sábado, 28 de abril de 2012

Joaquim Manuel de Macedo (As Vítimas-Algozes - Quadros da Escravidão)


O livro As Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, foi escrito na segunda metade do século XIX, em 1869, 19 anos antes da Abolição da Escravidão. O livro pertence ao Romantismo, que foi uma escola literária de grande importância para a história de nossa literatura.

A obra não agradou o público oitocentista e recebeu várias críticas publicadas na imprensa, sendo considerado por Ubiratan Machado como “o livro mais atacado pela crítica durante o período romântico”.

As Vítimas-Algozes é, ao seu modo, um romance abolicionista. Não daquele abolicionismo que encontramos nas obras dos poetas acima relacionados. Como explica Macedo, na nota “Aos Nossos Leitores”, não lhe interessou, nas “educativas” e “moralizantes” histórias que entregava aos consumidores de sua vasta obra, pintar “o quadro do mal que o senhor, ainda sem querer, faz ao escravo”, mas, sim, o “quadro do mal que o escravo faz de assento propósito ou às vezes irrefletidamente ao senhor”. Dito de maneira mais direta, o romance antiescravista de Macedo quer convencer os seus leitores de que é preciso libertar os escravos não por razões humanitárias, mas porque os cativos, sempre imiscuídos nas casas-grandes e sobrados, introduzem a corrupção física e moral no seio das famílias brancas.

Na obra o autor expressa a idéia de que a escravidão faz vítimas algozes e deve ser gradualmente extinta, sem prejuízo para os grandes proprietários de terra. Num tom conservador e usando personagens como a escrava Lucinda, o autor defende a tese de que a escravidão cria vítimas oprimidas socialmente, mas com uma perversão lógica, imoral e com influência corruptora.

O tratamento entre patrão e escravo nos últimos anos do cativeiro, uma intimidade que beira o sado-masoquismo foi retratada por Joaquim Manuel de Macedo neste livro. Ele denuncia que, se o escravo é inegavelmente vítima de um regime desumano, a sua presença igualmente desagrega a sociedade branca no que ela teria de mais recomendável.

A obra é um retrato perfeito do Brasil pós-abolicionista.

De acordo com o contexto histórico da época, Joaquim Manuel alertava ao leitor burguês de que o melhor a fazer era gradualmente abolir a escravidão. Depois da abolição, ele explica que os negros foram 'largados' nas favelas, como acontece no início do filme "Cidade de Deus".

Desfilam pelas páginas das três histórias que compõem o livro: o negro feiticeiro, o “moleque” traiçoeiro, a escrava assassina, as negras que se amasiam com seus patrões, a mucama lasciva, os negros desocupados dos botequins, os mulatos espertalhões, enfim, um sem número de tipos que demonstram ao leitor o quão comprometedor da estabilidade social era a presença do escravo na intimidade doméstica.

O objetivo político das três histórias que compõem o livro está claro desde a nota inicial aos leitores. Professando narrar apenas “histórias verdadeiras”, queria firmar, na “consciência” do público, “as verdades que vamos dizer”. Obra de convencimento, portanto, As vítimas-algozes era tentativa de obrigar os leitores a “encarar de face, a medir, a sondar em toda sua profundeza um mal enorme que afeia, infecciona, avilta, deturpa e corrói a nossa sociedade, e a que nossa sociedade ainda se apega semelhante a desgraçada mulher que, tomando o hábito da prostituição, a ela se abandona com indecente desvario”. A retórica é semelhante àquela dos conselheiros de Estado em 1867, e Macedo recita as estrofes do isolamento internacional do país, do exemplo da guerra civil americana, do processo de emancipação em Cuba, e do caráter “implacável” da reforma, “exigência (...) da civilização e do século”. Afirma que a escravidão é “cancro social”, que se não “estirpa (...) sem dor”; mas o “adiamento teimoso do problema” agravaria o mal, pois o país poderia ter de enfrentar a “emancipação imediata e absoluta dos escravos”, colocando “em convulsão o país, em desordem descomunal e em soçobro a riqueza particular e pública, em miséria o povo, em bancarrota o Estado”.

O cenário apocalíptico que Macedo antevê como decorrência de uma possível emancipação imediata dos escravos revela já de início o que seria esta obra, a forma como faz desfilar uma galeria medonha de escravos astuciosos, trapaceiros e devassos, sempre dispostos a ludibriar os senhores e ameaçar os valores e o bem-estar da família senhorial. Preocupado em não deixar nada por explicar, Macedo esclarece que havia dois caminhos a seguir para mostrar aos leitores “a reprovação profunda que deve inspirar a escravidão”. O primeiro consistiria em narrar as misérias e os sofrimentos dos escravos, suas vidas “de amarguras sem termo”, o “inferno perpétuo no mundo negro da escravidão”. Seria o quadro do mal que o senhor faz ao escravo, “ainda sem querer”. O segundo caminho, aquele escolhido por Macedo, mostraria “os vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos dos escravos, inimigo natural e rancoroso do seu senhor”. Seria o quadro do mal que o escravo faz ao senhor, “de assentado propósito ou às vezes involuntária e irrefletidamente”.

1ª narrativa - "Simeão, o crioulo"

O protagonista, Simeão, perdera a mãe, que fora ama-de-leite da sinhazinha, aos dois anos, tendo sido criado pelos patrões. Até os oito anos de idade Simeão teve prato à mesa e leito no quarto de seus senhores, e não teve consciência de sua condição de escravo.

Tinha algumas regalias em função disso, mas não deixava de ter o estatuto e o tratamento de escravo, fator que se agravava e se tornava mais claro conforme ele se fazia adulto.

Depois dos oito anos apenas foi privado da mesa e do quarto em comum; continuou, porém, a receber tratamento de filho adotivo, mas criado com amor desmazelado e imprudente, e cresceu enfim sem hábito de trabalho.

Devia ter 20 anos, crioulo de raça pura africana, cabelos penteados, vestido com asseio e certa faceirice, era calçado e tinha vícios de linguagem.

Havia, no entanto, a expectativa de que seria alforriado quando o patrão morresse, o que não acontece, tendo este, em seu testamento, transferido a alforria certa para o momento em que a esposa falecesse.

