terça-feira, 19 de março de 2024

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 12 –


ANTÔNIO THOMAZ BOTTO 
1902 - 1959

Nasceu em Portugal e morreu, atropelado, no Rio de Janeiro, tendo sido, o seu corpo, transportado para Lisboa. Foi amigo íntimo de Fernando Pessoa. Considerado um dos iniciadores da poesia moderna em seu pais.

Homem que vens de humanas desventuras,
que te prendes à vida e te enamoras,
que tudo sabes e que tudo ignoras,
vencido herói de todas as loucuras;

que te debruças, pálido, nas horas
das tuas infinitas amarguras
e na ambição das coisas mais impuras,
e és grande simplesmente quando choras;

que prometes cumprir e que te esqueces,
que te dás às virtudes e ao pecado,
que te exaltas e cantas e aborreces.

arquiteto do sonho e da ilusão,
ridículo fantoche articulado,
- eu sou teu camarada e teu irmão!
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BRANCA DE GONTA COLAÇO 
1880-1945

Poetisa, prosadora, declamadora e conferencista. 'Figura das mais brilhantes na arte literária de Portugal.

NAQUELA TARDE

Naquela tarde em que nos encontramos
"para o último adeus" - nas garras frias
do "desgosto sem fim" que sempre achamos
qualquer separação de poucos dias...

Tarde de amor em que nos apartamos.
presas das mais acerbas nostalgias,
- talvez porque os protestos que trocamos
valessem mil celestes alegrias -,

houve um momento - foi um sonho de Arte!
em que um raio de sol veio beijar-te,
com tanto ardor, em rutilâncias tais,

(que eu fiquei muda, a olhar, num gozo infindo,
o beijo que te dava o sol tão lindo...
Mas o teu rosto alumiava mais . . .
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FERNANDO CALDEIRA 
1842-1894

Poeta inspirado, pintor e autor de teatro muito aplaudido em seu país.

'A VIDA

Abri meus olhos ao raiar da aurora
e parti. Veio o sol e, então, segui-a,
a sombra, que eu julgava guiadora,
a minha própria sombra fugidia.

E foi subindo o sol; ao meio-dia
escondeu-se-me aos pés a sombra;
agora se volvo o olhar onde passei outrora,
vejo-a a seguir-me, a sombra que eu seguia.

A gente é o sol de um dia; sobe, avança,
passa o zênite, e vai na imensidade
apagar-se no mar, onde se lança...

E a vida é a própria sombra; meia-idade,
somos nós que a seguimos, e é a Esperança;
depois segue-nos ela: é a Saudade.
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FERNÃO RODRIGUES LOBO SOROPITA 
(1562 - ?)

Fernão Rodrigues Lobo Soropita - Amigo e admirador de Camões, advogado e humanista. Preparou e dirigiu a primeira edição das "Rimas de Luiz de Camões", aparecida em 1595, precedida de um elogioso prefácio. Teria findado seus dias no convento d'Arrabida. 

Em 1606 ainda vivia, uma vez que, nesse ano, parodiou "A Primavera", de Francisco Rodrigues Lobo, de quem era parente.

Claros olhos azuis, olhos formosos,
que o lume destes meus escurecestes,
olhos que o mesmo Amor d'amor vencestes,
com vivos raios sempre vitoriosos;

olhos serenos, olhos venturosos,
que ser luz de tal gesto merecestes,
ditosos em render quantos rendestes,
e em nunca ser rendidos mais ditosos.

Que morra eu por vos ver, e que vos traga
nas meninas dos meus perpetuamente
cousa é que justamente Amor ordena.

Mas que de vós não tenha mais que a pena,
com que Amor tanta fé tão mal me paga,
nem o diz a razão, nem o consente.
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JOSÉ DA SILVA MENDES LIAL 
1823-1886

Poeta, autor dramático, acadêmico e político. Foi, sobretudo, notável na poesia herOica.

Seu teatro chegou a competir com o de Garret, nas preferências do público e da crítica. Foi ministro plenipotenciário de Portugal, em Madri e em Paris. Conselheiro, Par do Reino, Presidente da Câmara dos Deputados, Sócio e Secretário da Academia Real de Ciências. Escreveu vários romances e muitas peças teatrais. Algumas de suas poesias, como "Napoleão no Kremlin", "O Pavilhão Negro" e "Ave César!" tornaram-se conhecidíssimas, pois são, realmente, obras admiráveis.

"STABAT MATER"

Mulher que tanto amais, mulher que sofreis tanto,
ardente coração, espírito piedoso,
a quem chorais, a quem? O pai, o irmão, o esposo?
Uma ilusão perdida? Um súbito quebranto?

Dos mundanos desdéns, que vos tomam de espanto,
desejais recatar a dor que já foi gozo?
Ou desejais sumir, em delirar saudoso,
nas rosas do pudor as pérolas do pranto?

Mulher, seja qual for o vosso mal profundo,
secreto desengano ou sonho temerário,
não julgueis morta a flor, o porvir infecundo.

O rosto erguei com fé na paz do santuário:
Conforto, exemplo, guia e estrela, e aurora ao mundo,
achais a Virgem-Mãe no cimo do Calvário!
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MARQUESA DE ALORNA 
1750-1839

D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lancastre - Famosa poetisa e escritora, considerada a "Madame de Stael portuguesa". Seus "salões" ficaram célebres em Portugal, pois eram freqUentados pela nata dos literatos da época, entre os quais Alexandre Herculano, que muito a admirava.

