terça-feira, 1 de novembro de 2011

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte IX


MANHÃ

Alta alvorada. -- Os últimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeão do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

RIR!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria...
Rir! Mas não rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.

Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste...
Pois que o difícil do rir bem consiste
Só em saber como Henri Heine rir!...

IDEAL COMUM

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recônditos, vivazes.

Lembras lírios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olímpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

ASPIRAÇÃO

Quisera ser a serpe astuciosa
Que te dá medo e faz-te pesadelos
Para esconder-me, ó flor luxuriosa,
Na floresta ideal dos teus cabelos.

Quisera ser a serpe venenosa
Para enroscar-me em múltiplos novelos,
Para saltar-te aos seios cor-de-rosa.
E bajulá-los e depois mordê-los.

Talvez que o sangue impuro e rutilante
Do teu divino corpo de bacante,
Sangue febril como um licor do Reno

Completamente se purificasse
Pois que um veneno orgânico e vorace
Para ser morto é bom outro veneno.

SENSIBILIDADE

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos países de Núbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos...

GLÓRIAS ANTIGAS

Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.

Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os músculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.

Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
Ruídos de alegria estranha e louca.

Chegam por fim, à pátria vitoriosa...
E então, da ardente glória belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!

PÁSSARO MARINHO

Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!

A FREIRA MORTA
(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso -- a gente
Desce com as impressões das cinzas frias...

Pelas negras abóbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro após se estende...
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados...

Como que vem do túmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

CLARO E ESCURO

Dentro -- os cristais dos tempos fulgurantes,
Músicas, pompas, fartos esplendores,
Luzes, radiando em prismas multicores,
Jarras formosas, lustres coruscantes,

Púrpuras ricas, galas flamejantes,
Cintilações e cânticos e flores;
Promiscuamente férvidos odores,
Mórbidos, quentes, finos, penetrantes.

Por entre o incenso, em límpida cascata,
Dos siderais turíbulos de prata,
Das sedas raras das mulheres nobres;

Clara explosão fantástica de aurora,
Deslumbramentos, nos altares! -- Fora,
Uma falange intérmina de pobres.

MAGNÓLIA DOS TRÓPICOS

A Araújo Figueredo

Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ó magnólia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenúfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.

O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.

Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;

Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.

HÓSTIAS

A Emílio de Menezes

Nos arminhos das nuvens do infinito
Vamos noivar por entre os esplendores,
Como aves soltas em vergéis de flores,
Ou penitentes de um estranho rito.

Que seja nosso amor -- sidério mito! --
O límpido turíbulo das dores,
Derramando o incenso dos amores
Por sobre o humano coração aflito.

Como num templo, numa clara igreja,
Que o sonho nupcial gozado seja,
Que eu durma e sonhe nos teus níveos flancos.

Contigo aos astros fúlgidos alado,
Que sejam hóstias para o meu noivado
As flores virgens dos teus seios brancos!

BOCA IMORTAL

Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.

Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixão que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.

Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, é tão profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raízes;

Rigolboche do tom, ó flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!

PSICOLOGIA HUMANA

A Santos Lostada

Por trás de uns vidros d’óculos opacos
Muita vez um leão e um tigre rugem,
E como um surdo temporal estrugem
Os ódios dos covardes e dos fracos.

Partir pudesses, ó poeta, em cacos,
Vidros que ocultam almas de ferrugem,
Que espumam de ira, tenebrosas mugem,
Mugem como de dentro de uns buracos.

Que essas sombrias, dúbias almas foscas
Que parecem, no entanto, como moscas,
Inofensivas, babam como as lesmas.

Mas tu, em vão, tais vidros partirias,
Pois que no mundo, eternamente, as frias
Almas humanas serão sempre as mesmas!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

57a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 02 de outubro, quarta-feira)


Mostra do Projeto Pinóquio, de Carazinho
02/11/2011 - 09:00

A Arte Levada a Sério
02/11/2011 - 09:00

Maratona de Contação de Histórias
Contação de Histórias com a Equipe do QG
02/11/2011 - 10:30

João e Maria, dos Irmãos Grimm
6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
02/11/2011 - 14:00

Oficina: Vestígios
Teatro infantil: Agualina, uma aventura fora da água, com Adrian Stein
02/11/2011 - 14:00

Tenda.doc: Propriedades de uma Poltrona e Céu, inferno e outras partes do corpo
02/11/2011 - 14:30
Curtas de animação produzidos pela Osso filmes com direção de Rodrigo John. Sessão comentada com o diretor

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - A palavra na tela
02/11/2011 - 15:00
Uma viagem pelas relações entre as duas linguagens da arte: o cinema e a literatura

Enamorados - como Papai e mamãe se apaixonaram
02/11/2011 - 15:00

Teatro Infantil
Hunsrik - Uma língua viva
02/11/2011 - 15:30
Debate sobre a língua germânica falada no sul do Brasil, trazendo manifestações culturais da escrita e ortografia

Teatro de Bonecos com a Trupi di Trapu
02/11/2011 - 15:30
A vassoura atrás da porta//Lua das fadas
02/11/2011 - 15:30

Amor, Ódio e Loucura
02/11/2011 - 15:30

Letra, música & poesia: a arte da criação
02/11/2011 - 16:00
Humberto Gessinger resgata momentos especiais da sua intimidade desde menino e conta novas velhas histórias dos Engenheiros do Hawaii, nunca antes publicadas

6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
02/11/2011 - 16:00
Senta a bunda e desenha dois anos seguidos uma única história e depois começa outra e não chora, quadrinista chorão!!!

Roteiros clássicos de cinema
02/11/2011 - 16:00

Leitura de "Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor"
Romeu e Julieta da Terra dos Gnomos
02/11/2011 - 16:00

Cinderela da Terra dos Gnomos
02/11/2011 - 16:00

A Bela Adormecida da Terra dos Gnomos
02/11/2011 - 16:00

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - A palavra e as artes plásticas
02/11/2011 - 16:30
O antigo diálogo entre a literatura e as artes plásticas possibilita a revisitação de horizontes sempre novos

Psicanálise e cinema: o divã e a tela
02/11/2011 - 17:00
As relações entre o cinema e a psicanálise

6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
02/11/2011 - 17:00

Cinema Falado
Deu Rato na Biblioteca
02/11/2011 - 17:00

Teatro Infantil
Caio Fernando Abreu e o cinema
02/11/2011 - 17:30
Caio F. e o cinema: da influência dos filmes na obra do escritor às adaptações para as telas

Quando a música entra em cena
02/11/2011 - 17:30

Receitas Espirituais - Mistérios e Revelações
02/11/2011 - 17:30

Agenda Gramatical 2012 - A Nova Ortografia - Bolso
02/11/2011 - 17:30

Agenda Gramatical 2012 - A Nova Ortografia - Mesa
02/11/2011 - 17:30

Boa Escola para todos
02/11/2011 - 17:30

Piiplixe Kexichte - Histórias Bíblicas
02/11/2011 - 17:30

6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
02/11/2011 - 18:00
HQ, Cinema e educação

Da tela do cinema para a página do livro
02/11/2011 - 18:00
Making of da produção "24 letras por segundo" - 17 escritores interpretam seus cineastas favoritos. Com Antônio Xerxenesky, Bruno Mattos, Diego Grando, Juarez Guedes Cruz

Mitologia Grega
02/11/2011 - 18:30
Qual a importância da mitologia grega no pensamento ocidental?