Simeão, que já alimentava ódio contra os patrões, trama e realiza, juntamente com um comparsa, o assassinato da família toda e o saque do ouro e da prata que guardava. O quadro se reveste de maior crueldade porque os proprietários de Simeão se achavam, no íntimo, protetores bem-intencionados do mesmo, tendo, inclusive, na véspera do crime, decidido que iriam alforriá-lo imediatamente. Não eram, no entanto, capazes de questionar o sistema que os privilegiava, em todos os sentidos, e desumanizava o outro pólo (os escravos) da sociedade. Sistema que, Macedo diz com todas as letras, produz o ódio e o crime, no que o romancista estava se apoiando em dados da sociedade real.

Sua personalidade era ingratidão perversa, indiferença selvagem, inimizade, raiva, vícios, era vadio, dissimulado, ladrão, tinha instintos animais e era atrevido.

Seus senhores eram: Domingos Caetano, Angélica, Florinda e Hermano de Sales. Eram bons e humanos, tinham delicadeza de sentimentos e sentimentos generosos. Honestos e trabalhadores.

O autor constrói um perfil aterrorizante para o escravo, misto de tigre e serpente, de vítima e algoz, capaz de atacar quando menos se espera. Claramente procura amedrontar os brancos senhores de escravos e sugere como solução o fim da escravidão. Solução que configura a tese básica que passa pela conclusão de cada um dos três quadros da escravidão.

A novela não tem por final um desfecho romanesco, mas a reafirmação da tese do autor:

Simeão foi o mais ingrato e perverso dos homens.
Pois eu vos digo que Simeão, se não fosse escravo, poderia não ter sido nem ingrato, nem perverso.
A escravidão degrada, deprava, e torna o homem capaz dos mais medonhos crimes.

O narrador é didata: ele explicita a conduta, a forma de agir a ser adotada pelo leitor: Se quereis matar Simeão, acabar com Simeão, matai a mãe do crime, acabai com a escravidão.

2ª narrativa - "Pai-Raiol"

O feiticeiro. Algumas considerações do autor: o feitiço, como sífilis, veio da Àfrica; o escravo africano é o rei do feitiço.

Paulo Borges era um rico fazendeiro. Casara-se aos quarenta anos com Teresa, uma senhora ainda jovem que já lhe dera 2 filhos.

A compra de 20 escravos, entre eles Pai Raiol e Esméria. É o ano fatal de Paulo Borges. Acontece o adultério.

Os personagens são:

Paulo Borges - 46 anos. Alto, cabelos castanhos e crespos; fronte baixa sob sobrancelhas bastas; olhos pretos e belos, nariz aquilino; boca rasgada, lábios grossos e eróticos; rosto oval e bronzeado; seco de músculos; peitos largos e mãos engrandecidas e calejadas pelo trabalho. O tipo do lavrador honesto que hoje raramente se encontra, do pobre rico que se subtraia ao mundo, e só queria conhecer a roça e a casa, os escravos e a família, trabalhando sempre, gastando pouco, ajuntando muito, e não pesando a nenhum outro homem como ele. Não comprava homens, comprava máquinas; queria braços e não corações; gabava-se de senhor severo e forte, entrava nos seus timbres amansar os negros altanados e incorrigíveis.

Teresa - Jovem, simples de costumes, honesta, laboriosa, afeita à vida rural dos fazendeiros. Dirigia a dispensa, a enfermaria, e a grosseira rouparia dos escravos.

Os filhos Luís e Inês

Pai Raiol - Negro africano de 30 a 36 anos; baixa estatura, corpo exageradamente maior que as pernas; cabeça grande; olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à fixidez do seu olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo e por não sabermos que fruição de magnetismo infernal. Nas faces cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um golpe de azorrague partira pelo meio o lábio superior, e a fenda resultante deixara a descoberto dous dentes brancos, alvejantes, pontudos dentes caninos que pareciam ostentar-se ameaçadores. Sua boca era pois como mal fechada por três lábios; dous superiores e completamente separados, e um inferior perfeito. O rir era hediondo por semelhante deformidade. A barba retorcida e pobre, mal crescida no queixo, como erva mesquinha em solo árido. Suas orelhas perdera o terço da concha na parte superior, cortada irregularmente em violência de castigo ou furor de desordem. Tinha má reputação: desordem com os parceiros, furtos, envenenamentos. Já tivera 4 senhores. O último morrera de ulcerações no estômago e intestinos. Pai– Raiol acabara por dobrar-se humilde às condições da escravidão. Dizem que mudara devido aos seus felizes amores com a crioula Esméria, que com ele convivia e o dominava.

Esméria - Era uma crioula de 20 anos com as rudes feições da sua raça abrandadas pela influência da nova geração em mais suave clima; em seus olhos, porém, e no conjunto de seus traços fisionômicos, havia certa expressão de inteligência e de humildade que agradou à senhora. Esméria não era o que parecia. Refinara o fingimento. Via nos filhos de seus senhores futuros e aborrecidos opressores, e beijava-lhes os pés que às vezes desejava morder. Luzia-lhe nos olhos o amor da senhora, que a amava e distinguia, e lhe dispensava favores, e no fundo do coração maldizia dela. Invejava-lhe os vestidos, os gozos, a condição. Em sua louca vaidade pretendia ser mais bonita, mais bem feita, mais sedutora que Teresa. Era possessa do demônio da luxúria; amava os amantes de sua raça, preferia-os a todos os outros, mas envergonhava-se deles. Aspirava a fortuna do amor, da posse, da paixão delirante de um homem livre e rico. Ao contrário do que se pensava não havia uma influência benéfica de Esméria sobre o Pai-Raiol e sim uma influência satânica do Pai- Raiol sobre Esméria.

Tio Alberto

Lourença


O plano de Pai-Rayol: seis meses depois, os bois e as bestas morriam, e não havia peste: tornaram-se evidentes os sinais de envenenamento.

Em uma noite de ventania, o fogo devorou o imenso canavial. Mais uma vez as bestas, os bois e os carneiros morreram às dezenas, envenenados.

Paulo Borges amava Teresa, mas grosseiro escravo da sensualidade sucumbiu à sedução de Esméria. O demônio da lascívia deu poder à crioula. O senhor, o velho senhor ficou escravo da sua escrava.

