domingo, 30 de março de 2025

Lima Barreto (Os nossos jornais)

Na Câmara (houve um jornal que registrasse a frase) o senhor Jaurès observou que os nossos jornais eram pobres no tocante a informações da vida do estrangeiro. Afora os telegramas lacônicos naturalmente, ele não encontrava nada que o satisfizesse.

Jaurès não disse que fosse esse o único defeito dos nossos jornais; quis tão somente mostrar um deles.

Se ele quisesse demorar no exame, diretor de um grande jornal, como é e, habituado à grande imprensa do velho mundo, havia de apresentar muitos outros.

Mesmo quem não é diretor de um jornal parisiense e não está habituado à imprensa europeia, pode, do pé para as mãos, indicar muitos.

Os nossos jornais diários têm de mais e têm de menos; têm lacunas e demasias.

Uma grande parte deles é ocupada com insignificantes notícias oficiais.

Há longas seções sobre exército, marinha, estradas de ferro, alfândega, etc. de nenhum interesse, ou melhor, se há nelas interesse, toca a um número tão restrito de leitores que não vale a pena sacrificar os outros, mantendo-as.

Que me importa a mim saber quem é o conferente do armazém K? Um jornal que tem dez mil leitores, unicamente para atender ao interesse de meia dúzia, deve estar a publicar que foram concedidos passes à filha do bagageiro X? Decerto, não. Quem quer saber essas coisas, dirija-se às publicações oficiais ou vá à repartição competente, informar-se.

A reportagem de ministérios é de uma indigência desoladora. Não há mais nada que extratos do expediente; e o que se devia esperar de propriamente reportagem, isto é, descoberta de atos premeditados, de medidas em que os governantes estejam pensando, enfim, antecipações ao próprio diário do senhor Calino, não se encontra.

Demais, não está aí só, o emprego inútil que os nossos jornais fazem de um espaço precioso. Há mais ainda. Há os idiotas “binóculos”. Longe de mim o pensamento de estender o adjetivo da seção aos autores. Sei bem que alguns deles que o não são; mas a coisa o é, talvez com plena intenção dos seus criadores. Mas... continuemos. Não se compreende que um jornal de uma grande cidade esteja a ensinar às damas e aos cavalheiros como devem trazer as luvas, como devem cumprimentar e outras futilidades. Se há entre nós, sociedade, as damas e cavalheiros devem saber estas coisas e quem não sabe faça como M. Jourdain: tome professores. Não há de ser com preceitos escorridos diariamente, sem ordem, nem nexo – que um acanhado fazendeiro há de se improvisar em Caxangá. Se o matuto quer imiscuir-se na sociedade que tem para romancista o psiquiatra Afrânio, procure professores de boas maneiras, e não os há de faltar. Estou quase a indicar o próprio Figueiredo, o Caxangá ou o meu amigo Marques Pinheiro e talvez o Bueno, se ele não andasse agora metido em coisas acadêmicas.

De resto, esses binóculos, gritando bem alto elementares preceitos de civilidade, nos envergonham. Que dirão os estrangeiros, vendo, pelos nossos jornais, que não sabemos abotoar um sapato ? Não há de ser bem; e o senhor Gastão da Cunha, o Chamfort oral que nos chegou do Paraguai e vai para a Dinamarca, deve examinar bem esse aspecto da questão, já que se zangou tanto com o interessante Afrânio, por ter dito, diante de estrangeiros, na sua recepção na Academia, um punhado de verdades amargas sobre a diligência de Canudos.

Existe, a tomar espaço nos nossos jornais, uma outra bobagem. Além desses binóculos, há uns tais diários sociais, vidas sociais, etc. Em alguns tomam colunas, e, às vezes, páginas. Aqui nesta Gazeta, ocupa, quase sempre duas e três.

Mas, isso é querer empregar espaço em pura perda. Tipos ricos e pobres, néscios e sábios, julgam que as suas festas íntimas ou os seus lutos têm um grande interesse para todo o mundo. Sei bem o que é que se visa com isso: agradar, captar o níquel, com esse meio infalível: o nome no jornal.

Mas, para serem lógicos com eles mesmo, os jornais deviam transformar-se em registros de nomes próprios, pois só os pondo aos milheiros é que teriam uma venda compensadora. A coisa devia ser paga e estou certo que os tais diários não desapareceriam.

