quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 77 =


Trova de São Paulo/SP

HERIBALDO GERBASI

Pombas-da-paz prometidas
pelos países mais ricos,
não portam ramas floridas
e sim ogivas nos bicos.
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Poema Pernambucano

MAURO MOTA
Mauro Ramos da Mota e Albuquerque
Nazaré da Mata/PE (1911-1984) Recife/PE
 
    Chuva de vento

    De que distância
    chega essa chuva
    de asas, tangida
    pela ventania?

    Vem de que tempo?
    Noturna agora
    a chuva morta
    bate na porta.

    (As biqueiras da infância, as lavadeiras
    correm, tiram as roupas do varal,
    relinchos do cavalo na campina,
    tangerinas e banhos no quintal,
    potes gorgolejando, tanajuras,
    os gansos, a lagoa, o milharal.)

    De onde vem essa
    chuva trazida
    na ventania?

    Que rosas fez abrir?
    Que cabelos molhou?

    Estendo-lhe a mão: a chuva fria.
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Trova de Balneário Camboriú/SC

ARI SANTOS DE CAMPOS

Com um abraço agradeço
as letras do meu saber;
contudo, não desmereço
as que deixei de aprender.
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Soneto de Uberlândia/MG

RAQUEL ORDONES

Quero fugir com as flores

Ao passar pelo jardim, que as flores me acompanhasse
Que todas elas sorrissem e que juntas fugissem comigo
Fizessem em volta de mim uma roda, que eu a olhasse
No fundo da pétala onde o perfume se deita em abrigo!

Que todas as flores dançassem ao vento ao meu redor
Que exalassem por toda minha alma a sua fragrância
Fizessem com que eu degustasse um toque de amor
E deliciar-me nesse momento de abissal importância!

Que as flores fujam comigo, quero fugir com as flores
E as borboletas não ficam fora da minha imaginação
E essa imagem está tatuada em cores no meu coração.

Quero flores; do jardim do lado e do jardim da frente
Quero as flores da alma dos seres em nuança de amor
Quero fugir com as flores no outono, inverno e calor!
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Trova Premiada em Curitiba/PR, 2015

JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Gralha Azul, qual fazendeiro
semeando o seu pinhão.
faz nascer mais um pinheiro,
construindo esta nação!
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Poema de Portugal

CASIMIRO DE BRITO
Casimiro Cavaco Correia de Brito
Loulé, 1928 – 2024, Braga

    O nascimento

    Nasces no instante em que tomo
    consciência de estar só

    Nasces no deserto das minhas mãos
    no espaço que separa as coisas
    umas das outras nasces renasces
    no mar que se visita ó sabor do sol
    de olhos abertos

    Nasces no instante em que tomo
    nas mãos o peso da morte o peso
    deste pobre movimento que nos vem
    do centro da terra ó vinho ó repouso
    Infinito
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Trova Popular

Se onde se mata um homem,
por uma cruz é preceito,
tu deves trazer, Maria,
um cemitério no peito.
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Soneto de São Paulo/SP

ANDERSON C. D. DE OLIVEIRA
Anderson Carmona Domingues de Oliveira

Casa...

Aluguei uma casa,
O fogo em brasa,
Por timbres atalaia,
A essência arraia.

O coração geme,
A Deus tudo teme,
Um bom sentimento,
Aprendi o mandamento.

Chove pela tempestade,
Creio ser uma verdade,
Pelo coração contexto.

Um grande arvoredo,
O rochedo do texto,
Foi quando senti medo.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Deus abençoa o artista
que invista no sentimento.
Quem faz parte desta lista,
transforma dons em talento.
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Poema de Florianópolis/SC

SONIA RÉGIS

Um cais chamado saudade

havia um porto
antes
ao alcance da vista

um ponto
onde as naus
suspendiam viagem

as velas arfavam
desenfurnadas
e sonhavam

a lua sobre o mar
era um sabre
aparando a água

havia um porto
antes
ao alcance do corpo

(um ponto
onde hoje atraco a saudade
e mais nada)
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

"0 que faz dentro do armário ?!"
Nu, no aperto, ele se poupa:
- "tem traças!... e o esposo otário:
- "Xi !!! comeram sua roupa!?
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

GUILHERME BAPTISTA FADDA

A cigana

Olhou meus olhos, segurou minha mão,
por instante baixou a cabeça e murmurou,:
"sozinho está seu coração",
mas parece-me que um novo amor encontrou.

