segunda-feira, 1 de abril de 2024

Mensagem na Garrafa = 109 =

A. A. de Assis
(Maringá/PR)

Seguro eternidade

Ah que missão transcendente / a que ao corpo é atribuída: / levar a alma da gente / desde o ventre à eterna vida. - Penso que seja mais ou menos assim; que a vida do ser humano se realiza em duas etapas; a primeira com a alma associada a um corpo material; a segunda com a alma unida a um corpo espiritual. Mas fiquem tranquilos, porque não vou me meter em conversa de gente grande. O foco aqui será a necessidade de dispensar à saúde da alma um grau de cuidado pelo menos semelhante ao que dispensamos ao corpo físico.

Principalmente a partir das últimas décadas, os pais, professores e outros educadores têm ensinado as crianças e os jovens a cuidar melhor do corpo físico. Hábitos de higiene, vacinação, ginástica, boa alimentação, visitas frequentes ao médico e ao dentista, tudo isso vem ajudando as novas gerações a garantirem boa saúde, e é ótimo que assim seja.

Todavia é bom lembrar que a vida do corpo material é provisória (raras são as pessoas cuja existência terrena ultrapassa os cem anos), enquanto a vida da alma é eterna, não acaba nunca. E aí é que está o ponto: pouquíssima gente se preocupa em preparar-se para a etapa definitiva da existência. Pouquíssima gente pensa em "fazer um seguro eternidade".

Na medida em que vamos ficando mais velhos a gente até que começa a dar umas meditadas mais sérias sobre o que nos aguarda além do aqui. Mas os mais jovens nem querem saber de pensar em futuro da alma. Têm o tempo todo ocupado com estudo, trabalho, namoro, casamento, criação dos filhos, viagens de férias - essas urgências próprias da idade. Alma? Espírito? Transcendência? Não há lugar na agenda para tais cuidados.

Pois é, meninos. Mas o problema é que um dia todo mundo envelhece. Um dia todo mundo chega ao fim da jornada terrestre. E daí? Vocês estariam prontos para decolar?

Sabem como se faz o "seguro eternidade"? Tentando manter-se permanentemente preparados para partir a qualquer momento. Esse qualquer momento" poderá ser daqui a muitos anos, mas poderá também ser de repente. Então o seguro é assim: estar sempre com tudo em ordem: alma leve, coração limpo, consciência tranquila,

Talvez seja meio difícil para uma pessoa jovem renunciar a alguns gostosos abusos. Contudo vale a pena. A sensação de ficha limpa é uma delícia. Além da certeza de que sua vida será eternizada em estado de céu, sua própria permanência em nosso complicado planetinha será bem mais agradável. Você não terá medo de nada, dormirá sereno, livre de culpas e remorsos, e com isso a saúde física será também beleza.

Cuidar bem do corpo material é, sim, muito importante, porém cuidar bem da alma é mais importante ainda. Veja que maravilha: chegar ao final da etapa provisória com o corpo sadio e ao mesmo tempo com a alma limpinho e leve, pronta para transferir-se para o corpo espiritual e unida a ele viver feliz por toda a eternidade.

Fonte> A. A. de Assis. Histórias da história de Maringá. Maringá/PR: Zuli, 2024. 
Livro entregue pelo autor.

