domingo, 29 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 122 =


Trova de
BRANDINA ROCHA LIMA
Recife/PE, 1916 – 1999, Moreno/PE

Foste aurora em minha vida,
meu sol de felicidade…
Hoje, és estrela perdida
no céu de minha saudade…
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Semi-Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Solidão (1)

Na sombra fria da noite, eu desapareço, 
a solidão é manto que me resta, 
caminho por caminhos que não conheço, 
e a voz do eco é tudo o que se manifesta. 

Os sonhos se desfazem em murmúrios, 
as estrelas parecem tão distantes, 
e em cada passo, parecem ser augúrios, 
reflexos de um ser que sofre os instantes. 

Mas na penumbra, há um brilho escondido, 
um canto suave que embala a dor, 
sussurros do silêncio, eu ouço unido. 

E na tristeza, um traço de amor, 
pois mesmo só, o coração é sentido, 
na solitária dança do desamor.
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Trova Humorística de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Lá na casa da Maria
é muito estranha a porteira...
Não faz barulho de dia,
bate e range a noite inteira…
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Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Um poeta não é só substantivo

Sempre alguém diz que sou poeta até no nome...
...mas um poeta não é só substantivo...
o que se inventa, normalmente um dia some
e é assim: reinventando, eu sobrevivo.

Sou só mais um igual a tantos que diluem
nas suas dores, os seus sonhos e anseios,
seres que aprendem a criar versos que fluem,
polinizando a flor dos próprios devaneios.

Não modelei esse poeta que há em mim...
nasci assim, com esse dom especial
de abençoar, na solidão do meu jardim,
cada botão de cada flor original.

Não me sentei numa cadeira e copiei
o que pregava um ilustre professor,
mas diluí em cada olhar o que criei,
quando encontrei no meu olhar, meu próprio amor.

Meus mestres são sempre o melhor que alguém me dê,
sem me cobrar... o amor requer fraternidade...
e Deus repassa, a qualquer cristão que Nele que crê,
esse poder que existe dentro da humildade.

Deus misturou, em cada cor que eu desenhei,
o arco-íris da melhor abstração;
autodidata, cada linha que tracei,
foi um pedaço do meu próprio coração.

Sou, sim, poeta sem registro em cartório,
meu repertório não carece de um carimbo;
a inspiração é muito mais que algo simplório;
se alguém me bate, é com meus versos que me vingo.

Poetas choram poesias, quando o riso
que eles têm fazem da página, o caminho,
da sua lágrima melhor, tão sem aviso,
deixando um rastro moldado pelo carinho.

Não sou poeta só no nome, o meu olhar
capta a vida que respira ao meu redor
e é só o amor reaprender o que é sonhar,
que faço o mundo parecer muito melhor.
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Trova  Premiada em Irati/PR, 2023

LEONILDA YVONNETI SPINA 
Londrina / PR

No forró, por bebedeira,
Zé tropeçou num cascalho
e ficou a tarde inteira,
“carta fora do baralho”!
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Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

A Poesia Contida na Pintura
ou a Pintura Vista na Poesia?

Sequelas em cores
invadem, se calam,
apenas ali, revivem.

Traços finos entre si convivem,
ofuscam meu sentir, em aroma
fresco nas manhãs onde vivem.
Em sua nobre singeleza suspiro
beleza em tela, caso subjetivem.
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Trova Popular

Há uma espécie de planta
que vinga sem ter raízes...
Assim são certos sorrisos
nos lábios dos infelizes.
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Soneto de
CLÁUDIA DIMER
Eldorado do Sul/RS

Razão

Formou-se o Universo - o largo Estudo
humano explica que um motivo existe...
O céu, a Terra, a Lua, o Sol e tudo
tem um "porquê" na criação. Ouviste?

Surgiu a vida - um bem no qual me iludo...
Surgiu a morte para eu ser mais triste!
E fez-se o Mar e o vento em som agudo...
Onde há explicação que me conquiste?

Formou-se a chuva para a plantação,
e o amor para quê? Para a ilusão
que torna o meu viver fatal tolice!...

"Para tudo há razão". Quem foi que disse?
Meu existir teria uma razão
se dentro do teu sonho eu existisse!
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Trova de
DÉSPINA ATHANÁSIA PERUSSO
São Jerônimo da Serra/PR

O calor dos teus abraços
e o fulgor do teu olhar
são conquistas que os meus braços
têm vontade de alcançar.
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Poema de
ÁLVARES DE AZEVEDO
São Paulo/SP, 1832 – 1851, Rio de Janeiro/RJ

Meu Sonho

EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Porque brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso....
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas.... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? — que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Prende a sogra na moenda
e aí prepara a cilada...
Faz negócio com a fazenda
mas..."de porteira fechada!"
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Ciúme, ou concorrência

Verdadeiro tapete de begônia,
em cor bem viva e alegre, magistral,
demonstrando nenhuma parcimônia,
invadiu por completo o meu quintal!