Intrigado com aquela ponderação
afinal, nunca ninguém me falou
a respeito de amor, de paixão,
nem sei como isso começou.

Era uma cigana graciosa e inteligente,
por coincidência, encontrou-me
e mexeu com meu coração...de repente.

Hoje, vivo num acampamento com ela
ouvindo o trinar de seu violão
debruçado numa tosca e improvisada janela.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Torna-se longo o momento
da mais breve despedida,
se atormenta o pensamento
no decorrer de uma vida.
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Spina de João Pessoa/PB

MARI ANE ARAÚJO

O sentir do coração 

Relembro com saudade 
tremendo de emoções, 
ausente coração sente.

No amor, quero: Plenitude absoluta;
Versos lindos, caprichados de amor
pra minha alma dançar suavemente 
Corpos colados, numa só proporção
queira-me como sua dama presente!
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Trova de Vitória/ES

HUMBERTO DEL MAESTRO

Meus versos, extraio d’alma,
numa ternura de prece,
basta que os leiam com calma
que a devoção aparece.
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Soneto de Avaré/SP

SÁ DE FREITAS
Samuel Freitas de Oliveira

Nos braços da saudade

Olhando pelas frestas dos meus dias,
Que já se foram pela vida afora,
Apenas vejo a luz daquela aurora
Da juventude, em sombras fugidias.

E hoje ao enfrentar as noites frias,
Neste vazio em que minh' alma chora,
Busco momentos que já foram embora,
Mergulhando a memória em fantasias.

Ah! Tempo que se foi! Por que deixaste
Essas recordações? Por que guardaste
Tantas coisas da minha mocidade?

Resta-me agora, após tantas andanças,
Adormecer no leito das lembranças
E acordar nos braços da saudade.
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Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

RENATO ALVES

Quando a feia se “embeleza”,
mas o resultado é trágico,
diz o espelho, que se preza:
– Ela pensa que sou mágico!…
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Poema de Feira de Santana/BA

ROBERVAL PEREYR

Galope

 Meus pensamentos são meus camelos
Meus pensamentos são meus cavalos

(com uns cavalgo para o silêncio
com outros marcho para a saudade).

Meus pensamentos são meus cavalos
Meus pensamentos são meus camelos

(sou sertanejo, nasci nos matos,
ando a cavalo para mim mesmo).

Meus sentimentos são meus desejos
em que me vejo perdido, e calo.

Meus pensamentos são meus camelos
Meus pensamentos são meus cavalos
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Convido-os a partilhar 
uma gostosa jantinha: 
massa com frutos do mar, 
ou seja, pão com sardinha...
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA
Nemésio Prata Crisóstomo

Mote 
A cadeira sem balanço, 
a rede em triste orfandade... 
Uma se rende ao descanso, 
a outra embala a saudade. 
Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Glosa 
A cadeira sem balanço 
com sua perna partida, 
já não pode dar remanso 
a quem lhe pede guarida! 

Hoje, presa aos armadores, 
a rede em triste orfandade, 
cumpre sua pena, em dores; 
numa cadeia sem grade! 

A cigarra, no bem manso, 
a formiga, na migalha... 
Uma se rende ao descanso, 
a outra, duro, trabalha. 

A mocinha, no frescor, 
a velhota, já de idade... 
Uma a procura do amor, 
a outra embala a saudade.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ALCY RIBEIRO SOUTO MAIOR
(1920 – 2006)

A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
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Hino de Campina da Lagoa/PR

Oh, Campina da Lagoa, teu progresso é real,
O teu nome longe soa em território nacional.
És menina e formosa que inspira confiança
Em teu futuro colocamos toda nossa esperança

Rico solo abençoado, rainha dos cereais,
És o orgulho do Estado, da terra dos pinheirais.