Além disso, os nossos jornais ainda dão muita importância aos fatos policiais. Dias há que parecem uma morgue, tal é o número de fotografias de cadáveres que estampam; e não ocorre um incêndio vagabundo que não mereça as famosas três colunas – padrão de reportagem inteligente. Não são bem “Gazetas” dos Tribunais, mas, já são um pouco Gazetas do Crime e muito Gazetas Policiais.

A não ser isso, eles desprezam tudo o mais que forma a base da grande imprensa estrangeira. Não há as informações internacionais, não há os furos sensacionais na política, nas letras e na administração. A colaboração é uma miséria.

Excetuando A Imprensa, que tem a sua frente o grande espírito de Alcindo Guanabara, e um pouco O Pal, os nossos jornais da manhã nada têm que se ler. Quando excetuei esses dois, decerto, punha hors-concours o velho Jornal do Comércio; e dos dois, talvez, só a Imprensa seja exceção, porque a colaboração de O Paiz é obtida entre autores portugueses, fato que pouco deve interessar à nossa atividade literária.

A Gazeta (quem te viu e quem te vê) só merece ser aqui falada porque seria injusto esquecer o Raul Manso. Mas, está tão só! E não se diga que eles não ganham dinheiro e, tanto ganham que os seus diretores vivem na Europa ou levam no Rio trem de vida nababesco.

É que, em geral, não querem pagar a colaboração; e, quando a pagam, fazem-no forçados por empenhos, ou obrigados pela necessidade de agradar a colônia portuguesa, em se tratando de escritores lusos.

E por falar nisso, vale a pena lembrar o que são as correspondências portuguesas para os nossos jornais. Não se encontram nelas indicações sobre a vida política, mental ou social de Portugal; mas, não será surpresa ver-se nelas notícias edificantes como esta: “A vaca do Zé das Amêndoas, pariu ontem uma novilha”; “o Manuel das Abelhas foi, trasanteontem, mordido por um enxame de vespas”.

As dos outros países não são assim tão pitorescas; mas chegam, quando as há, pelo laconismo, a parecer telegrafia.

Então o inefável Xavier de Carvalho é mestre na coisa, desde que não se trate de festas da famosa Societé d’Études Portugaises!

Os jornais da tarde não são lá muito melhores. A Notícia faz repousar o interesse da sua leitura na insipidez dos Pequenos Ecos e na graça – gênero Moça de Família do amável Antônio. Unicamente o Jornal do Comércio e esta Gazeta procuram sair fora do molde comum, graças ao alto descortino do Félix e a experiência jornalística do Vítor.

Seria tolice exigir que os jornais fossem revistas literárias, mas, isto de jornal sem folhetins, sem crônicas, sem artigos, sem comentários, sem informações, sem curiosidades, não se compreende absolutamente.

São tão baldos de informações que, por eles, nenhum de nós tem a mais ligeira notícia da vida dos estados. Continua do lado de fora o velho Jornal do Comércio.

Coisas da própria vida da cidade não são tratadas convenientemente. Em matéria de tribunais, são de uma parcimônia desdenhosa. O júri, por exemplo, que, nas mãos de um jornalista hábil, podia dar uma seção interessante, por ser tão grotesco, tão característico e inédito, nem mesmo nos seus dias solenes é tratado com habilidade.

Há alguns que têm o luxo de uma crônica judiciária, mas, o escrito sai tão profundamente jurista que não pode interessar os profanos. Quem conhece as crônicas judiciárias de Henri de Varennes, no Fígaro, tem pena que não apareça um discípulo dele nos nossos jornais.

Aos apanhados dos debates da Câmara e do Senado podia dar-se mais cor e fisionomia, os aspectos e as particularidades do recinto e dependências não deviam ser abandonados.

Há muito que suprimir nos nossos jornais e há muito que criar. O senhor Jaurès mostrou um dos defeitos dos nossos jornais e eu pretendi indicar alguns. Não estou certo de que, suprimidos eles, os jornais possam ter a venda decuplicada. O povo é conservador, mas não foi nunca contando com a adesão imediata do povo que se fizeram revoluções.