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os respeitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, fonte, montanha, flor, corrente,
comigo hão de chorar de amor enredos.

Mas, ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
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NARCISO DE LACERDA 
1858-1913

Veio muito cedo para o Brasil, onde se alistou no Exército Brasileiro; mas, aos 17 anos voltou para Portugal, quando passou a ocupar cargos do serviço público. Recebeu, como poeta, os elogios de Camilo, João de Deus e Silva Pinto. Foi excelente sonetista.

Se creio em ti, meu Deus! Pois quem há posto
lumes no céu e rosas na campina,
na pedra o musgo, a relva na colina
e a fé nas almas cheias de desgosto?

Se creio em ti! Pois quem há dado ao rosto
da mulher dois faróis de luz divina
e à rocha a gota de água cristalina
e a sombra aos dias cálidos de Agosto?

Se creio em ti, meu Deus!... Quando eu, outrora,
quis meus olhos cerrar à luz da aurora,
por que não visse pelo ar disperso

tanto sonho de amor, que em vão sonhara,
lembrei-me, então, de quanto me ensinara
a voz de minha mãe, junto ao meu berço...
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NOEL DE ARRIAGA 
1918 - 1993

Nasceu na Praia da Aguda, perto do Porto (Portugal), tendo-se formado na Faculdade de Direito de Lisboa. Tem-se dedicado à literatura infantil; e é especialista em problemas de turismo. Publicou, entre outros, os seguintes livros de poesia: "Barco sem leme", "A noite é cúmplice", "Pecados breves, breves recados", "A canção que o vento me trouxe".

DESLUMBRAMENTO

Quando num labirinto andei perdido,
labirinto de sonhos e esperanças,
uma voz segredava-me ao ouvido:
- "O amor é belo enquanto o não alcanças,

Não tenhas pressa que depressa
cansas do que mais hás de ter apetecido".
Receoso de colher desesperanças,
não tocava no fruto proibido.

Porém quando a distância se faz perto,
tornando certo quanto fora incerto,
e a cingir-te em meus braços me disponho,

quando da realidade me avizinho
e do sonho me afasto eu adivinho
que a realidade excede o próprio sonho!
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NUNES CLARO 
1878-1948

Poeta admirável, de um lirismo cantante e precioso.

Partiste, e a serra idílica do vento,
do mar, das névoas, mais das grandes luas,
manda dizer-te, amor, neste momento,
que. ficou triste, com saudades tuas.

E que, no inverno, enquanto o céu cinzento
tremer nos ramos e chorar nas ruas,
vestirá, com teu lindo pensamento,
as pedras pobres e as roseiras nuas.

E diz mais - que em abril, quando aí saias,
penses, ao ver florir perto as olaias,
naqueles que deixaste sem ninguém.

no sol, nas ervas, no luar, na altura.
- Só não te diz, porque é de pedra dura,
que tu penses, um pouco, em mim também!
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PEDRO ANTÔNIO CORREIA GARÇÃO 
1724-1772

Junto com Reis Quita, foi um dos fundadores da "Arcádia Ulissiponense". Foi perseguido pelo Marquês de Pombal, que mandou prendê-lo. Ficou oito meses incomunicável, não se sabendo, ainda hoje, a causa determinante desse fato.

Por incrível coincidência, morreu exatamente no instante em que sua esposa chegava à prisão com uma ordem de soltura para o poeta.

Escreveu odes, comédias, epístolas, sonetos. A "Cantata de Dido", segundo Garret, "é uma das mais sublimes concepções do engenho humano, uma das mais perfeitas obras executadas pela mão do homem".

De Correia Garção, um soneto que dedicou "A uma senhora a quem o autor chamava sua mãe":

Comigo minha mãe brincando, um dia,
a namorar c'os olhos me ensinava;
mas Amor, que em seus olhos, me esperava,
com mil brilhantes farpas me feria.

De quando em quando mais formosa ria,
porque incapaz do ensino me julgava;
porém tanto a lição me aproveitava,
que suspirar por ela já sabia.

Em poucas horas aprendi a amá-la:
ditoso se tal arte não soubera,
não me custara a vida não lográ-la.

Certo, que aprender menos melhor era;
pois não soubera agora desejá-la,
nem de tão louco amor enlouquecera!
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RAIMUNDO ANTÔNIO BULHÃO PATO 
1829-1912

Amigo íntimo de Almeida Garret e Alexandre Herculano. Segundo Nuno Catharino Cardoso, "com a morte de Bulhão Pato, desapareceu, em Portugal, o último representante do romantismo".

CONFISSÃO

Fui na infância católico exaltado;
tudo era para mim edificante;
ver o altar, ver o trono cintilante,
ouvir, na igreja, a voz do órgão sagrado!

Foi se apagando o amor arrebatado,
e a ciência levou-me, num instante,
com o sopro glacial e penetrante,
o edifício de luz do meu passado!

Deitei-me aos pés dos grandes missionários,
na eloquência e na fé extraordinários;
mas nenhum me deu sombras de esperança!

O crenças infantis, talvez agora,
volteis a mim, ardentes como outrora:
diz-se que um velho torna a ser criança!...
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TEIXEIRA DE PASCOAIS
1878- 1952

Teixeira de Pascoais (pseudônimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) Poeta lírico e prosador de rara inspiração. Na forma, é um romântico que não conseguiu deixar de ser um clássico. A natureza tem papel importante em sua obra. E a poesia possui exuberância verbal. 

