí? — pergunta em alvoroço.
— Nada, que eu saiba. — Nada?! — Frioleira!
— Mas afinal o que é? — Ora!... a coleira.
Com que à noite me prendem junto à porta...
— Prender-te?! — o lobo exclama. Não sais fora,
Não corres livre pela terra inteira
Quando te dá na gana, e a toda a hora?
— Nem sempre. Isso que importa?
— Tanto importa, que toda a trincadeira
Com que me acenas, um tesouro embora,
Por tal preço não quero!» O lobo finda,
Põe-se logo na perna, e corre ainda!
(tradução: Francisco Palha)

Recordando Velhas Canções (O ébrio)


Compositor: Vicente Celestino

Tornei-me um ébrio, 
na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava, 
e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas, 
vivo a sofrer
-Não tenho lar, e nem parentes, 
tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro o meu abrigo
Cada colega de infortúnio, um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconselham, e aliviam os meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro, e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo em que depunha fé
E nos parentes . . . confiava sim . . .
E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então
O falso lar que amava, e a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, um ladrão
Me abandonaram, e roubaram o que amei.

Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer a minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste, e este triste coração

Quero somente na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos, ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Tragédia Lírica de 'O Ébrio'
A canção 'O Ébrio', interpretada pelo icônico Vicente Celestino, é uma narrativa dramática que explora a ascensão e queda de um artista. A letra da música descreve a trajetória de um cantor que, desde cedo, foi aclamado e viu seu nome crescer até alcançar o auge da glória. No entanto, a música também relata as desilusões amorosas que o protagonista enfrentou, com amores que prometiam eternidade, mas que o abandonavam, deixando-o com a dor e a saudade.

A história toma um rumo ainda mais trágico quando a esposa do cantor, que lhe havia dado uma filha, o deixa. A perda da filha, que é levada por Deus, é o ponto de inflexão que o leva à decadência. O cantor passa de apresentações em teatros renomados para ser vaiado em um circo, simbolizando sua queda social e profissional. A bebida surge como um refúgio para esquecer as mágoas, e é nesse contexto que ele é rotulado como 'ébrio'.

A música termina com uma reflexão amarga sobre a falsidade das relações humanas. O cantor, agora um pária, reconhece que aqueles que se diziam amigos e familiares o abandonaram em sua miséria. Ele pede que, após sua morte, não haja inscrições em sua campa, apenas que outros ébrios como ele compartilhem seus segredos e lágrimas. A canção é um retrato da solidão e do esquecimento que muitas vezes acompanham aqueles que caem em desgraça, e serve como uma crítica à superficialidade dos laços sociais.

O sucesso permanente da canção "O Ébrio" inspiraria, dez anos depois de seu lançamento, a realização do filme homônimo, recordista de bilheteria em todo o país. Impressionado com o personagem, o público chegaria mesmo a identificá-lo com seu criador, o abstêmio Vicente Celestino.

Com efeito, o tema e principalmente a forma declamada da interpretação foram fatores decisivos para que se chegasse a tal exagero. A letra dramática, repleta de desventuras e imagens beirando a pieguice, é uma perfeita sinopse para o enredo de um filme, desde o prólogo falado à parte musical propriamente dita. Nesta, o contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista. "O Ébrio", que também inspirou uma peça de teatro (em 1936) e uma novela de televisão (na TV Paulista, em 1965), foi lançado no terceiro disco de Vicente Celestino na Victor, gravadora onde ele permaneceu por 33 anos, até sua morte em 1968.

Fontes:

domingo, 21 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 124 =


CLEUTTA PAIXÃO
(Cleutta Inêz Christina Paixão)
Alto Araguaia/MS

Oração do Escritor

Senhor Deus!
Arquiteto criador do Universo!
Inspiração aos escritores do livro da vida!
Venho hoje agradecer a graça
E o dom da escrita
Que me foi concedido.
E a vós pedir,
Que o Divino Espírito Santo
Que me rege,
Ilumine e inspira,
Criar os escritos
Que saem de minha alma.
E abençoe minha mente
Cada dia mais.
E abençoe meu Ser
Para que continue a ser
Responsável e virtuoso.
E Eu possa usar
Meus escritos com responsabilidade.
E que outras pessoas
Possam se alimentar deles.
E possam os leitores ter norte
Através dos meus escritos.
E que possam induzir
Aos leitores a busca
De leituras sadias
E do caminhos do bem
E da verdade.
Amém

Coelho Neto (O ambicioso)

De volta ao cemitério, onde, sem uma lágrima, deixara o corpo do pai, Felício recolheu-se à casa deserta, e como havia luar, nem acendeu a candeia, para poupar o azeite.