Fez do ordeiro recinto, babilônia;
não respeitou sequer meu roseiral,
que eu cuidava com tanta cerimônia,
pelas flores de tom angelical!

Minhas rosas de grande raridade
não aguentaram tanta crueldade
que as begônias fizeram na invasão!

Por ciúme, ou talvez intransigência,
as rosas, em repúdio à concorrência,
morreram sem abrir... mesmo em botão!
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Trova do 
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP

Saudade: um eco perdido
de uma cantiga da infância...
Perfume de flor nascido
lá nas brumas da distância…
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal (1888 - 1935)

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
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Trova Funerária Cigana

Eu sou triste como o luto,
que cobre os tenros filhinhos,
que na pobreza perderam
da terna mãe os carinhos.
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Soneto de 
JB XAVIER
São Paulo/SP

O mar e o vento
 
Ouço o bramido deste mar - tormento triste,
Vociferando na alameda da ilusão,
Tecendo espumas desde o dia em que partiste,
Na tentativa de alegrar meu coração!
 
O vento brando vai mentindo que ainda existe
- Em melodia de gentil diapasão –
As alegrias, e soprando ele persiste
Em transformar tua lembrança em emoção.
 
Então me calo ante o bramido do oceano;
Tento reter a espumarada em minhas mãos,
E outra lembrança, então de ti, eu acalento.
 
Mas segurar a espumarada é ledo engano,
É só mais um dos pensamentos, tolos, vãos,
Tal como foi tentar, por ti, parar o vento!
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Trova Hispânica Premiada em Santos/2014
HÉCTOR JOSÉ CORREDOR CUERVO
Boyacá/Colômbia, 1936 – 2020

El amigo verdadero
es leal en sus acciones
y está presente primero
en fatales situaciones.
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Poema de 
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 - 1994) Porto Alegre/RS

Os Degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

De todos ela atraía 
mil sorrisos, mas... que dó: 
casada, sofre hoje em dia 
os maus humores de um só... 
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Soneto de
SÁ DE FREITAS
Avaré/SP

Amo-Te
  
Amo-te tanto…mais que a própria vida,
 E te desejo tanto, na certeza,
 De que me queres quanto és tão querida,
 De que me prendes n’alma o quanto és presa.
 
Amo-te mais que o amor permite amar-se;
 Amo-te além do além que o amor desperta;
 Translúcido te amo sem disfarce;
 Te amo com a loucura de um poeta.
 
Amo-te como deve amar quem ama,
 E cercado por essa imensa chama,
 Do amor que me aprisiona em fortes laços:
 
Quero que o coração, no amor, se farte;
 Quero viver para poder amar-te…
 Quando eu morrer, que eu morra nos teus braços.
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Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Se eu sinto fugir a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!
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Hino de 
Arauá/ SE

Glória a Deus que nos deu esta terra
Tão formosa, serena e gentil
Arauá doce gleba que encerra
tradições deste amado Brasil.

Campos verdes imensos corridos
Pelas águas do antigo Arauá
Cantam lendas dos tempos já idos
Que, mais belos, alhures não há.

Salve, salve ó terra querida
Lindo berço que a virgem nos dá
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.

O primeiro dos teus habitantes
Foi a mãe de Jesus, foi Maria
Dos heróis de teus feitos dos brilhantes
Esta feita a maior galeria.

Salve, salve ó terra querida
Lindo berço que a virgem nos dá
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.

Camerino nasceu na Palmeira
E morreu pela pátria cantando
E os Correias, de fonte altaneira
Penetraram na História lutando.

Salve, salve ó terra querida
Lindo berço que a virgem nos dá
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.

Já 100 anos nos diz tua história
De trabalho de paz e de fé,
Que prossigas na trilha da glória
Sempre firme, garbosa e de pé

Salve, salve ó terra querida
Lindo berço que a virgem nos dá
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.
Ah, possamos passar toda a vida
Em teu seio feliz Arauá.
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Trova Humorística de 
ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA
Bandeirantes/PR

Não há truque que dê jeito
e ela fica tiririca...
digo com todo o respeito:
– quando enfeita pior fica!
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Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ (1901 - 1964)

O Sonho do Oceano

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
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Trova premiada em Irati/PR – 2023
MARIA LÚCIA DALOCE 
Bandeirantes / PR

Nas rimas que eu desencalho
esta foi fácil de achar,
mas o achado pra cascalho
dei pra sogra procurar!!!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A perdiz e os galos

Um tinha uma perdiz e tinha uns galos;
Determinou com ela associá-los:
Desgostou a perdiz dos camaradas,
Que com ela saltaram às picadas;
Entendeu que por ser uma estrangeira
A tratavam os mais desta maneira.

Mas um dia que viu dois encrespados
Saltarem de pescoços levantados,
E em mútua guerra às cristas investirem,
E com unhas e bicos se ferirem:
«Não vai mau — diz a triste — se discorde
Esta gente entre si se arranha e morde,
Já não tenho razão para queixar-me;
Devo com suas guerras consolar-me.