Planejamento Estratégico Pessoal com o uso do Balanced Scorecard
02/11/2011 - 18:30

Cinema: O Divã e a Tela
02/11/2011 - 18:30

A primavera do dragão
02/11/2011 - 19:00

A infância, a juventude e o início da carreira de Glauber Rocha
Tempo de espera
02/11/2011 - 19:00

Padre Fábio de Melo conversa com os leitores sobre a dinâmica das esperas e a construção do humano
6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
02/11/2011 - 19:00
bate-papo sobre adaptação para HQ do livro A Cachoeira de Paulo Alfonso

Cine Santander Cultural
02/11/2011 - 19:00

Sessão Comentada
Desconstituição da coisa julgada
02/11/2011 - 19:30

Da Concentração à Prevenção. Reflexões sobre a legitimidade da estratégia de segurança nacional norte-americana do Pós-Guerra Fria
02/11/2011 - 19:30

Caio Fernando de Abreu e o cinema: o eterno inquilino da sala escura
02/11/2011 - 19:30

Cordão da Saideira: Trilhas de filmes
02/11/2011 - 20:00
A história da música no cinema

24 Letras por segundo
02/11/2011 - 20:00

Filosofando com os super-heróis
02/11/2011 - 20:00

Mundo Mendelévio e o planeta Telúria
02/11/2011 - 20:00

Sete histórias de Pescaria de Seu Vivinho
02/11/2011 - 20:00

Histórias tão pequenas de nós dois
02/11/2011 - 20:00

Primavera do Dragão
02/11/2011 - 20:30

Mitologia Grega - histórias terríveis
02/11/2011 - 20:30

O Tempo de Esperas
02/11/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 39)

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Carlos Drummond de Andrade)


Nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade em 31.10.1902
- In Memoriam –

Carlos Drummond de Andrade e a ´´pedra do caminho´´…
por isso compreendi que tudo dá poesia,
quando se tem amor, quando se tem carinho,
e as ideias triviais surjam da fantasia…

Porém, ´´e agora José´´, seguindo sozinho
no escuro, amedrontado e sem a luz do dia,
procurando encontrar um mero cantinho
para viver feliz e ´´não veio a utopia´´…

Eu também encontrei muitas pedras na estrada
e me achei qual José, caminhando no escuro,
mas não tinha ninguém, pois a mulher amada

não havia surgido em minha triste vida…
No entanto, acreditei nos sonhos do futuro
e nos versos que fiz buscava uma saída…

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Carlos Drummond de Andrade (O Poeta Singrando Horizontes)


A CÂMARA VIAJANTE

Que pode a câmara fotográfica?
Não pode nada.
Conta só o que viu.
Não pode mudar o que viu.
Não tem responsabilidade no que viu.
A câmara, entretanto,
Ajuda a ver e rever, a multi-ver
O real nu, cru, triste, sujo.
Desvenda, espalha, universaliza.
A imagem que ela captou e distribui.
Obriga a sentir,
A, driticamente, julgar,
A querer bem ou a protestar,
A desejar mudança.
A câmara hoje passeia contigo pela Mata Atlântica.
No que resta - ainda esplendor - da mata Atlântica
Apesar do declínio histórico, do massacre
De formas latejantes de viço e beleza.
Mostra o que ficou e amanhã - quem sabe? acabará
Na infinita desolação da terra assassinada.
E pergunta: "Podemos deixar
Que uma faixa imensa do Brasil se esterilize,
Vire deserto, ossuário, tumba da natureza?"
Este livro-câmara é anseio de salvar
O que ainda pode ser salvo,
O que precisa ser salvo
Sem esperar pelo ano 2 mil.

SESTA
A Martins de Almeida

A família mineira
está quentando sol
sentada no chão
calada e feliz.
O filho mais moço
olha para o céu,
para o sol não,
para o cacho de bananas.
Corta ele, pai.
O pai corta o cacho
e distribui pra todos.
A família mineira
está comendo banana.
A filha mais velha
coça uma pereba
bem acima do joelho.
A saia não esconde
a coxa morena
sólida construída.
mas ninguém repara.

Os olhos se perdem
na linha ondulada
do horizonte próximo
(a cerca da horta).
A família mineira
olha para dentro.
O filho mais velho
canta uma cantiga
nem triste nem alegre,
uma cantiga apenas
mole que adormece.
Só um mosquito rápido
mostra inquietação.
O filho mais moço
ergue o braço rude
enxota o importuno.
A família mineira
está dormindo ao sol.

REJEIÇÃO

Não sei o que tem meu primo
que não me olha de frente.
Se passo por sua porta,
é como se não me visse:
parece que está na Espanha
e eu, velhamente, em Minas.
Até me virando a cara,
a cara é de zombaria.
Se ele pensa que é mais forte
e que pode me bater,
diga logo, vamos ver
o que a tapa se resolve.
A gente briga no beco,
longe dos pais e dos tios,
mas briga de decidir
essa implicância calada.
Qual dos dois, mais importante:
o ramo dele, o meu ramo?
O pai mais rico, quem tem?
Qual o mais inteligente,
eu ou ele, lá na escola?
Namorada mais jeitosa,
é a minha ou é a dele?
Tudo isso liquidaremos
a pescoção, calçapé,
um dia desses, na certa.
Sem motivo, sem aviso,
meu primo declara guerra,
essa guerrinha escondida,
de mim, mais ninguém, sabida.
Pode pois uma família
ser assim tão complicada
que nós dois nos detestamos
por sermos do mesmo sangue?
Nossas paredes internas
são forradas de aversão?
Será que o que eu penso dele
ele é que pensa de mim
e me olha atravessado
porque vê na minha cara
o vinco de zombaria
e um sentimento de força,
vontade de bater nele?
Meu Deus, serei o meu primo,
e a mesma coisa sentimos
como se a sentisse o outro?

A EXCITANTE FILA DO FEIJÃO

Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.

Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.

Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.

Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.

Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.

Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.

O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.

Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.

Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.

A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.
Assim não falta nunca feijão-preto

(embora falte sempre nas panelas).
Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?

Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.

Suspense à la Hitchcock ante as cerradas
portas de bronze, guardas do escondido
papilionáceo grão que ambicionas.

É a grande aventura oferecida
ao morno cotidiano em que vegetas.
Instante de vibrar, curtir a vida

na dimensão dramática da luta
por um ideal pedestre mas autêntico:
Feijão! Feijão, ao menos um tiquinho!

Caldinho de feijão para as crianças...
Feijoada, essa não: é sonho puro,
mas um feijão modesto e camarada

que lembre os tempos tão desmoronados
em que ele florescia atrás da casa
sem o olho normativo da Cobal.

Se nada conseguires... tudo bem.
Esperar é que vale - o povo sabe
enquanto leva as suas bordoadas.

Larga, poeta, o verso comedido,
a paz do teu jardim vocabular,
e vai sofrer na fila do feijão.

A ILUSÃO DO MIGRANTE

Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.
Os morros, empalidecidos
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.
Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta

ACORDAR, VIVER

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

IMORTALIDADE

Morre-se de mil motivos
e sem motivo se morre
de saudade,
morreu o poeta
sem morrer à eternidade
ele que fez de uma pedra
louvor para sua cidade
gauche, grande destro
sem querer celebridade
pelos mil que era
num só se fez único
ficando no seu primeiro
carácter de bom mineiro
jamais morrerá
e sempre será.

Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião: 23 livros de poesia. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2009.

Júlia Lopes de Almeida (Flores)


Escrevo estas linhas pensando em minhas filhas. Elas me compreenderão quando forem mulheres e plantarem rosas para dar mel às abelhas e perfume a sua casa.

Em maio de 1901 resolvi organizar para setembro desse mesmo ano uma exposição de flores no Rio de Janeiro, a primeira que se faria nesta cidade. Se faltava originalidade à lembrança, visto que exposições de flores fazem-se todos os anos em terras civilizadas, sobrava-lhe o interesse; a curiosidade amiga que sempre tive pelas flores e o desejo de as ver muito amadas na minha terra. Referir-me a essa exposição é para mim um sacrifício; mas não quero omitir tal capítulo neste livro de mulheres, presidido pelo olhar das minhas filhinhas, a quem pretendo insinuar o amor das plantas, como um dos mais suaves e melhores da vida.

Dizem que as palavras voam e que as obras ficam; mas há obras que o vento leva e que só na palavra fugitiva deixam a sua lembrança... Não falarei da exposição malograda, por ela nem por mim, mas pelos seus intuitos, que eram múltiplos e que continuo a achar excelentes. O que foi acabou. Deite-se-lhe em cima a terra do esquecimento; agora o que ela seria poderá ainda ser, e é nessa hipótese que tem cabimento esta insistência. O que eu esperava dessa exposição era isto só:

Que fosse o início de outras mais belas, que iriam aperfeiçoando as espécies estimadas dos nossos jardins e descobrindo os tesouros dos nossos campos e das nossas florestas. Quantas flores vicejam por esses sertões, dignas de figurarem nos salões mais exigentes! Eu mesma, que nada posso, guiada por uma rápida visão da meninice, não mandara vir do interior de S. Paulo uma flor que, se tivesse a desgraça de pensar, não imaginaria nunca ver o seu nome em um catálogo? Com o prestígio da exposição, quantas pessoas trariam a concurso lindas flores ignoradas, e ignoradas porque são brasileiras?

Não sou dos que pensam que não devemos aceitar nem pedir árvores estrangeiras, desde que temos flores e árvores com tamanha abundância em nosso país.

As coisas boas e belas nunca são de mais, e há ainda a acrescentar a essas duas qualidades a utilidade especial de cada planta.