Lairton Trovão de Andrade (Panaceia de Trovas) 10


1
Pinhalão dos cafezais.
Pátria minha dos primores,
mil riquezas sem iguais,
terra amada sempre em flores!
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2
Indescritível bondade
tem o bom livro ao leitor;
com postura e seriedade,
é um exímio educador,
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3
Ao cair da noite, a Lua
se levanta no horizonte
e beija o Sol que a cultua
com tanta luz em sua fronte.
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4
Na madrugada serena,
os campos brilham de prata,
a Lua, dona da cena,
poemas faz à cascata.
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5
A Lua foi testemunha
das juras de um trovador;
você, então me propunha
eternizar este amor.
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6
Muitos não viajam de avião,
- terrível coisa da altura -
têm sufoco e aflição,
que se traduz em paúra.
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7
Nesta rua, onde moro,
passa a vida em liberdade;
mas não passa quem adoro
nem, de mim, passa a saudade.
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8
As pombas, que têm saudade,
voltam à tarde aos pombais;
mas quem foi pra eternidade,
ao tempo, não volta mais.
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9
Ainda que o seu passado
não tenha sido de glória,
você, com muito bom grado,
pode escrever nova história.
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10
A frequente impunidade,
que bem nos atesta a Imprensa,
leva a criminalidade
pensar que o crime compensa.
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11
A fogueira de São João,
com as chamas reluzentes,
traz calor à tradição
com alegrias ardentes.
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12
Pequeninas mãos rosadas
de mil graças - carinhosas,
de boninas perfumadas,
meigas mãos, sois milagrosas.
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13
Zabelê é uma jaó
que vela nalgum sertão;
seu canto é tristeza só,
- lembra a dor da solidão.
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14
A jaó, na mata ao longe,
põe tristeza no seu canto,
chora o funeral do monge
que vai para o campo santo.
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15
Quanta surpresa na vida
com as histórias de amor!
Quando a esperança é perdida,
fica uma história de dor.
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16
Ontem - Cidade Menina,
hoje -a mais linda senhora!
E terás sempre, Londrina,
os esplendores da aurora.
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17
Vivo no mundo da Trova,
sou feliz e não me queixo;
cada dia, há quadra nova
no "Jornal do Seu Aleixo*.
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Seu Aleixo: Proprietário de Jornal e amigo dos trovadores. Natal - Rio Grande do Norte.
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18
Maior que a galáxia infinda,
a Via - Láctea que vemos,
maior que o universo ainda,
é o Santo Deus que nós cremos.
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19
Muito além dos universos,
paira um poder infinito.
- Ó Deus, recebe os meus versos,
escuta, pois, o meu grito!
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20
Eu quero apenas seguir
os caminhos do meu Deus;
que eu tenha pra onde ir
após meu último adeus.
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21
Na terrível realidade,
não há, meu Deus, inocente?!
- Diante de tanta maldade,
salvo está o feto no ventre.
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Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016. Enviado pelo autor.

Saki (O santo e o duende)


O pequeno Santo de pedra ocupava um nicho escondido numa ala lateral da velha catedral. Ninguém se lembrava muito bem a quem ele pertencera, embora tal fato constituísse de certo modo uma garantia de respeitabilidade. Pelo menos era isso o que o Duende dizia. O Duende era um belíssimo espécime antigo de pedra cinzelada, e encontrava-se instalado sobre uma mísula* que se sobressaia da parede fronteira ao nicho do pequeno Santo. Relacionava-se assim com alguns dos mais distintos habitantes da catedral, tais como as pequenas e bizarras esculturas dos bancos do coro e da divisória de madeira que separava o altar-mor do resto do templo, e até as gárgulas alcandoradas nas alturas do telhado. Todos os animais e homúnculos fantásticos que se acaçapavam ou se espiralavam em madeira ou pedra ou chumbo lá no cimo das abóbadas, ou ao fundo da cripta, eram de certo modo seus parentes; tratava-se portanto de um ser de reconhecida importância no mundo da catedral. 

O pequeno Santo de pedra e o Duende se davam muito bem, embora tivessem pontos de vista diferentes sobre a maior parte das coisas. 

O Santo, um filantropo à moda antiga, pensava que o mundo, tal como ele o via, era bom, mas poderia ser melhor. Particularmente, compadecia-se dos ratos de igreja, que eram miseravelmente pobres. Por outro lado, o Duende entendia que o mundo, tal como o conhecia, era mau, embora considerasse preferível não tentar reformá-lo. Fazia parte da natureza dos ratos de igreja serem pobres. 

- Mesmo assim - dizia o Santo -, sinto muita pena deles. 

- Claro que sente - dizia o Duende -, é da tua natureza sentir pena deles. Se deixassem de ser pobres, o senhor não poderia preencher as suas faculdades de Santo. O seu lugar se transformaria numa sinecura*. 