Indício de incivil barbaridade
De todo o malcriado, que grosseiro,
Em vindo a seu país um estrangeiro,
O despreza e lhe mostra má vontade.
O preceito da santa caridade
Distingue o natural do forasteiro?
Ser judeu, mouro e herege o viageiro,
Não lhe tira o que tem por irmandade.

E se esse forasteiro se contenta
De ver que os naturais são mal unidos,
Também barbaridade representa:
Todos dum mesmo pai somos nascidos;
Se o sangue nos uniu, que nos alenta,
Não sejamos por ódio divididos.

Jaqueline Machado (“Nascimento e morte da dona de casa”, de Paola Masino)

 
“Nascimento e morte da dona de casa” é um livro do século XX, escrito pela escritora italiana Paola Masino. 

Conta a história de uma menina que não se encaixava em seu ambiente familiar. A menina estava sempre empoeirada. E a mãe fazia chantagem emocional dizendo-lhe que ia morrer de desgosto. E a criança, sentindo-se culpada, procurava encontrar nos jornais, casos de gente, que por ventura, teria morrido de desgosto. Não queria ser a causadora da morte da própria mãe, mas não encontrou nenhum caso parecido.

Deitada num armário que tinha função de cristaleira, cama, mesa e quarto cheio de retalhos, farelos de pão, livros e detritos de funerais, como flores, pregos, véus de viúvas, pó que caía do teto...  Cobria-se com um cobertor mofado, ligava a lâmpada, lia, ou ficava a refletir sobre assuntos de morte.

Ela era diferente, tinha um estilo meio gótico e filosófico de ser. E por este motivo, era negligenciada pela mãe, que não lhe dava carinho. 

Tinha um sonho recorrente, em que teias de aranha ao redor e sobre ela a enredavam como se ela fosse a presa de uma aranha. Depois dormia encolhida e trêmula. Mas gostava de ficar dentro do baú. Ali, a menina podia ser ela mesma.

Com a cozinheira, ia ao supermercado, mas não prestava atenção nas prateleiras. Olhava para o chão, para os saltos das mulheres pisando nas frutas estragadas. E pensava nas antigas dinastias que ainda viviam ali embaixo.             

Observava os ventres dos bois pendurados em ganchos de ferro nas vigas dos açougues, com seus órgãos esvaziados, cravados nos metais que foram arrancados do ventre da terra. Ela via a violência do ser humano até no modo de alimentação.

A garota era uma filósofa nata, e devaneava sobre a natureza e a morte. - O céu e a terra também vivem e morrem. - Pensou na primeira vez que viu o próprio sangue (menstruação). Era um momento vermelho e dolorido. E o comparou ao pôr do sol, que também era vermelho e devia ser sofrido a cada encerramento de dia.

O tempo passou. E ela vendo o incessante desgosto da mãe, resolveu mudar, tomar banho, se vestir melhor, se comportar igual as outras jovens de sua idade, arranjar um noivo e casar. A mãe, feliz, foi em busca de pretendentes. Mas, por ser muito exótica, ninguém queria casar com ela. Até que alguém aceitou. E ela se tornou uma dona de casa. E em seu lar, seguindo todas as normas exigidas pela sociedade, viveu e morreu sem poder ser quem ela de fato era. 
Fonte: Texto enviado pela autora

Recordando Velhas Canções (Asa branca)


(toada, 1947) 

Compositor: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga

Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu: Ai
Por que tamanha judiação?

Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d'água, perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por falta d'água, perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse: Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração
Entonce eu disse: Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus óios
Se espalhá na prantação
Eu te asseguro, não chore não, viu?
Que eu voltarei, viu, meu coração?
Eu te asseguro, não chore não, viu?
Que eu voltarei, viu, meu coração?
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Asa Branca: Um Hino de Esperança e Saudade do Sertão
A música 'Asa Branca', composta por Luiz Gonzaga, o 'Rei do Baião', e seu parceiro Humberto Teixeira, é uma das mais emblemáticas canções da música brasileira, retratando a dura realidade do sertanejo diante da seca no Nordeste. A letra descreve a terra ardente, comparada a uma fogueira de São João, uma festa tradicional nordestina, e questiona a razão de tanto sofrimento. A imagem da terra queimada e a perda do gado e do alazão, por falta de água, são representações poderosas da devastação causada pela seca.

A 'asa branca' mencionada no título é uma referência à ave que migra quando o sertão se torna inóspito, simbolizando o próprio sertanejo que se vê forçado a deixar sua terra natal em busca de melhores condições de vida. A despedida de Rosinha, que pode ser interpretada como uma pessoa amada ou a própria terra, carrega um tom de promessa e esperança de retorno. A solidão do migrante é palpável, e a espera pela chuva é a espera pelo momento de voltar ao lar.