Todavia, devemos indagar bem do que temos em casa, antes de pedir o que só julgamos haver na alheia.

Uma das principais preocupações da exposição seriam as orquídeas, de tão melindroso cultivo e demorada floração. O catálogo mencionaria com o maior cuidado todas as variedades apresentadas no certame, raras ou não. Ah, no artigo das orquídeas havia parágrafos que valiam capítulos pelas suas intenções.

Imagine que se aventava a idéia de fundarmos no Rio um pavilhão para exposições permanentes, em que a orquídea seria protegida e defendida como um tesouro.

Faz rir a idéia, não é verdade? Nesse pavilhão, organizado por competentes, todas as orquídeas vindas dos Estados próximos, para exportação, seriam sujeitas a um exame para o competente passaporte... Esta prática, que a maioria parecerá absurda, seria considerada naturalíssima, se o respeito pelas orquídeas, que são as jóias das nossas florestas, já tivesse sido implantado no povo. Há orquídeas e parasitas que tendem a desaparecer, pela devastação arrebatadora com que naturais inconscientes e estrangeiros especuladores as arrancam das árvores para as meterem nos caixotes em que as mandam para os portos europeus. Pode dizer-se que e nas estufas da Inglaterra, da França, da Holanda e da Alemanha e até da República Argentina, que se vêem as mais belas flores do Brasil! Não seria justo que, exportando as variedades mais raras das nossas orquídeas, guardássemos delas, na capital, exemplares que garantissem a sua reprodução no país e abrilhantassem a exposição permanente, visitada ao menos por todos os estrangeiros em trânsito?

Mas a nossa atenção não estava voltada só para as orquídeas.

Cada dia da exposição de flores seria dedicado a uma das espécies mais estimadas entre nós.

Teríamos um dia só para rosas. Em roseiras ou cortadas, nessas flores se concentraria a atenção do júri, constituído pelos nossos mestres de botânica e pelos donos dos principais estabelecimentos de floricultura do Rio de Janeiro. Nesse dia apurar-se-ia, aproximadamente, a quantidade de variedades que temos dessa flor, para estabelecer depois a comparação com as que se apresentassem em exposições consecutivas. Tudo isso ficaria consignado em um livro, documentado por nomes conhecidos e insuspeitos.

Assim como as rosas, os cravos não teriam razão de queixa.

Tem reparado como a cultura de cravos se tem desenvolvido e embelezado no Rio de Janeiro? Acreditava-se antigamente que essa flor, uma das mais originais, senão a mais original, só desabrochava bem em Petrópolis, em São Paulo e não sei em que outras terras. Pois estávamos enganados. Nem mesmo do alto da Tijuca são esses formosos cravos que aí estão de tantas cores variadas e tão opulentos de forma; são do vale do Andaraí; são do Engenho Velho; são dos subúrbios; são de Santa Teresa, etc. Quem tiver um canto de jardim, um peitoril largo para vasos de barro, um pouco de terra, pode com segurança semear os seus craveiros; as flores virão.

Como incentivo, a exposição distribuiria mudas de crisântemos a um certo numero de moças, emprazando-as a apresentarem na estação dessa flor a planta florida para uma exposição, em que seriam distribuídos os prêmios do primeiro certame.

Inoculando o gosto pela jardinagem, ela desenvolveria a cultura de uma flor brilhante e a que o nosso clima é favorável.

Nessa primeira exposição, teríamos, além de conferencias estimulando o amor das plantas, mostrando-as em todos os seus múltiplos aspectos sedutores, lições de jardinagem prática.

Essas lições, dadas com a maior simplicidade, sem termos enfáticos, por um homem ilustrado e amigo das flores, nos ensinariam como deve ser preparada a terra para o jardim, como se devem fazer as sementeiras e as podas e os enxertos e matar os pulgões, e criar rosas novas e transformar as variedades mais conhecidas, e pulverizar de água fresca os altos troncos das orquídeas, etc.

Com essas coisas pensava eu prestar simultaneamente dois serviços, à cidade, demonstrando a possibilidade de se fundar aqui uma escola para jardineiros, e às moças a quem o tempo sobre para essas brilhantes fantasias. A jardinagem fornece ensejo para distrações e estudos próprios para mulheres.

E, depois, que encanto o de ver-se o nome de uma senhora ligado ao de uma rosa!

Em todas as capitais do mundo civilizado há o culto da flor. Elas simbolizam as nossas grandes alegrias, como as nossas grandes tristezas, imagens materializadas das maiores comoções da vida. Nas alegres visitas de boas festas e de aniversários, ou nas romarias para os cemitérios, as flores exprimem o júbilo ou a saudade, tão bem como a lágrima ou como o sorriso.

Na Alemanha, disse-me uma amiga que por lá andou viajando, há nas portas dos hospitais, em dias de visita, floristas com ramos para todos os preços; abundam os baratinhos, de flores agrestes ou mais vulgares. Naturalmente, quem vai ver um doente de quarto particular, escolhe as camélias mais puras ou os narcisos mais raros; para os pobres e os indigentes das enfermarias publicas vão bouquets modestos e pequeninos, conquanto vistosos e alegres

Que é aquilo? Um pouco de poesia e de primavera, que vão errar com o seu aroma e as suas cores vistosas e alegres naquele ambiente triste e aborrecido. O olhar desconsolado do doente encontra naquilo um pouco de distração e de consolo.

E assim que nós precisamos gostar de flores. Gostar tanto, que elas sejam para nós uma necessidade; tanto, que até o povo das enfermarias gratuitas não ache mal empregado o tostãozinho com que as adquira! E aqui é tão fácil cultivá-las, Senhor!

A arte do ramilhete, tão adorada no Japão, segundo afirmam as cronistas de lá, e que é com certeza uma das mais delicadas que uma mulher pode exercer, era chamada a concurso em um dos dias da exposição. A moça que fizesse o ramo com mais harmônica combinação no colorido e de forma mais elegante, seria premiada.

Uma das mais curiosas veleidades dessa exposição era o interessar-se pelo tipo das floristas da rua, procurando induzir a transformação das do Rio de Janeiro, que não é positivamente encantador. Para isso obteria também um concurso, em que os nossos pintores e desenhistas apresentassem figurinos de acordo com o nosso clima para floristas ambulantes. Isso naturalmente constituiria uma galeria de problemático aproveitamento; em todo caso, muito interessante. Lembrava mesmo o alvitre de oferecer a exposição os primeiros trajes aos que se sujeitassem à experiência. A exposição seria gratuita para as crianças, tendo mesmo um dia destinado às escolas.

Nunca imaginei que fosse preciso ensinar a amar as flores, que as crianças saúdam desde o berço, articulando, ao vê-las, sílabas incompreensíveis, e agitando para elas com entusiasmo as mãozinhas! No entanto parece-me que o culto da planta deve entrar na educação do povo. As exposições de belas-artes ensinam a amar os quadros e as estátuas; é bem possível que o amor dos europeus pelas flores tenha sido despertado e aperfeiçoado pelas exposições de flores, que se fazem na Europa duas vezes no ano, uma no outono, outra na primavera.

Deixei de reproduzir muitos pontos do programa da primeira exposição, tais como a batalha de flores, com que ela se encerraria, a indicação das flores mais aproveitáveis para a destilaria, etc. Bastam estes que aí ficam para demonstrar que a beleza e a utilidade andam às vezes de mãos dadas!

Se eu fui infeliz, outras serão felizes na mesma batalha e pelo mesmo ideal. Das minhas esperanças decepadas brotem novas esperanças em almas mais novas e capazes de empreendimentos de mais forte envergadura. E para atiçar essa chama que escrevo estas linhas trêmulas, porque agindo adquiri a certeza de que nesta terra bastam para executar grandes obras só duas coisas: energia e vontade.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 381)


Uma Trova Nacional

Quem fez assim tão perfeito,
tão caprichado, esse ninho?
– Foi Deus, pegando de jeito
no bico do passarinho.
–RAYMUNDO SALLES/BA–

Uma Trova Potiguar

Pra garantir matrimônio
a confiante Teresa,
mantém sempre, o Santo Antônio,
com a velinha “bem acesa”...
–UBIRATAN QUEIROZ/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - ATRN- Natal/RN
Tema: IDADE - 3º Lugar

Na velhice, idade mestra
já sem forças para o embate,
vem a morte e nos sequestra
sem sequer pedir resgate.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova de Ademar

O vício sempre nos joga
numa dor que nos revolta:
– ver um filho usando droga,
numa viagem sem volta!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Minha querência, meus pagos,
na minha imaginação,
o céu nasceu nos teus lagos,
e a paz floriu no teu chão...
–MANITA/RJ–

Simplesmente Poesia

O Poeta é Porreta
–CELITO MEDEIROS/PR–

Poesia com liberdade
O pensamento traduz
Muito desta realidade
Que a escrita conduz.