O adultério hediondo faz da escrava rival da senhora, rival preferida que desordena a casa, enluta a família, e é cratera aberta do vulcão que espalha a ruína.

Teresa descobre o adultério e a traição: envelhecera 20 anos em 8 dias.

Atropelando a decência, insultando manifestamente a esposa, semeando a indisciplina e a mais perigosa desmoralização na fazenda, Paulo freqüentou de dia e aos olhos de todos, a senzala de Esméria.

Morre Teresa envenenada por Esméria. Esméria assume a casa do amante. Morre o filho recém-nascido de Teresa e Paulo, por falta do aleitamento materno; morrem Luís e Inês envenenados; Esméria começa a envenenar Paulo.

Lourença denuncia Esméria e prova a verdade a Paulo. Pai-Raiol é morto em uma luta pelo tio Alberto que é alforriado por Paulo. Esméria é presa. Paulo Borges arrasta sombria velhice atormentado pelos remorsos.

3ª narrativa - "Lucinda - A mucama"

É o terceiro e último romance em As vítimas-algozes.

Os personagens são:

Lucinda - "Engomo, coso, penteio e sei fazer bonecas"; a mulher escrava, uma filha da mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro de criaturas humanas, que se chama escravidão. Tem 12 anos, um pouco magra, de estatura regular, ligeira de movimentos, afetada sem excesso condenável no andar. Muito viva e alegre com pretensões a bom gosto no vestir; com aparências de compostura decente nos modos; diligente e satisfeita no trabalho. Trazia dissimuladamente escondidos os conhecimentos e noviciados dos vícios e das perversões da escravidão; corrupta, licenciosa, imoral; indigna de se aproximar de uma senhora honesta, quanto mais de uma inocente menina.

Plácido Rodrigues - padrinho de Cândida, o mais opulento fazendeiro e capitalista do lugar; pai de Frederico.

Frederico - perdeu a mãe ao nascer e foi amamentado por Leonídia. Inteligente e estudioso. Reflexão fria e segurança de juízo. Foi juntamente com Liberato à Europa para fazer estudos regulares de agricultura e pretendiam continuar os estudos nos Estados Unidos. Fronte magnífica, a face porém descarnada, de ossos salientes, pálida, desproporcionada e melancólica, os olhos ardentes. Dedicado aos amigos e na dedicação capaz de ir até a heroicidade. Muito racional. Era ele o planejado noivo de Cândida.

Cândida - loura, olhos azuis e belos, olhar de suavidade cativadora; rosto oval da cor da magnólia com duas rosas a insinuarem-se nas faces; os lábios quase imperceptivelmente arqueados, lindíssimos, os dentes iguais, de justa proporção e de esmalte puríssimo; as mãos e os pés de perfeição e delicadeza maravilhosas; o pescoço e o corpo com a gentileza própria de sua idade. Cândida antes de Lucinda tinha 11 anos e com a perfeita inocência de sua primeira infância; espírito cheio de luz suave e idéias serenas e preciosas; eeu coração era um altar adornado pelo amor de seus pais. Cândida de pois de Lucinda era capaz de ser ardilosa e dissimulada para enganar a mãe; "prendeu a alma às palavras venenosas, às explicações necessariamente imorais da escrava".

Florêncio da Silva - honrado, inteligente e rico negociante; um pouco agricultor por distração e gosto: bom, afável e generoso, repartindo as sobras da riqueza que acumulava com os pobres que não eram vadios; tinha poderosa e legítima influência eleitoral e política na sua comarca.

Leonídia - esposa modelo; mãe extremosa.

Liberato - irmão mais velho de Cândida; bonito de rosto e elegante de figura; fazia seus estudos preparatórios na Corte; muito amigo de Frederico, inteligente e estudioso; possuía brilhantismo de imaginação.

Alfredo Souvanel - Amigo de Liberato e Frederico. Encontraram–se na Suíça. Tinha 26 anos, estatura regular, louro, de olhos cintilantes, era de aspecto agradável, bem talhado de corpo. Esmerava-se no trajar, embora não tivesse muitos recursos. Tinha instrução superficial, mas inteligência fácil, espírito, e gênio alegre. Habilíssimo pianista e excelente voz de barítono. Era francês, mas esperava ganhar dinheiro no Brasil ensinando piano e canto. Era o mais alegrão, travesso, original, espirituoso e endiabrado companheiro de folganças. Tornou-se professor de Cândida.

A narrativa conta a história de Cândida, filha de honrado negociante e agricultor do interior da província do Rio de Janeiro. Em seu aniversário de onze anos, a menina recebera de presente do padrinho, Plácido Rodrigues, “o mais opulento fazendeiro e capitalista do lugar”, uma escrava crioula chamada Lucinda, de doze anos, que havia sido enviada à Corte para aprender a servir de mucama. A mucama logo conquistou a senhorinha ao dizer que sabia fazer bonecas e penteá-las. O padrinho empenhara-se em conseguir uma escrava que pudesse agradar a afilhada porque sabia que a menina andava triste devido à recente partida de Joana, “uma boa senhora, mulher pobre, mas livre e de sãos costumes, que fora sua ama de leite e a idolatrava como seus pais”. Joana, que enviuvara ainda moça, encontrara segundo noivo num “laborioso e honrado lavrador”, deixando por isso a sua adorada Cândida “com o maior pesar”.

Macedo oferece uma primeira ilustração de sua tese no romance ao contrastar a virtuosíssima Joana com a mucama Lucinda. Joana é descrita como uma “segunda mãe”, “criada amiga”, “companheira do seu quarto de dormir”, mulher “simples, boa e religiosa”. Cândida perdera “a companhia da mulher que era nobre, porque era livre” e que servia com o “coração cheio de amor generoso”, algo só possível “quando a liberdade exclui toda imposição de deveres forçados por vontade absoluta de senhor”. Em substituição, a menina recebera a crioula quase de sua idade, “a mulher escrava, uma filha da mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro desumanizador de criaturas humanas, que se chama escravidão”. Diante desse quadro os acontecimentos desenrolam-se naturalmente, sendo que o maior desafio é entender o porquê de Macedo ter achado necessário escrever quase quatrocentas páginas para contar essa história. A mucama tem uma influência nefasta sobre a donzela, de quem se torna a única confidente nos anos seguintes. Ensina-lhe o que ocorre quando a menina vira moça, desperta-lhe a curiosidade pelos rapazes, ministra-lhe lições de flerte e namoro, mostra-lhe ser mais divertido namorar vários rapazes ao mesmo tempo, e assim por diante, num desfilar constante de idéias destinadas a “excitar os sentidos” da donzela cândida e pura. As lições de amor da mucama eram inspiradas “pelo sensualismo brutal, em que se resume todo o amor nos escravos”; portanto, “a mucama escrava ao pé da menina e da donzela é o charco posto em comunicação com a fonte límpida”.