Não aconselho a ninguém que faça uma transformação no nosso jornalismo. Talvez fosse mal sucedido e talvez fosse bem, como foi Ferreira de Araújo, quando fundou, há quase quarenta anos, a Gazeta de Noticias. Se pudesse, tentava; mas como não posso, limito-me a clamar, a criticar.

Fico aqui e vou ler os jornais. Cá tenho o Binóculo, que me aconselha a usar o chapéu na cabeça e as botas nos pés. Continuo a leitura. A famosa seção não abandona os conselhos. Tenho mais este: as damas não devem vir com toaletes luxuosas para a Rua do Ouvidor. Engraçado esse Binóculo! Não quer toaletes luxuosas nas ruas, mas ao mesmo tempo descreve essas toaletes. Se elas não fossem luxuosas haveria margem para as descrições? O Binóculo não é lá muito lógico...

Bem. Tomo outro. É o Correio da Manhã. Temos aqui uma seção interessante: “O que vai pelo mundo”. Vou ter notícias da França, do Japão, da África do Sul, penso eu. Leio de fio a pavio. Qual nada! O mundo aí é Portugal só e unicamente Portugal. Com certeza, foi a república recentemente proclamada, que o fez crescer tanto. Bendita república!

Fez mais que o Albuquerque terríbil e Castro forte e outros em quem poder não teve a morte.
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AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO nasceu em 1881, na cidade do Rio de Janeiro. Era negro e de família pobre. Sua mãe era professora primária e morreu de tuberculose quando Lima Barreto tinha 6 anos. Seu pai era tipógrafo, porém sofria de doença mental. Mas tinha um padrinho com posses - o Visconde de Ouro Preto (1836-1912) -, o que permitiu que o escritor estudasse no Colégio Pedro II. Depois, ingressou na Escola Politécnica, mas não concluiu o curso de Engenharia, pois precisava trabalhar. Em 1903, fez concurso e foi aprovado para atuar junto  à Diretoria do Expediente da Secretaria da Guerra. Assim, concomitantemente ao trabalho como funcionário público, escrevia os seus textos literários.  Em 1905, trabalhou como jornalista no Correio da Manhã. Lançou, em 1907, a revista Floreal. Em 1909, o seu primeiro romance foi editado em Portugal: Recordações do escrivão Isaías Caminha. O romance Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado, pela primeira vez, em 1911, no Jornal do Comércio, em forma de folhetim. Em 1914, Lima Barreto foi internado em um hospital psiquiátrico pela primeira vez. Se candidatou três vezes a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, recebeu dela, apenas uma menção honrosa em 1921. Morreu em 1922.

Fonte:
Publicado na Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, em 20 outubro 1911. Disponível em Domínio Público.  
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sábado, 29 de março de 2025

Adega de Versos 143: Sandra Lira Rodrigues

 

José Feldman (O Livro Mais Chato do Mundo)

Era uma vez um escritor chamado Joaquim que sonhava em publicar seu grande romance. Ele passava horas em seu pequeno escritório, cercado por pilhas de papéis e canecas de café esfriando. A ideia era brilhante: um livro repleto de histórias sobre a vida de formigas, suas rotinas diárias e os desafios de encontrar migalhas. Joaquim estava convencido de que seu livro seria um sucesso.

Após meses de trabalho árduo, Joaquim enviou seu manuscrito para várias editoras. No entanto, as respostas foram desanimadoras. Uma editora até escreveu: “Agradecemos, mas suas histórias sobre formigas são... bem... formigáveis.” 

Ele ficou chateado, mas não desanimou. Ele acreditava que um dia alguém veria a genialidade de seu trabalho.

Finalmente, um dia, Joaquim recebeu uma notícia que o deixou radiante. Ele correu para o bar onde seus amigos costumavam se reunir e, com um sorriso de orelha a orelha, anunciou:

— Pessoal! Tenho uma novidade incrível! Recebi um pagamento por meu livro! 

Os amigos pararam de conversar e olharam para ele com curiosidade.

— Uau! Que legal, Joaquim! — disse Pedro, um dos amigos. — Finalmente, alguém reconheceu seu talento!

— Qual editora finalmente decidiu publicar seu trabalho? — perguntou Maria, entusiasmada.

— A Editora Formiguinha! Eles disseram que meu livro está prestes a ser lançado! — exclamou Joaquim, batendo palmas de alegria.

