quarta-feira, 17 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (Gente humilde)


Compositores: Chico Buarque / Garoto / Vinícius de Moraes

Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar

Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem, vindo de trem de algum lugar
E aí me dá uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar

São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda, flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio, peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

A Melancolia e a Beleza na Simplicidade 
A música 'Gente Humilde', interpretada por Chico Buarque, é uma obra que reflete sobre a simplicidade e as dificuldades da vida nas áreas mais humildes da cidade. A letra expressa um sentimento de empatia e melancolia do eu lírico em relação às pessoas que vivem em condições modestas, mas que carregam uma dignidade e uma força admiráveis.

O início da canção revela uma reflexão introspectiva, onde o eu lírico se sente emocionalmente tocado ao pensar em sua 'gente', ou seja, nas pessoas simples e trabalhadoras que representam suas raízes ou sua comunidade. Há um aperto no peito, uma emoção que surge espontaneamente, indicando uma conexão profunda e uma preocupação genuína com o bem-estar dessas pessoas.

À medida que a música avança, o eu lírico descreve cenas do cotidiano suburbano, com suas casas simples e a vida que se desenrola na calçada. A inveja mencionada não é de natureza material, mas sim de um espírito de comunidade e de seguir em frente apesar das adversidades. A tristeza e a beleza se entrelaçam na descrição das flores 'tristes e baldias' e na alegria que parece não ter um lugar para se apoiar. A música culmina em um apelo emocionado a Deus, mesmo para aquele que não é crente, revelando a profundidade do sentimento de solidariedade para com a 'gente humilde'.

“Gente Humilde” teria surgido durante uma visita de Garoto a um subúrbio carioca. De repente, ao observar aquelas pessoas e suas casas modestas, ele resolveu homenageá-las numa canção. Tempos depois, a gravaria num acetato para o professor mineiro Valter Souto, registro que asseguraria a sobrevivência da composição, mantida inédita em disco comercial.

Finalmente, quase quinze anos após a morte de Garoto, Baden Powell mostrou-a a Vinícius de Moraes que, apaixonando-se pelo tema, deu-lhe uma letra em parceria com Chico Buarque. Aliás, uma letra primorosa que, segundo o próprio Chico, é quase toda de Vinicius: “São casas simples, com cadeiras na calçada / e na fachada escrito em cima que é um lar / pela varanda, flores tristes e baldias / como a alegria que não tem onde encostar...”

Muito antes, porém, houve uma outra letra (“Em um subúrbio afastado da cidade / Vive João e a mulher com quem casou / tem um casebre onde a felicidade / bateu à porta, foi entrando e lá ficou...”) de um poeta mineiro, que preferiu se manter no anonimato. Com esta letra, “Gente Humilde” foi cantada em programas da Rádio Nacional por Zezé Gonzaga e o coral Os Cantores do Céu, em arranjo de Badeco, do conjunto Os Cariocas (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Fontes:

Aparecido Raimundo de Souza (Chuva ácida)

VERÔNICA TRAZIA na boca o gosto acre dos infindáveis caraminguás com os quais se relacionara durante toda a vida. No corpo inteiro, as marcas indeléveis dos amores tentados, e, no peito, as dores em virulenta profusão das paixões desfeitas. No frívolo incoerente dos olhos, recordações de figuras que usufruíram de seus melhores momentos no desfrute de infindáveis horas de prazer. Um diletantismo esmaecido e sem o fogo da mocidade, ou pior ainda, um resto dela que ainda insistia em manter uma tênue luz deixada pelo inóspito de uma distância alpestre (grosseira). 

Na alma combalida, estropiada e machucada, lembranças dos que se fartaram e se saciarem a bel prazer dos pecados da carne fraca. No geral, fantasmas iracundos se insurgiam do âmago de suas entranhas como se fossem restos de coisas repugnantes. Seu tato, sua química, seu suor, cheiros e gostos, aromas e olores, não dispunham agora do primor necessário para fazer alguém ficar por vontade própria. Faltava o distinto, o notável e o essencial, o excelente e o basilar.  Cicatrizes aqui e ali, lesões não curadas pareciam brechas profundas sedimentadas em sua armadura. 