Sua esperança era de que o Santo lhe perguntasse o que era "sinecura", mas ele refugiou-se num silêncio de pedra. Talvez o duende tivesse razão, pensava ele, mas de qualquer forma gostaria de fazer alguma coisa pelos ratos de igreja antes que o inverno chegasse. Eram uns pobres coitados! Enquanto refletia sobre esta questão surpreendeu-se com algo que lhe caiu aos pés, produzindo um pesado tilintar de metal. Era uma moeda de um taler novinha em folha; um dos corvos da catedral, que costumava colecionar objetos diversos, voava com a moeda no bico até uma cornija de pedra que ficava bem em cima do nicho do Santo, enquanto o bater de uma porta lá na sacristia veio a sobressaltá-lo, soltando assim sua presa. Desde a invenção da pólvora para a caça que os nervos dos corvos já não eram os mesmos... 

- O que foi que caiu aí? - perguntou o Duende. 

- Um taler de prata - disse o Santo. - É muita sorte; agora já posso fazer alguma coisa pelos ratos de igreja. 

- Fazer, como? - perguntou o Duende. 

O Santo parou para pensar.

- Vou aparecer em visão para a empregada que varre a igreja. Direi a ela que irá encontrar um taler de prata entre os meus pés e que deverá apanhá-lo e com ele comprar farinha e deixá-la no meu nicho. Quando encontrar a moeda, ela entenderá que o sonho era verdadeiro e se apressará para cumprir minhas instruções. Assim os ratos terão comida para todo o inverno.

- Claro que você pode fazer isso - observou o Duende. - Quanto a mim, só consigo aparecer em sonhos para as pessoas depois que tenham jantado bem tarde um prato cheio de comida pesada. As minhas oportunidades com a empregada seriam portanto bastante limitadas. Afinal de contas, ser canto sempre tem lá suas vantagens. 

Enquanto isso, a moeda continuava aos pés do Santo. Estava bem lustrosa e rutilante e mostrava numa das faces uma bela estampa das armas do Eleitor. O Santo pôs-se a pensar que tal oportunidade era rara demais para ser desperdiçada precipitadamente. Talvez a caridade indiscriminada se tornasse nociva para os ratos de igreja. Afinal, era da natureza deles serem pobres, como dissera o Duende, e o Duende em geral tinha sempre razão. 

- Estou pensando cá comigo - disse a seu vizinho - que seria muito melhor se eu, em vez de farinha, mandasse comprar velas para serem colocadas no meu nicho. 

Desejara muita vezes, por mera questão de salvaguardar as aparências, que acendessem de vez em quando uma vela no seu nicho; mas como há muito tinham esquecido quem ele fora, as pessoas achavam que não valia a pena investir o dinheiro de uma vela para lhe prestar uma homenagem de rendimento bastante duvidoso. 

- As velas são bem mais ortodoxas - disse o Duende. 

- Com toda a certeza - concordou o Santo -, e os ratos poderão comer os cotos das velas que são muito nutritivos. 

O Duende era educado demais para piscar o olho; além disso, sendo um duende de pedra, isso estava além das suas possibilidades.
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- Ora, ei-la, não tenho dúvida! - disse a empregada da limpeza, na manhã seguinte. Pegou a moeda rutilante do gélido nicho e revolveu-a várias vezes nas mãos enegrecidas. Depois levou à boca e mordeu-a. 

"Será que ela vai comer a moeda?", pensou o Santo, fixando nela seu granítico olhar. 

- Ora, bolas! - exclamou a mulher, num tom ligeiramente mais agudo. - Quem haveria de dizer? E ainda por cima um santo! 

Depois, proferiu um palavrão que não devemos repetir. Procurou no fundo do bolso um pedaço de pano, atou-o na transversal com uma grande laçada em torno da moeda e pendurou-o no pescoço do pequeno Santo. Em seguida foi embora. 

- A única explicação plausível - disse o Duende - é que a moeda seja falsa.
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- Que condecoração é aquela que colocaram no meu vizinho? - perguntou um dragão alado talhado no capitel de um pilar ao lado.

Arrasado, o Santo sentia-se a ponto de chorar, só não o fazendo por ser de pedra. 

- É uma moeda de... hm!... de um valor fabuloso - respondeu o Duende, com muito tato. 

E correu a notícia por toda a catedral de que o nicho do pequeno Santo de pedra fora enriquecido por uma inestimável dádiva. 

- Afinal de contas, sempre serve para alguma coisa ter uma consciência de Duende - disse o Santo, lá com seus botões. 