Com a mucama escrava infiltrada no quarto da donzela, foi possível a um conquistador barato, um francês estróina e ladrão, insinuar-se aos amores de Cândida, conquistá-la efetivamente e tirar-lhe o maior símbolo da honestidade feminina. Lucinda, criatura ruim como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre, tornara-se ela mesma amante de Souvanel, tramara tudo com ele, e até abrira o quarto da virgem para a consumação do delito. A idéia dos biltres era forçar o casamento de Souvanel com Cândida; dado o golpe do baú, Lucinda ganharia a liberdade e ficaria teúda e manteúda do francês. No final, Frederico, criatura virtuosa como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre, filho do padrinho de Cândida, apaixonado por ela desde menino, perdoa o erro da amada e casa com ela. Descobrira-se que Souvanel era na verdade Dermany, criminoso procurado na França. O vilão é preso e deportado. Lucinda e o pajem do pai de Cândida, também envolvido na trama para aproximar Souvanel da donzela, fogem dos senhores, são capturados, mas acabam abandonados ao poder público pela família. Frederico, o anjo, fecha o romance e o nosso martírio com um discurso abolicionista que aqui transcrevo, para martirizar o leitor, ou ao menos para dividir com ele o meu sofrimento. O discurso aparece nas páginas 388 e 389 do segundo volume de As vítimas-algozes (o primeiro volume, com outras duas histórias). Referindo-se a Lucinda e ao pajem, “esses dous traidores e perversos”, Frederico disse:

- Árvore da escravidão deram seus frutos. Quem pede ao charco água pura, saúde à peste, vida ao veneno que mata, moralidade à depravação, é louco. Dizeis que com os escravos, e pelo seu trabalho vos enriqueceis: que seja assim; mas em primeiro lugar donde tirais o direito da opressão? ...em face de que Deus vos direis senhores de homens, que são homens como vós, e de que vos intitulais donos, senhores, árbitros absolutos? ... e depois com esses escravos ao pé de vós, em torno de vós, com esses miseráveis degradados pela condição violentada, engolfados nos vícios mais torpes, materializados, corruptos, apodrecidos na escravidão, pestíferos pelo viver no pantanal [“patanal”, no original] da peste e tão vis tão perigosos postos em contato convosco, com vossas esposas, com vossas filhas, que podereis esperar desses escravos, do seu contato obrigado, da sua influência fatal? ...Oh! bani a escravidão!... a escravidão é um crime da sociedade escravagista, e a escravidão se vinga desmoralizando, envenenando [“evenenando”, no original], desonrando, empestando, assassinando seus opressores. Oh! ...bani a escravidão! bani a escravidão! bani a escravidão!....

Nota: Ainda que Macedo atribua os defeitos morais de Lucinda e seus pares à instituição da escravidão, a sua descrição dos cativos é tão impiedosamente desfavorável que torna-se difícil pensar na possibilidade de que essas pessoas, uma vez libertas, possam usufruir de direitos de cidadania e participar da vida política. De fato, uma característica intrigante de vários pronunciamentos favoráveis à lei de 1871 era a descrição dos escravos como seres quase destituídos de humanidade, pois a violência da instituição os desprovia de cultura, de regras de comportamento; por conseguinte, não desenvolviam laços de família, relacionavam-se sexualmente como animais, atacavam os senhores como bestas feras. Enfim, pareciam condenados a uma espécie de coisificação moral, resultado direto de sua condição de propriedade, de sua representação como coisa no direito positivo.

Fonte:
Passeiweb

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Maranhão

Wagner Marques Lopes /MG (A FAMÍLIA em trovas), parte 3


Mãe

A mãe é o ser que confia
em seu filho, a toda prova.
Ora, age e renuncia
para vê-lo em senda nova.

A fórmula da paz caseira

Brigas em casa, à vontade?
Eis a fórmula eficaz:
ouvir com serenidade
+ perdão = a paz.

Família - opção pelo ser

Fama, glória, altas vistas...
Minimiza sempre o ter.
Liberdade tu conquistas
Aperfeiçoando o Ser.

Amor em família

Em família, a vida é feita
de senões, a cada instante.
Não podendo ser perfeita,
tendo o amor... Eis o bastante.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Clotilde Tavares (Aconteceu na Caatinga)


Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz.

- Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas.

- Mas que novidade é essa? - falou a Jurema.

- Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado.

- Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá.

A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio.

E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes.

Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada.

O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada:

- Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente.

- Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma solução.

Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado.

- Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga.

E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou:

- Estou sentindo cheiro de água!

- É mesmo! - gritaram todos.

- O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema.

- Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados.

O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu:

- Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades!

E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo.

- As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos!

E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra.

E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu:

- É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!

Fonte:
Revista Nova Escola

Clotilde Tavares (1947)


CLOTILDE TAVARES é paraibana de Campina Grande (dezembro de 1947), filha de Nilo e Cleuza.

Graduou-se em Medicina pela UFRN em 1975, e em 1983 obteve o título de Mestre em Nutrição em Saúde Pública pela UFPE.

Radicou-se em Natal e, como professora da UFRN desde 1976, dedicou-se à pesquisa no campo da Saúde Pública. Especialista em Epidemiologia pela UFRN.

O Teatro, a Literatura e os estudos sobre cultura popular também ocuparam lugar de destaque na sua vida, como atividade paralela.

A partir de 1993 passou a se dedicar exclusivamente às atividades artísticas e intelectuais, transferindo-se do Departamento de Saúde Coletiva e Nutrição da UFRN, onde ensinava desde 1976, para o Departamento de Artes da mesma Universidade.

