sábado, 9 de novembro de 2024

José Feldman (Visita dos Urbanos na Zona Rural)

Era uma manhã ensolarada quando a fazenda de Seu Zé Capim se preparou para receber uma visita muito especial: um grupo de amigos da cidade, aqueles que acham que a vida no campo é feita apenas de vacas pastando e pôr do sol cinematográfico. A expectativa era alta, mas a realidade seria ainda mais divertida.

Os visitantes chegaram em uma van, todos com suas roupas de grife, óculos escuros e uma expressão que misturava curiosidade e um ar de superioridade. Assim que desembarcaram, a primeira coisa que fizeram foi puxar os celulares para registrar o momento, como se estivessem em um safári. 

"Olha, o campo!" exclamou uma delas, enquanto apontava para um touro que, sinceramente, parecia estar mais interessado em comer capim do que em ser o foco de um ensaio fotográfico.

Seu Zé Capim, com seu chapéu de palha e sorriso no rosto, fez questão de dar as boas-vindas. 

"Bem-vindos à fazenda! Aqui, a gente vive na tranquilidade." 

Mas, a tranquilidade logo se tornaria um conceito relativo.

A primeira atividade programada era a ordenha das vacas. Ao ouvir isso, os citadinos trocaram olhares de perplexidade. 

"Ordenha? Como assim? Não é só apertar um botão?" perguntou um deles, enquanto sua amiga tentava entender a diferença entre a vaca e o boi. 

"É tudo a mesma coisa, né?" 

A risada de Seu Zé foi tão alta que até as galinhas pararam de ciscar para ver o que estava acontecendo.

Com um pouco de paciência — e algumas demonstrações de como se faz — os visitantes finalmente se aproximaram das vacas. 

A cena era digna de uma comédia: um deles, armado com um balde, se aproximou da vaca com uma cautela que mais parecia estar tentando conquistar uma celebridade do que fazer uma simples ordenha. 

"E se ela correr atrás de mim?", ele sussurrou, quase em pânico. 

A vaca, claro, estava mais preocupada com o seu lanche do que com a presença de um humano nervoso.

Depois de algum tempo e muitas risadas, a primeira ordenha foi realizada. 

"Olha, saiu leite! Como se faz para embalar isso?" 

Um outro amigo, que estava mais interessado em saber como o leite virava queijo, já estava desenhando planos de um negócio de laticínios. 

"Podemos fazer um delivery de queijo artesanal na cidade! O que vocês acham?" 

A ideia de colocar queijo de fazenda em uma embalagem causou gargalhadas na turma.

A próxima parada foi na horta. 

"Como assim, você planta as coisas aqui? E o supermercado, não faz nada disso?", perguntou uma moça, enquanto segurava um tomate como se fosse um artefato raro. "E se a gente não tiver água? Como as plantas vão crescer?" 

Seu Zé, já acostumado com a curiosidade dos urbanos, respondeu: "A gente rega, minha filha! Aqui a gente não tem água da torneira, mas a gente faz acontecer!" 

A expressão dela ao ouvir "água da torneira" era como se tivesse descoberto que o mundo não é plano.

A tarde avançou com uma trilha pela mata. 

"Aqui é tudo muito verde!", exclamou um dos rapazes, enquanto outro já tentava identificar se o som que ouvira era uma onça ou apenas um sapo. 

"É só um sapo, amigo! Para de ser medroso!", gritou um dos outros, que já começava a se sentir como um verdadeiro desbravador. A verdade é que a natureza, com suas folhas e barulhos, parecia tanto um mistério quanto um parque temático para eles.

Para completar a experiência rural, Seu Zé decidiu preparar um autêntico almoço caipira. 

"Vocês vão adorar a comida da roça!", disse, enquanto começava a fritar um frango. 

A expectativa era alta, mas quando os pratos chegaram à mesa, um dos amigos olhou para a farofa e perguntou: "E isso, é o que? Um acompanhamento ou um novo tipo de arroz?" 

A confusão era tanta que a farofa quase foi confundida com um novo prato gourmet. A refeição, por sua vez, acabou se tornando um concurso de quem conseguia comer mais, sem saber o que estava colocando na boca.

Os amigos até tentaram ajudar na cozinha, mas a situação rapidamente saiu do controle. Um deles, ao tentar fazer um suco de limão, acabou espremendo mais limão na roupa do que no copo. 