À UMA OVELHA

Entre as meigas ovelhas pobrezinhas,
que eu guardo, pelos montes, uma existe
que anda, longe, balindo, sempre triste,
e vive só das ervas mais sequinhas.

Que pressentes na alma? que adivinhas?
Etérea voz de dor acaso ouviste?
Que foi que tu, nas nuvens, descobriste?
Não és irmã das outras ovelhinhas!

Sobes às altas fragas escarpadas,
e contemplas o sol que desfalece
e as primeiras estrelas acordadas..

E assim paras, a olhar o céu profundo,
faminta dessa relva, que enverdece
os outeiros e os vales do Outro Mundo.
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VIRGÍNIA VITORINO
1898 - 1967

Uma das mais populares poetisas de Portugal. Sonetista notável. Alma vibrante e plena de sentimento. Escritora de teatro, professora.

Não venhas ver-me, não! De que servia?
Nem eu tenho coragem para tanto.
Gostava muito, sim, mas todo o encanto
da tua grande ausência acabaria.

É tornar-te a perder. Num certo dia,
tu partes novamente, e todo o pranto,
ou pouco ou muito - não importa quanto -
nunca o compensa uma hora de alegria.

Mas se eu não posso ter outro desejo!
Se eu, não te vendo a ti, nada mais vejo!
Como é que, sendo assim, não te hei de ver?

Responde-te a minha alma comovida:
- Vale mais ter um mal por toda a vida
do que alcançar um bem para o perder.
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Literatura Chinesa

Conjunto de obras literárias escritas e publicadas ao longo da história da China.

Existem duas tradições na literatura da china: a literária e a popular ou coloquial. A última remonta a mais de mil anos antes da era cristã e permanece até nossos dias. No princípio consistia em poesia mais tarde em teatro e romance, e depois foi incorporando obras históricas, relatos populares e contos. Os intelectuais da classe oficial que ditavam os gostos literários, não a creditavam digna de estudos por a considerarem inferior, sendo que, até o século XX, este tipo de literatura não obteve o reconhecimento da classe intelectual. Seu estilo brilhante e refinado marca os princípios da tradição literária ortodoxa, que começou há 2.000 anos.

ÉPOCA CLÁSSICA
A época clássica é correspondente a da literatura grega e romana. As etapas de formação tiveram lugar do século VI ao IV a.C. nos períodos da dinastia Chou (c. 1027-256 a.C.). Desta época são as obras de Confúcio, Mencio, Laozi (Lao-tsé), Zhuangzi e outros grandes filósofos chineses. Culminou com a recopilação dos chamados cinco clássicos, ou clássicos confucianos, além de outros tratados filosóficos

A obra poética mais importante do período clássico foi o Shijing (Livro das odes ou Clássico da poesia), antologia de poemas compostos em sua maioria entre séculos X e VII a.C. A lenda diz que foi o próprio Confúcio quem selecionou e editou os 305 poemas que formam a obra. Trata-se de poemas simples e realistas da vida camponesa e cortesã.

O estilo aristocrático ou cortesão alcança sua máxima expressão com os poemas de Chu, estado feudal ao sul da China central que foi a terra de Qu Yuan, primeiro grande poeta chinês.

Durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) as tendências realista e romântica: deram lugar à escolas poéticas. Os versos de Chu foram o começo de um novo gênero literário, o fu, o poema em prosa. Mais tarde, a poesia se enriqueceu com canções populares reunidas por Yüeh-fu, no século II a.C.

Os primeiros trabalhos em prosa formam, junto com o Shijing, os cinco clássicos. São o I Ching (Anais do Chin), livro de adivinhações; o Shujing (Livro dos documentos), um conjunto de antigos documentos de Estado; o Liji (Memória sobre os ritos), coleção de códigos governamentais e rituais, e o Chunqiu (Anis da primavera), a história do estado de Lu desde 722 até 481 a.C. Do século VI até o III a.C. foram escritas as primeiras grandes obras da filosofia chinesa, como os Analectos de Confúcio, aforismos recompilados por seus discípulos; os eloquentes debates de Mencio, discípulo de Confúcio; o Doodejing (Clássico da forma e sua virtude), atribuído a Lao Tsé, fundador do taoísmo, e os ensaios de Zhuangzi, o outro grande filósofo taoísta. Também são importantes os ensaios de Mozi, Xunzi e Han Fei Zi. Sima Qian escreveu o Shiji (Memórias históricas), história da China até a dinastia Han. Os discípulos de Confúcio criaram, as bases da tradição literária da prosa chinesa, adotando uma linguagem literária própria, diferente da linguagem falada.

ÉPOCA MEDIEVAL
Do século III ao século VII d.C., a China estava dividida em estados rivais, porém com a difusão do budismo vindo da Índia e a invenção de um tipo de imprensa viveu um dos períodos mais brilhantes da história de sua literatura.

Durante os períodos de agitação política, poetas encontraram refúgio e consolo no campo. Alguns eram ermitãos e criaram uma escola de poesia a que chamaram Campo e jardim. Outros escreveram os melhores poemas populares chineses, como os de amor atribuídos a poetisa Tzu-yeh. O melhor poeta destes séculos turbulentos foi Tao Qian, também conhecido por Tao Yuanming, que cantava as alegrias da natureza e da vida solitária.