Mesmo aposentada, continua exercendo intensa atividade cultural. Escreve em jornais, é atriz e diretora de teatro, dramaturga e desenvolve estudos na área da cultura popular, além de promover eventos culturais.

Divide suas atividades entre os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Fontes:
http://www.clotildenews.digi.com.br/eumesma.htm
http://www.skoob.com.br/autor/1543-clotilde-tavares

Rubem Braga (Como se fora um Coração Postiço...)


Nasceu, na doce Budapest, um menino com o coração fora do peito. Porém - diz um dr. Mereje - não foi o primeiro. Em São Paulo, há 7 anos, nasceu também uma criança assim. "Tinha o coração fora do peito, como se fora um coração postiço."

Como se fora um coração postiço. . . O menino paulista viveu quatro horas. Vamos supor que tenha nascido às cinco horas. Cinco horas! Um meu amigo, por nome Carlos, diria: a hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam. .

Madrugada paulistana. Boceja na rua o último cidadão que passou a noite inteira fazendo esforço para ser boêmio. Há uma esperança de bonde em todos os postes. Os sinais das esquinas - vermelhos, amarelos, verdes - verdes, amarelos, vermelhos - borram o ar de amarelo, de verde, de vermelho. Olhos inquietos da madrugada. Frio. Um homem qualquer, parado por acaso no Viaduto do Chá, contempla lá embaixo umas pobres árvores que ninguém nunca jamais contemplou. Humildes pés de manacá, lá embaixo. Pouquinhas flores roxas e brancas. Humildes manacás, em fila, pequenos, tristes, artificiais. As esquinas piscam. O olho vermelho do sinal sonolento, tonto na cerração, pede um poema que ninguém faz. Apitos lá longe. Passam homens de cara lavada, pobres com embrulhos de jornais debaixo do braço. Esta velha mulher que vai andando pensa em outras madrugadas. Nasceu, em uma casa distante, em um subúrbio adormecido, um menino com o coração fora do peito. Ainda é noite dentro do quarto fechado, abafado, com a lâmpada acesa, gente suada. Menino do coração fora do peito, você devia vir cá fora receber o beijo da madrugada.

Vamos andar pelas praças desertas, onde as estátuas molhadas cabeceiam de sono. Menino do coração fora do peito, os primeiros bondes estrondam. Vamos ouvir de perto esses barulhos da madrugada.

6 horas. O coração fora do peito bate docemente. 7 horas - o coração bate... 8 horas- que sol claro, que barulho na rua!- o coração bate…

9 horas- morreu o menino do coração fora do peito. Fez bem morrer, menino. O dr. Mereje resmunga: "Filho de pais alcoólatras e sifilíticos. . ." Deixe falar o dr. Mereje. Ele é um médico, você é o menino do coração fora do peito. Está morto. Os "pais alcoólatras e sifilíticos" fazem o enterro banal do anjinho suburbano. Mas que anjinho engraçado!- diz Nossa Senhora da Penha. O anjinho está no céu. Está no limbo, com o coração fora do peito. Os outros anjinhos olham espantados.

O que é isso, "seu paulista? Mas o menino do coração fora do peito está se rindo. Não responde nada. Podia contar a sua história: "o dr. Mereje disse que. . ."- mas não conta. Está rindo, mas está triste. Os anjinhos todos querem saber. " Então o menino diz:

- Ora, pinhões! Eu nasci com o coração fora do peito. Queria que ele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. Queria que ele batesse livre, bem na vista de toda a gente, dos homens, das moças. Queria que ele vivesse à luz, ao vênto, que batesse a descoberto, fora da prisão, da escuridão do peito. Que batesse como uma rosa que o vento balança…

Os anjinhos todos do limbo perguntaram:

- Mas então, paulistinha do coração fora do peito, pra que é que você foi morrer?

O anjinho respondeu:

- Eu vi que não tinha jeito. Lá embaixo todo mundo carrega o coração dentro do peito. Bem escondido, no escuro, com paletó, colete, camisa, pele, ossos, carne cobrindo. O coração trabalha sem ninguém ver. Se ele ficar fora do peito é logo ferido e morto, não tem defesa.

Os anjinhos todos do limbo estavam com os olhos espantados. O paulistinha foi falando:

- E às vezes, minha gente, tem paletó, colete, camisa, pele, ossos, carne, e no fim disso tudo, lá no fundo do peito, no escuro, não tem nada, não tem coração nenhum... E quando eu nasci, o dr. Mereje olhou meu coração livre, batendo, feito uma rosa que balança ao vento, e disse, sem saber o que dizia: "parece um coração postiço". Os homens todos, minha gente, são assim como o dr. Mereje.

Os anjinhos estavam cada vez mais espantados. Pouco depois começaram a brincar de bandido e mocinho de cinema, e aí, foi, acabou a história. Porém o menino estava aborrecido, foi dormir. Até agora, ele está dormindo. Deixa o anjinho dormir sono sossegado, dr. Mereje!

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

J. G. de Araújo Jorge (Começo de História)


Era uma vez, há muito... uma vila bisonha,
nada mais que um humilde e pequeno povoado
na longínqua fazenda de "Morro Queimado"...
- Umas casas na encosta da montanha,
e à frente a floresta, e a descer tal como uma serpente
pelo fundo do vale: a corrente do rio
com seu dorso de prata arrepiado de frio...

Foi no ano e mil oitocentos e dezoito,
(e era um plano talvez aventureiro e afoito)
- que D. João... (há de a História fazer-lhe Justiça!)
trouxe das altas serras dos cantões da Suíça
para colonizar a terra brasileira
100 famílias de gente pacífica e ordeira.

Ampliou-se depois... E as casas de madeira,
- como um trecho da Suíça em terra brasileira -
foram crescendo ao léu, pelo fundo do vale,
aconchegando aos ombros o vermelho xale
dos telhados, - tremendo ao frio e à geada,
sem ter uma lareira na sala apropriada...

Casas avarandadas, rústicas e belas,
com gerânios no friso alegre das janelas,
olhando o panorama claro e matinal
e a pensar que ainda estavam na terra natal!