A canção transcende a narrativa de uma pessoa específica e se torna um símbolo da resiliência do povo nordestino. A esperança de dias melhores, quando o verde voltará a cobrir o sertão e os olhos de quem espera não precisarão mais chorar, é um tema universal de perseverança e fé no futuro. 'Asa Branca' é mais do que uma música, é um hino que expressa a saudade de casa e a força de um povo que não desiste diante das adversidades.

Um tema folclórico muito antigo é a origem da toada "Asa Branca" (espécie de pomba brava que foge do sertão ao pressentir sinais de seca). Luiz Gonzaga o conhecia desde a infância, através da sanfona do pai, mas achava-o simples demais para transformá-lo numa canção.

Assim, foi só para atender ao pedido de uma comadre que se dispôs a gravá-lo, levando-o antes para Humberto Teixeira dar-lhe uma "ajeitada" na letra. Então, Teixeira ajeitou-lhe também a melodia, acrescentou-lhe versos inspirados ("Quando o verde dos teus óios se espaiá na prantação") e tornou "Asa Branca" uma obra-prima.

Reconhecida e gravada internacionalmente, a canção inspirou nos anos setenta a retomada da música nordestina, em geral, e o culto a Luiz Gonzaga, em particular, por iniciativa dos baianos Caetano e Gil. Sua construção, possibilitando boas oportunidades de explorações harmônicas, tem-lhe proporcionado o aproveitamento como peça de concerto.

Fontes: 
https://www.letras.mus.br/luiz-gonzaga/47081/
– Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. Vol. 1. Editora 34, 1997.

sábado, 28 de setembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 26

 

Julimar Andrade Vieira (Trovas em Preto &Branco)


1
A inteligência encerra
tudo quanto a força faz…
Da força resulta a guerra;
da inteligência, a paz.
2
À sombra do anonimato
somente os covardes agem.
Nunca, um cidadão sensato.
Nunca, um homem de coragem.
3
Cumpre bem a sua norma
em prol da sociedade
o jornalista que informa
sem distorcer a verdade.
4
De grandeza, desconfio
ser este o sonho da fonte:
ser, um dia, um grande rio,
todo coberto de ponte.
5
Dura, suada e sofrida
quase sempre é a trajetória
de quem consegue, na vida,
a tão sonhada vitória.
6
É na surdina, eu suponho,
juntinho à mulher querida,
que a vida se torna sonho
e o sonho se torna vida.
7
Há muito cego sabido
que nada de cego tem.
Se o vento sobe um vestido,
como o ceguinho vê bem!
8
Minha mãe, analfabeta,
sozinha aprendeu a ler,
mas fez seu filho, poeta,
muitas lições aprender.
9
Nada expressa mais tristeza,
nem há vida mais tristonha,
que a de quem sofre a pobreza,
sem realizar o que sonha…
10
Nem sempre faço o que penso,
para evitar embaraço,
mas, por questão de bom senso,
penso sempre no que faço.
11
O rancor não engrandece
o passado de ninguém.
A gente prospera e cresce
amando e fazendo o bem.
12
Quem muito a si mesmo cobra
ou de si mesmo é juiz,
no pouco tempo que sobra
não dá para ser feliz.

AS TROVAS UMA A UMA

As trovas de Julimar apresentam uma ampla variedade de temáticas, reflexões e conceitos, que envolvem desde questões sociais e comportamentais até aspectos da vida cotidiana. A seguir, uma análise aprofundada de cada uma das doze trovas apresentadas.

Trova 1. A inteligência encerra
Aqui, Julimar opõe a força à inteligência, destacando que a guerra (que resulta da força) é intrinsecamente negativa, enquanto a paz, oriunda da inteligência, é desejável. Essa dualidade sugere uma crítica à luta pela dominação e promove a valorização do raciocínio e do diálogo como meios de resolução de conflitos. A mensagem é clara: a sabedoria deve prevalecer sobre a brutalidade.

Trova 2. À sombra do anonimato
Esta trova explora a coragem e a covardia. Julimar sugere que a verdadeira coragem é visível e não se esconde no anonimato; covardes agem nas sombras, como forma de evitar a responsabilização. Ele preconiza que cidadãos sensatos e corajosos não têm medo da exposição e da luta por suas convicções, promovendo a ideia de integridade e a necessidade de assumir posições.

Trova 3. Cumpre bem a sua norma
Aqui, o trovador enaltece a função do jornalista, enfatizando a importância da verdade na informação. Isso pode ser visto como uma crítica à manipulação e à desinformação, que muitas vezes dominam a mídia. Valoriza a ética no jornalismo, reconhecendo que a veracidade é um pilar fundamental para a construção de uma sociedade justa.

Trova 4. De grandeza, desconfio
Nesta trova, há uma reflexão sobre ambição e as suas consequências. Julimar sugere que a busca por grandeza muitas vezes é superficial e está ligada a uma necessidade de validação externa. O uso da metáfora do "grande rio" coberto de pontes pode ser interpretado como uma crítica à busca por reconhecimento material em detrimento de valores que realmente importam.