Verônica sentia, na verdade, a necessidade de manter a postura dos vinte, mas, o peso da solidão e a carga fastidiosa da casa das sessenta primaveras, não davam tréguas. Ao contrário, magoavam e feriam profundamente. Sua vida se assemelhava à dos covardes e vencidos – os covardes e vencidos não fazem história –, simplesmente passam e seguem em frente, sem deixar vestígios dos feitos realizados. Verônica não tinha feitos memoráveis, nem páginas escritas. Tão somente folhas soltas ao sabor do nada. Rascunhos, debuxos e boquejos absolutamente inúteis que para coisa alguma serviam. Sequer, a bem de algo sólido, poderiam ou deveriam ser conservados ou restaurados. 

Apenas a fraqueza mirrada da covardia franzina e valetudinária (enferma) de não ter tentado coisa melhor. O livro-base da sua existência vazia e débil estava totalmente em branco. Em paralelo, timbres e sons sem ressonâncias harmoniosas, se confundiam numa abstinência de vidas retalhadas em completo e total fracasso. Em caminho igual, gritos e brados, clamores e rogos se perdiam difusos. Seu espírito se deixara ser levado por ruas e estradas tortuosas de inseguras realidades, como as corredeiras de um rio imenso e à esmo, buscando um afluente qualquer para se desaguar em morte lenta. 

Verônica, como essas águas, desejava um canto de sossego onde descarregar as mágoas do longo caminho percorrido. Esquecer o destino inglório e encontrar um pouco de paz. Pelo que sua vida de altos e baixos pagou em tributos, em igual camada de dissabores e desgraças, o amanhã poderia lhe comprar respostas. Ao invés disso, o porvir que se descortinava à frente, se mostrava complicado demais. Era triste aos extremos. Solitário e melancólico em demasia. As pessoas que não tem nenhum tipo de problemas ou questiúnculas pendentes conseguem vislumbrar um porvir colorido. Somente elas gozam desta beatitude e se permitem atingir o Nirvana do privilégio fazendo com que a alma se veja e se sinta em tranquilidade total e ausente de qualquer sentimento pernicioso. 

O resto, portanto, vegetava, malograva, naufragava “desprosperava,” em preto e branco.  Assim se resumia naquele instante o cotidiano de Verônica. Sem cor, sem brilho, sem um pingo de viço. Do acordar até a hora de voltar a dormir: à noite, igualmente longa e pegajosa, não ficava atrás: se fazia feia, hostil, sem sentido, mutilada. O mundo se assemelhava a um bicho pré-histórico de três cabeças a perseguir implacável. Ela, sozinha, se sentia numa espécie de hidrofobia viral. Tinha consciência, à morte, somente a Dama da Foice possuía o antídoto vital para tirá-la, de vez, daquela morbidez sem volta, daquela incerteza degradante, sem sentido lógico. 

Seu universo inteiro parecia que se deslocara da órbita natural. Dava sinais de ter seguido um trilhar secundário que se distanciava a cada minuto do que deveria ser seu hoje-agora. A sintonia meridiana desse planeta, se adumbrava (sombreava) a uma espécie rara de zumbi errante em busca do nada. Literalmente, Verônica fizera um suco de limão, mais que azedo e jogara fora o doce néctar que o destino lhe presenteara. Sem saída, sem bifurcações novas à frente, sem objetivos a serem alcançados, Verônica estancou os passos. Encarcerou seus anseios, abalou seus horizontes. Se interditou. 

Pés e mãos atados, olhou em volta de si e não viu nada. Espiou o céu e só enxergou nuvens negras. Fechou os olhos e também, dentro de si, coisa alguma. Não encontrou razão para continuar vivendo. Viver se resumia em algo sem sentido, sem conformidade ou nexo. O viver se opunha desleal, incômodo e nocivo. Lembrou da rodovia. Havia uma, não muito longe. Uma autovia gulosa que consumia o progresso. Talvez se servisse dos seus insucessos. Caminhou apressada. Como um braço enorme estendido ao “não sei para onde,” uma passarela metálica cruzava para o outro lado. 

Sob ela, carros, caminhões, ônibus e motos iam e vinham numa velocidade estonteante. Carros, caminhões, ônibus e motos passavam com pressa. Voavam ávidos de um destino certo.  Verônica não tinha destino, nem talvez, nem paradeiro. Menos ainda, ponto de chegada. Não dispunha de eira nem beira. Não sabia para onde ir, para onde chegar, para quem voltar. Não tinha o mínimo, ou melhor, um chão para continuar pisando. De repente, pulou num impulso incontido. Saltou do meio da passarela para o centro do desconhecido. Viajou com tudo, num plainar rápido e sem sentido, tão sem lógica como a sua vida sem brilho, sem sabor, sem razão de ser, sem o perfume das flores mais simples. 