E os ratos de igreja continuaram tão pobres como antes e como sempre. Mas isso já é outra história.
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* NOTAS
Mísula =Suporte sobre o qual se coloca um objeto de arte.
Sinecura =Cargo ou trabalho bem remunerado que não requer muito esforço.

Fonte> Flávio Moreira da Costa. Os Cem Melhores Contos de Humor da Literatura Universal. 
Disponível em Domínio Público. 

Recordando Velhas Canções (Garota de Ipanema)


(samba bossa, 1963) 

Vinícius de Moraes e Tom Jobim

Olha que coisa mais linda, 
mais cheia de graça 
É ela a menina 
que vem e que passa 
Num doce balanço, 
caminho do mar 

Moça do corpo dourado, 
do sol de Ipanema 
O seu balançado 
é mais que um poema 
É a coisa mais linda 
que eu já vi passar 

Ah, por que estou tão sozinho? 
Ah, por que tudo é tão triste? 
Ah, a beleza que existe 
A beleza que não é só minha 
Que também passa sozinha 

Ah, se ela soubesse 
que quando ela passa 
O mundo sorrindo 
se enche de graça 
E fica mais lindo 
por causa do amor 
Por causa do amor
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A Poesia do Desejo em 'Garota de Ipanema'
A canção 'Garota de Ipanema', composta por Vinicius de Moraes e musicada por Tom Jobim, é um clássico da Bossa Nova que captura a essência da beleza e do desejo em suas letras. A música descreve a admiração do eu lírico por uma jovem que caminha em direção ao mar de Ipanema, um bairro famoso do Rio de Janeiro. A letra utiliza uma linguagem poética para descrever a moça, destacando sua graça e beleza natural, que são comparadas a um poema.

O refrão da música expressa um sentimento de solidão e tristeza do observador, que parece estar distante da beleza que admira. A repetição das perguntas 'Ah, por que estou tão sozinho?' e 'Ah, por que tudo é tão triste?' Sugere uma reflexão sobre a solidão e a tristeza que acompanham a beleza inatingível. A beleza da garota é apresentada como algo que, embora passe sozinha, tem o poder de transformar o mundo ao seu redor, enchendo-o de graça e amor.

A música não apenas retrata a beleza física da garota de Ipanema, mas também toca em temas mais profundos como a natureza efêmera da beleza e o impacto que ela tem sobre aqueles que a observam. A canção se tornou um ícone da música brasileira e é conhecida mundialmente, simbolizando a leveza e a melancolia que muitas vezes andam de mãos dadas na experiência humana.

Jaqueline Machado (Lançamento do Livro “A Era do Amor”)

Este livro de crônicas é um convite... Uma utopia talvez... Uma vontade profunda de que a população mundial, através do sensato abandono de preconceitos cruéis, como misoginia, homofobia, racismo, capacitismo e outros, tornem o mundo um lugar de paz, onde os discursos do “ódio do bem”, sejam substituídos por palavras de amor, empatia e acolhimento.

A Era da guerra existente nos corações precisa acabar para que a Era do Amor seja construída. E, enfim, todos possam viver nesse lar chamado Planeta Terra, em comunhão, como verdadeiros irmãos.

E se essa Era não for da vontade de todos, que seja ao menos dos corações sensatos, que entendem, que sozinhos não há como salvar o mundo todo, mas que sempre tem como salvar o mundo de alguém.

Independente dos conflitos externos, eu vivo e vibro na Era do Amor.

Como uma legítima aquariana, faço do futuro o meu presente. E os convido, queridos leitores, a atravessar o portal do amor comigo, para que possamos juntos, habitar o Éden da paz e desfrutar do jardim das delícias... 

Venda a partir de abril na plataforma digital, http://livro.vc/, de Porto Alegre. 

Fonte: Texto enviado pela autora 

sábado, 30 de março de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 20

 

Humberto de Campos (Ferrabrás)

O coronel Otaviano de Meireles, comandante de um batalhão da Guarda Nacional aquartelado em Niterói, era conhecido em toda a cidade pela sua valentia, e, em especial, pela sua intransigência em questões de honra. Casado com uma das senhoras mais formosas do bairro, era tal o pavor infundido pelo seu nome, que ninguém se atrevia, sequer, a levantar os olhos para a sua cara metade. Aquele que tal fizesse, era, na opinião de toda a gente, um homem liquidado.