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Canto à Friburgo, 1961.

Esopo (Fábula 5: O Leão, o Urso e a Raposa)


Um leão e um urso tinham apanhado um veadinho que depressa mataram. Mal o fizeram, começaram os dois a brigar para ficarem com ele. Tão longa e dura foi a batalha que, por fim, ficaram cansados e deitaram-se para ganhar fôlego.

Nesse momento, uma raposa que por ali passara correu como uma seta, agarrou no veado e levou-o. Os dois rivais tinham visto o que se passara, mas estavam muito cansados para interferir.

"Que tolos nós fomos!", disseram eles. "Em vez de nos contentarmos em dividir a nossa presa, lutámos um com o outro, e agora perdemos tudo por causa da esperta da raposa!"

Moral da história

Quando duas pessoas litigam pelos seus direitos, acontece muitas vezes que um terceiro, mais inteligente, se aproveita da presa.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

IV Prêmio de Literatura Unifor (Classificação Final)


Na noite de 25 de abril, foram conhecidos os vencedores do IV Prêmio de Literatura Unifor, que nesta edição contemplou o gênero poesia. Ao todo foram inscritos cerca de 350 trabalhos de 180 participantes, entre concorrentes do Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em solenidade realizada no Teatro Celina Queiroz, o livro "Cem pequenas poesias do dia a dia", de autoria do paulista André Kondo, foi anunciado o grande vencedor na categoria Obra Inédita, que recebeu como prêmio uma viagem a Washington, para visitar a Biblioteca Nacional do Congresso Americano, além da publicação da obra.

Na categoria Trabalhos Inéditos, 20 autores foram premiados. O primeiro lugar ganhou uma viagem ao Rio de Janeiro, para visitar a Biblioteca Nacional, e os classificados do 2º ao 20º lugar foram agraciados com a publicação dos trabalhos numa coletânea, sendo disponibilizado 20 exemplares a cada um.

Confira os ganhadores:

Categoria: Obra Inédita

1º lugar - Cem pequenas poesias do dia a dia - André Kondo

Categoria: Trabalhos Inéditos

1º lugar – A menina e o mar - Perpétua Amorim
2º lugar – É melhor que fique assim - Nemésio Dias Silva Filho
3º lugar – Procissão - Maria Lúcia Sales Crisóstomo
4º lugar – Não sei como me sinto - Kalina Grangeiro Landim
5º lugar - Fotografia - José Osterno Campos de Araújo
6º lugar – Vermelho em dois tons - Talita Cavalcante Nogueira
7º lugar – Memórias de Macabéa - Lúcio Flávio Gondim da Silva
8º lugar – Poema de quando tudo é eterno - Valmir Luiz Saldanha
9º lugar – Tradição - Tatiana Alves Soares Caldas
10º lugar – Caminho Azul - Ana Cristina Mendes Gomes
11º lugar – Saudade - Francisco Edmar de Freitas
12º lugar – Ciranda da menina - Vera do Nascimento Alves
13º lugar – Pelas luzes do pé de carambola - Alan Mendonça
14º lugar – Das cores das flores - Ivaíze Rodrigues
15º lugar – O entardecer - Valdemir de Castro Pacheco
16º lugar – Antes da saudade de antes - Silvana Michele Ramos
17º lugar – Estação - André Kondo
18º lugar – Para José Alcides Pinto - Antônio Flávio da Silva
19º lugar – Fundo Infinito - Éder Rodrigues
20º lugar – Ela monta um sorriso - Thiago Fonseca Veras

Fonte:
http://concursos-literarios.blogspot.com

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Goiás

Wagner Marques Lopes /MG (A FAMÍLIA em trovas), parte 2


A dolorosa roda da herança

Roda de dor, muita antiga,
pesada, que não avança...
Até hoje, o que se briga
pela partilha da herança!...

Amor ao próximo mais próximo

Se aos estranhos dou incenso
e aos da casa só o fel,
onde a paz, o amor imenso,
se o desatino é cruel?...

Quem educa é detentor do futuro

Se corrijo e disciplino
o solo, garanto os grãos:
ao educar o menino
guardo o futuro nas mãos.

Em busca da família perfeita

- Quero a família perfeita,
antecipando o porvir.
Diz o Bem: - Você aceita
ser o primeiro a servir?...

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Esopo (Fábula 4: O Milhafre e os Pombos)


Uns pombos, que tinham sido atacados por um falcão, foram ter com um milhafre e pediram-lhe que os protegesse. O milhafre foi devidamente coroado como rei dos pombos e prometeu solenemente guardar os seus súditos.

Mas, passado pouco tempo, o milhafre disse-lhes que agora era o rei e que tinha o direito de levar e comer um pombo sempre que lhe apetecesse. O resto da família do milhafre fez o mesmo, e os pombos depressa compreenderam que o milhafre estava a causar maior perturbação em poucas semanas do que o falcão causara em muitos meses.

"Não merecemos outra coisa!", lamentaram-se os pombos. "Não o devíamos ter deixado entrar!"

Moral da história

É perigoso pedir a proteção dum homem perigoso e cheio de ambições. Pode estar unicamente interessado a proteger-se a si próprio.
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Nota:
Milhafre, também conhecido por milhano ou bilhano, é a designação comum dada às aves do género Milvus e Circus da família Accipitridae. Nos Açores a designação corresponde às aves da espécie Buteo buteo ssp. rothschildi, também chamadas queimado ou águia-de-asa-redonda.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Espírito Santo

Wagner Marques Lopes (A FAMÍLIA em trovas), parte 1


Família, pedra angular da sociedade

Família – pedra angular
da sociedade e da raça.
Sem ela, esboroa o lar
e a cultura se esfumaça.

Família e renovação

Onde o infiel se renova?...
Luz dos céus, zelo divino!
A família aceita a prova,
reajustando o menino.

Família, estrela inapagável

Família é sol – força e vida -
quem há de obscurecê-la?
A nuvem mais densa é fluida,
de vez não tolda uma estrela.

Opção: família ou egoísmo?

Desde a mais remota era
a família tem valor.
Sem ela, o egoísmo impera
num circo avassalador.