Os amigos começaram a aplaudir e a brindar em sua homenagem.

— Às formigas! — gritaram, rindo.

No entanto, Joaquim, ainda em seu estado de euforia, não percebeu que havia uma pequena sombra de dúvida pairando sobre a mesa.

— Isso é ótimo, mas como você conseguiu um pagamento antes mesmo do lançamento? — perguntou Carlos, franzindo a testa.

Joaquim, um pouco desconcertado, explicou que havia enviado o manuscrito há meses e que, por algum motivo, a editora decidiu pagar adiantado. Ele estava tão feliz que não via a necessidade de esclarecer mais.

Os amigos, animados, começaram a fazer planos para uma grande festa de lançamento. Joaquim estava nas nuvens, sonhando com o sucesso e as vendas. 

No entanto, quando a empolgação começou a se acalmar, uma dúvida surgiu na mente de Joaquim.

— Espera um pouco... — ele pensou. — Como seria possível receber um pagamento sem ter um contrato assinado?

Com isso, decidiu entrar em contato com a editora. Após várias tentativas, finalmente conseguiu falar com alguém.

— Olá, aqui é Joaquim, o autor de “As Aventuras das Formigas”. Eu recebi um pagamento, mas não estou certo sobre o motivo... — começou ele.

Do outro lado da linha, uma voz muito profissional respondeu:

— Ah, sim, Joaquim! O pagamento foi referente ao reembolso... 

— Reembolso? — perguntou Joaquim, perplexo.

— Sim, seu manuscrito foi extraviado pelos correios e, por isso, decidimos reembolsá-lo. Pedimos desculpas pela confusão.

Joaquim ficou em silêncio, tentando processar a informação. Ele havia confundido um reembolso por extravio com um pagamento por publicação. Com o coração na mão, ele desligou o telefone.

Desesperado e um pouco envergonhado, decidiu voltar ao bar, onde seus amigos ainda estavam celebrando. Ao entrar, a música parou e todos olharam para ele.

— E então, Joaquim? — gritou Maria, toda empolgada. — Vai ser uma grande festa, não é?

Joaquim respirou fundo e, com um sorriso amarelo, confessou:

— Na verdade, pessoal, eu não recebi um pagamento... O que aconteceu foi que os correios perderam meu livro e eles me reembolsaram!

O silêncio tomou conta da mesa, seguido por uma explosão de risadas.

— Então, você está dizendo que seu livro é tão chato que até os correios não conseguiram se interessar? — brincou Pedro, quase se engasgando.

Joaquim respondeu:

— É, parece que minha obra-prima não estava destinada a ser lida... nem pelos correios!

E assim, entre risadas e piadas sobre formigas, Joaquim decidiu que, talvez, fosse hora de reavaliar suas histórias e, quem sabe, escrever sobre algo mais emocionante. Afinal, ele já tinha experiência com histórias que ninguém queria.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, escritor e gestor cultural nasceu em São Paulo, mas se radicou no Paraná desde 1999. Trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas em São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos. Diretor cultural. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, Assina seus escritos pela cidade de Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

José Feldman (Destino)





Abbie Philips Walker (Lafayette)

Embora “Lafayette” possa parecer um nome pomposo para um cachorro, estou aqui para contar a história de um poodle francês chamado Lafayette, ou Fay, como era chamado carinhosamente. Um dia, Fay estava descansando sobre uma almofada de seda azul colocada em um assento de janela que dava vista para o quintal. Ao ouvir um latido lá fora, ele se levantou e espiou pela janela.

Era um cachorro amarelo e desgrenhado perseguindo um gato que chamou a atenção de Fay. Inicialmente, ele franziu o nariz diante da visão daquele cão de aparência comum, pronto para voltar à sua soneca. Mas algo o fez continuar assistindo ao que estava prestes a acontecer.

O cão amarelo latia e dava saltos em direção ao grande gato que estava empoleirado no topo de uma cerca, com as costas arqueadas e o rabo eriçado, expressando raiva. Por mais que tentasse, o cachorro não conseguia fazer o gato sair do lugar. De repente, Fay ouviu um latido alto e, para sua surpresa, seu próprio focinho bateu contra o vidro da janela. Foi ele quem latiu dessa vez, tomado por um entusiasmo inesperado. Fay tinha certeza de que, se o cachorro do lado de fora pulasse um pouco mais alto, o gato certamente fugiria.