Foi por esse tempo, e quando mais se acentuava, em toda a praia de Icaraí, a fama da coragem do coronel, que passou a residir na vizinha capital o jovem advogado Dr. Otacílio Fernandes, que não era coronel, nem major, nem capitão, nem tenente, mas fora, sempre, um dos mais famosos namoradores de Niterói. Proprietário do prédio em que o coronel residia, não foi necessário grande esforço da parte do moço para travar amizade com o inquilino; e esta foi tão rápida, e tão sincera, que, uma semana depois, era o Dr. Otacílio convidado para um almoço, no primeiro domingo, na residência do brioso militar.

Chegado o dia, lá estava, na praia de Icaraí, o jovem capitalista. Risonho, amável, dissimulando com um sorriso gentil a austeridade da sua fisionomia marcial, correu o dono da casa ao portão, para receber o convidado e fazê-lo subir até à sala, onde madame já o esperava, obsequiosa e linda, com o rosto a emergir, como uma grande rosa, das espumas de neve do seu elegantíssimo penhoar de linho e renda.

- O Dr. Otacílio Fernandes - apresentou o coronel.

E ao recém-chegado:

- Minha esposa...

Minutos depois, sentados à mesa redonda, em que havia apenas três talheres, a palestra corria jovial, feliz, entre petiscos saborosos e sorrisos significativos, quando o telefone tilintou. Era o procurador do coronel que reclamava a sua presença, urgente, na estação das barcas, para ultimação de um negócio inadiável.

- Diabo! - exclamou o bravo militar. – Tenho de ir, não há remédio!

E virando-se para o capitalista, enquanto desamarrava o guardanapo:

- Esteja à vontade, doutor. É questão de meia hora. Fique por aí; eu não demoro!

E para a esposa:

- Orminda, faze as honras da casa; eu venho já!

Mal o coronel tomou o bonde, duas taças se chocavam no ar, por cima da mesa, festejando ruidosamente aquele encontro, há tanto desejado. E de tal forma foi a saudação, que, ao reentrar em casa, o coronel foi encontrar os dois no seu gabinete, num colóquio de excessiva intimidade. Apanhado em flagrante, o advogado pôs-se de pé, lívido. Apoiado na porta, que empurrara, o coronel encarou-o trovejando:

- Sim, senhor, Sr. Dr. Fernandes!

Pálido, trêmulo, o advogado lembrou-se da fama do coronel, e sentiu que chegara a última hora da sua vida.

- Sim, senhor! - tornou o militar.

E abrandando a voz:

- Você não tem medo de uma congestão?

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. 
Disponível em Domínio Público.

Caldeirão Poético LXXXIII


(Academia Brasileira de Sonetistas Clássicos)

Arlindo Tadeu Hagen

MINHA POESIA

A forma de expressar meus sentimentos
sempre foi através da poesia.
Muito mais do que a fala, a fantasia 
me acompanhou por todos os momentos. 

Lamentei, versejando, os sofrimentos 
e brindei as vitórias na alegria.
Através dos meus versos, sempre atentos,
testemunhei de tudo, dia a dia.

A poesia fez melhor meu mundo
 mais fraterno, bonito e colorido
e deu à minha vida mais sentido.

Entretanto, o meu verso mais profundo 
eu penso que jamais irei fazer
sobre as coisas que eu sinto sem dizer.
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Elvira Drummond

MALÍCIAS DO VERSO…

O verso vem… achega-se discreto, 
de modo tão suave, que sombreia 
as suas intenções, o seu projeto 
de armar, devagarinho, a sua teia.

Um verso tem seu próprio dialeto:  
se tece palavrinhas, em cadeia, 
enrama seu enredo tão completo, 
que alumbra com clarão de lua cheia! 

E, nesse ponto, o verso não espera: 
assume o meu desejo de quimera
e faz de mim refém do coração!  