A melhor poesia chinesa foi escrita durante a dinastia Tang (617-907), da qual se conservam mais de 49.000 poemas escritos por 2.200 poetas. Os três poetas mais famosos foram Wang Wei, filósofo e pintor; Li Po, líder taoísta da escola romântica, e seu amigo e rival Tu Fu, meticuloso em seus esforços para conseguir um realismo preciosista, cuja obra influenciou o poeta Po Chu-i, que utilizava a poesia como um meio para a crítica e a sátira.

Durante a dinastia Song (960-1279), Su Tung-po foi o melhor poeta chinês de tsu (estilo poético que fixa o número de versos e seu comprimento segundo o tom e o ritmo). A poetisa chinesa Li Qingzhao alcançou grande popularidade por seus versos tsu sobre sua viuvez. Han Yu, mestre da prosa Tang, exigia a volta da escrita direta e simples do estilo clássico.

A tradição literária prolongou-se na dinastia Song com Ouyang Xiu, mais conhecido por suas maravilhosas descrições de paisagem. Os engenhosos ensaios de Su Xun são os melhores do estilo clássico.

O teatro propriamente dito não se desenvolveu até o final do período medieval. Na época Tang, os atores já ocupavam um lugar importante entre os artistas populares e se agrupavam em companhias profissionais, que atuavam em teatros construídos para receber milhares de pessoas.

ÉPOCA MODERNA
A época moderna começa no século XIII e chega até nossos dias.

No século XIV, a narrativa popular chinesa foi cada vez mais importante. Dois dos primeiros romances desta época, Sanguozhi Yanyi (Histórias romanceadas dos reinos) e Shuihuzhuan (À beira d'água), podem ser considerados a épica em prosa do povo chinês. Cao Xueqin escreveu o romance realista Hongloumeng (Sonho do quarto vermelha).

No século XVII, apareceram numerosas coleções de breves histórias. A mais popular é Jinguqiguan (Contos maravilhosos do passado e do presente), composto de 40 histórias.

No século XX, influenciados pela literatura ocidental, os escritores chineses, guiados por Hu Shi, começaram uma revolução literária conhecida como o renascimento chinês. Intencionavam utilizar a linguagem coloquial com fins literários. Com ensaios e histórias mordazes atacavam a sociedade tradicional, e escritores como Lu Xun (pseudônimo de Zhou Shuren) ajudaram ao avanço da revolução socialista.

Durante os anos da Revolução Cultural (1966-1978) os artistas e escritores se adaptaram as necessidades do povo e a influência burguesa ocidental foi atacada duramente. Desde então tem se permitido uma maior liberdade de expressão, tolerando-se o renovado interesse pelas ideias e as formas ocidentais.

Fontes:

segunda-feira, 18 de março de 2024

Edy Soares (Oceano de Trovas) – 6 –

 

Arthur de Azevedo (O Gramático)

Havia na capital de uma das nossas províncias menos adiantadas certa panelinha de gramáticos, sofrivelmente pedantes. Não se agitava questão de sintaxe, para cuja solução não fossem tais senhores imediatamente consultados. Diziam as coisas mais simples e rudimentares num tom pedantesco e dogmático, que não deixava de produzir o seu efeito no espírito das massas boquiabertas.

Dessa aluvião de grandes homens destacava-se o Dr. Praxedes, que almoçava, merendava, jantava e ceava gramática portuguesa.

Esse ratão, bacharel formado em Olinda, nos bons tempos, era chefe de seção da Secretaria do Governo, e andava pelas ruas a fazer a análise lógica das tabuletas das lojas e dos cartazes pregados nas esquinas. "Casa do Barateiro, -sujeito: esta casa; verbo, é; atributo, a casa; do barateiro, complemento restritivo." O Dr. Praxedes despedia um criado, se o infeliz, como a soubrette das Femmes Savantes, cometia um erro de prosódia.

E quando submetia os transeuntes incautos a um exame de regência gramatical?

Por exemplo: encontrava na rua um menino, e este caía na asneira de perguntar muito naturalmente:

-Sr. Dr. Praxedes, como tem passado?

-Venha cá, respondia ele agarrando o pequeno por um botão d0 casaco: "Sr. Dr. Praxedes, como tem passado?" - que oração é esta?

-Mas... é que estou com muita pressa...

-Diga!

-É uma oração interrogativa.

-Sujeito?

-Sr. Dr. Praxedes.

-Verbo?

-Ter.

-Atributo?

-Passado.

-Bom. Pode ir. Lembranças a seu pai.

E, com uma ideia súbita, parando:

-Ah! venha cá! venha cá! Lembranças a seu pai - que oração é esta?

-É uma oração... uma oração imperativa.

-Bravo! - Sujeito?

-Está oculto... é você... Você dê lembranças a seu pai.

-Muito bem. Verbo?

-Dar.

-Atributo?

-Dador.

-Lembranças é um complemento...?

-Objetivo.

-A seu pai...?

-Terminativo.

-Muito bem. Pode ir. Adeus.

* * *
Depois de aposentado com trinta anos de serviço, o Dr. Praxedes recolheu-se ao interior da província, escolhendo, para passar o resto dos seus gloriosos dias, a cidadezinha de ***, seu berço natal. Aí advogava por muito empenho, continuando a exercer a sua missão de oráculo em questões gramaticais.