Todo poema é uma luz
De um lado um escritor
Na apreciação superior
Pela beleza que seduz.

Versos para provocar
Acima de tudo o amor
Sempre é bom poetar.

Poeta é um sonhador
Consegue até agradar
Ao mais refinado leitor.

Estrofe do Dia

Nos lindos carnaubais,
nas manhãzinhas brumosas,
no desabrochar das rosas,
nos bonitos parreirais,
nas frondes dos coqueirais
que tremulam noite e dia,
por dentro da serrania,
por toda gruta e recanto;
se vê o suave encanto
das telas da poesia.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

Carnê de Baile
–ALMIRA GUARACY REBÊLO/MG–

Ao abrir a gaveta, na cômoda antiga,
vem a mim, acendrado, um perfume de flor...
A surpresa fascina e de pronto me instiga
a buscar, curiosa, o motivo do olor.

Em procura apressada, um achado me intriga:
bem no fundo, amassado, desfeito o primor,
oloroso carnê de algum baile, que abriga
velha rosa estiolada – Uma prenda de amor?

Fantasio essa rosa em decote atrevido
a cair, em veloz e arrojado volteio...
Ardilosa armação de atrevido cupido!

Pouco a pouco a visão se desprende e esfumaça
como nuvem ligeira... Um mero devaneio...
E entre meus dedos, presa, a flor se despedaça!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. VI

VI
A festa e o Major


Chegou a hora da festa. Dando a mão a Narizinho, o príncipe dirigiu-se à sala de baile.

— Como é linda! — exclamaram os fidalgos lá reunidos ao verem-na entrar. — Com certeza é a filha única da fada dos Sete Mares...

O salão parecia um céu bem aberto. Em vez de lâmpadas, viam-se pendurados do teto buquês de raios de sol colhidos pela manhã.

Flores em quantidade, trazidas e arrumadas por beija-flores. Tantas pérolas soltas no chão que até se tornava difícil o andar. Não houve ostra que não trouxesse a sua pérola, para pendurá-la num galhinho de coral ou jogá-la por ali como se fosse cisco. E o que não era pérola era flor, e o que não era flor era nácar, e o que não era nácar era rubi e esmeralda e ouro e diamante. Uma verdadeira tontura de beleza!

O príncipe havia convidado só os seres pequeninos, visto ser também pequenino e muito delicado de corpo. Se um hipopótamo ou baleia aparecesse por lá seria o maior dos desastres.

Narizinho correu os olhos pela assistência. Não podia haver nada mais curioso. Besourinhos de fraque e flores na lapela conversavam com baratinhas de mantilha e miosótis nos cabelos.

Abelhas douradas, verdes e azuis, falavam mal das vespas de cintura fina — achando que era exagero usarem coletes tão apertados. Sardinhas aos centos criticavam os cuidados excessivos que as borboletas de toucados de gaze tinham com o pó das suas asas. Mamangavas de ferrões amarrados para não morderem. E canários cantando, e beija-flores beijando flores, e camarões camaronando, e caranguejos caranguejando, tudo que é pequenino e não morde, pequeninando e não mordendo.

Narizinho e o príncipe dançaram a primeira contradança sob os olhares de admiração da assistência. Pelas regras da corte, quando o príncipe dançava todos tinham de manter-se de boca aberta e olhos bem arregalados. Depois começou a grande quadrilha.

Foi a parte de que Narizinho gostou mais. Quantas cenas engraçadas! Quantas tragédias! Um velho caranguejo que tirara uma gorda taturana para valsar, apertou-a tanto nos braços que a furou com o ferrão. A pobre dama deu um berro ao ver espirrar aquele líquido verde que as taturanas têm dentro de si. Ao mesmo tempo que isso se dava, outro desastre acontecia com um besouro do Instituto Histórico, que tropeçou numa pérola, caiu e desconjuntou-se todo.

O doutor Caramujo foi chamado às pressas para consertar a taturana e o besouro.

— Que bom cirurgião! — exclamou Narizinho, vendo a perícia com que ele arrolhou a taturana e consertou o besouro. E trabalha cientificamente, refletiu a menina, notando que antes de tratar do doente o doutor nunca deixava de fazer o “diagnóstico”. – Amanhã sem falta vou levar Emília ao consultório dele — disse ela ao príncipe.

— E, por falar, onde anda a senhora Emília? — indagou este. — Desde a briga com a dona Carochinha que não a vi mais.

— Nem eu. Acho bom que o senhor príncipe mande procurá-la.

O peixinho gritou para o mordomo que achasse a boneca sem demora.

Enquanto isso o baile prosseguia. Vieram as libélulas, que gozam a fama de ser as mais leves dançarinas do mundo. De fato! Dançam sem tocar os pezinhos no chão — voando o tempo inteiro. A linda valsa das libélulas estava na metade quando o mordomo reapareceu, muito afobado.

— Dona Emília foi assaltada por algum bandido! — gritou ele.

Está lá na gruta dos tesouros, estendida no chão, como morta.

Imediatamente Narizinho pulou do trono e correu em salvação da sua querida bruxa. Encontrou-a caída por terra, com o rosto arranhado, sem dar o menor acordo de si. O doutor Caramujo, chamado com urgência, despertou-a logo com um bom beliscão, depois de fazer o indispensável “diagnóstico”.

— Quem será o monstro que fez isto para a coitada? – exclamou a menina, examinando-lhe a cara e vendo-a com um dos olhos de retrós arrancado. — Não bastava ser um da, vai ficar cega também. Coitadinha da minha Emília!...

— Impossível descobrir o criminoso — declarou o príncipe.

— Não há indícios. Só depois que o doutor Caramujo curá-la da mudez é que poderemos descobrir alguma coisa.

— Havemos de tratar disso amanhã bem cedo – concluiu Narizinho. — Agora é muito tarde. Estou pendendo de sono...

E dando boas noites ao príncipe, retirou-se com Emília para os seus aposentos.

Mas Narizinho não pôde dormir. Mal se deitou, ouviu gemidos no jardim que havia ao lado. Levantou-se. Espiou da janela. Era o sapo que fora vestido de velha coroca.

— Boa noite, Major Agarra! Que gemidos tão tristes são esses? Não está contente com a sua sainha nova?

— Não caçoe, menina, que o caso não é para caçoada — respondeu o pobre sapo com voz chorosa. — O príncipe condenou-me a engolir cem pedrinhas redondas. Já engoli noventa e nove. Não posso mais! Tenha dó de mim, gentil menina, e peça ao príncipe que me perdoe.

Tanta pena do sapo sentiu Narizinho que mesmo em camisola como estava foi correndo ao quarto do príncipe, em cuja porta bateu precipitadamente — toc, toc, toc!...

— Quem é? — indagou de dentro o peixinho, que estava a despir-se de suas escamas para dormir.

— É Narizinho. Quero que perdoe ao pobre do Major Agarra.

— Perdoar de quê? — exclamou o príncipe, que tinha a memória muito fraca.

— Pois não o condenou a engolir cem pedrinhas redondas? Já engoliu noventa e nove e está engasgado com a última. Não entra. Não cabe! Está lá no jardim, de barriga estufada, gemendo e chorando que não me deixa dormir.

O príncipe danou.

— É muito estúpido o Major! Eu falei aquilo de brincadeira. Diga-lhe que desengula as pedrinhas e não me incomode.

Narizinho foi, pulando de contente, dar a boa notícia ao sapo.

— Está perdoado, Major! O príncipe manda ordem para desengolir as pedrinhas e voltar ao serviço.

Por mais esforço que fizesse, o sapo não conseguiu aliviar-se das pedras. Estava empachado.

— Impossível! — gemeu ele. — O único jeito é o doutor Caramujo abrir-me a barriga com a sua faquinha e tirar as pedras uma por uma com o ferrão de caranguejo que lhe serve de pinça.

— Nesse caso, muito boa noite, senhor sapo. Só amanhã poderemos tratar disso. Tenha paciência e cuide de não morrer até lá.

O sapo agradeceu a boa ação da menina, prometendo que se pudesse fugir das garras do príncipe iria morar no sítio de dona Benta para manter a horta limpa de lesmas e lagartas.