Entregue, totalmente, ao seu capricho, 
escuto o seu sussurro, o seu cochicho…
é o verso que conduz a minha mão! 
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Fernando Antônio Belino

VINHO E PÃO

Se faço um verso novo, é bom sinal
de que resta comigo uma esperança,
de que a fúria do intenso vendaval
não dizimou meu riso de criança.

Refém do cerco atroz do imenso mal,
a minha lira insiste e não se cansa.
Mantém-se firme, em luta visceral,
contra esse breu que, sobre a luz, avança.

Quando escrevo, a poesia é um gesto forte,
que afasta, da navalha, o agudo corte,
mantendo acesa a tímida alegria.

A escrita é meu alento e minha cura;
é um vinho que me salva da loucura;
é um pão que me alimenta a cada dia!
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Gilliard Santos

RECEITA DE UM SONETO DE AMOR

Em uma folha branca e bem untada
Despeje três porções de inspiração;
Coloque seis colheres de emoção
E mexa bem, de forma graduada...

Ponha de amor três xícaras de cada,
Depois uma pitada de paixão...
A massa, enfim, requer maturação
Para depois no forno ser assada.

Versejar é processo demorado...
Segue regras, qual fosse um algoritmo.
Não é simples o ofício de escritor!

Verso sáfico, heroico, agalopado?
Essa escolha depende do seu ritmo...
E eis um soneto clássico de amor.
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Guilherme de Freitas

PLUVIAL

Malgrado um certo estio repentino,
E, sendo assim, maior que os outros medos,
Alguma gota molha o meu destino,
E um verso a mais me escorre pelos dedos.

De pingo em pingo, as sílabas combino,
E a estrofe me aparece sem segredos,
E após o fim do ciclo de refino,
Encaro o resultado de olhos ledos.

Centelha audaz que sou da luz divina,
Abraço as leis, a forma e a disciplina
Que exige o bom poeta, quando cria...

E desse modo, um vão papel em branco
Se torna o território sério e franco
No qual se faz chover a poesia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Jérson Brito

NA MEDIDA CERTA

Na construção do verso, a melodia 
é requisito um tanto necessário,
ainda mais se o estilo literário
tiver, na forma, o arrimo que inebria.

Embora existam vozes em contrário,
enxergo plena a verve que se alia
ao regramento imposto e à simetria
usada quando grita o imaginário.

A liberdade dentro da clausura
de sílabas contadas, linha a linha,
reputo valiosíssima conquista.

Se estou também no público, à leitura
procuro dar cadência, nesta minha
audácia de encarnar um sonetista.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Rodrigues Filho

O POETA E O JABUTI

No intuito de compor um sonetilho 
Nas redondilhas encontrei as rimas,
Não sendo afeito ao cerne de obras-primas 
Muito hesitei até achar o trilho. 

Zelosamente, afasto o trocadilho...
Procuro não focar em pantomimas. 
Coloco nos quartetos coenzimas 
As quais darão formato ao novo filho. 

Escrevo atento aos passos de um quelônio,
Recém-nascido, um novo patrimônio 
Da natureza excelsa e criadora. 

A inspiração aflora nos tercetos...
Relembro estrofes de outros meus sonetos, 
Concluo a peça desafiadora. 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Lucília Alzira Trindade Decarli

SONHO DE POETA

Quisera poder, num toque de mão, 
levar ao leitor a excelsa magia
que o faça encontrar, talvez, fantasia, 
mas chegue a sentir repleta emoção! 

Nos versos, proponho haver sintonia
que inspire a compor a "eterna canção".
Debalde, almejar tenaz perfeição, 
se entorna, o poema, obscura avaria...

E, pobre de mim, rabisco e rabisco, 
depois os releio e os versos confisco; 
desejo alcançar a intrínseca meta.

Caneta e papel... perscruto no prisma
a força da luz que excede o sofisma
e volto a escrever... Serei um poeta?
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Ricardo Camacho

ARTE MAIOR

Com muito prazer, estanco a agonia,
Compondo a canção, ilustre poema,
Que eleva a expressão na voz que irradia
Encanto, poder e graça suprema.

Pressinto vencer enorme dilema,
Soltando a emoção no verso, alegria,
Que anula a tensão no próprio fonema
Fazendo nascer o som - Melodia!