“É uma nova técnica de tempero!” gritou, enquanto todos riam e o limão escorria por suas mãos.

À medida que o dia chegava ao fim, as risadas e as histórias compartilhadas se tornaram o verdadeiro espírito do encontro. O campo, com suas simplicidades e suas complexidades, havia mostrado aos visitantes que a vida rural era muito mais do que eles imaginavam. As dificuldades do dia a dia, as alegrias simples e as risadas ao redor da mesa criaram uma conexão que superou qualquer preconceito que eles pudessem ter.

No final do dia, enquanto se preparavam para voltar à cidade, um dos amigos olhou para Seu Zé e disse: "Sabe, acho que vou começar a plantar um pé de alface na varanda." 

E Seu Zé, com um sorriso cúmplice, apenas respondeu: "É um bom começo! Mas não esquece de regar, tá?"

E assim, a visita dos urbanos à fazenda se tornou uma lembrança hilária e inesquecível, um lembrete de que, às vezes, é preciso sair da zona de conforto para descobrir que a vida, com suas simplicidades e desafios, é muito mais divertida do que parece — mesmo que isso signifique lidar com vacas e farofas!

Fontes: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 64: Sombra e Luz

 

Flávio de Azevedo Levy (Faz de conto)

A aurora veio lentamente da escuridão, a luminosidade inicialmente rasa ia mostrando aos poucos a sua presença, acentuando-se na cadência do prenúncio da manhã. Uma ave sonora interpretava satisfeita um canto pelo introdutório deste espetáculo. Pássaros rasgavam o céu em formação de flecha e os vagalumes saíam de cena, como também a noitada fria. A temperatura ia aumentando, enquanto as rãs quedavam. Os caramujos teimavam em continuar a reproduzir o som dos mares e as gotas de orvalho passaram a fornecer, em tempo real, a transmissão da alvorada nas folhagens das plantas. O lusco-fusco perdeu seu equilíbrio quando 
a tocha vermelha apontou ao leste, despindo o primeiro clarão. Os contornos das formas superiores pareceram adquirir vida própria, e quanto mais a bola de fogo subia, iam descendo as bênçãos de mais um dia glorioso nesta parte privilegiada do planeta. A noite, como soprada, seguiu apagando as últimas imagens de um dia em paragens mais distantes, deixando descortinado este imenso palco onde o astro-rei todos os dia nos fornece um espetáculo único.

– Ainda não está bom - disse-me o professor Vinícius, devolvendo o texto que havia lhe entregado - parece que você exagera em tudo o que escreve! Tente ser mais realista. E claro que o leitor precisa sonhar, mas aquele que escreve não pode perder o senso e os parâmetros. Por favor - continuou ele - não quero desestimulá-lo de ser um escritor, mas seria bom se você simplesmente pudesse relatar algo que realmente possa estar acontecendo. Você já viu uma luminosidade rasa? Uma ave interpretar satisfeita um canto por algum introdutório? Vagalumes deixando um palco? Caramujos teimarem e, o mais absurdo, o orvalho transmitir em tempo real alguma coisa? Transmitir? Por favor, concentre-se melhor no texto. Pássaros rasgando o céu, em formação de flecha ainda vá lá, faz algum sentido...

Enquanto ele falava, um maravilhoso crepúsculo acontecia nas suas costas emoldurado pelo janelão da sala. O mar recebia o Sol como um anfitrião, oferecendo um caldo saboroso de luzes em águas salinas. O convidado, feliz, mergulhava radiante numa efervescente sopa marinha, enquanto a claridade diminuía, um grande prato branco vinha a seguir trazendo as primeiras estrelas da noite...
= = = = = =  = 
O autor é de Campinas/SP

(Este conto obteve a menção honrosa no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)

Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
Imagem = criação por JFeldman com Microsoft Bing

Vereda da Poesia = 152 =


Trova de
PEDRO GRILO NETO
Natal/RN

A nostalgia me alcança
quando, branda, a tarde cai,
cravando-me a aguda lança
da saudade do meu pai.
= = = = = =

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Sempre igual

Num ato de pura loucura 
busquei teu rosto...
e para meu desgosto
no lugar dele
me deparei com a tua ausência 
toda ela grudada em mim...
= = = = = = 

Trova de
JOÃO COSTA
Saquarema/RJ

É nobre o gesto de quem
o sofrimento ameniza,
partilhando o que mal tem
com alguém que mais precisa.
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

...E a vida continua

Aos poucos meus amigos vão embora...
Saudade hospitaleira abre janelas
e os ares das paisagens amarelas
aumentam o vazio que devora.