Narizinho recolheu-se de novo, e já ia pulando para a cama quando se lembrou do Pequeno Polegar, que deixara escondido na concha.

— Ah, meu Deus! Que cabeça a minha! O coitadinho deve estar cansado de esperar por mim...

E foi correndo à gruta dos tesouros. Mas perdeu a viagem. Polegar havia desaparecido com a concha e tudo...
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte VIII


FRUTAS E FLORES

Laranjas e morangos -- quanto às frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dálias rubras, d'essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.

Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lágrimas de amores;
Isto é, venho de estar entre os verdores
De um sítio cheio de asperezas brutas,

Mas onde as almas -- pássaros que voam --
Vivem sorrindo às músicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.

Trago-te frutas, flores, só apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!

VISÃO MEDIEVA

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

RECORDAÇÃO

Foi por aqui, sob estes árvoredos,
Sob este doce e plácido horizonte,
Perto da clara e pequenina fonte
Que murmura lá baixo os seus segredos...

Recordo bem todos os cantos ledos
Da passarada -- e lembro-me da ponte
Por sobre a qual via-se além, de fronte,
O mar azul batendo nos penedos.

Sinto a impressão ainda da paisagem,
Do trêmolo (...)* da folhagem,
Das culturas rurais, do sítio agreste.

A luz do dia vinha então morrendo...
Foi por aqui que eu pude ficar crendo
O quanto pode o teu olhar celeste.

* Rasurado

ROMA PAGÃ

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domínio,
Não era raro ver nos gozos do triclínio
A nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olímpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilínio,
Num doce tom de cor, esplêndido e sangüíneo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebúrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcíssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A púrpura do sangue e a púrpura dos vinhos.

ESPIRITUALISMO

Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.

Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e -- que erra
Só na cabeça dos conspiradores,

Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.

E pareceu-me que do chão estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.

PLANGÊNCIA DA TARDE

Quando do campo as prófugas ovelhas
Voltam a tarde, lépidas, balando
Com elas o pastor volta cantando
E fulge o ocaso em convulsões vermelhas.

Nos beirados das casas, sobre as telhas
Das andorinhas esvoaça o bando...
E o mar, tranqüilo, fica cintilando
Do sol que morre as últimas centelhas.

O azul dos montes vago na distância...
No bosque, no ar, a cândida fragrância
Dos aromas vitais que a tarde exala.

Às vezes, longe, solta, na esplanada,
A ovelha errante, tonta e desgarrada,
Perdida e triste pelos ermos bala ...

ALMA ANTIGA

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidão deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, ó doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!

VANDA


Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.

Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vã de amores que sentiste
Outrora, acende risos que não viste
Nunca e as tristezas para longe manda.

Esquece a dor, a lúbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.

Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.

ÊXTASE

Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carícia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.

Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delírio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.

Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.

Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.

LUAR

Ao longo das louríssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria...
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nítido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento -- abrindo
Largo clarão em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nívea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha...

CELESTE

Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.

Asas tinhas também, as da esperança...
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!

Depois, então, fizeste-te menina,
Visão de amor, puríssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.

Cresceste mais! És bela e moça agora...
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.

A PARTIDA

Partimos muito cedo -- A madrugada
Clara, serena, vaporosa e fresca,
Tinha as nuances de mulher tudesca
De fina carne esplêndida e rosada.

Seguimos sempre afora pela estrada
Franca, poeirenta, alegre e pitoresca,
Dentre o frescor e a luz madrigalesca
Da natureza aos poucos acordada.

Depois, no fim, lá de algum tempo -- quando
Chegamos nós ao termo da viagem,
Ambos joviais, a rir, cantarolando,

Da mesma parte do levante, de onde
Saímos, pois, faiscava na paisagem
O sol, radioso e altivo como um conde.

CANÇÃO DE ABRIL

Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
Ora bem, ora bem! -- Vamos embora
Por estes campos e rosais afora
De onde a tribo das aves nos espreita.

Deixa que eu faça a matinal colheita
Dos teus sonhos azuis em cada aurora,
Agora que este abril nos canta, agora,
A florida canção que nos deleita.

Solta essa fulva cabeleira de ouro
E vem, subjuga com teu busto louro
O sol que os mundos vai radiando e abrindo.

E verás, ao raiar dessa beleza,
Nesse esplendor da virgem natureza,
Astros e flores palpitando e rindo.

O MAR

Que nostalgia vem das tuas vagas,
Ó velho mar, ó lutador Oceano!
Tu de saudades íntimas alagas
O mais profundo coração humano.

Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Do teu gemer nas desoladas plagas
Sai o quer que é, rude sultão ufano,
Que abre nos peitos verdadeiras chagas.

Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Tu tens em ti o gérmen do lirismo,
És um poeta lírico demais.

E eu para rir com humor das tuas
Nevroses colossais, bastam-me as luas
Quando fazem luzir os seus metais...

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

47a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 01 de Novembro, Terça-Feira)


Mostra do Projeto Cadop Lê, de Cachoeirinha
01/11/2011 - 09:00

Encontro com autor
01/11/2011 - 10:30

O Autor no Palco
01/11/2011 - 10:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Encontro com Autor
01/11/2011 - 14:00

O Autor no Palco
01/11/2011 - 14:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
01/11/2011 - 14:00
Apresentação da Invernada Artística do Colégio Agrícola Daniel de Oliveira Paiva (CADOP)

Tenda.doc: Na estrada com Zé Limeira
01/11/2011 - 14:30
Uma equipe de filmagem percorre os Estados da Paraíba e Pernambuco em busca das memórias do poeta e repentista paraibano Zé Limeira [1886-1954]. Direção de Douglas Machado

Educação fiscal: cidadania, controle social e justiça fiscal
01/11/2011 - 15:00
Discussões sobre a estrutura fiscal brasileira e as formas de participação social

Uma volta ao mundo em 14 livros
01/11/2011 - 15:30
Bate-papo sobre viagens

Dom Quixote e Dulcinéia contando Histórias
01/11/2011 - 15:30
A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof

Cine SESC
01/11/2011 - 15:30
Exibição do filme Azur e Asmar

O Autor no Palco
01/11/2011 - 15:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Oficina: Referências Bibliográficas
01/11/2011 - 16:00
Referências bibliográficas: tire suas dúvidas. Módulo 2/2

Odisseia, de Homero
01/11/2011 - 16:00
Contação de histórias sobre um dos principais poemas épicos da Grécia antiga

Quando Floresce a Poesia
01/11/2011 - 16:00

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - Narrativas de viagem: navegar é preciso
01/11/2011 - 16:30
A viagem como um relato pessoal, histórico, cultural, político e social e as fronteiras entre observação e imaginação

Oficina: Fumproarte
01/11/2011 - 16:30
Normas legais, critérios de habilitação e seleção. Módulo 2/3

França, Brasil, Rússia: Um itinerário literário
01/11/2011 - 17:00
A literatura, o ato de criação, as leituras e as trocas no mundo dos livros nos além-mares da cultura

Oficina: Higienização de acervo bibliográfico
01/11/2011 - 17:00
Higienização básica de acervo bibliográfico, dicas de conservação e cuidados básicos com os livros e acervos em papel

Autobiografia de Titi e Rapa Nui: o umbigo do mundo
01/11/2011 - 17:00

Vinte fotógrafos em um livro
01/11/2011 - 17:30
Fotógrafos conversam com o público sobre a história de suas fotos

Contos da Galerinha
01/11/2011 - 17:30

O olho da fechadura
01/11/2011 - 17:30

Temas Críticos em Direito
01/11/2011 - 17:30

"A divina comédia" de Dante Alighieri e Salvador Dalí
01/11/2011 - 18:00
Paralelo entre a obra escrita e a obra de arte e a intersecção entre os dois artistas

Oficina aberta: Roteiro de viagem
01/11/2011 - 18:00
Como programar o seu roteiro?