Trova 5. Dura, suada e sofrida
Julimar aborda a luta pela conquista das vitórias na vida, reconhecendo que o sucesso muitas vezes vem acompanhado de sacrifícios e dificuldades. A ideia de que a trajetória é "quase sempre" desafiadora reforça a realidade de que o caminho para a realização é repleto de obstáculos, mas também é uma mensagem motivadora sobre a resiliência e a recompensa do esforço.

Trova 6. É na surdina, eu suponho
Com esta trova, o autor explora a conexão íntima entre amor e felicidade. A ideia de que a vida se torna um sonho na companhia da pessoa amada sugere que os relacionamentos significativos são essenciais para uma vida plena. Essa visão transcende a materialidade e sugere que a verdadeira realização se encontra nas pequenas coisas e na simplicidade.

Trova 7. Há muito cego sabido
O poeta utiliza um jogo de palavras para questionar a percepção do conhecimento e da sabedoria. A figura do "cego sabido" reflete a hipocrisia de quem se julga informado, mas na realidade não possui uma visão completa da vida. A observação do vento levantando um vestido sugere que, mesmo aqueles que se fazem de cegos, observam o que ocorre ao redor conforme o seu interesse.

Trova 8. Minha mãe, analfabeta
Nesta trova, há uma homenagem à figura materna, ressaltando a importância da aprendizagem e do exemplo. O fato de a mãe ter aprendido a ler por si mesma, embora analfabeta, ilustra o poder da auto-didática e a força da educação, que transcende a mera habilidade de ler e escrever, influenciando a formação do filho em um poeta.

Trova 9. Nada expressa mais tristeza
Julimar reflete sobre a pobreza e a frustração dos sonhos não realizados. O tom melancólico ressalta como a falta de recursos pode limitar a realização pessoal e causar sofrimento. A lamentação pela pobreza é um chamado à empatia, confrontando uma realidade social dura e muitas vezes invisível.

Trova 10. Nem sempre faço o que penso
Esse verso remete à consciência moral e ao pragmatismo que muitas vezes se fazem necessários nas interações sociais. A busca por evitar embaraços sugere uma pessoa que pondera suas ações, reconhecendo que o pensamento deve ser balanceado com as consequências das ações. O trovador defende a importância do equilíbrio entre reflexão e ação.

Trova 11. O rancor não engrandece
Enfatiza a ideia de que o ressentimento não traz benefícios. O crescimento pessoal é associado ao amor e às boas ações, chamando atenção para a necessidade de se libertar de emoções negativas para prosperar. É um convite à generosidade e à compreensão como formas de se transcender a dor do passado.

Trova 12. Quem muito a si mesmo cobra
A última trova toca na questão da auto-cobrança e da busca incessante por padrões pessoais. Julimar sugere que a autocrítica exacerbada pode gerar infelicidade, fazendo um apelo ao equilíbrio e à aceitação. A felicidade, nesta perspectiva, não está nas expectativas, mas na capacidade de aproveitar o momento presente.

TEMÁTICA DAS TROVAS DE JULIMAR E SUA RELAÇÃO COM POETAS BRASILEIROS E ESTRANGEIROS

As trovas de Julimar, abordam temas como amor, saudade, natureza e a efemeridade da vida. Comparemos a temática de suas trovas com poetas brasileiros e estrangeiros que também exploram esses temas.

1. Amor
Muitas dessas trovas falam sobre o amor de forma suave e nostálgica, ressaltando a beleza e a dor que ele pode causar. O amor, para Julimar, não é apenas um ideal romântico; é uma experiência humana repleta de desafios e superações. Além disso, ele também aborda o amor sob a perspectiva da tradição e da cultura popular. Suas trovas muitas vezes dialogam com elementos do folclore, mostrando como as manifestações históricas e culturais influenciam a percepção do amor. Ele pode fazer referências a amores impossíveis, a rivalidades e ao papel do amor na vida comunitária, revelando a interconexão entre o amor individual e a coletividade. 

Outro ponto importante nas trovas de Julimar é a maneira como ele traz à tona a vulnerabilidade humana. O amor, em suas palavras, é um território onde a fragilidade está sempre presente, e a saudade e a tristeza são parte do processo de amar e ser amado. Essa visão mais realista e menos idealizada do amor permite que suas trovas se tornem um espaço de identificação e empatia para aqueles que passam por experiências semelhantes.

As imagens poéticas que Julimar utiliza são ricas e evocativas, capazes de despertar sentimentos profundos no leitor. Ele frequentemente evoca a natureza, as estações do ano e elementos do cotidiano para simbolizar diferentes aspectos do amor, criando uma atmosfera que é ao mesmo tempo nostálgica e esperançosa.