As mãos saudosas ficam sem aquelas
que tanto me afagaram mundo afora
nas horas tristes bem fora de hora
e nos momentos das tertúlias belas.

E assim eu sinto que também vou indo
na esteira da fatal apoteose.
Sublime é caminhar sempre sorrindo

sabendo que ao beber da mesma dose
os planos das paisagens verdejantes
ressurgirão sorrindo como antes
= = = = = = 

Trova Premiada de
MERCEDES LISBÔA SUTILO
Santos/SP

Finquei firme, os pés no chão:
- Esta é a minha terra nova!
E a rosa do coração 
se abriu em forma de trova!
= = = = = = 

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O Coração

O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro — voa em mais virentes balsas,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —
= = = = = = 

Trova Popular

Se mil corações tivesse
com eles eu te amaria;
mil vidas que Deus me desse
em ti as empregaria.
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Tuas marcas

Nas lágrimas que verto inconsolado
Repousam minha dor, meu sofrimento.
No sal dessa torrente há desalento:
Escombros do meu sonho estilhaçado.

Aflitas, vozes d'alma, em seu lamento
Num canto lacrimoso, emocionado,
Do adeus farto em pungência têm lembrado
Registro lancinante... Ah, que tormento!

Conserva o coração saudade imensa,
Não vejo essa paixão esmaecida,
Em mim é natural tua presença,

Embora com loucura parecida
Vivaz, noto luzir sem par querença,
Marcaste a ferro e fogo minha vida.
= = = = = = 

Trova de
NEI GARCEZ
Curitiba/PR

Todo dia é da Criança 
e também do Professor: 
um aprende com confiança 
e outro ensina com amor.
= = = = = = 

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Curupira

Pequeno guardião, de cabelos a arder,
Curupira, a lenda das matas a zelar,
com pés ao contrário, faz o mundo tremer,
todo que se atreve a seu reino invadir.

Por entre as árvores, seu rugido ecoa,
desbravador feroz, com astúcia a guiar,
protege a floresta, a fauna e a lagoa,
e ao homem ganancioso, ensina a respeitar.

Mas não te enganes, ele é brincalhão,
faz do viajante um alvo de ilusão,
e em cada caminho, um truque a espreitar.

se o fogo da floresta queres apagar,
cuidado, amigo, o Curupira está à mão,
no riso do vento, a natureza a amar.
= = = = = = 

Trova de
ANA MARIA GUERRIZE GOUVEIA
Santos/SP

Desperta-me a Paz de um grito: 
quando os sonhos são diversos... 
rebuscando no infinito, 
o amor com Chuva de Versos!!!
(dedicado ao Almanaque Chuva de Versos, de josé Feldman)
= = = = = = 

Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

O meu diário

Peguei no meu diário envelhecido,
um velho confidente meu amigo!
Que eu fiz das suas folhas meu abrigo…
Meu fiel conselheiro enternecido!

No diário se encontra redigido:
O meu sentir. A dor que não mitigo,
que vive aboletada e não consigo,
retirar do meu peito tão sofrido!

Suas capas afago com amor!
Elimino alguns fungos de bolor,
que o tempo e a idade provocaram!

Há manchas; caracteres indefinidos!
São sinais indeléveis produzidos,
p’las lágrimas, que os olhos derramaram!
= = = = = = 

Trova de
NEOLY VARGAS
Sapucaia do Sul/RS

Nos carnavais do passado,
dos arlequins, dos palhaços,
fui pierrô apaixonado,
que terminava em teus braços.
= = = = = = 

Soneto de 
GUILHERME DE ALMEIDA 
Campinas/SP, 1890-1969, São Paulo/SP+

Tristeza

Tristes versos que a pena entristecida
Foi, por o gosto de penar, traçando,
Sem saber que me estava retalhando,
A alma, o peito, a razão, o sonho, a vida:

Em quais terras da terra será lida
A confidência que ides confiando?
E, bem mais e melhor que lida, quando,
Em qual tempo dos tempos, entendida?

Às terras, e ainda aos tempos mais diversos,
Ide, sem pressa aqui, ali sem pausa,
Pois só por o partir foi que partistes.