Oficina: Contos - a literatura e as sensações
01/11/2011 - 18:30
Oficina de escrita criativa com ênfase no conto e em técnicas narrativas variadas. Visa ao desbloqueio criativo e ao incremento de memória sensorial. Módulo 2/3

Escrita e ensino: ecos do discurso pedagógico
01/11/2011 - 18:30

Laço de Couro Cru
01/11/2011 - 18:30

Um Buquê de Versos
01/11/2011 - 18:30

Páginas de História
01/11/2011 - 18:30

O Correio e Eu
01/11/2011 - 18:30

Lisboa em Pessoa
01/11/2011 - 18:30

Três cidades perto do céu: os encantos do oriente e da medicina ayurvédica
01/11/2011 - 19:00
Autora traz o relato de uma viagem para três lugares sagrados e maravilhosos - Srinagar, na Caxemira, Rishikesh, na Índia e Katmandu, no Nepal com sessão comentada

Me leva mundão!
01/11/2011 - 19:00
As viagens mais incríveis pelo mundo afora

2º Seminário Reinações - O fantástico e a literatura infantojuvenil
01/11/2011 - 19:00
Saga Crepúsculo: o fantástico para jovens

No Inferno é sempre assim e outras histórias longe do céu
01/11/2011 - 19:30

Daimon Junto à Porta
01/11/2011 - 19:30

O homem despedaçado
01/11/2011 - 19:30

Leia-me toda
01/11/2011 - 19:30

Machado de Assis e Arredores
01/11/2011 - 19:30

Uma dádiva de Deus (o amor em versos)
01/11/2011 - 19:30

Jerusalem
01/11/2011 - 19:30

Histórias contadas com Jari da Rocha
01/11/2011 - 20:00

Cordão da Saideira: Lisboa em Pessoa - Manuel da Costa Pinto entrevista João Correia Filho
01/11/2011 - 20:00
Amigos de longa data em bate-papo sobre literatura, jornalismo, viagens e autores que inspiraram o livro Lisboa em Pessoa, guia turístico literário da capital portuguesa

Livro ilustrado sulsports
01/11/2011 - 20:00

Florência - Drama e conquista
01/11/2011 - 20:30

Heusô - Demônios e Cotidianos
01/11/2011 - 20:30

Pétalas jogadas ao sabor dos ventos
01/11/2011 - 20:30

Três Cidades Perto do Céu
01/11/2011 - 20:30

Me Leva Mundão
01/11/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

domingo, 30 de outubro de 2011

Trova 205 - Nei Garcez (Curitiba/PR)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 380)


Uma Trova Nacional

Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova Potiguar

Tristeza no peito eu sinto,
em ver que a mãe terra come,
o próprio filho faminto,
que a mesma matou de fome.
LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Uma Trova Premiada

2004 - Nova Friburgo/RJ
Tema: REFÚGIO - M/H

No refúgio desmanchamos,
quando ficamos a sós,
esses nós que carregamos
no fundo de todos nós!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem na mata acende a chama,
suja o rio e a correnteza;
joga um punhado de lama
no rosto da natureza!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A tristeza me persegue
todo instante, todo dia,
mas, coitada, não consegue
dizimar minha alegria.
–ALYDIO C. SILVA /MG–

Simplesmente Poesia

Esperança
–MARIO QUINTANA/RS–

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
– Ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume
na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
– Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que
não esqueçam:
– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Estrofe do Dia

Meditar e viver em harmonia,
estar sempre em defesa do irmão,
emprestar seu apoio em oração
aos que penam sem ver a luz do dia,
amoldar-se aos conselhos de Maria,
ler na Bíblia a palavra abençoada,
ao sentir uma mão pobre estirada
ofertar-lhe remédio, roupa e pão
- Ser fraterno é trazer no coração
a bondade por Deus recomendada.
–PEDRO ERNESTO FILHO/CE–

Soneto do Dia

Via-Láctea
–OLAVO BILAC/RJ–

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://dylanangel.blogspot.com

Júlia Lopes de Almeida (As Árvores)


Quando, na margem lodosa do Tibre, os primeiros romanos plantaram a figueira, árvore da flor saborosa e em cujas veias o leite escorre compacto e doce, prestavam culto à lenda da sua origem, fazendo da planta como que o símbolo da pátria. Naquela terra da febre, sem águas puras, a árvore sorveu do solo a ardência doentia que transmitiu depois, já purificada, à polpa sangüínea da sua flor.

As abelhas que procuram de preferência o mel do figo ao de outro qualquer fruto ou flor, enxamearam depressa por entre as largas folhas escuras da árvore, em que legiões de insetos invisíveis punham um tom luminoso de vida e deram aos romanos, trabalhadores e simples, favos deliciosos.

A cheirosa figueira teve, com justiça, o seu lugar sagrado no Palatino.

Naqueles tempos rudes, e em outros ainda de mais velha antiguidade, o respeito intuitivo pelas árvores era tamanho, que os homens as criam representantes de divindades. O carvalho, o loureiro, a palmeira e o mirto, eram invólucros de deuses. Olhando para a coroa tufosa das tílias, sorvendo-lhe o aroma das pálidas sombrinhas esverdeadas, o grego ouvia suaves promessas de Vênus, alma dessa planta, tapetando-lhe de veludo as estradas da vida.

Este preito à árvore, que a poesia nativa e a crença pagã investiam de solenidade, é para mim um dos encantos mais singulares da tradição.

Por fortuna de outros tempos, ele não ficou completamente extinto; não teve a França a sua árvore da Liberdade, fincada na terra da pátria pelos soldados da revolução, que a cobriam de flores e fitas tricolores?

Se hoje não há árvores simbólicas, há, entretanto, outras que o espírito do homem culto celebriza. Não é raro ver-se na Europa, mesmo em países de menor intelectualidade, uma árvore solitária, secular, rugosa, em cujas raízes ninguém pisa, e que vive cercada por um gradil, para que não lhe toquem mãos irreverentes. Essa é uma árvore célebre, é uma árvore amada, porque abrigou um dia um dos heróis da pátria. A municipalidade tem para ela cuidadíssimos desvelos, o povo sabe-lhe a história, e respeita-a só por ela ter dado frescura a alguém, que à sua sombra descansou de uma batalha cruenta ou escreveu versos imortais.

Creio ter já lido que D. João VI, a quem nossa história parece-me não ter feito ainda inteira justiça, tem a sua mais bela memória na primeira palmeira do Jardim Botânico, de cujas sementes nasceram os únicos adornos da Capital.

Dia formoso, aquele em que o rei desceu do seu trono para, no rude mister de jardineiro, tocar com a mão macia a terra áspera e fértil da pátria preferida. Suspeitaria ele que a alma da planta estrelada lhe perpetuaria a lembrança, melhor que as crônicas, tantas vezes confusas, tantas vezes mal interpretadas?

Talvez... Dizem que ouvindo ramalhar os mais velhos cedros do Líbano, que afirma a lenda serem contemporâneos de Salomão, alguns viandantes contemplativos crêem sentir nesse sussurro toda a doçura do Cântico dos Cânticos.

Conta um escritor português, descrevendo um campo estrangeiro, que nele havia a doce e pálida oliveira de ramagem miúda, que dá à paisagem um tom grego.

Uma simples árvore acorda a idéia de um país e desenrola aos olhos de um poeta a vastidão de um sonho.

O pinheiro resistente à neve e querido dos povos escandinavos, traz à idéia planícies brancas em que a sua silhueta negra se destaca apontando para o céu pálido. E dos seus braços híspidos que se fazem as árvores de Natal, consagradas à infância em nome de Jesus. Assim, o cipreste faz lembrar o cemitério, e o bambual o lago da fazenda, em que os marrecos deslizam e o gado bebe.

Dir-se-ia que só por si a árvore delineia e fixa a fisionomia dos lugares. Nenhum viajante esquece os castanheiros de Londres, que são vigorosos traços da sua austeridade e grandeza, nem as árvores tosquiadas de Paris, onde pardais chilreiam e a Primavera põe delicados rebentões cor de alface; nem as mimosas de Canes e de Nice, esgalhando-se em ramos delicados de folhas pequeninas e botões cor de palha, tão acordes com essas cidades elegantes e frívolas; nem tão pouco as luxuosas magnólias de Petrópolis, em que as flores se abrem como pequeninas urnas de ouro; capitosas.

Vendo os algodoeiros desgraciosos, inclinados e tortos como corpos doentes, e que por aí ficaram com desigualdade em algumas ruas, tenho muitas vezes pensado na árvore que deveríamos escolher de preferência para a nossa cidade. Deveria ser uma árvore pura, perfeita, indicada por eleição de artistas e conselho de sabedores.

O algodoeiro, com o seu aspecto desalinhado, sente-se contrafeito entre as duras pedras das calçadas e atira-se todo, numa atitude contorcida, para os lados ou para a frente, na ânsia histérica do sol.

A palmeira, de que todos levamos a imagem no coração quando saímos da pátria, e inimiga da habitação do homem; quer a seus pés colchões de areia, ou extensos gramados sobre que derrube sem fragor o casco das suas palmas secas.