Sentando sob o alpendre, pôs-se a olhar o arvoredo frondoso, cuja folhagem reluzia à claridade, e, mais longe, ondulando, o canavial e o milho.

O velho aproveitara toda a terra lavradia, respeitando apenas o pequeno bosque, em que se abrigava a fonte, e onde ele e os camaradas iam recolher os galhos secos com que alimentavam o lume.

Seis homens robustos trabalhavam como lavradores, ajudando-os no áspero labor agrícola — uns ao arado, outros na carpa, ou colhendo, ou plantando.

As mulheres cuidavam do serviço doméstico, e ainda raspavam a mandioca, debulhavam o milho, batiam o feijão, retiravam o mel dos favos, e reuniam, à tarde, as aves.

As próprias crianças eram aproveitadas, — umas guiando o gado aos pastos, outras levando a comida aos trabalhadores, à roça; e como havia fartura, era um encanto a vida no sítio que prosperava a olhos vistos.

Sabia-se que o velho tinha haveres; nem ele fazia mistério disso; antes afirmava com garbo, para estimular os homens ao trabalho: “O pouco que tenho, deu-me a terra, assim o ganhareis, se trabalhardes com perseverança. Eu não vos engano — tendes de mim o que mereceis. O bem que fizerdes vos será contado e pago.”

E assim era.

Felício, porém, não se continha aos sábados; mal sopitava a raiva quando o pai pagava as férias aos camaradas.

Aquele dinheiro, passando a mãos alheias, doía-lhe, como se fosse a suas próprias carne tirada aos pedaços e, sempre que se recolhia ao leito, murmurava com avareza:

— Hei de acabar com isto! Para que tanta gente? Um só homem basta, e esse serei eu!

Assim pensou, e assim fez.

No dia seguinte ao enterro do velho, Felício chamou os camaradas, fez-lhes as contas, e despediu-os.

*** 

Quando se viu só, Felício esfregou as mãos contente, dizendo:

— Agora sim! Tudo quanto fizer será meu. Não tenho mais quem coma o que eu planto, nem quem leve os meus lucros!

Os mesmos cães, que guardavam a roça, dando caça aos animais daninhos, foram enxotados à pedrada, e o ambicioso ficou solitário, olhando a lavoura exuberante que se desenvolvia ao sol.

Vieram, porém, as chuvas, e a terra entrou a produzir doidamente. O mato apontou, cresceu, invadindo as culturas, cobrindo os caminhos que desapareciam, e Felício, levantando-se muito cedo, ainda com as estrelas a luzirem no céu, saía, e lá se punha a capinar com ânsia.

Por não ouvir as vozes dos animais que alegravam o sítio, — um boi a mugir, uma ovelha a balar, aqui uma galinha cacarejando aos pintos, adiante a pata, com a pequenina frota penugenta dos patinhos — ficou preocupado.

Por onde andariam? Talvez no pasto. Era melhor assim: não só lhe poupavam o trabalho de os tratar, como ainda, alimentando-se com o que buscavam — e havia tanta erva e eram tantos os bichinhos! — livravam-no de despesas.

E voltava à terra com desespero.

Para não perder tempo em fazer lume, almoçava uma fruta, e continuava a trabalhar, casmurro.

Todo seu esforço, porém, não conseguia conter a invasão. As ervas más apareciam em toda a parte e, apenas a enxada deixava um talhão, logo os rebentos abrolhavam.

Às vezes, ele sentava-se à borda das rampas alagado de suor, os braços doloridos, e ficava ali inerte, com a alma cheia de desânimo, revoltado contra aquela vegetação perniciosa que lhe comprometia a lavoura. Logo, porém, excitado pela ambição, retomava a enxada e prosseguia o trabalho.

Em pouco tempo, a linda, viçosa lavoura de outrora desapareceu, suplantada pelo ervaçal bravio e, onde o milho lourejava com a sua espiga de ouro desnastrada ao sol, cresceram arbustos agrestes e palhegal farfalhante, por entre os quais as cobras venenosas rastejavam chocalhando.

Os animais, mal a noite baixava, saíam das tocas, devorando e destruindo a plantação. Todas as manhãs, Felício parava, pesaroso, diante das covas que eles abriram à noite, e ainda achava restos de mandioca, batatas, raízes de aipim abandonadas à flor da terra.

Já começava a desesperar, mas sempre ambicioso, não se resolvia a recorrer aos lavradores.

Se chamasse alguns homens, tudo voltaria ao antigo viço, mas teria de lhes pagar. Não quis, insistiu no labor inútil que só o alquebrava, e, quando caía prostrado, arquejando, logo ouvia os bem-te-vis, que, das árvores, pareciam vaiá-lo e rir da sua pretensão ridícula.