Em suma, o amor abordado nas trovas de Julimar é multifacetado, explorando tanto a sua beleza quanto a sua dor. Ao fazê-lo, ele capta a essência da experiência humana, tornando suas obras atemporais e universalmente ressonantes. As trovas servem não apenas como uma celebração do amor, mas também como um convite à reflexão sobre as muitas formas que esse sentimento pode assumir ao longo da vida.

Vinícius de Moraes: Em poemas como "Soneto de Separação", Vinícius aborda a intensidade do amor e a tristeza da perda. Assim como nas trovas acima, há uma melancolia que permeia a lembrança de momentos felizes, criando um diálogo entre o amor vivido e o amor perdido.

Pablo Neruda: Em "Soneto XVII", expressa uma paixão ardente e visceral, que se entrelaça com o amor idealizado. Ambas as vozes poéticas, a de Neruda e a de Julimar, transmitem a dualidade do amor - sua beleza e suas dores.

2. Saudade
A saudade é um tema constante, refletindo o apego a momentos e pessoas que passaram. Julimar fala sobre sentimentos profundos e cheios de nuances, especialmente a saudade, que é uma emoção muito presente na cultura brasileira. A saudade é frequentemente descrita como uma mistura de sentimentos de perda, nostalgia e amor. Em suas trovas, provavelmente explora esses temas de uma maneira que ressoa com a experiência humana, fazendo uma conexão com o passado e as memórias associadas a pessoas, lugares ou momentos.

A saudade nas trovas de Julimar pode ser abordada em diferentes dimensões. Primeiramente, pode refletir a dor da ausência de alguém querido, onde as lembranças ganham vida em cada verso, evocados por sensações olfativas, sonoras ou visuais que trazem à tona momentos significativos. Além disso, as trovas podem capturar a beleza da saudade, mostrando como esse sentimento, embora muitas vezes doloroso, também pode ser uma homenagem àquilo que foi especial.

Outro aspecto importante da saudade nas trovas de Julimar pode ser a forma como ele a relaciona com o cotidiano, utilizando elementos da cultura popular, tradições e vivências que conectam ouvintes de diferentes regiões do Brasil. Essa habilidade de tecer a saudade com o tecido cultural local pode provocar uma identificação nas pessoas que ouvem suas músicas, tornando a experiência ainda mais universal e visceral.

Por fim, as trovas dele podem ter um tom esperançoso ou de aceitação, onde a saudade não é apenas um lamento, mas uma celebração das memórias vividas. Em vez de se concentrar apenas na perda, ele pode enfatizar a importância de valorizar os momentos que foram importantes, transformando a saudade em algo que, embora melancólico, também é reconfortante.

A saudade nas trovas é uma expressão multifacetada que aborda a complexidade das emoções humanas, interligando memória, amor e a vivência cultural de forma profunda e tocante.

Cazuza: Em suas canções fala sobre a intensidade da saudade e a dificuldade de lidar com a perda. A relação entre suas letras e as trovas é clara: ambos expressam sentimentos profundos de saudade que ressoam na memória.

Emily Dickinson: Em muitos de seus poemas, Dickinson explora a ideia da saudade e da perda. A maneira como ela captura a essência da ausência e a busca pela conexão é similar à profundidade emocional que encontramos nas trovas de Julimar.

3. Natureza
Frequentemente incorpora a natureza em seus versos, refletindo a rica biodiversidade e a cultura do Brasil. As trovas de Julimar costumam capturar a beleza do meio ambiente, ressaltando elementos como flora, fauna, paisagens e fenômenos naturais.

Elementos da Natureza nas Trovas de Julimar

1. Representação da Flora: As plantas, árvores e flores são frequentemente mencionadas nas trovas, simbolizando não apenas a beleza estética, mas também atitudes de cuidado e reverência. O uso de imagens como “as flores do campo” ou “as folhas a dançar ao vento” pode evocar sentimentos de alegria e plenitude.

2. Inspiração na Fauna: Os animais também têm grande presença nas trovas. Ao descrever pássaros, mamíferos ou até insetos, muitas vezes traz lições de vida ou reflexões sobre a liberdade e a interação entre os seres vivos. As metáforas que utilizam animais muitas vezes destacam características subtis, refletindo sobre a condição humana.

3. Ciclos Naturais: As menções a estações do ano, o ciclo da chuva, e a passagem do tempo são comuns. Esses elementos enfatizam a impermanência e a continuidade da vida, servindo como uma alegoria para as experiências humanas. A observação da natureza pode induzir a pensamentos mais profundos sobre o lugar do ser humano no mundo.

4. Cenário Local: Muitas trovas refletem o cenário regional, enfatizando características geográficas que falam à identidade cultural. Seja uma praia, um vale ou uma montanha, as descrições muitas vezes conectam o leitor ao seu próprio espaço, criando um vínculo emocional com a terra.