Lembrando um tenor, conduzo a cadência
Da composição, no firme compasso,
Que leva o leitor em bela fluência 

Num voo retrô, à prístina essência,
Por meio da mão, da pena e do traço
Com esta versão de própria fulgência!
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Fonte: Recanto das Letras. 25.03.2024

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 28: Isadora de Pampa e Bahia

A chuva foi embora. O sol voltou a brilhar, e Isadora buscava a aquecer-se sentada no meio da estrada. Seu estado chamou a atenção de um viajante moreno e grisalho. 

- Está precisando de ajuda, moça? – disse ele com um sotaque diferente.

- Sim. Mas não sei bem nem o que dizer ou o que pedir. Quem és tu? 

- Me chamo João, venho de Salvador, Bahia. Sou caminhoneiro. Vim fazer uma exportação.

- Como é lá? 

- Salvador? Ôxe! É um lugar lindo.

Isadora observou o céu, o horizonte, se observou maltrapilha, sem seu amor, sem sua mãe... Olha bem para o rapaz na tentativa de perceber se ele era gente ruim. E num impulso, disse: “– Preciso ir para bem longe. Se puder me levar para tua cidade.” 

- Ôxente, menina, é sozinha no mundo?

Isadora silencia...

- Está bem. Parto de volta daqui duas horas. Se quiser eu te levo. 

- Quero, sim. Mas saiba que sou uma mulher de respeito. 

- Não se preocupe, não vou te molestar, não. Deve tá com fome. Na volta te trago um lanche. 

Depois de muitas horas de viagem, Isadora quebra o silêncio. E conta sua trágica história ao novo amigo. 

O caminhoneiro a escuta com atenção. Isadora adormece. E ele, com delicadeza e respeito, protege a moça do frio com um cobertor. 

Quando chegam em Salvador, Isadora deslumbra-se com o lugar, e a chama da esperança de viver dias melhores reacende seu ânimo. 

- Você precisa de um banho, trocar essa roupa, descansar. Vou te levar na casa de uma grande amiga minha, que vai cuidar disso tudo – disse João. 

A fachada da casa era discreta. E foram bem recebidos por uma senhora bem vestida e simpática.  João logo contou abreviadamente o que havia acontecido com sua protegida. 

- Menina, me chamo Branca. Vem, vou cuidar de você – disse a dona da casa. 

Ao adentrar a casa, Isadora observou que havia muitos cômodos, e conversas no interior das portas... “Aqui é uma pensão?”  – perguntou ela. 

Dona Branca riu...

– Vem, menina, precisa de um banho, comida e sono. Vou te mostrar onde fica o banheiro. E ver uma roupa pra você. Depois conversamos. 

Isadora ficou acomodada no quarto, onde recebeu sua refeição. O quarto era pequeno, mas organizado, limpo e com janela. Ela adormeceu no cair da tarde, até o outro dia. Então, buscou pela dona da casa, e adentrou na sala cheia de jovens mulheres conversando, cerca de umas quinze e suspeitou... Aqui é um...

- Sim. Aqui é um cabaré. Não tão famoso quanto o Bataclan, que é o cabaré mais famoso de Salvador, mas distinto e cheio de amor para oferecer. - disse dona Branca. 

As meninas riram.

- Eu não quero ser uma prostituta. 

- Calma, minha filha. Ninguém vai te obrigar a nada, não. Senta, coma, daqui a pouquinho João vem te buscar. Ele quer te mostrar a cidade. 

- E depois? 

- E depois você volta. Se quiser... 

João, com alegria mostrou a bela Salvador à gaúcha dos pampas, que entusiasmou-se com a beleza do lugar. 

Seus olhos atentos não deixaram escapar os detalhes das paisagens daquela Salvador cheia de novidades... E de pessoas agradáveis, simples e sorridentes.

Estava assustada com o fato de ter ido parar num cabaré. Seu coração ficava apertado de pensar na possibilidade de ter se livrado de um canalha para cair nas garras de vários canalhas iguais ou piores do que o Fábio. Mas as paisagens das ruas dispersaram seus temores. Ao se aproximarem da igreja do Bonfim, cânticos à Iansã lhe tomaram todos os sentidos. E ela sorriu.