Raramente saia à rua, pois todo o tempo era pouco para estar em casa, respondendo ás numerosas consultas que lhe dirigiam da capital e de outros pontos da província.

* * *
A cidadezinha de *** dava-se ao luxo de uma falha hebdomadária, o Progresso, propriedade do Clorindo Barreto, que acumulava as funções de diretor, redator, compositor, revisor, paginador, impressor, distribuidor e cobrador.

Ninguém se admire disso, porque o Barreto -justiça se lhe faça -dava mais uso à tesoura do que à pena. O vigário, que tinha sempre a sua pilhéria aos domingos, disse um dia que aquilo não era uma tesoura, mas um tesouro.

Entretanto, se no escritório do Progresso a goma-arábica tinha mais extração que a tinta de escrever, não se passava caso de vulto, dentro ou fora da localidade, que não viesse fielmente narrado na folha.

Por exemplo.

"O Sr. Major Hilarião Gouveia de Araújo acaba de receber a grata nova de que seu prezado filho, o jovem Tancredo, acaba de concluir os seus preparatórios na Corte, e vai matricular-se na Escola Politécnica, da referida Corte.

"Cumprimentamos cheios de júbilo o Sr. Major Hilarião, que é um dos nossos mais prestimosos assinantes, desde que fundou-se a nossa falha."

* * *
Em fins de maio de 1885, a notícia do falecimento de Victor Hugo chegou à cidadezinha de ***, levada por um sujeito que saíra da capital justamente na ocasião em que o telégrafo comunicara o infausto acontecimento.

O Barreto, logo que soube da notícia, coçou a cabeça e murmurou:

-Diabo! não tenho jornais... Como hei de descalçar este par de botas? A notícia da morte de Victor Hugo deve ser floreada, bem escrita, e não me sinto com forças para desempenhar semelhante tarefa!

Todavia, molhou a pena, que se parecia um tanto com a espada de certos generais, e rabiscou: Víctor Hugo.

Ao cabo de duas horas de cogitação, o jornalista não escrevera nem mais uma linha...

* * *
Mas, oh! Providência! nesse momento passou pela porta da tipografia o sábio Dr. Praxedes, a passos largos, medidos e solenes, e uma idéia iluminou o cérebro vazio de Clorindo Barreto.

-Doutor Praxedes! Doutor Praxedes! exclamou ele. Tenha vossa senhoria a bondade de entrar por um momento. Preciso falar-lhe.

O Dr. Praxedes empacou, voltou-se gravemente e, conquanto embirrasse com o Barreto, por causa dos seus constantes solecismos, entrou na tipografia.

-Que deseja?

O redator do Progresso referiu a notícia da morte do grande poeta, confessou o vergonhoso embaraço em que se achava, e apelou para as luzes do Dr. Praxedes.

Este, com um sorriso de lisonjeado, sorriso que logo desapareceu, curvando-se-lhe os lábios em sentido oposto, sentou-se a mesa com a gravidade de um juiz, tirou os óculos, limpou-os com muito vagar, bifurcou-os no nariz, pediu uma pena nova, experimentou-a na unha do polegar, dispôs sobre a mesa algumas tiras de papel, cujas arestas aparou cuidadosamente com a... com o tesouro, chupou a pena, molhou-a três vezes no tinteiro infecundo, sacudiu-a outras tantas, e, afinal escreveu:

"Falecimento. -Consta, por pessoa vinda de ~ ter falecido em Paris, capital da França, o Sr. Victor Hugo, poeta insigne e autor de várias obras de mérito, entre as quais um drama em verso, Mariquinhas Delorme (Marion Delorme) e uma interessante novela intitulada Nossa Senhora de Paris (Notre-Dame de Paris)

"O ilustre finado era conde e viuvo.

"O seu falecimento enluta a literatura da culta Europa.

"Nossos sinceros pêsames à sua estremecida família."

* * *
O Dr. Praxedes saiu da tipografia do Progresso, e continuou o seu caminho a passos largos, medidos e solenes.

Ia mais satisfeito e cheio de si do que o próprio Sr. Víctor Hugo quando escreveu a última palavra da sua interessante novela.

O Barreto ficou radiante, e, examinando a tira de papel escrita pelo gramático, exclamou, comovido pela admiração:

-Nem uma emenda!

Fonte:
AZEVEDO, Artur de. Contos Possíveis. Publicado em 1889. Disponível em Domínio Público

Olavo Bilac (Poesias Para Crianças)


A BONECA

Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira: "É minha!"
— "É minha!" a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.

Tanto puxaram por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.

E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca . . .
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A BORBOLETA

Trazendo uma borboleta,
Volta Alfredo para casa.
Como é linda! é toda preta,
Com listas douradas na asa.

Tonta, nas mãos da criança,
Batendo as asas, num susto,
Quer fugir, por fim, cansa,
E treme, e respira a custo.

Contente, o menino grita:
"É a primeira que apanho,
"Mamãe! vê como é bonita!
"Que cores e que tamanho!

"Como voava no mato!
"Vou sem demora pregá-la
"Por baixo do meu retrato,
"Numa parede da sala".

Mas a mamãe, com carinho,
Lhe diz: "Que mal te fazia,
"Meu filho, esse animalzinho,
"Que livre e alegre vivia?

"Solta essa pobre coitada!
"Larga-lhe as asas, Alfredo!
"Vê com treme assustada . . .
"Vê como treme de medo . . .