Levantava-se, enfurecido, indignado, blasfemando, atribuindo a sua desgraça aos invejosos que haviam lançado maus olhos ao sítio.

Um dia, sentiu na água um sabor estranho e logo suspeitou que o andavam envenenando.

Subiu ao bosque para examinar a fonte. Dificilmente deu com ela, tão cheia estava de folhas e ramos podres, até cadáveres de animais boiavam em suas águas antes tão límpidas, porque o velho, de quando em quando, mandava um dos camaradas limpar a fonte para evitar que se formassem balseiros.

Então, lá em cima, lançando os olhos à planície, viu toda a grandeza de sua desgraça: — a roça era um mato intenso, e já em torno da casa os espinheiros cresciam e os juás davam os seus venenosos frutos de ouro.

As lágrimas saltaram-lhe dos olhos e, compreendendo a sua impotência, deixou-se cair em terra humilhado, certo de que sozinho jamais conseguiria vencer aquele mal que era uma vingança da terra.

Lembrou-se, então, dos homens, os leais trabalhadores que haviam ajudado o velho a ganhar o dinheiro que lá estava, em boas moedas, no fundo da arca.

Ah! Se todos ali estivessem... as árvores estariam cobertas de flores, as canas estariam crescidas em touceiras, os milhos ostentariam as gordas espigas, e o gado reluziria nédio.

O gado... onde andariam os seus bois, as suas ovelhas, as suas cabras, os seus cevados e bacorinhos e as aves? Fosse ele procurá-los!

Com um arrancado suspiro desceu vagarosamente à planície.

À noite, preocupado e sem sono, pôs-se a andar pela casa deserta.

Saindo no alpendre, pareceu-lhe ver o velho pai sentado no banco, em que costumava ficar à noite, fumando o seu cachimbo, a olhar distraidamente as estrelas luminosas.

Atentou a visão, e reconheceu o defunto. Felício pôs-se a tremer, agarrado a um dos esteios, e ouviu o pai que, em voz triste, lhe disse:

" - É a ambição que te vai levando à miséria, meu filho! Quiseste, por avareza, fazer o impossível e com ânsia de tudo aproveitar, tudo perdeste. Se não houvesses despedido os auxiliares que aqui deixei, não estarias agora a lamentar o prejuízo: onde há mato haveria flor, a água correria livremente e pura, as roças estariam viçosas, e sentirias a companhia do teu semelhante, e ouvirias, no teu repouso, as vozes dos animais. Fazendo felizes serias venturoso. O muito querer é sempre prejudicial. Quem dá trabalho enriquece sorrindo, quem, do seu pão, dá uma migalha ao pobre, farta-se e faz ventura. Que conseguiste com a ambição?

" Antes de lavrar, terão os homens que desbastar, e assim vais a pagar o teu pecado com as moedas do cofre e ainda com a humilhação. Ficaste isolado, e a urze da terra saiu a acompanhar-te. Se não quiseres que o mal entre no teu coração, enche-o de bondade: a alma virtuosa não aceita o pecado, é como a leira bem plantada e cuidada, onde não cresce o espinhal. Nos espíritos vazios, como nas terras sem cultura, nascem os maus pensamentos como rebentam os cardos. Quiseste, só com teus braços, fazer a tarefa de seis homens, e nem a tua levaste a termo, porque, mal acabavas a carpa, logo as ervas renasciam. Chama os que despediste, dá-lhes trabalho, e não penses que eles te furtam o pão, acrescentam-no e abençoam-no. O egoísta é como o areal solitário, que, por não dar vida à planta, sofre todos os rigores do sol sem o fresco dos arroios e o gozo da mais pequenina sombra. O mundo é de todos, e só é verdadeiramente feliz quando se é bom. Chama os que partiram, recebe-os na tua casa, paga-lhes o trabalho que fizerem, e eles o renovarão o que a avareza destruiu e tornarás a ver os frutos, a ouvir os gados, e outras moedas se irão juntar às que deixei na arca!"

Felício ficou um momento amparado ao esteio, mas o silêncio não foi mais interrompido: o velho desaparecera.

O velho!... Teria sido ele, ou a própria consciência do avarento que assim se manifestara?... Mistério!...

*** 

Na manhã seguinte, começavam a cantar os passarinhos quando Felício desceu à vila para contratar lavradores.

Hoje, o sítio é o mais belo do lugar. A casa é nova e, em torno dela, outras avultam e, entre as árvores frondosas, é da manhã à tarde, um alegre cantar de lavradores.

E os milhos crescem, cresce o canavial, o pomar é todo fruto, e Felício prospera, contente, vendo à volta da sua felicidade tanta gente feliz bendizê-lo.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público.