 Coro de vozes:
Iansã rainha da terra
Oh, Iansã rainha do mar
Tu és a senhora dos ventos
E dona do seu jacutá...   
 
- É procissão em homenagem à Santa – disse João. 

Muitas pessoas, especialmente mulheres vestindo branco e vermelho, com o peito enfeitado de colares de conta, cercavam o cortejo que levava a imagem de Iansã até Mãe Menininha do Gantois. No terreiro, era dia de homenagem à Santa guerreira dos raios. Mas Isadora não sabia quem era Mãe Menininha e nem do que se tratava "um terreiro". Então, pacientemente, João lhe explicou tudo. 

- Vó Gorda disse que Iansã é minha protetora. 

- Vó Gorda?   - perguntou ele.

- É o anjo protetor da minha morada. 

Quando a procissão se distanciou do cenário que tem como protagonista a bela imagem da Basílica do Senhor do Bonfim, eles entraram no templo e fizeram algumas preces em silêncio. Na saída João lhe comprou uma fitinha do Bonfim, que é vendida num mural do lado de fora da igreja. Instruiu Isadora de como fazer um pedido e amarrou a fita no pulso da moça. 

 - João, estou feliz e muito agradecida com teus cuidados e com a beleza deste lugar, mas estou hospedada numa casa onde as moças ganham o pão de cada dia se prostituindo. Elas me fazem lembrar meu pai que destruiu a família torrando dinheiro com mulheres da rua.

- Não as chame assim. Elas não são mulheres da rua. São simplesmente mulheres. Não sinta raiva dessas moças. A maioria delas não faz programa por gostarem. Muitas até nojo sentem de seus clientes, homens autoritários, bêbados, e que por vezes as agridem fisicamente. Elas são meninas que vêm da extrema pobreza, sem instruções, sem oportunidades... Que para sobreviver, tiveram que escolher entre a vida no crime ou fazer a vida nos cabarés onde foram acolhidas. Parecem alegres, mas no fundo são tristes. Você não será obrigada a nada. E logo vou te arranjar um trabalho bom. Mas agora chega de prosa. Tô com o bucho vazio. Vamos comer um acarajé na barraca da baiana? – disse apontando para uma barraquinha colorida. 

 - Nunca comi, mas pelo cheiro, deve ser gostoso. 

- É uma das delícias da Bahia. 

- Sem querer abusar da tua boa vontade, posso fazer um pedido?

- Pede, moça.

- Me leva ao terreiro da Mãe Menininha? 

- Oxente! Levo, sim – disse espantado. 
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continua...
Fonte: Texto enviado pela autora 

Recordando Velhas Canções (Tocando Em Frente)


Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Cada um de nós compõe a sua história
E cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Sabedoria da Simplicidade em 'Tocando Em Frente'
A música 'Tocando Em Frente', interpretada pelo renomado cantor e compositor Almir Sater, é um hino à simplicidade e à sabedoria que se adquire com a experiência de vida. A letra da canção reflete uma filosofia de vida que valoriza o andar devagar, a paciência e a capacidade de sorrir mesmo após ter enfrentado momentos de tristeza. A mensagem central é a de que a vida é um caminho que deve ser percorrido com serenidade, aceitando as lições que cada experiência traz.

A canção utiliza metáforas do cotidiano rural, como a figura do 'velho boiadeiro' que conduz sua boiada, para ilustrar a jornada da vida. Essa analogia ressalta a importância de seguir em frente, dia após dia, com determinação e sem pressa, assim como o boiadeiro que segue sua estrada. A repetição dos versos 'Conhecer as manhas e as manhãs / O sabor das massas e das maçãs' sugere uma apreciação pelas pequenas coisas da vida, pelas experiências sensoriais simples, mas profundamente significativas.

Almir Sater, com sua voz calma e seu inconfundível toque de viola, transmite em 'Tocando Em Frente' uma mensagem de otimismo e resiliência. A música nos lembra que todos passamos por momentos de amor e dor, mas que cada um de nós tem a capacidade de compor sua própria história e encontrar a felicidade. A canção se tornou um clássico da música sertaneja brasileira, tocando o coração de muitos com sua poesia e melodia acolhedora.
(https://www.letras.mus.br/almir-sater/44082/significado.html)