Qual glória hei de esperar, meus tristes versos,
Se já vos falta aquela vossa causa
De serdes versos e de serdes tristes?
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Tu foste nuvem dourada,
mas o sol te dissipou.
Como guardavas minh'alma,
contigo se desmanchou.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Miragem

Relances do tempo
traduzem em ecos
sua suave história,

apenas resquícios de uma trajetória. 
A memória não distingue momentos
futuros, talvez breve lacuna aleatória.
Um oásis reflete diversas passagens, 
estremeço em cena, intuo dedicatória. 
= = = = = = 

Trova de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Pequenino grão latente,
que brota e aos poucos se expande,
criança é humana semente,
na conquista de ser grande.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Marcas do amor

Se alguém pensa que amar não faz sofrer,
está redondamente equivocado...
É que o amor, grande fonte de prazer,
tem um lado que impõe fardo pesado!

Assim, meu bem-querer, tu podes crer
que, se eu sofrer, estou bem preparado...
Jamais me insurgirei por padecer,
contanto que não saias do meu lado!

Viver contigo é o que eu sonhei um dia
e a tua ausência eu não suportaria,
pois ninguém mais preenche o meu desejo!

Entre afagos, que conta um arranhão?
Vamos chegar às marcas que eu almejo:
juntar amor-paixão e amor-perdão!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ave-Maria, uma prece 
tão gostosa de rezar, 
que às vezes mais me parece 
cantiguinha de ninar! 
= = = = = = 

Poema de
MARCOS ASSUMPÇÃO
(Marcos André Caridade de Assumpção)
Niterói/RJ

Casa Vazia

Falar de amor não é mistério
Nem tão difícil de explicar
A gente nunca faz por mal

Meu coração praia deserta
Morre de medo do inverno
E da solidão que me devora

Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde

Pensar que o amor é sempre eterno
Que é impossível ele se acabar,
Você bem que podia tentar, mas não, não, não.....

Então quero falar por um momento 
(só por um momento)
Da tua ausência no meu corpo
E dessa lágrima no meu rosto

Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde

o fogo arde sob o nosso chão
nada é tão fácil assim
eu ando sozinho, no olho do furacão
você nem lembra mais de mim

Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
= = = = = = 

Poetrix de
ANTHERO MONTEIRO
São Paio de Oleiros, Santa Maria da Feira/Portugal

Morte 

uma cadeira vazia na alameda
sentada numa tarde de outono
a olhar o meu ponto de fuga 
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Saudade

...e mesmo sem te ver quero-te tanto
que sinto-te em mim, e tua voz no pranto
que escapa-me em torrentes de tristeza.
Antes que dúvida, és minha certeza...

Quero-te na amenidade do poente,
No sol do fim de tarde, reluzente,
Quando nasces em mim, como uma flor.
...e mesmo sem te ver, és meu amor...

Quero-te tanto, que em minh’alma trago
O gosto do vinho em que me embriago
Nesses lábios sedentos que ofereces.

Algum anjo há de ouvir as minhas preces,
E há de entender a solidão que canto
Por não te ver e por amar-te tanto…
= = = = = = 

Trova de
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR

À velha, o doutor confessa:
- Um susto ser-lhe-á fatal!
E o genro mais que depressa,
põe fantasmas... no quintal !
= = = = = = 

Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Monólogo

Para onde vão minhas palavras,
se já não me escutas?
Para onde iriam, quando me escutavas?
E quando me escutaste? - Nunca.

Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.

De um lado das águas, de um lado da morte,
tua sede brilhou nas águas escuras.
E hoje, que barca te socorre?
Que deus te abraça? Com que deus lutas?

Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,
com as minhas perguntas.
Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Se tu buscas na partida
além do horizonte, a paz,
não fujas da própria vida,
que a vida sabe o que faz!
= = = = = = 

Hino de 
São Jerônimo da Serra/PR

Foi a fibra do valente pioneiro
Desbravando o sertão do Jatai
Que fez nascer neste solo alvissareiro
Junto às margens do rio Tibagi.

Tão formosa e fagueira cidade
Para orgulho de imparra gentil
Berço augusto de prosperidade
Que ornamenta o querido Brasil.

És a joia mais linda que há
neste recanto feliz do Paraná
São Jerônimo da Serra, meu torrão
viverás para sempre em meu coração.

Rio Tigre de alvura singular
Serra da Esperança, a mais linda que há
São tesouros a ornamentar 
as riquezas que temos aqui.

São Jerônimo, adorado padroeiro
Abençoa com seu manto esta terra
Protegendo este povo hospitaleiro
Que impulsiona São Jerônimo da Serra.