5. Simbolismo e Metáforas: A natureza em Julimar não é apenas uma descrição, mas um veículo de simbolismo. Elementos naturais são usados como metáforas para sentimentos humanos — a tempestade pode representar conflitos internos, enquanto um rio calmo pode estar associado à paz e serenidade.

6. Conexão com a Espiritualidade: Muitas vezes, a natureza é abordada como um reflexo da espiritualidade. A relação do homem com a terra, os elementos e as forças da natureza pode significar um diálogo com o divino, um reconhecimento da interdependência entre todos os seres.

As trovas de Julimar, ao explorar a natureza, se tornam mais do que simples observações; elas são uma reflexão da experiência humana e uma celebração da vida em todas as suas formas. Ao entrelaçar temas de natureza com emoção e experiência vivida, suas trovas continuam a ressoar com os leitores, convidando-os a apreciar e refletir sobre o mundo natural ao seu redor. Assim, a natureza nas trovas se torna um espaço de inspiração, introspecção e uma ponte para a compreensão mais profunda da vida e do lugar do ser humano nela.

Manuel Bandeira: é conhecido por sua relação íntima com a natureza, especialmente em poemas que falam dos ciclos da vida e da morte, como em "Vou-me embora pra Pasárgada". A conexão com a natureza nas trovas de Julimar ressoa com a busca pela beleza e pelo significado na obra de Bandeira.

William Wordsworth: é um dos principais poetas do romantismo, que exalta a natureza como uma fonte de inspiração e contemplação. Assim como Julimar, ele encontra na natureza um reflexo das emoções humanas e uma forma de conexão com o transcendente.

4. Efemeridade da Vida
As trovas de Julimar, reconhecido por sua habilidade em explorar a natureza efêmera da vida, abordam a transitoriedade das experiências humanas com uma profundidade poética. Essa temática é frequentemente refletida em sua escrita através da utilização de metáforas, simbolismos e um tom melancólico que captura a fragilidade da existência.

Um dos aspectos centrais dessa efemeridade é a inevitabilidade da passagem do tempo. Julimar frequentemente utiliza imagens da natureza, como flores que murcham ou a luz do sol que se põe, para ilustrar a beleza passageira da vida. Essas imagens evocam um sentimento de nostalgia, convidando o leitor a refletir sobre momentos que foram preciosos, mas que já não existem mais. Ele nos lembra que, assim como as flores, as experiências e os momentos significativos também têm seu tempo limitado.

Além disso, a efemeridade em suas trovas pode ser vista como um convite à apreciação do presente. Em meio à angústia da transitoriedade, há um apelo para que se valorize cada instante vivido. Isso cria um paradoxo: a consciência da brevidade da vida pode levar a uma maior valorização das emoções e das relações humanas. As trovas frequentemente enfatizam a importância de amar e estar presente, mesmo diante da certeza da separação e da perda.

Outro ponto importante é como essa temática está ligada à reflexão sobre a morte. O poeta não a aborda de maneira macabra, mas sim como uma parte natural do ciclo da vida. Essa aceitação pode proporcionar um conforto ao leitor, sugerindo que a efemeridade não deve ser vista apenas com tristeza, mas como uma oportunidade para celebrar a vida enquanto temos a chance.

Enfim, as trovas de Julimar também podem ser interpretadas como um retrato da condição humana. A busca por significado em meio à transitoriedade é uma luta comum a todos nós. A fragilidade da vida, destacada em suas palavras, pode levar à introspecção e à busca por um propósito que transcenda a efemeridade.

As trovas mergulham na temática da efemeridade da vida, evocando reflexão sobre o tempo, a beleza passageira, a importância das relações e a inevitabilidade da morte. Sua poesia não apenas capta a tristeza inerente à transitoriedade, mas também a celebração da vida, convidando os leitores a viver de forma mais consciente e plena, mesmo que por um breve momento.

Adélia Prado: Em seus poemas, Adélia reflete sobre o cotidiano e a passagem do tempo, enfatizando a beleza nas pequenas coisas, semelhante à abordagem de Julimar sobre a efemeridade.

John Keats: em seus "Odes", aborda a beleza e a transitoriedade da vida. A maneira como ele celebra cada momento enquanto também reconhece sua fragilidade se alinha bem com os sentimentos expressos nas trovas.

Conclusão
As trovas de Julimar, capturam emoções universais que são ecos de obras de poetas tanto brasileiros quanto estrangeiros. A intersecção entre suas temáticas e as de poetas como Vinícius de Moraes, Pablo Neruda, Cazuza, Emily Dickinson, Manuel Bandeira e John Keats revela a riqueza da experiência humana por meio da poesia, ampliando o entendimento sobre amor, saudade, natureza e a efemeridade da vida.

As trovas são densas em significado e oferecem reflexões sobre ética, moral, sociedade e emoções humanas. Cada uma delas traz uma lição, um chamado à reflexão ou uma crítica social, recorrendo a metáforas simples, porém poderosas que convidam o leitor a ponderar sobre a vida e seus desafios. A capacidade do autor de sintetizar tais complexidades em rimas curtas é o que torna suas obras notáveis e instigantes.