Mergulhou de cabeça, esvaneceu, se reduziu a nada para o transito do tudo tresloucado que fluía com uma intensidade cada vez mais sedenta de sangue. No oco frio dos olhos, as recordações de figuras antigas que usufruíram de seu corpo por algumas horas de prazer. Na alma combalida, afundada em transgressões, lembranças caducas dos muitos e milhares que se fartaram e se saciaram a bel prazer do pecado na sua forma. Cicatrizes aqui e ali pareciam cissuras em sua armadura. Os covardes e vencidos não fazem história. Indubitavelmente, os covardes e vencidos não fazem his... 

Fonte: Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 57 =


  Trova Humorística de São Paulo/SP


MARIA HELENA CALAZANS DUARTE

"Mas que preguiça'' e, no escuro,
o pau-d'água, chave à mão,
espera, encostado ao muro,
que ali passe o seu portão!
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Solau* de Curitiba/PR

DARIO VELLOZO
(Dario Persiano de Castro Vellozo)
Rio de Janeiro/RJ, 1869-1937, Curitiba/PR

Solau a Nestor de Castro

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Loura de olhos monacais;
Eu rezo salmos a Dona Morte,
Sou o coral das Catedrais;
Nos meus idílios flavesce a morte,
A morte, — vinho das bacanais.

Volvei os olhos de esperança
A um cavaleiro Rosa-Cruz;
Os vossos olhos de esperança
São liras de ouro, alvas de luz;
São pulvinários de esperança,
Valquíria astral da Rosa-Cruz.

 Nos cinerários de meus sonhos
Arderam Silfos e Quimeras;
Em que sepulcro andam meus sonhos,
Ó Peregrina de outras eras?!...
Noiva, — sepulcro de meu sonhos,
Crisoberil das primaveras!

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Entre castelos e solares;
Seguindo os passos de Dona Morte,
Subi a torres de sete andares,
Os belvederes de Dona Morte
Andam suspensos de meus olhares.

Andam suspensos de minha boca
Os nove arcanos da Alquimia;
Nos setiais de minha boca
Rezaram monjas noite e dia;
Jamais oscules a minha boca,
Estrela d´alva da Nostalgia!...

 Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais,
A Morte embala meus sonhos mortos
Nas absides das Catedrais.
A Morte é a noiva dos sonhos mortos,
A Morte é círio das bacanais.

Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais!
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* Solau - Composição bem antiga, da época anteclássica renascentista, de caráter melancólico e habitualmente acompanhada por música. Autores que a cultivaram: Bernardim Ribeiro,Sá de Miranda, Jorge de Vasconcelos, Gonçalves Dias, Almeida Garret, Carlos D. Fernandes (simbolista brasileiro). Poetas modernos como Manuel Bandeira e Mário Quintana, também, escreveram poemas com o título de Solau.
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Aldravia de Mariana/MG

HEBE RÔLA

Humilhado
Galo
Acordou
Relógio
Não
Despertou
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Soneto de Bauru/SP

JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA

Silêncio

Quando eu pensei que tudo estava certo...
eis que você, na calma de serpente,
virou meu mundo assim tão de repente
numa miragem plena de um deserto.

Meu pensamento sóbrio, tão presente,
não alertou-me como estava perto
um coração fechado... e bem aberto
à pequenez de um sopro tão latente!

Me refazendo aos poucos, fui olhando
nas passarelas de um mundo nefando
desfiles frágeis, quem olha e não vê.

Hoje agradeço sua insensatez
silenciando o vazio de vez
feliz por mim e triste por você!
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1961

LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Nossa Língua Portuguesa
bem menos rica seria
se não tivesse a riqueza
deste teu nome - Maria!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTÓNIO GEDEÃO
(Rómulo Vasco da Gama Carvalho)
1906 – 1997

Lição sobre a água

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
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Quadra Popular de Minas Gerais

Vou tirar o teu retrato,
na beira do poço fundo;
estando com ele na mão,
estou com a joia do mundo.
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Soneto de São Paulo

ADÉLIA VICTÓRIA FERREIRA
Sete Barras/SP, 1929 – 2018, São Paulo/SP

Amor que não tem preço

Depois que te perdi, só depois, mãe querida,
notei que me fugira um bem que não tem preço,
o maior bem do mundo, o melhor desta vida,
e, se um dia existiu igual, não o conheço.