Isto será passageiro
E verás, quando passar
que em lindo sol
Pioneiro em teu céu há de brilhar.

Por que em tua juventude
Em tuas sábias crenças
reside a maior virtude
Depósito de esperança.

São Jerônimo da Serra,
Simples e muito mais
Eu pisei em tua terra,
Não te esquecerei jamais.
= = = = = = 

Trova de
ADELINO MOREIRA MARQUES
São Paulo/SP

Do livro da minha vida
arranquei, com mão irada,
tua página, fingida...
...e a guardo toda amassada!
= = = = = = 

Soneto de 
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

São Francisco e o Rouxinol

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas São Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Nesta espera em que me farto
só dispenso a nostalgia,
é quando a porta do quarto
tua chegada anuncia!
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
FOI ASSIM 
(samba-canção, 1963) 

Foi assim,   
eu tinha alguém que comigo morava 
Mas tinha um defeito que brigava  
Embora com razão,
ou sem razão 
Encontrei um dia uma pessoa diferente 
Que me tratava carinhosamente  
Dizendo resolver minha questão 

Mas não foi assim,  
Troquei essa pessoa que eu morava 
Por essa criatura que eu julgava 
Pudesse compreender todo meu eu 
Mas no fim fiquei na mesma coisa em que estava 
Porque a criatura que eu sonhava  
Não fez aquilo que me prometeu 
Não sei se é meu destino, não sei se meu azar 
Mas tenho que viver brigando 

Todos no mundo encontram seu par 
Porque só eu vivo trocando  
Se deixo alguém por falta e carinho 
Por brigas e outras coisas mais 
Quem aparece no meu caminho 
tem os defeitos iguais
= = = = = = = = = = = = = 

José Feldman (O brilho dos antigos Carnavais [ou a falta dele])

Ah, o Carnaval! Essa época mágica do ano em que, por alguns dias, as regras sociais parecem ser colocadas de lado, e a fantasia toma conta das ruas. Mas, se você der um passo atrás e olhar para os carnavais dos tempos antigos, vai perceber que o clima era bem diferente do que encontramos nas festas modernas. 

Vamos fazer uma viagem no tempo, entre confetes, serpentinas para entender o que aconteceu com essa celebração tão rica.

Imagine-se no século XVIII, em uma pequena cidade do Brasil colonial. O Carnaval era uma explosão de cores e sons, com a população se reunindo para celebrar antes do jejum da Quaresma. As pessoas se fantasiavam, mas não era apenas para esconder a identidade; era uma oportunidade de quebrar as barreiras sociais. O rico se misturava ao pobre, o senhor ao escravo, todos dançando em harmonia enquanto o som dos tambores ecoava pelas ruas.

Era uma época em que a folia tinha um significado profundo. O Carnaval era quase uma válvula de escape, um momento em que as tensões sociais eram temporariamente dissolvidas. As pessoas podiam rir de seus problemas, zombar das autoridades e se sentir livres, mesmo que por um breve instante. Os pierrôs e as colombinas, representações de amor e desamor, dançavam sob os olhares divertidos da multidão, enquanto as máscaras escondiam não apenas rostos, mas também as frustrações do cotidiano.

Por outro lado, se você olhar para os carnavais contemporâneos, vai notar que, embora a festa ainda tenha seu brilho, algo parece um pouco… diferente. Hoje, o que vemos são escolas de samba competindo por prêmios, trios elétricos arrastando multidões e fantasias que custam mais do que meu salário mensal. E o que aconteceu com aquele espírito de união e liberdade? Ah, esse parece ter sido deixado em casa, ao lado da fantasia que nunca foi usada.

Nos tempos antigos, as pessoas se reuniam em praças para dançar, cantar e celebrar a vida. Não havia uma marca patrocinando cada bloco, nem uma equipe de marketing planejando como fazer o evento “viralizar” nas redes sociais. O que havia era uma alegria genuína, uma sensação de comunidade que fazia cada um se sentir parte de algo maior. As pessoas não precisavam de um "influencer" para lhes dizer como se divertir; elas já sabiam.

E não vamos esquecer do humor! Os antigos carnavalescos eram mestres na arte de fazer rir. As sátiras e as brincadeiras eram uma forma de crítica social, uma maneira de expor as hipocrisias da sociedade. Hoje, corremos o risco de levar tudo muito a sério. Se alguém decide se fantasiar de abacaxi, pode ser que acabe em uma discussão acalorada sobre apropriação cultural! Cadê o tempo em que a única preocupação era se o confete estava colado na fantasia ou se a serpentina ia acabar antes do final da festa?