Tua gente hospitaleira vem mostrando seu valor,
Nesta terra brasileira todos cultivando amor
És a terra prometida deste povo varonil,
Trabalhando em ordem unida construindo o nosso Brasil

Rico solo abençoado, rainha dos cereais,
És o orgulho do Estado, da terra dos pinheirais.
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Trova de Maringá/PR

IRMÃ MÔNICA MARIA
Cirema do Carmo Corrêa

Quando vejo uma rolinha
fugindo pela amplidão,
imagino uma casinha
onde morreu a ilusão…
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Poema Mineiro

HENRIQUETA LISBOA
Lambari (1901-1985) Belo Horizonte

Os lírios

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranquila.
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Trova Paulista

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Nesta noite prateada
minha sombra, junto à tua,
vai trilhando a mesma estrada,
tendo por cúmplice a lua.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A panela de ferro e a panela de barro

A panela de ferro, um certo dia,
Ao sair do esfregão da cozinheira
Mui fresca e luzidia,
Disse à de barro, sua companheira:

«Vamos dar um passeio,
Fazer uma viagem de recreio.
— Iria com prazer, disse a de barro;
Mas sou tão delicada,
Que se acaso num seixo ou tronco esbarro,
Lá fico esmigalhada!

Acho mais acertado aqui ficar,
Ao cantinho do lar.
Tu sim, que vais segura:
A pele tens mais dura.

— Se é só por isso, podes ir comigo;
É medo exagerado o teu — contudo,
Se houver qualquer perigo,
Serei o teu escudo».

A tal dedicação, a tal carinho
Não pôde a companheira replicar,
E as duas a caminho
Lá vão nos seus três pés a manquejar.

Mas, ai! não tinham dado quatro passos,
Numa vereda estreita,
Eis que se tocam — e a de barro é feita,
Coitada, em mil pedaços!

Para sócio não busques o mais forte,
Que te arriscas de certo à mesma sorte.
(tradução: Acácio Antunes)

O texto em preto e branco (“O Racum e a Colmeia”, conto da Nação Sioux)

 
O conto foi publicado neste blog em 05 de julho de 2020, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2020/07/contos-e-lendas-do-mundo-nacao-sioux-o.html

A história de Racum explora temas como a curiosidade, a busca por alimento e as consequências das ações impulsivas. Racum, um pequeno animal, representa a inocência e a busca por prazer, mas também enfrenta as complicações que surgem dessa busca.

Personagens
Racum: Um personagem curioso que, em sua busca por mel, acaba se metendo em confusões. Sua jornada reflete a inocência e a vulnerabilidade da natureza.

Skunks e Esquilos: Representam a sabedoria da floresta, alertando Racum sobre os perigos e a necessidade de cautela. A interação com a família de skunks destaca a importância da convivência social e das regras da natureza. O pai skunk representa a proteção e a defesa do lar, mostrando que cada animal tem seu espaço e merece respeito. A reação defensiva dos esquilos sugere que Racum é visto com desconfiança, reforçando a ideia de que suas intenções podem ser mal interpretadas.

Urso e Raposa: Personagens que simbolizam a reação instintiva dos animais diante do desconhecido, reforçando o tema do medo e da proteção.

O Lago e a Floresta
A floresta e o lago são cenários que ilustram a dualidade entre beleza e perigo. O lago, que inicialmente parece um lugar de alimento, se transforma em um espaço onde Racum se sente ameaçado e perdido.

A Busca por Mel
A busca de Racum por mel é uma metáfora para as tentações da vida. O mel, simbolizando prazer e recompensas, acaba trazendo mais complicações do que satisfação. Isso reflete a ideia de que o que é desejado nem sempre é seguro ou benéfico.

Consequências e Aprendizado
Após suas desventuras, Racum aprende uma lição importante sobre cautela e a necessidade de cuidar de si mesmo. A cena em que ele pula no lago para se limpar simboliza a busca por renovação e a aceitação dos próprios erros.

Curiosidade e Impulsividade
Racum é impulsivo e curioso, características que o levam a se meter em encrencas. Desde o início, sua busca por alimento reflete um desejo de explorar e experimentar, mas essa curiosidade também traz riscos.

O Simbolismo do Mel
O mel é mais do que um simples alimento; ele simboliza os prazeres da vida que podem ser tanto doces quanto perigosos. A experiência de Racum com o mel ilustra como a busca por gratificação imediata pode levar a consequências inesperadas.