Disse-me um dia um dos nossos melhores pintores, que, se tivesse poder para tanto, guarneceria toda a cidade de paineiras, a árvore das estações, que antes de desnudar-se se purpurisa em flores.

Eu gostaria de ver nas florestas que atapetam os morros e cingem a cidade, mais desses maravilhosos flamboyants de ramalhões escarlates, que são a gloria dos nossos verões ardentes. Que árvore há mais pomposa, quando se reveste de folhas e de pétalas?

Mais que aos coqueiros, de palmas flabeladas, mais que todos os espécimes da floresta e que todas as árvores de pomar, de flor cheirosa, eu adoro a mangueira, a mangueira selvagem, grande, tranqüila, onde a erva parasita se enleia e pende, onde o ninho se oculta e que parece guardar em si esse mistério doce que fez com que os homens da antiguidade julgassem algumas árvores invólucros de deuses. Cada cidade deveria ter o seu conselho de sábios e de artistas que lhe estudassem o clima e, de acordo com a sua fisionomia, lhe escolhessem a arborização severa ou delicada.

Um viajante, num traço rápido e firme, pinta-nos o valor do povo do baixo Canadá. Como? Revelando-nos o seu amor por uma árvore, que ele planta como um emblema da sua beleza e da sua fortuna — o érable.

Planta-o, e não deixa arrancá-lo, nenhum machado cruel lhe amputa os braços vigorosos, nem lhe lanha o tronco, porque as iras do povo, que são como as iras de Deus, cairiam em coro sobre a mão que o brandisse.

Árvores bondosas da minha terra, sob a cúpula iluminada do céu, no supremo júbilo do sol, sacudi as vestes de esmeralda e deixai cair no chão da floresta a chuva benéfica da vossa sementeira. Nem sempre o homem será cego: dia virá em que a vossa beleza imperiosa e doce faça cair o braço que tente erguer contra vós o afiado gume de um ferro.

Entretanto, perdoai-nos o mal que vos fazemos e sabei que entre tantas vozes perversas ou indiferentes, sempre há algumas que, como a do poeta Alfredo de Musset, peçam a vossa sombra para sua sepultura.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte VII


RISADAS

Às criaturas alegres

Fantasia, ó fantasia, tropo ardente
Da aurora alegre undiflavando as bandas
Do adamascado e rúbido oriente,
Ó fantasia, águia das asas pandas.

Tu que os clarins do sonho mais fulgente
Das Julietas, feres, nas varandas,
Ó fantasia dos Romeus, ó crente,
Por que países meridionais tu andas?!

Vem das esferas, entre os sons que vibras.
Vem, que desejo emocionar as fibras,
Quero sentir como este sangue impulsas.

Noiva do sol que os sóis preclaros gozas
Para rimar umas canções de rosas,
Como risadas de cristal, avulsas...

AVE! MARIA...

Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia...

Nuvem d'incensos através da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o órgão vai plangendo grave
A profunda e gemente litania...

Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado...

Ó Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!

IMPASSÍVEL

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d'estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

VERÔNICA

Não a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face...
O martírio da Cruz passou fugace
E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensangüenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vã paixão, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada
Queres ser a Verônica sonhada,
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!

SÍMILES
(Desterro)

Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.

Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.

O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de Jericó, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.

Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e... perdoou.

EXILADA

Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais -- secretos,
-- Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste...

SONETOS

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

Vão -- por estradas, por difíceis rotas,
Quatorze versos -- entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens límpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flóreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.

DECADENTES

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves -- todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias...

OLAVO BILAC

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas...

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebê-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lúcidas paisagens,
Vestido das mais fluídicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos...

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto às almas,
Na eterna florescência dos meus versos.

DOENTE

As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes sensuais e moles
Não deixarão que o teu amor palpite
Nem que os olhares pelos astros roles.

É fatal a moléstia. Só permite
Que te acabes por fim e que te estioles.
Sem que em teu peito o coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai se extinguindo a polpa dessas faces...
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo virginal de outrora,

Tu curar-te-ias com pequeno esforço
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora.

DOENTE [VARIAÇÃO]

As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes flácidas e moles,
Não deixarão que o teu amor palpite,
Nem que os olhares pela esfera roles...

É fatal a moléstia -- só permite
Que te acabes por fim, e que te estioles,
Sem que em teu peito um coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai-se extinguindo a polpa dessas faces!
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo musical de outrora,

Me seguirias com pequeno esforço,
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora!

LIRIAL

Vens com uns tons de searas,
De prados enflorescidos
E trazes os coloridos
Das frescas auroras claras.

E tens as nuances raras
Dos bons prazeres servidos
Nos rostos enlourecidos
Das parisienses preclaras.

Chapéu das finas elites,
De roses e clematites,
Chapéu Pierrette -- entre o sol

Passando, esbelta e rosada,
Pareces uma encantada
Canção azul do Tirol.

TO SLEEP, TO DREAM

Dormir, sonhar -- o poeta inglês o disse...
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se não seria o único que abrisse
Uma exceção da vida humana à face?...

Se os imortais filósofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruíram toda a teogonia.

Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?

NO CAMPO

Acordo de manhã cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!

Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. V


V
A costureira das fadas

Depois do jantar o príncipe levou Narizinho à casa da melhor costureira do reino. Era uma aranha de Paris, que sabia fazer vestidos lindos, lindos até não poder mais! Ela mesma tecia a fazenda, ela mesma inventava as modas.

— Dona Aranha — disse o príncipe — quero que faça para esta ilustre dama o vestido mais bonito do mundo. Vou dar uma grande festa em sua honra e quero vê-la deslumbrar a corte.

Disse e retirou-se. Dona Aranha tomou da fita métrica e, ajudada por seis aranhinhas muito espertas, principiou a tomar as medidas. Depois teceu, depressa, depressa, uma fazenda cor-de-rosa com estrelinhas douradas, a coisa mais linda que se possa imaginar.

Teceu também peças de fitas e peças de renda e peças de entremeio — até carretéis de linha de seda fabricou.

— Que beleza! — ia exclamando a menina, cada vez mais admirada dos prodígios da costureira. — Conheço muitas aranhas em casa de vovó, mas todas só sabem fazer teias de pegar moscas. Nenhuma é capaz de fazer nem um paninho de avental...

— É que tenho mil anos de idade — explicou dona Aranha, — e sou a costureira mais velha do mundo. Aprendi a fazer todas as coisas. Já trabalhei durante muito tempo no reino das fadas; fui quem fez o vestido de baile de Cinderela e quase todos os vestidos de casamento de quase todas as meninas que se casaram com príncipes encantados.

— E para Branca de Neve também costurou?

— Como não? Pois foi justamente quando eu estava tecendo o véu de noiva de Branca que fiquei aleijada. A tesoura caiu-me sobre o pé esquerdo, rachando o osso aqui neste lugar. Fui tratada pelo doutor Caramujo, que é um médico muito bom. Sarei, embora ficasse manca pelo resto da vida.

— Acha que esse tal doutor Caramujo é capaz de curar uma boneca que nasceu muda? — perguntou a menina.

— Cura, sim. Ele tem umas pílulas que curam todas as doenças, exceto quando o doente morre.

Enquanto conversavam, dona Aranha ia trabalhando no vestido.

— Está pronto — disse ela por fim. Vamos prová-lo.

Narizinho vestiu-se, indo ver-se ao espelho.

— Que beleza! — exclamou, batendo palmas. — Estou que nem um céu aberto!...

E estava mesmo linda. Linda, tão linda no seu vestido de teia cor-de-rosa com estrelinhas de ouro, que até o espelho arregalou os olhos, de espanto.

Trazendo em seguida o seu cofre de jóias, dona Aranha pôs na cabeça da menina um diadema de orvalho, e braceletes de rubis do mar nos braços, e anéis de brilhantes do mar nos dedos, e fivelas de esmeraldas do mar nos sapatos, e uma grande rosa do mar no peito.

Mais linda ainda ficou Narizinho, tão mais linda que o espelho arregalou um pouco mais os olhos, começando a abrir a boca.

— Pronto? — perguntou a menina, deslumbrada.

— Espere — respondeu dona Aranha Costureira. — Faltam os pós de borboleta.