Uma empregada correu para o lado de Fay, curiosa para entender o que estava causando toda aquela agitação. 

“Ah, Fay, você não deve latir para esse gato horrível e esse cachorro com aparência suja”, ela reclamou, acariciando-o e ajeitando a almofada de seda para que ele voltasse a relaxar.

Com um suspiro, Fay se deitou novamente. Mas algo havia mudado dentro dele. Ele sentiu um desejo inexplicável de sair correndo para perseguir aquele gato. Ele também estava convencido de que poderia assustar o cachorro, afinal, aquele era o seu quintal.

Fay começou a refletir. “Lafayette”, murmurou. “Que nome para dar a um cachorro! Por que não me chamaram de Ned, ou Ted, ou até mesmo Bill? E minha pelagem, que coisa terrível – toda cacheada, longa e branca. Eu gostaria que algo acontecesse para que ela ficasse preta. Sempre que vou ao parque, todos os outros cachorros debocham de mim. Eu costumava pensar que eles estavam com inveja da minha aparência majestosa, mas agora percebo que eles estavam apenas zombando de mim. Eu não aguento mais isso!” Fay rosnou, frustrado.

“Mas o que há de errado com você esta manhã?” exclamou a empregada, correndo de volta ao lado de Fay. “Nunca ouvi você latir e rosnar assim antes.”

Fay apenas piscou os olhos, mas abanou o rabo de um jeito que indicava que mostraria à empregada exatamente como se sentia durante o passeio matinal. Eventualmente, a empregada voltou, vestida para levá-lo ao parque. Ela enfeitou a coleira de Fay com um laço e prendeu a guia.

Fay pulou do assento junto à janela e a seguiu com uma expressão abatida. Naquela manhã, ele não ergueu a cabeça nem desfilou como fazia normalmente. Sentia uma vergonha recém-descoberta sobre sua aparência. Quando chegaram ao parque, dois cães de rua emergiram dos arbustos, latindo e rosnando para Fay. Aquilo foi a gota d’água. Seu espírito de luta despertou, e, aproveitando-se de um momento de distração da empregada, Fay facilmente arrancou a guia das mãos dela e disparou. Apesar da guia limitar seus movimentos, Fay rapidamente fez os cães de rua de bobo, assustando-os e fazendo-os fugir com o rabo entre as pernas. “Que diversão!” pensou Fay. “Vou fugir, para onde a empregada nunca me encontrará. Ah, como eu gostaria de encontrar um gato!”

Com saltos e corridas, Fay cruzou o gramado, desaparecendo rapidamente da vista da empregada e de um policial que tentava persegui-lo. Em uma rua transversal, um jornaleiro tentou segurar Fay para ler o nome em sua bonita coleira, mas Fay conseguiu escapar dele, finalmente sentindo-se verdadeiramente livre.

O jornaleiro assustado entregou a coleira para o policial que tinha presenciado a tentativa frustrada de capturá-lo. Eles acreditavam que uma generosa recompensa estava esperando quem conseguisse trazer Fay de volta. No entanto, voltar era a última coisa na mente de Fay. O que ele realmente desejava naquele momento era encontrar um gato.

Fay continuou correndo, deixando para trás o bairro que ele chamava de lar havia tanto tempo. As ruas ficaram lamacentas e assim que ele se sentiu distante o suficiente da empregada, rolou, pleno de alegria, em uma poça de lama na sarjeta. Ele estava irreconhecível, muito longe do cão impecável e delicado que havia saído de casa naquela manhã.

Emergindo do esgoto, Fay parou por um momento para observar os arredores. Bem, ele não ficou realmente parado, ele saltitava e farejava, contemplando qual direção seguir. De repente, outro cachorro se aproximou.

“Olá”, cumprimentou Fay. “Não é este um mundo maravilhoso?”  

“Não sei, é mesmo?” respondeu o outro cachorro.  

“Mas é claro,” retrucou Fay. “Hoje de manhã, eu estava do outro lado do mundo, e agora fugi e vim parar aqui. Então, não é apenas ótimo, mas também um mundo esplêndido, como descobri.”  

“Não sei se concordo com isso,” ponderou o cachorro desconhecido. “Às vezes parece bastante difícil, especialmente quando não consigo encontrar um osso.”  