Ternura ardente e casta, oculta em manto espesso
de preocupações, quando não, diluída
nesse olhar, cujo certo e único endereço
é seu filho, que a fez vaidosa ou mais sofrida.

Depois que te perdi, só depois... (como forço
o espírito a afastar a constante tortura!...)
é que a mente me invade um dorido remorso

de não ter, junto a ti, quando então me fitavas,
com mil beijos provado esta minha ternura,
num reflexo do amor imenso que me davas!
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Trova de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

Cada verso que dedico
para os tristes, na ilusão,
mais alegre, sim, eu fico,
pois sou eles, coração...
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Poema de Rutherford/New Jersey/ Estados Unidos

WILLIAM CARLOS WILLIAMS
1883 – 1963

Prelúdio ao Inverno 

A mariposa sob as goteiras
 com asas como
 a casca de um tronco, estende-se

e o amor é uma curiosa
 coisa suavemente alada
 imóvel sob as goteiras.
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Haicai de Curitiba/PR

MÁRIO ZAMATARO
(Mário Augusto Jaceguay Zamataro)

Nas asas imóveis
da borboleta pousada:
as cores mais vivas.
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Soneto de Santos/SP

ARISTHEU BULHÕES
Maceió/AL, 1909 – 2000, Santos/SP

Novo alento

Encontrei-te na estrada do Destino,
e tuas mãos fidalgas me levaram
pelos campos do amor, num desatino
que meus próprios sentidos estranharam.

Novo horizonte, agora, descortino...
As paisagens sombrias se alegraram.
Sou, de novo, feliz, como em menino,
pois meus anseios já se realizaram.

Antes, na vida, conduzido a esmo,
compartindo o pesar comigo mesmo,
via o meu sonho transformar-se em pó.

Hoje, alentado pelo teu carinho,
tenho flores brotando em meu caminho,
e já não sofro e nem sorrio só!
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Trova de Paranavaí/PR

RENATO FRATA

Beber desse seu sorriso
é algo mais que sublime:
vale dessa vida o riso
que a felicidade exprime.
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Glosa do Rio Grande do Sul

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

MOTE:
Vai, riozinho, sem pressa...
Lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
A. A. de Assis 
(Maringá/PR)

GLOSA:
Vai, riozinho, sem pressa...
desliza tranquilamente,
não há nada que te impeça
de ser puro e transparente!

Quando chegares ao mar,
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que nesse teu desaguar
existe um amor em frágua!

Que do orgulho, se despeça
esse mar tão envolvente...
Que ele é grande, mas começa
numa pequena vertente!

Sangas correm para o rio,
o rio, no mar deságua,
mas nasce a correr ...vadio,
num modesto olhinho d’água!
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Aldravia de Ipatinga/MG

GORETH DE FREITAS

O
trem
vai
o
tempo
passa
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Soneto de Minas Gerais

BELMIRO BRAGA
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG

Risália

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
não são as aves festejando o dia:
— São os últimos gritos que te envia
meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
não penses que é o rosal que te inebria:
— É minha alma nas ânsias da agonia
que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
do docel de teu leito, não te afoites,
nem te assustes, querida! São meus zelos

que vão, de leve, sacudindo as asas,
carinhosos, beijar, todas as noites,
teus olhos, tua fronte e teus cabelos...
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1961

ONILDO DE CAMPOS
Cachoeira/BA, 1924 – 2002, Rio de Janeiro/RJ

Maria, sem coração,
encontra-se em demasia...
Mas, quase nunca se encontra
um coração sem Maria.
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Poema de Belo Horizonte/MG

RELVA DO EGYPTO 
(Relva do Egypto Rezende Silveira)

Ao encontro do sol-posto

Não quero me entregar ao desencanto,
depois de superar tantas mazelas!...
Do sofrimento
vou fazer meu canto,
pois sei que ainda existem
muitas coisas belas.
Não pretendo afastar de mim o encanto
da esperança, sempre, a abrir suas janelas.
Também não quero apagar mágoas
com desvarios... prantos,
mas preciso ter fé
e ter cautelas.
Quando o sorriso me ilumina o rosto,
é parte deste “jogo do contente”, pois, em solidão,
vou ao encontro do sol-posto.
Mas tento disfarçar o meu sofrer,
seguir minha vida, olhar em frente,
buscando, na partilha, no afeto, renascer
para, enfim, harmonizar todo o meu ser.
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Triverso de Santa Maria/RS