E ordenou às suas seis filhinhas que trouxessem as caixas de pó de borboleta. Escolheu o mais conveniente, que era o famoso pó Furta-todas-as-Cores, de tanto brilho que parecia pó de céu sem nuvens misturado com pó de sol-que-acaba-de-nascer. Polvilhada com ele a menina ficou tal qual um sonho dourado! Linda, tão linda, tão mais, mais, mais linda, que o espelho foi arregalando ainda mais os olhos, mais, mais, mais, até que — craque!... rachou de alto a baixo em seis fragmentos!

Em vez de ficar danada com aquilo, como Narizinho esperava, dona Aranha pôs-se a dançar de alegria.

— Ora graças! — exclamou num suspiro de alívio. – Chegou afinal o dia da minha libertação. Quando nasci, uma fada rabugenta, que detestava minha pobre mãe, virou-me em aranha, condenando-me a viver de costuras a vida inteira. No mesmo instante, porém, uma fada boa surgiu, e me deu esse espelho com estas palavras: “No dia em que fizeres o vestido mais lindo do mundo, deixarás de ser aranha e serás o que quiseres.”

— Que bom! — aplaudiu Narizinho. — E no que vai a senhora virar?

— Não sei ainda — respondeu a aranha. — Tenho de consultar o príncipe.

— Sim, mas não vire em nada antes de fazer destes retalhos um vestido para a Emília. A pobrezinha não pode comparecer ao baile assim em fraldas de camisa como está.

— Agora é tarde, menina. O encantamento está quebrado; já não sou costureira. Mas minhas filhas poderão fazer o vestido da boneca.

Não sairá grande coisa, porque não têm a minha prática, mas há de servir. Onde está a senhora Emília?

Narizinho não sabia. Depois que furtou os óculos da velha e saiu correndo, ninguém mais vira a boneca. Dona Aranha voltou-se para as seis aranhinhas.

— Minhas filhas — disse ela — o encanto está quebrado e logo estarei virada no que quiser. Vou portanto abandonar esta vida de costureira, deixando a vocês o meu lugar. O encantamento continua em vocês. Cada uma tem de conservar um pedaço do espelho e passar a vida costurando até que consiga um vestido que o faça rachar de admiração, como sucedeu ao espelho grande.

Nisto o príncipe apareceu. Narizinho contou-lhe toda a história, inclusive a atrapalhação da aranha quanto à escolha do que havia de ser.

O príncipe observou que seu reino estava com falta de sereias, sendo muito do seu agrado que ela virasse sereia.

— Nunca! — protestou Narizinho, que era de muito bons sentimentos. — Sereias são criaturas malvadas, cujo maior prazer é afundar navios. Antes vire princesa.

Houve grande discussão, sem que nada fosse decidido. Por fim a aranha resolveu não virar em coisa nenhuma.

— Acho melhor ficar no que sou. Assim, manca duma perna, se viro princesa ficarei sendo a Princesa Manca; se viro sereia, ficarei sendo a Sereia Manca — e todos caçoarão de mim. Além do mais, como já sou aranha há mil anos, estou acostumadíssima.

E continuou aranha.
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

47a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 31 de outubro, segunda-feira)


Formação para os professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
31/10/2011 - 09:00

Mostra do Programa Clube de Jovens da Secretaria de Inclusão Escolar de Buenos Aires
31/10/2011 - 09:00

Encontro com autor
31/10/2011 - 10:30

O Autor no Palco
31/10/2011 - 10:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Oficina de Trovas
31/10/2011 - 13:30
Aprenda a fazer trovas e suba os degraus da poesia. Oficina em módulo único

O gênero literário soneto está superado?
31/10/2011 - 14:00
Debate sobre a história do soneto e a leitura dos mesmos

Encontro com autor
31/10/2011 - 14:00

O Autor no Palco
31/10/2011 - 14:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
31/10/2011 - 14:00
Apresentação do grupo teatral do Colegio Dom Diogo

Tenda.doc: Sessão Fantaspoa - Lovecraft: Medo do Desconhecido
31/10/2011 - 14:30
Documentário, repleto de grandes presenças, faz uma crônica sobre a vida, a obra e as ideias por trás dos contos bizarros de Lovecraft. Direção de Frank H. Woodward

Juca o cavalo marinho
31/10/2011 - 15:00

O horror na biblioteca
31/10/2011 - 15:30
Um breve passeio pelos clássicos da literatura de horror, desde o nascimento do gênero no séc.XVIII até a primeira metade do séc.XX, quando o gênero foi fundido à ficção científica

Lobisomens: Sangue e Luar
31/10/2011 - 15:30

Bate-papo sobre terror
Dom Quixote e Dulcinéia contando Histórias
31/10/2011 - 15:30

A história do Saci, Lenda Popular e A bruxinha que era Boa, de Maria Clara
Cine SESC
31/10/2011 - 15:30

Exibição do filme O pequeno Nicolau
O Autor no Palco
31/10/2011 - 15:30

Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental
Oficina: Poesia e ilustração
31/10/2011 - 16:00
A partir da escolha de um texto poético, pensar o papel da ilustração como um veículo de reconstrução do texto. Oficina em módulo único

Histórias mal-assombradas
31/10/2011 - 16:00
Contos populares aterrorizantes

Tudo é Passageiro
31/10/2011 - 16:00

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - Faces do horror na literatura
31/10/2011 - 16:30
Uma viagem pelo gênero consagrado por Poe: o fascínio e a imortalidade da literatura de horror

Oficina: Fumproarte
31/10/2011 - 16:30

Normas legais, critérios de habilitação e seleção. Módulo 1/3

O Cavaleiro do Templo - Cruzadas e Templários
31/10/2011 - 17:00
Como um cavaleiro percebeu o renascer do ocidente no tempo das cruzadas

Gre-Nalzinho é sempre Gre-Nalzinho
31/10/2011 - 17:00

Biblioteca pública e escola
31/10/2011 - 17:30
O trabalho em conjunto da biblioteca pública de Biberach - Biblioteca do ano na Alemanha em 2009

Oficina aberta: sobre a necessidade de sentir medo
31/10/2011 - 18:00
O medo é a mais temida das sensações, mas, paradoxalmente, é uma das mais buscadas ao longo da vida

Fantasia Heroica: das revistas pulp ao panorama da literatura nacional
31/10/2011 - 18:30
As origens do gênero conhecido como Fantasia Heroica, ou Espada e Magia, nas revistas pulp e sua evolução até os dias atuais, com destaque para o novo cenário brasileiro na Literatura Fantástica

Oficina: Contos - a literatura e as sensações
31/10/2011 - 18:30
Oficina de escrita criativa com ênfase no conto e em técnicas narrativas variadas. Visa ao desbloqueio criativo e ao incremento de memória sensorial. Módulo 1/3

Arte às 18:30

Apresentação do Grupo Vocal e Instrumental de Vez em Canto
De Pai Para Filha - As 100 melhores receitas
31/10/2011 - 18:30

Doutrina e Prática dos Alimentos - 4ªEd.//Coisa Julgada Civil
31/10/2011 - 18:30

Colaboração no Processo civil - Vol.14 2ªEd.//Código de Processo Civil - 3ªEd.
31/10/2011 - 18:30

O caso Laura
31/10/2011 - 18:30

Cavaleiro do Templo IV
31/10/2011 - 18:30

Rumos da literatura de entretenimento e fantasia no Brasil
31/10/2011 - 19:00
Discussão com os autores sobre os rumos da literatura de entretenimento no Brasil e os caminhos dos romances de fantasia

Oficina: Design Editorial
31/10/2011 - 19:00

A ilustração na publicação gráfica. Módulo 3/3

2º Seminário Reinações - O fantástico e a literatura infantojuvenil
31/10/2011 - 19:00

O terror e o sobrenatural em Edgar Allan Poe
Cine Santander Cultural
31/10/2011 - 19:00
Sessão Comentada

Observação da lua através de telescópios - Laboratório de Astronomia - Faculdade de Física/PUCRS
31/10/2011 - 19:30
A atividade será cancelada caso não haja condições meteorológicas

Cordão da Saideira: Imaginário cantado
31/10/2011 - 20:00
Espetáculo musical insipirado no livro "Monstruário" de Mário Corso. Músicas e textos que fazem referência aos seres mitológicos que habitam o imaginário popular

Gordura Trans
31/10/2011 - 20:00
Espetáculo teatral

A Fada
31/10/2011 - 20:30

Filhos do Eden (autor autografa junto Deus Máquina)
31/10/2011 - 20:30

Deus máquina
31/10/2011 - 20:30

Dragões de Éter (volumes 1, 2 e 3)
31/10/2011 - 20:30

Sagas vol.3 - Martelo das Bruxas
31/10/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/