"Para sem pena espetá-la
"Numa parede, menino,
"É necessário matá-la:
"Queres ser um assassino?"

Pensa Alfredo . . . E, de repente,
Solta a borboleta . . . E ela
Abre as asas livremente,
E foge pela janela.

"Assim, meu filho! perdeste
"A borboleta dourada,
"Porém na estima cresceste
"De tua mãe adorada . . .

"Que cada um cumpra sua sorte
"Das mãos de Deus recebida:
"Pois só pode dar a Morte
"Aquele que dá a Vida!"
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A MOCIDADE

A mocidade é como a primavera!
A alma, cheia de flores resplandece,
Crê no Bem, ama a vida, sonha e espera,
E a desventura facilmente esquece.

É a idade da força e da beleza:
Olha o futuro, e inda não tem passado:
E, encarando de frente a Natureza,
Não tem receio do trabalho ousado.

Ama a vigília, aborrecendo o sono;
Tem projetos de glória, ama a Quimera;
E ainda não dá frutos como o outono,
Pois só dá flores como a primavera!
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PALAVRAS

As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;
.
Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pó, que o sopro espalha ao torvelinho do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fé vivem num só momento...

Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O "não!" que desengana, o "nunca!" que alucina,
E as do aleive*, em baldões**, e as da mofa, em risadas,

Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras geladas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Aleive = calúnias.
** Baldões = impropérios.
= = = = = = = = = = = = = = =  = 
O UNIVERSO
(Paráfrase)

A Lua:

Sou um pequeno mundo;
Movo-me, rolo e danço
Por este céu profundo;
Por sorte Deus me deu
Mover-me sem descanso,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

A Terra:

Eu sou esse outro mundo;
A lua me acompanha,
Por este céu profundo . . .
Mas é destino meu
Rolar, assim tamanha,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Sol:

Eu sou esse outro mundo,
Eu sou o sol ardente!
Dou luz ao céu profundo . . .
Porém, sou um pigmeu,
Quer rolo eternamente
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Homem:

Por que, no céu profundo,
Não há de parar mais
O vosso movimento?
Astros! qual é o mundo,
Em torno ao qual rodais
Por esse firmamento?

Todos os Astros:

Não chega o teu estudo
Ao centro disso tudo,
Que escapa aos olhos teus!
O centro disso tudo,
Homem vaidoso, é Deus!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

O TEMPO

Sou o Tempo que passa, que passa,
Sem princípio, sem fim, sem medida!
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida!

A correr, de segundo em segundo,
Vou formando os minutos que correm . . .
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.

Ninguém pode evitar os meus danos . . .
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos
Formo um século, e passo adiante.

Trabalhai, porque a vida é pequena,
E não há para o Tempo demoras!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!

Fontes:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/jpoesia/

Nelly Novaes Coelho (Literatura de Cordel)

A literatura de cordel - poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças -, tal como é cultivada no Brasil até hoje (vésperas do Terceiro Milénio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel ou barbante, para facilitar suas exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão rudimentar, registavam-se fatos históricos, poesia, cenas de teatro (como o de Gil Vicente), anedotas ou novelas tradicionais, como A Imperatriz Porcina, Princesa Magalona ou Carlos Magno, textos que eram memorizados e cantados pelos cegos que os vendiam. Essas folhas volantes lusitanas, por sua vez, tiveram origem no grande caudal da Literatura Oral, tal como se arraigou na Península Ibérica, onde se formou o velho Romanceiro peninsular.

Desta fonte primeva, saíram inicialmente os pliegos (folhas) volantes que circularam na Espanha desde fins do séc. XVI e, destes, as folhas volantes portuguesas. Ambas as formas tiveram, como antecessora, a "littérature de colportage", pequenos libretos surgidos na França no início do séc. XVI, com popularização da imprensa. Eram folhetos impressos em papel de baixa qualidade, em cor cinza ou azul (daí o nome genérico de “Biblioteca Azul”). Seus textos eram velhos romances, cantigas, vidas edificantes, fatos históricos ... recolhidos da tradição oral e bastante simplificados em sua redação.

Difundidos por toda a Europa, essa forma popular de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores espanhóis e portugueses, à medida em que se instalavam nas terras por eles conquistadas.

Nas naus colonizadoras, com os lavradores, os artífíces, a gente do povo, veio naturalmente a tradição do Romanceiro, que se fixaria no Nordeste do Brasil, como literatura de cordel.” (Câmara Cascudo, 1973).

Nos países hispano-americano, essa literatura de cordel se difundiu com outros nomes: corridos (México, Venezuela, Nicarágua, Cuba ...) e hojas ou pliegos sueltos (Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Peru ...). Textos esses em que predominava a forma poética.

Enquanto não se difundiu a tipografia, foi essa a forma que a poesia popular encontrou para se divulgar. Se na Idade Média, os jograis populares ou palacianos, cantados nas festas e animando o povo, constituíam a comunicação dessa poesia, com a transformação do tempo, tais formas também foram se transformando.” (Manuel Diégues Júnior)

Foi no Nordeste do Brasil (da Bahia ao Pará) que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação, tornando-se uma das características diferenciadoras dos costumes dessa imensa região em relação às demais regiões brasileiras.

Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que, “No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento das manifestações messiãnicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios económico e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. 