Fonte:
O Autor

Esopo (Fábula 3: O Lobo e o Cordeiro)


Estava um lobo a beber água num rio, quando avistou um cordeiro que também bebia da mesma água, um pouco mais abaixo. Mal viu o cordeiro, o lobo foi ter com ele.

"Que vem a ser isto, seu malandro ?", disse o lobo. "Que pretendes, turvando a água para que eu não possa bebê-la ?"

"Desculpa", replicou o cordeiro, "mas, como eu estava a beber mais abaixo, não pensei sujar a água onde tu estavas."

O lobo estava resolvido a brigar com o cordeiro.

"Pode ser", disse ele "mas há uns meses disseste mal de mim nas minhas costas, seu malvado."

"Não pode ser", disse o cordeiro."Há seis meses eu ainda nem sequer tinha nascido!"

"O quê?", disse o lobo. "Não tens vergonha? Toda a tua família sempre odiou a minha. Se não foste tu que disseste mal de mim, foi o teu pai!"

E, dizendo isto, o lobo saltou para cima do pobre cordeiro, despedaçou-o e comeu-o.

Moral da história

Os que são desprovidos de sentimentos humanos raramente darão ouvidos à voz da razão.
Quando o poder é dado à crueldade e à injustiça, é inútil argumentar contra eles, porque o
opressor achará sempre maneira de culpar a sua confiada vítima.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Fernando Paganatto (Livro de Sonetos)

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SÃO AMORES?

São amores estas ondas que trazes
Vindas de continentes tão distantes,
Que descrevo, agora, em versos e frases,
Em eternos e pequenos instantes?

São? Ora, me contas uma quimera!
E são as ondas como são amores,
Este incessante vai-e-vem? Quem dera,
Seria tão mais fácil aos amadores!

Mas não! Mais amor do que as ondas são
Recifes que na praia ao longe avisto
E misturam-se, ao horizonte, ao mar.

Marés altas e baixas passarão
E estas pedras tão imóveis, insisto,
Ficarão para sempre em nosso olhar.

GAVETA

Sonha nos braços da amada
Viver pra sempre o poeta,
Como uma frase olvidada
No fundo de uma gaveta.

Não que não será usada.
A frase, inda que secreta,
Vive n’alma apaixonada
E por esse amor completa.

E existe no seio amado,
De frases uma gaveta
A espera de seu poeta.

Para que na hora correta
Possa recitar ao lado
Do motivo de seu fado.

SONHO SOBRE UM CAMPO DE CENTEIO

Voando passei por prado de centeio
Vereda abriu sob meu ventre voador
Voltava num vasto devaneio
Vôo d’alma livre como dum condor

E os trigos gritavam: Sim, ele veio!
E me olhavam os ares com pudor
A tudo em volta voava eu alheio
De tal modo a sonhar ser sonhador

As estrelas calam a fala ao meio
Escala o sol a terra com ardor
Cola a noite o horizonte ao seio

Do menino a luz nos olhos é dor
Lembrar-se torna, ao travesseiro, anseio
De um futuro, de sonhos, rimador.

DOCE MEL

Doce mel de vívidos canaviais,
É a baba dos deuses pelos manjares.
Tem, portanto, propriedades vitais
Como a cura para certos pesares.

E estes pesares são os passionais,
Que vivem espreitando nossos lares
Afim de levar um coração mais
Para o umbral das almas que não têm pares.

Sim, amigo etílico, você entende
O que um homem pode, algum dia, passar.
O ruim é que teu consolo mal rende:

Os olhos já começam a pesar,
O som já quase não mais se compreende
E tudo que se deseja é acordar.

DA TRISTEZA D’MAR

Triste é o mar que é só mar
E milhas à frente nada,
A não ser o alvo luar
E minha rota ignorada.

Triste, então, é meu pensar
Na breve vida passada,
E dirijo ao mar o olhar,
Ao desejar ser tocada

Minh’alma por belas mãos,
Que acariciam, ao vento,
Em farta imaginação,

O bom de haver sofrimento.
Mas, teus olhos voltarão,
Quando não houver mais tempo.

SONETO DO TEU PARTIR

O que restou, somente, foi teu lenço
Largado, na partida, sobre o cais.
Acompanhando-o está meu silêncio
E essa dor que não se despede mais.

Queria que na brisa do oceano
Eu sentisse de novo teu perfume
E tornassem, com ventos assoprando
As lembranças da razão que nos une.

Só assim poderei virar de costas
Para o mar onde agora tu te encontras
E caminhar com o espírito leve.

E a cada atracar de uma nova frota
Uma esperança em meu coração brota:
A de ler, para sempre, quem escreve.

CORAÇÃO SELETIVO

Ao notar o arriar das velas,
Percebi que breve iria
Deixar lembranças mui belas,
Neste porto da alegria.

Sei que nada fiz por elas.
A mente, conservei fria.
Reparei nas caravelas
Que atracavam na baía,

E de todas me esqueci
Quando, de manhã, parti
Somente vendo uma imagem.

E durante toda a viagem,
Acompanhou-me a miragem,
Que, um dia, pude ter de ti.

SONETO DO ETERNO NAVEGAR

É longínquo o horizonte buscado
Como teu semblante, é cálido e firme,
E quanto mais as ondas eu domine
Fica distante o som do teu pecado.

Mas não pretendo, em falso, redimir-me
Pois sei o que me faz ter navegado
Tantas milhas ao mar, desesperado
A alcançar a imaginação sublime.

Se no horizonte não pude atracar
Em muitos portos fui bem recebido
Mas sempre terminei por navegar.

Posso estar sendo marujo atrevido
Porém, é meu destino sempre o mar
E sei, nunca serei bem sucedido.

Fonte:

Fernando Paganatto (1985)


Nasceu em 13 de fevereiro de 1985.
 Escritor profissional.

Estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo.

Possui diversos cursos na área de Comunicação Institucional, Redação, Escrita Criativa e Marketing, principalmente Marketing Político.

Poeta e cronista, com publicações em diversas antologias e sites da internet.

Foi colunista de "Variedades" do site 40graus.com e colaborador de "Crônicas de Viagens" do site literário Blocos on line.

Redator de diversos blogs (literatura, comportamento, juventude, política, movimentos sociais, etc.).

Atuante em direitos humanos.