Conflito e Crescimento
Após sua queda e a confusão que se segue, Racum representa a luta interna que todos enfrentamos ao tentar lidar com os erros. Sua busca por um outro Racum para ajuda ilustra a necessidade de conexão e apoio em momentos de dificuldade.

A Natureza como Personagem
A floresta e o lago funcionam quase como personagens por si só. Eles refletem a beleza e a imprevisibilidade da natureza, mostrando que, embora o mundo possa ser mágico, também é repleto de desafios e perigos.

Mensagens Universais

Cautela em Novas Experiências: A história nos ensina a ser cautelosos ao buscar novas experiências, pois nem tudo que parece bom é seguro.

Importância da Comunidade: A interação com outros animais destaca a importância de ter apoio e a necessidade de respeitar o espaço dos outros.

Aprendizado Contínuo: Racum nos lembra que o crescimento vem de nossas experiências, mesmo aquelas que nos deixam envergonhados ou feridos.

Conclusão e Reflexão
A história de Racum termina com uma lição sobre a importância de aprender com as experiências. Ao se limpar no lago e retornar ao seu lar, ele não só se purifica fisicamente, mas também emocionalmente. Essa jornada de autodescoberta e aprendizado é um tema universal que ressoa com leitores de todas as idades, lembrando-nos de que a curiosidade deve ser acompanhada de prudência e de aprender com as consequências de nossas ações. A simplicidade da história contrasta com as lições sobre a vida e a natureza, tornando-a acessível e reflexiva.

Análise por José Feldman. Open IA.

Recordando Velhas Canções (Manhã de Carnaval)


Compositor: Luiz Bonfá e Antônio Maria

Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Falar dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz na manhã
Deste amor
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Melodia do Reencontro no Carnaval
A música 'Manhã de Carnaval', interpretada por Nara Leão, é uma canção que evoca a beleza e a esperança de um novo dia, simbolizado pela manhã. A letra sugere um despertar não apenas físico, com o nascer do sol, mas também emocional, com a chegada de uma nova canção, que representa um novo começo ou uma nova fase na vida do eu lírico. A ênfase nos 'olhos', 'riso' e 'mãos' da pessoa amada destaca a intimidade e a conexão profunda entre os dois.

A referência às 'cordas do meu violão' e à 'voz' que fala dos 'beijos perdidos' nos lábios da pessoa amada pode ser interpretada como uma metáfora para a música que o eu lírico cria e dedica ao seu amor. A música se torna um meio de expressar sentimentos e saudades, uma ponte que une o passado ao presente, na esperança de um futuro onde o amor seja reencontrado. A menção ao violão também remete à tradição da serenata, reforçando o romantismo da canção.

O coração que canta e a alegria que volta na 'manhã deste amor' sugerem um reencontro ou uma reconciliação amorosa. A manhã de carnaval, que dá título à música, é tradicionalmente um período de festa e liberdade, onde as emoções são intensificadas e tudo parece possível. Assim, a música celebra o amor e a alegria que ele traz, marcando um momento de renovação e felicidade.

Quando Sacha Gordine resolveu filmar a peça “Orfeu da Conceição” (filme que se chamaria “Orfeu do Carnaval”), exigiu que fosse criada uma nova trilha sonora, especialmente para a produção. Motivo: o francês queria faturar em cima da edição das músicas.

Dessa trilha destacaram-se os sambas “A Felicidade” e “Manhã de Carnaval”, duas canções que se tornaram clássicos do repertório internacional. Aliás, “Manhã de Carnaval” se tornaria um dos temas brasileiros preferidos na área do jazz, com dezenas de versões gravadas por grandes músicos do gênero, sob o inacreditável título de “A Day in the Life of a Fool”.

Formada por sugestão de Rubem Braga, a dupla Luís Bonfá-Antônio Maria compôs “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, na realidade temas instrumentais já existentes, que Maria demorou a letrar, para a aflição de Bonfá que tinha compromissos profissionais a atender nos Estados Unidos. Uma bonita composição, “Manhã de Carnaval” tem os compassos iniciais semelhantes aos do tema do terceiro movimento da “Humoresque em Si Bemol, opus 20”, de Robert Schumann. 