(...) Se eram raras as obras impressas, vindas de Portugal ou dos centros mais adiantados do próprio Brasil, havia à mão os folhetos contando as velhas novelas populares, ás vezes, histórias de santos também. Não foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento propagador dos fatos ocorridos, servindo como que de jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava: façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, prejuízos da seca, efeitos das cheias, tanta coisa mais. Afinal de contas, no Brasil, o mesmo quadro era traçado por Bernardim Ribeiro ou Garrett, para Portugal.” (Manuel Diégues Júnior).

Devido à diversidade de assuntos ou temas cantados pela literatura de cordel, em todos os países ela tem sido classificada segundo seus “ciclos temáticos”. Tais classificações diferem bastante entre si, segundo os critérios usados pelos folcloristas. Em geral essas classificações abrangem duas grandes áreas-matrizes: a da Tradição (passado) e a das Circunstâncias (presente). Na Europa, existem importantes classificações, mas nenhuma definitiva. No Brasil, destacam-se as de Ariano Suassuna, Cavalcante Proença, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Manuel Diégues Jr., Orígenes Lessa e Roberto Câmara Benjamin. cada qual com sua contribuição, sem esgotar o problema.

Uma das classificações mais simples e abrangentes é a de Manuel Diégues Jr., que cataloga o imenso acervo popular ou folclórico em três ciclos temáticos:

I. Temas tradicionais:

a.) romances e novelas;
b.) contos maravilhosos;
c.) estórias de animais;
d.) anti-heróis/peripécias/diabruras;
e.) tradição religiosa.

Entre os exemplos mais famosos desse ciclo, estão: Proezas de Carlos Magno, Histórias dos Doze Pares de França, Cavaleiro Oliveiros, Cavaleiro Roldão, Roberto Diabo, Helena de Tróia, Histórias da Imperatriz Porcina, Donzela Teodora ... e outros de origem bíblica: José do Egito, Sansão e Dalila, Judas e histórias da Virgem Maria, Jesus, São Pedro, São Paulo ... No Catálogo da Casa Rui Barbosa, constam também contos maravilhosos: Ali Babá e os 40 Ladrões, Proezas de Malazartes, O Barba Azul, A Branca de Neve, A Bela Adormecida, O Ladrão de Bagdá e outros.

II. Fatos circunstanciais ou acontecidos:

a.) de natureza física (enchentes, cheias, secas, terremotos, etc.);
b.) de repercussão social (festas, desportes, novelas astronautas, etc.);
c.) cidade e vida urbana;
d.) crítica e sátira;
e.) elemento humano (figuras atuais ou atualizadas, como Getúlio Vargas, ciclo do fanatismo e misticismo, ciclo do cangaceirismo, tipos étnicos ou regionais, etc.

III. Cantorias e pelejas: 

Poemas que nascem oralmente, no calor dos “desafios” entre dois ou mais cantadores. Em geral, tais pelejas ou cantorias se perdem, pois ninguém se preocupa em registrá-las por escrito. Mas algumas, devido à memória prodigiosa dos cantadores (e agora com os recursos eletrônicos) acabam escritas em folhetos de cordel e se tornam famosas, inclusive, devido ao complexo virtuosismo da estrutura poética que, por vezes, apresentam. É principalmente nestes casos que a literatura de cordel deixa de ser anônima (como é natural na literatura popular), pois sempre leva os nomes dos cantadores responsáveis.

Segundo os pesquisadores, o Brasil é o maior produtor de literatura de cordel, no mundo ocidental: em cem anos publicou cerca de 20.000 folhetos, embora em pequenas tiragens (entre 100 e 200 exemplares cada). (Joseph M. Luyten).

Há cantadores e cordelistas famosos (Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Cuíca de Santo Amaro, pseud. de José Gomes, Rodolfo Coelho Cavalcante Raimundo Santa Helena; Francklin Machado; Paulo Nunes Batista, entre outros) que, além de cantarem e imprimirem os textos tradicionais, inventam cantorias com temas gerados pelas circunstâncias de seu tempo, pelo dia-a-dia do povo, e que servem de informação, deleite do ouvinte ou leitor, ou denúncia dos mal feitos em prejuízo de alguém. 

A maioria dos cordéis é ilustrada pela técnica da xilografia (gravação em madeira, depois estampada à tinta no papel, e que tem evoluído muito, em sutilezas técnicas). Arte regional (no início minimizada como rudimentar), hoje constitui, juntamente com as “cerâmicas de Mestre Vitalino”, uma das expressões mais características da arte popular brasileira.

Com o correr dos tempos e o progresso urbano que, embora devagar, atingiu o Nordeste brasileiro, muitos costumes antigos desapareceram, mas a literatura de cordel resistente, mantém-se viva até hoje, concorrendo com o rádio, o cinema e a televisão, para o entretenimento do povo nas praças, ruas, feiras, mercados ou em qualquer lugar em que haja um cantador e sua viola ... Só que, cada vez com mais evidência, o interesse pelos cordéis antigos vem decrescendo em favor dos novos cordéis que falam dos heróis - muito mais, anti-heróis - dos dias de hoje, e mais denunciando ou zombando do que inventando acontecimentos do novo Brasil e suas circunstâncias.