Publicações de matérias em sites como: Diário Liberdade, Correio da Cidadania, Caros Amigos, entre outros.

Prêmios:

Primeiro colocado no IV Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia, 2008.

2º colocado no I Concurso Nacional de Poesia do GASP, 2009.

Finalista no X Concurso de Poesia Agostinho Gomes, Biblioteca Municipal Ferreira de Castro, Portugal, 2009.

Finalista Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro, edição 2009/Contos.

Classificado para publicação no Concurso Nacional Novos Poetas - Prêmio Poetize, 2012.

Fonte:

Angela Lago (Tampinha)


Era uma vez uma menina tão pequena que, cada vez que espirravam por perto, ela voava. Seu nome era Tampinha. Ela usava uma tampinha de garrafa na cabeça para ficar mais pesada e aterrissar mais depressa quando voava.

Tampinha vivia com sua avó numa casa à margem do Rio do Mato Perdido. Essa avó era quem cuidava dos doentes da região. Ela sabia o chá certo para tudo, menos para a pequenez da menina.

Perto morava um rapaz... que eu esqueci o nome. Era um rapaz muito simpático e, para facilitar esta história, vou chamá-lo de Bonito.

Um dia Bonito ficou doente.

- Para salvar o Bonito só um chá da flor preta da árvore do Curupira - disse a avó.

- Mas onde vou arranjar alguém com coragem para buscar essa flor!

Na hora Tampinha respondeu:

- Eu vou.

- Imagina! Logo você, desse tamanhico!

Que tamanhico que nada! A menina entestou que iria de qualquer jeito e danou a falar que ia, porque ia, até a avó ficar desesperada:

- Então vai.

Mas, antes de a menina ir embora, a avó apanhou uma pimenta-malagueta bem forte. Amarrou a pimenta no pescoço de Tampinha e lhe ensinou umas palavras mágicas para ela falar nas horas de perigo.

E lá foi ela no seu barquinho de papel, com uma agulha servindo de espada, uma colherzinha de café como remo e a pimenta dependurada no pescoço.

Enquanto ela remava, ia recitando as palavras mágicas. Tinha medo de esquecer alguma na hora do perigo:

Pimentum, pimentom, pimentém, pimentim;
peixe quer água, eu quero atchim.
Pimentur, pimentor, pimenter, pimentir;
e quero voltar de onde eu quero ir.

Pois muito bem. De repente Tampinha deu de cara com Cobra Grande cantando:

Você tem avó, eu tenho um tio.
Venha comigo pro fundo do rio.
Você tem agulha, eu tenho um fio.
Venha calada sem dar nem um pio.

As palavras mágicas sumiram da cabeça da menina. Com muito custo, saiu, num fiapinho de voz:

- Pimentim, eu quero atchim...

A Cobra Grande se curvou para escutá-la, sentiu o cheiro forte da pimenta, teve uma coceira no nariz e acabou espirrando:

- A... A... Atchim!

Era o que era preciso. Lá se foi nossa heroína voando pelos ares.

Mas, como ela não tinha se lembrado de todas as palavras, a mágica funcionou um pouco errada, e ela aterrissou justo na praia da Onça-Pintada.

A Onça-Pintada viu aquela menina apetitosa, lambeu o beiço e veio andando com suas patas macias.

Tampinha ficou branca de medo e nada de lembrar os versos mágicos. Ela só conseguiu enrolar a língua de qualquer jeito:

- Pimentrim... primentrum...

A Onça espichou o ouvido para tentar entender e aí sentiu aquele cheiro desgraçado de pimenta. Seu nariz danou a coçar e veio o espirro:

- A... A... A... A... Atchim!

Tampinha voou pelos ares.

Mas, como ela tinha se atrapalhado com as palavras, a mágica também ficou meio atrapalhada. Ela logo caiu, como uma geringonça qualquer; por pouco não quebra a perna. De qualquer forma já estava livre da Onça. Na sua frente o que via era uma árvore enorme.

- Céus! A árvore do Curupira! Será que o Curupira...

Tampinha olhou para todos os lados:

- Que sorte! Parece que o Curupira não está por perto! A árvore era belíssima, sem nenhum exagero; alta, imensa. E lá, no último galho, estava a flor preta. O problema era que Tampinha não dava conta de subir nem no primeiro galho! Ela, então, sentou-se num canto, sem saber o que fazer.

Come esta frutinha
e cresça bonitinha.

A árvore farfalhou e deixou cair um fruto.

Tampinha provou, mas achou a fruta muito doce e não terminou de comer. Seus braços cresceram, mas o resto continuou do mesmo tamanho.

Ô filhote louco,
come mais um pouco.

A árvore farfalhou de novo e deixou cair mais um fruto.

Na segunda dentada, Tampinha jogou o fruto longe. Estava muito amargo. Pois muito bem: dessa vez, só suas pernas cresceram. Ela ficou horrível com as pernas e os braços compridos e o resto todo do mesmo tamanho.

Come de uma vez!
Um... dois... três!

Era a árvore jogando mais um fruto. Dessa vez Tampinha comeu tudo.

Quando terminou, estava moça feita. Alta, como qualquer moça, se vocês me acreditam. E o melhor: deu conta de apanhar a flor.

Mas, justo no momento em que ela estava apanhando a flor, alguém apareceu entre as folhas dos galhos... Era o Curupira!

- Com que direito você entrou no meu mato, subiu na minha árvore, apanhou a minha flor?!?

Tampinha ficou branca de novo, e tratou de recitar:

Peixe quer água, eu quero atchim.
Me esperam de volta, de onde eu vim.

Curupira se curvou para ouvir melhor a moça e sentiu o cheiro da pimenta. Seu nariz desandou a coçar e aconteceu o maior espirro que já houve no mundo.

ATCHIM!!!

E mais outro:

ATCHIM!!!

E mais outro:

ATCHIM!!!

A nossa moça, mesmo grande como estava, voou pelos ares, acima das árvores, sobre o rio...

Aterrissou direto na casa do moço Bonito. O chá foi feito imediatamente. Bem, o final vocês já sabem, a avó ficou feliz de ver a neta grande, Bonito sarou e...

- Vocês têm alguma coisa contra casamento?

Fonte:
Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)