Representam uma confluência rica de tradição poética e inovação contemporânea, destacando-se não apenas por sua habilidade técnica, mas também por sua capacidade de ressoar com temas universais e atemporais. Influenciado por uma variedade de tradições literárias, Julimar utiliza a leveza da trovada para abordar questões profundas da experiência humana, como amor, natureza, sociedade e identidade.

A importância delas reside na forma como ele consegue unir a simplicidade da linguagem com a profundidade do conteúdo, tornando suas trovas acessíveis a um público vasto, mas também instigantes para críticos e estudiosos da literatura. Sua escrita reflete uma sensibilidade aguda para as nuances da vida contemporânea, explorando as complexidades das relações humanas e os desafios do mundo moderno.

Em um cenário global onde a literatura muitas vezes se distancia das experiências cotidianas, Julimar resgata a poesia como uma forma de conexão e introspecção, reafirmando seu poder de provocar reflexão e diálogo. Desse modo, suas trovas não apenas contribuem para o enriquecimento da literatura brasileira, mas também estabelecem um elo importante com a cultura contemporânea, reafirmando a relevância da poesia em tempos de transformação social e econômica.

Finalmente, as trovas de Julimar transcendem as fronteiras do mero entretenimento literário; ela se firma como um legado significativo, inspirando novas gerações de escritores e leitores a se engajarem com a arte da palavra, cultivando a reflexão crítica e a valorização das pequenas belezas que permeiam a vida.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

José Feldman (A Luz)

para Maya
[São Paulo/SP 1997 – Maringá/PR 2013]

Foste uma amiga, uma irmã,
foste uma luz, o calor.
No despertar da manhã,
foste… simplesmente amor.

Em uma pequena cidade, havia um homem chamado Giuseppe, que viveu a maior parte de sua vida imerso na solidão. Mas, tudo mudou quando ele encontrou uma cadela abandonada na rua. Ela era uma mistura de raças, com olhos brilhantes e um jeito brincalhão que derreteu seu coração. Giuseppe a chamou de Maya, e desde aquele dia, eles se tornaram inseparáveis.

Maya trouxe alegria para a vida dele. Juntos, exploravam parques, faziam longas caminhadas e compartilhavam momentos simples, como assistir ao pôr do sol no quintal. Com o passar dos anos, Maya se tornou mais do que uma companheira; ela era sua melhor amiga, sua luz em dias sombrios.

Os anos passaram rapidamente e, ao completar 16 anos, Maya começou a apresentar sinais de fraqueza. A energia que antes brilhava em seus olhos agora era apenas um lampejo. Giuseppe, preocupado, levou-a ao veterinário, onde recebeu a notícia que temia: Ela estava envelhecendo e seu tempo estava se esgotando.

Nos dias que se seguiram, Giuseppe fez tudo o que pôde para tornar os últimos momentos de Maya especiais. Ele a levou a todos os lugares que ela amava, preparou suas comidas favoritas e passou horas acariciando seu pelo macio. Mas, apesar de seus esforços, o estado dela continuava a piorar.

Uma noite, enquanto a lua iluminava o céu, Maya deitou-se ao lado de Giuseppe. Ele a abraçou, sentindo seu coração bater lentamente. Com lágrimas nos olhos, ele sussurrou palavras de amor e gratidão, lembrando-se de todos os momentos que viveram juntos. Maya olhou para ele, como se entendesse cada palavra, e então fechou os olhos pela última vez.

A dor da perda foi avassaladora. A casa, que antes era preenchida com os risos e as brincadeiras de Maya, agora parecia vazia e silenciosa. Giuseppe caminhava pelos lugares onde costumavam brincar, sentindo a falta da alegria que a cadela trouxera para sua vida. Cada canto lembrava-o dela: o sofá onde ela costumava se aninhar, o parque onde corriam juntos, e até mesmo o quintal onde tantas vezes observaram o sol se pôr.

Os dias se tornaram semanas, e a tristeza de Giuseppe parecia não ter fim. Ele se perguntava como poderia viver sem sua fiel amiga. A vida, que antes parecia cheia de significado, agora era uma sombra do que era.

Mas, em meio à dor, Giuseppe começou a lembrar das lições que Maya lhe ensinou sobre amor e amizade. Ele decidiu que, embora ela não estivesse mais fisicamente ao seu lado, seu espírito e as memórias que compartilharam sempre viveriam em seu coração. Com isso, ele se dedicou a ajudar animais abandonados, fazendo o que pôde para dar a outros cães a mesma felicidade que Maya trouxe para sua vida.

A tristeza nunca desapareceu completamente, mas Giuseppe encontrou consolo na ideia de que Maya havia deixado um legado de amor. E, assim, em meio à dor, ele começou a reencontrar sua luz.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Ia Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.