BIBLIOGRAFIA: 
Horacio Jorge Beco, Cancioneiro Tradicional Argentino, Buenos Aires, 1960; 
Sol. Biderman, Messianismo e Escatologia na Literatura de Cordel, São Paulo, 1970; 
Théophilo Braga, O Povo Português nos seus costumes, crenças e tradições, 2 vols., Lisboa, 1885; 
Luís Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, Rio de Janeiro, 1962; 
Mark J. Curran, A Sátira e a Crítica Social na Literatura de Cordel, Recife, 1960; 
Diccionario de la literatura hispanoamericana, 8 vols. Washington, 1958; 
Manuel Diègues Jr., “Literatura de Cordel”, in Revista do Livro, Rio de Janeiro, nº. 30, pp. 51-57 jul/set. 1969; 
Manuel Diègues Jr., “A Literatura de Cordel no Nordeste”, in Literatura Popular em verso, 2 vols., Rio de Janeiro, 1973; 
Manuel Diègues Jr., Literatura Popular em Verso-Catálogo, Rio de Janeiro, 1961; 
Manuel Diègues Jr., Literatura Popular em Verso-Antologia, Rio de Janeiro, 1964; 
Armando de Mária y Campos, La Revolución Mexiacana á través de los corridos, México, 1962; 
António José Saraiva, História da Cultura em Portugal, 2 vols., Lisboa, 1955; 
Marc. Soriano, “Littérature de Colportage”, in Guide de littérature pour la jeunesse, Paris, 1975.
http://www.sectec.rj.gov.br/redeescola/especialistas/portugues/tema04/por-tm04.html
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P.S.: Revisão realizada por José Feldman. A grafia original do artigo era em português de Portugal.

Fonte:
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/literatura_cordel.htm. Acesso em 29.12.2007.

domingo, 17 de março de 2024

Arthur Thomaz (Devaneios) – 4 -

 
Fonte: Arthur Thomaz. Rimando Sonhos. Santos/SP: Bueno Ed., 2023

Walcyr Carrasco (A saga dos carecas)

Ser careca é um drama. Pessoalmente, não acredito que, por falta de cabelos, alguém seja mais ou menos charmoso. Mas as pessoas adoram fiscalizar. Tenho duas entradas desde os 20 anos de idade. Nunca aumentaram. Basta ficar sem ver alguma amiga alguns meses para ouvir:
– Ih… Você está ficando careca?

– Não, sempre fui assim.

Ganho um sorrisinho de dúvida. Piadas não faltam. Tive um tio com uma calva pronunciada. Passou a vida toda recebendo mimos:

– E aí, como vai o aeroporto de mosquito?

– Já lustrou?

Durante muito tempo não imaginei o desconforto. Só minha tradicional falta de tato me apontou a seriedade da questão. Um amigo estava passando um remédio caríssimo, último lançamento. Três fios solitários espetados no alto da cabeça. Todos os dias ele se mirava no espelho, esperançoso.

– Estão nascendo, estão nascendo!

Até que eu disse:

– Por que não junta os três e faz uma chuquinha, bem para cima?

Olhar de ódio absoluto. Nunca mais brinquei. Passei os anos seguintes tentando ser solidário.

– Puxa, já tem quatro fios! Que bom, parabéns!

Ou:

– Tenha paciência. É que nem horta. Tem de plantar, adubar, esperar crescer… Um dia a colheita vem!

Na praia o dito-cujo passava protetor solar na pele reluzente!

Em compensação, há quase um MSC – Movimento dos Sem Cabelos. Outrora criaram um refrão: “É dos carecas que elas gostam mais…”. Propaganda, sem dúvida. Falando francamente, nem sempre os carecas ajudam. Inventam estratagemas.

Alguns deixam o cabelo crescer de um lado e depois penteiam por cima da calva. Fica estranhíssimo, com os ralos fios tentando superar o deserto do topo. Outros apelam para uma franja comprida, que começa atrás das orelhas e cobre toda a frente. Se bate vento, é uma revelação! E os que botam aquelas meias perucas modernas? Depois de instaladas, recebem um corte semelhante ao dos cabelos, para dar a impressão de uma única e viçosa plantação. Sempre há uma franja juvenil, mas milagre ninguém faz. Com o tempo, os cabelos normais crescem. A peruca, não. Resta o topo certinho. Em torno, um jardim selvagem!

Massagens. Estímulos para abrir os vasos capilares. Extratos vegetais capazes de deixar um odor estranho por semanas! Implante? A calva é preenchida com uns tufos ralos, à espera de que floresçam. Deve ser mais fácil plantar soja! Um tratamento puxa a pele de trás para a parte da frente da cabeça. O redemoinho fica na altura da testa! Um amigo lançou mão de um artifício trágico: pintou a calva de preto. Encontrei-o de noite e fui enganado:

– Como conseguiu?

Da vez seguinte nos cruzamos em um shopping, de tarde. Vi a tinta! Parecia quase… piche! De perto, era horrendo. Procurei agir educadamente, o que é horrível nesse tipo de situação. Tentava desviar os olhos. Quando dava por mim, estavam pregados na área asfaltada!

Admiro quem assume a calva. Vários amigos raspam a cabeça toda. É um estilo. Também não fica mal quem deixa a careca aparecer, rodeada por cabelos. Sem disfarce.

Depois de certa idade, os pelos nascem por todos os lados. Nas orelhas. No nariz. As sobrancelhas transformam-se em taturanas. Para muitos homens, dá para fazer trancinhas rastafári no peito! Só não nasce cabelo na cabeça!

Eu me solidarizo com os carecas. A genética, de fato, é bem injusta para com a vaidade humana!