Fontes: 
– A Canção no Tempo - Vol.2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34, in https://cifrantiga3.blogspot.com/2006/05/manh-de-carnaval.html.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 52

 

Newton Sampaio (Um cego subiu no bonde)

Damião não gosta de ônibus. Pelo preço — ordem econômica. E pela pressa — ordem psicológica. 
Um ônibus corre muito. Em três tempos, ei-lo já de trajeto cumprido. O bonde, não. O bonde geme e range. Estaca e arranca, dezenas de vezes. Dá sempre a impressão de cansaço. De trabalho e de ruína.

Damião trepa desastradamente. Esbarra e pisa. Afasta e incomoda. Isso faz parte da ética dos bondes. Da ética e da estética.

Senta-se. Não abre o jornal, que só estampa letras importantes.

Damião sofre a pressão das realidades insignificantes. Insignificantes como a sua própria vida. Considera. A vida é feita de coisas miúdas e graúdas. Miudezas pra uns. E grandezas pra outros. A sua só tinha miudezas. Era um bazar a vida de Damião. Mas um bazar muito ordinário.

O destino, quando quer, vira belchior. “Compra-se e vende-se qualquer objeto — Joias, caçarolas, sapatos.” É desse jeito que, em sua rua, o judeu barbudo se anuncia, enrolando a língua. “Compra-se qualquer objeto.” Damião pensa em comprar um: o esquecimento integral. Mas e o dinheiro? O dinheiro mal dá pra chegar em casa...

A vida — o grande belchior das emoções. Bonito título para um poema impressionista. Ele, Damião, com todos os seus poemas, só encontrou quinquilharia no balcão do mundo.

No entanto, gostaria que acontecessem coisas extraordinárias. Queria alegrias colossais. Ou, então, amarguras extremas. Dessas que chegam a matar. Até a morte, porém, talvez não o impressionasse mais. Não impressionam os fatos cotidianos. Damião não é como os outros, que estão de boca aberta por causa do cego. O cego subiu no bonde com a maior segurança. Suas mãos privilegiadas valem por todas as leis do equilíbrio.

Caminha o veículo, e o novo passageiro fica na frente de Damião.

“Um cego subiu no bonde”. O rapaz tem a mania dos títulos originais. Besteira! O cego subiu... No cérebro de Damião saltitam ideias. É o seu grande defeito. Qualquer incidente banal, que todos esquecem em um segundo, fica vibrando dentro de si.

Existe algo de singular no fato de um cego subir no bonde? Não. Por que, então, essa teimosia que não cessa, essa impertinência que machuca?

Tem vontade perguntar ao vizinho da direita:

— O senhor viu o cego subir no bonde?

(O vizinho responderia que sim).

— Acha formidável?

(O vizinho repetiria a resposta).

— Sabe que há um significado oculto em todas as miudezas do mundo?

O vizinho, espantado, diria:

— O senhor é filósofo?

— Sou funcionário...

— Já comprou as apólices paulistas?

E o vizinho, solicitamente, começaria a falar sobre a grande oportunidade.

Mas não. O vizinho fala, mas é que com o companheiro. Fala sobre a Sul América. Bem que Damião tinha enxergado nele um jeitinho de agente de seguros. Os sintomas ali estavam, à evidência: a pasta, o olhar ligeiro, a palavra pronta...

Atrás de si, duas vozes femininas se digladiam.

— Nem me diga isso, Margot. O Clark Gable, sim. É homem de verdade. E que sorriso! Não pode haver sorriso mais encantador.

A outra protesta:

— Qu’esperança! Antes o Frederic March. É mais bonito. E não usa bigodes. Não gosto de bigode. Acho antipático.

— Pois é o meu fraco. Calcula você que...

E a moça se cala de repente, para dar sinal. Pretendia contar à amiga, certamente, qualquer cena muito feia passada no portão de sua casa.

Saltam as moçoilas. E sobe uma senhora gorda, heroicamente gorda, que ocupa, sozinha, o lugar das senhoritas — das senhoritas que tanto desejavam os rapazes de Hollywood.

Na fachada do cinema próximo, sobe um grande anúncio, com Clark Gable beijando furiosamente a Jean Harlow…

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 24/12/1936. Disponível em Domínio Público.