MARCELO DE ANDRADE BRUM

Noite de inverno
a lua brilha despida
na face do lago
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Setilha de Juiz de Fora/MG

ARLINDO TADEU HAGEN

Como faz falta uma praia
aqui nas Minas Gerais!
Um espaço democrático
feito a praia não há mais
pois, de chinelo e calção,
na areia ou no calçadão,
os homens são mais iguais!
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Trova de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Chego à velhice, contente
e o meu ocaso é bem-vindo,
ao ver que o sol, no poente,
faz o entardecer mais lindo!
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Hino de Foz do Iguaçu/PR

Somos Filhos da terra querida
que é famosa, onde quer que se vá
Natureza imponente e garrida
que, no mundo, mais bela, não há

Nestes rios se confundem nações,
num abraço de mútuo fervor;
somos porto de mil corações,
Foz de eterno, ameríndio vigor!

Três fronteiras de pátrias amigas
Iguaçu-Paraná...que emoção!
suas águas que entoam cantigas,
rumo ao sul, irmanadas, se vão!

Quadro eterno que os olhos fascina
eis o sol o horizonte a romper;
catadupas! surgi da neblina,
para o mundo, outra vez, surpreender!

Sob o imenso dossel destas matas,
Sim! Palpita lembrança tupi;
Tarobá, no fragor das cascatas
ainda chama, saudoso, Naipi.

Sim, mil graças por tanta beleza,
Ó Senhor! Sempre mais progredir,
que um passado de heroica nobreza,
seja o aval de um fecundo porvir!

Honra eterna aos ingentes pioneiros
deste solo, onde é grande o labor;
aqui estão corações brasileiros,
palpitando co' idêntico amor!

Estribilho:
Foz do Iguaçu! Foz do Iguaçu!
Quem tua glória negará?
Onde achar maior que tu,
Esplendor do Paraná!!!
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A Grandeza e Beleza de Foz do Iguaçu: Um Hino de Orgulho e História
O 'Hino de Foz do Iguaçu - PR' é uma celebração poética e musical da cidade de Foz do Iguaçu, localizada no estado do Paraná. A letra exalta a beleza natural e a importância histórica da região, destacando suas características únicas e a união entre diferentes nações que se encontram nas suas fronteiras. A cidade é famosa mundialmente pelas Cataratas do Iguaçu, uma das maravilhas naturais mais impressionantes do planeta, e o hino faz questão de enaltecer essa grandiosidade.

A letra menciona a fusão de nações e culturas que ocorre em Foz do Iguaçu, onde os rios Iguaçu e Paraná se encontram, simbolizando um abraço de fervor mútuo. Essa união é um reflexo da convivência pacífica entre Brasil, Argentina e Paraguai, que compartilham as Três Fronteiras. A música também faz referência à rica herança indígena da região, mencionando figuras lendárias como Tarobá e Naipi, personagens de uma famosa lenda tupi-guarani que explica a origem das cataratas.

Além de celebrar a natureza e a história, o hino também expressa um desejo de progresso e desenvolvimento contínuo, agradecendo a Deus pela beleza da região e pedindo por um futuro fecundo. A letra presta homenagem aos pioneiros que desbravaram e trabalharam arduamente para construir a cidade, ressaltando o amor e o orgulho dos habitantes de Foz do Iguaçu. O estribilho finaliza com uma exaltação à glória e esplendor da cidade, afirmando que não há lugar mais grandioso no Paraná. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/1784610/ 
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Poetrix de Brasília/DF

PEDRO CARDOSO

fome

o abismo
entre a mão e a boca,
tem nome…
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS GUIMARÃES
1915 – 1997

Último soneto

Este soneto — o último que faço —
põe um ponto final em nossa história,
que, hoje, termina de maneira inglória,
sem um beijo de adeus, sem um abraço.

Peço, apenas, que guardes na memória,
qual de nós teve culpa do fracasso;
quem primeiro deu mostras de cansaço,
reduzindo a farrapos nossa glória...

Pedes que eu parta e eu cedo. Indiferentes,
teus lindos olhos nem me seguirão...
Trilharemos caminhos diferentes,

porque temos destinos desiguais:
— Tu vais feliz, em busca de ilusão,
e eu carregando um desengano a mais!
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Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Uma caneta… Um papel…
– foste escritor sem igual! -
Nome?... Nilto Maciel.
Livro da Vida: - IMORTAL!