Ah, e as músicas! As marchinhas de antigamente, com suas letras engraçadas e críticas sociais sutis, faziam todo mundo cantar junto. Hoje, você ouve uma batida eletrônica que não dá tempo nem de entender a letra. E, se você perguntar sobre o significado da música, a resposta provavelmente será: “É o ritmo, meu amigo! O importante é dançar!” Certamente, dançar é importante, mas um pouco de letra inteligente não faria mal a ninguém.

Além disso, o Carnaval antigo possuía uma capacidade única de refletir e criticar a sociedade. As pessoas se vestiam de figuras caricatas, fazendo sátiras de políticos e celebridades, enquanto hoje, muitos preferem se fantasiar de personagens de filmes ou séries da moda. O riso como forma de protesto foi substituído por um “like” nas redes sociais, onde a crítica é feita em 280 caracteres e a reflexão, muitas vezes, fica pelo caminho.

Por fim, é essencial reconhecer que, apesar das mudanças, o Carnaval ainda tem seu valor. A festa moderna continua a reunir pessoas, a promover a cultura e a celebrar a diversidade. No entanto, talvez seja hora de resgatar um pouco daquela essência dos antigos carnavais. Que tal trazer de volta o humor, a crítica e a verdadeira união?

Quem sabe, um dia, as pessoas voltem a se misturar nas ruas, não apenas para dançar, mas para se divertir, rir e refletir sobre a vida. Afinal, no fundo, o que importa é a alegria genuína, a conexão com o próximo e, é claro, a liberdade de ser quem você realmente é — mesmo que isso signifique se vestir de abacaxi. 

Que venha o Carnaval!

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem = criação por JFeldman com Microsoft Bimg

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 30

 

Anderson Almeida Nogueira (Vazio)

Uma dor angustiante
 sufoca seu peito. Há tempos está assim, mas agora chegou ao limite. Grita internamente. Seu urro é silencioso para os que com ela convivem, mas seus tímpanos parecem arrebentar com os ecos de seus lamentos agudos. Não suporta mais, é chegada a hora de acabar de vez com tudo. há um vazio em sua alma...

Não dormiu naquela noite. Insone, planejou cada passo. Por vezes desistiu, por outras teve certeza. Coragem, covardia, sensatez, insanidade, tudo misturado na noite fria do inverno na metrópole indiferente aos que vivem ali. Amanhece, é chegada a hora...

Atravessa as ruas, os quarteirões, as calçadas a pé, em ritmo cada vez mais acelerado. Não pode vacilar, se for devagar dá tempo de pensar, dá espaço à dúvida que não quer ter mais. Há um vazio em seu coração...

Entra no prédio alto de 30 andares, adentra o elevador lotado de pessoas que se distribuirão pelos corredores empilhados entre o térreo e a cobertura. 

Tem pressa, a cada nova parada de andar em andar se agita. Suor frio nas mãos, as batidas de seu coração parecem nos ouvidos, na garganta. 15o. andar, 18o., 21o., 25o., 28o. andar. Não aguenta, desce ali mesmo e sai em disparada escadas acima, quer chegar logo ao seu destino. Há um vazio em seu olhar..

Chega, enfim, ao seu destino. A corrida intensa é, por uma fração de segundos, um pouco contida. Mas logo retorna com a velocidade que os pulmões ofegantes lhe permitem. Corre em direção ao horizonte que vê ali do alto, separados apenas pelo muro baixo. O dia começa a amanhecer. Corre na direção da alvorada.

Salta por cima do muro. Há um vazio em seu entorno...

Na fração de 5 segundos entre o salto e a escuridão fatal, observa pelas janelas o cotidiano das pessoas c:onversando, rindo, gesticulando. O moço do café, o executivo engravatado, a mulher elegante, os casais apaixonados, as crianças brincando, tudo parece tão normal na vida das outras pessoas. 

Por que não foi assim comigo, pergunta-se? Por que não consegui ser feliz assim? 

O longo trajeto chega ao fim. Por um instante, pareceu tão longo, mas chegou tão rápido. Escuridão! Não há mais vida ali. Só resta um corpo vazio...

(Este conto obteve o 4. lugar no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)

Fonte: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.