(Tributo ao amigo, escritor cearense Nilto Maciel, falecido em 2014)
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O homem e a cobra

«Morre, animal virulento,
Emblema da ingratidão!»
Dizia Agrário a uma cobra
Que pedia compaixão.

«Na ponta deste cajado
Hás de teus dias findar,
És duma raça de ingratos
Que se não deve poupar.

Um homem viu uma cobra
Pelo frio entorpecida,
Teve dó dela, e no seio
Lhe volveu calor e vida;

Porém assim que a traidora
O movimento cobrou,
No peito do benfeitor
Os feros dentes cravou!»

Nisto, um chuveiro de golpes
Descarregou na serpente,
Que entre os arrancos da morte
Replicou com voz tremente:

«Nossas crônicas referem
Como o caso aconteceu;
O homem foi o culpado,
A serpe bem procedeu:

Não lhe acudiu por piedade,
Mas por lhe a pele tirar,
E ela somente o matou
Por não deixar-se esfolar.»

Há muitos que, por mal pagos,
Choram benefícios seus,
Porém se as partes se ouvissem,
Seriam eles os réus:

Dando pouco, exigem muito,
E até mesmo a escravidão;
Quem faz bem por seu proveito,
Perde o jus à gratidão.

(tradução: Costa e Silva)
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Nota do blog: Esta vereda está sendo republicada com nova numeração, com algumas correções.  

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 51: Opróbrio

 

A. A. de Assis (Camões 500 anos)

Luís Vaz de Camões deixou para todos nós, povos lusófonos, uma herança cultural preciosíssima

Em todos os países de língua portuguesa está em andamento uma série de comemorações alusivas ao quinto centenário de Luís Vaz de Camões. Serão dois anos de congressos, seminários e outros eventos enfatizando a importância do nosso poeta máximo.  

Em verdade, não se sabe exatamente onde e quando ele nasceu: uns dizem que em Lisboa, outros que em Coimbra; uns dizem que em 1524, outros que em 1525. O que se tem por certo é que em Lisboa ele morreu, num bairro humilde, no dia 10 de junho de 1580.

Morreu pobrinho… ele que serviu de modelo para a formatação definitiva do nosso maior tesouro, a língua portuguesa, “última flor do Lácio”, filha caçula do velho latim.

Sabemos também que Luís de Camões foi soldado do Reino e como tal esteve na África, na  Ásia e em outros tantos ondes, fazendo guerras, fazendo versos, fazendo amor. Metonímia perfeita das mais vulcânicas paixões.

Perdeu a visão de um olho, dizem que numa batalha no Marrocos. Mas com o olho que sobrou ele brigou, namorou, navegou, sobreviveu a naufrágios. Consta até que numa dessas escapou nadando com um só braço, enquanto com o outro sobraçava os originais de “Os lusíadas”.

Voluptuoso daquele jeito, Luís Vaz de Camões foi todavia o gênio maior da cultura lusíada. Ponte entre o passado e o futuro; entre os símbolos da mitologia pagã e os valores do pensamento cristão. Porta de saída da Idade Média; porta de entrada para a civilização moderna.  O poeta do Renascimento português, o poeta épico, o poeta filósofo, o poeta lírico. O poeta flama, com quem aprendemos que “amor é fogo que arde sem se ver;/ é ferida que dói e não se sente;/ é um contentamento descontente;/ é dor que desatina sem doer”.

Embora fosse um poeta erudito, inspirou-se com frequência em canções e trovas populares e escreveu poemas que lembram as cantigas medievais, nos quais revela acentuada sensibilidade para os dramas amorosos ou existenciais. A maior parte da sua obra lírica é composta de sonetos e redondilhas.

Em 1572, com ajuda do rei Dom Sebastião, Camões conseguiu finalmente publicar sua obra-prima, “Os lusíadas”, onde sintetiza as principais marcas da história de Portugal: o humanismo e as expedições ultramarinas – em especial a descoberta do caminho para as Índias por Vasco da Gama.

Luís Vaz de Camões deixou para todos nós, povos lusófonos, uma herança cultural preciosíssima. Agora nos convida para celebrar com ele, no parnaso eterno, seus 500 anos de poesia e amor.

Fonte> Portal do Rigon. 27.06.2024,