“O que é um osso?” indagou Fay, que durante sua vida só havia sido alimentado com carnes cozidas e restos de frango.  

“Você não sabe o que é um osso?” perguntou o cachorro estranho, olhando para Fay com surpresa. “Você não tem dentes?”  

“Claro que tenho,” respondeu Fay, mostrando seus dentes afiados. “Mas o que é um osso?”  

“Suponho que você nunca tenha vivido por aqui,” comentou o outro cachorro. “Ossos são escassos, mas ocasionalmente encontramos um. Veja bem, ossos são para comer.”  

Fay espiou pelo buraco na cerca, avistando a pilha de ossos, mas eles não o entusiasmaram nem um pouco. 

“Para que servem?” ele perguntou.  

“Para comer, é claro,” explicou o outro cachorro, observando com entusiasmo os ossos através do buraco. “Talvez não pareçam apetitosos para você, mas veja se você os gosta, por que não pega um?”  

“Eu já mencionei que o cachorro que é dono deles é um briguento,” respondeu o cachorro estranho.  

“Você tem medo dele?” perguntou Fay.  

“Certamente não quero que ele me pegue,” confessou o outro cachorro.  

“Bah,” desdenhou Fay. “Eu não tenho medo. Vou pegar um osso para você. Espere aqui.”  

“Tome cuidado,” alertou o cachorro estranho. “Quando ele te ouvir, ele vai sair correndo daquela casa, e ele é maior do que você.”  

Tamanho não importava para Fay; ele se considerava bastante imponente. Ele era mais alto do que a maioria dos cachorros que havia encontrado. Assim, ele se espremeu pelo buraco na cerca e rapidamente seguiu em direção à pilha de ossos.

Com um rosnado e um latido, o dono dos ossos apareceu. Fay manteve sua posição, encarando o cachorro grande.  

“Saia daqui,” o cachorro ameaçou. “Eu vou lutar com você se não for.”  

“Onde você conseguiu todos esses ossos?” Fay perguntou com coragem. “Tenho certeza de que você os roubou, e eu vou pegar um para um amigo meu.” 

Não que isso fosse totalmente o certo, mas é assim que às vezes os cachorros raciocinam.  

O cachorro grande ficou surpreso pelo fato de Fay não fugir, como todos os outros cachorros faziam. Ele não tinha certeza de como agir, mas quando Fay pegou um osso, aquilo foi demais para ele suportar sem tentar impedi-lo. Ele pulou em Fay, mordendo sua perna, mas assim que fez isso, Fay largou o osso e virou-se contra ele. Por um instante, parecia que haviam cachorros para todo lado. E então, com um forte ganido, o outro cachorro fugiu, deixando Fay sozinho com a pilha de ossos.  

Fay sacudiu-se e olhou para o buraco na cerca. “Entre e pegue à vontade,” ele disse ao cachorro estranho do outro lado. “Agora você pode pegar quantos quiser. Ele não voltará.”  

“Eu não achei que você fosse capaz disso,” disse o cachorro estranho, passando pelo buraco sem precisar de um segundo convite. “Qual é o seu nome?”  

Essa foi a primeira vez que Fay sentiu algo além de prazer, mas agora ele parecia abatido — ele simplesmente não conseguia contar ao outro cachorro seu terrível nome.  

“Ei, qual é o seu nome?” perguntou o cachorro novamente, enquanto mastigava um grande osso.  

“Meu nome é Bill,” respondeu Fay, pensando rápido. “E o seu?”  

“Tige,” respondeu o cachorro. “Eu odeio esse nome e queria que fosse Napoleão ou algo mais elegante.”  

“Eu acho Tige um nome legal,” disse Fay, “melhor que Bill, até, e eu gosto bastante do meu.”  

“Sim, é bom, mas alguns desses cachorros que vivem entre os ricos têm nomes elegantes. Eu encontro um deles no parque às vezes. Ele é branco, sempre tem uma empregada com ele, e às vezes usa um laço rosa ou azul no colar de prata. Acho que o nome dele é Fay ou algo assim. Nossa, ele é um sujeito bonito!” disse Tige, ainda roendo os ossos.  

“Não acredito que ele seja mais feliz do que você — quero dizer, do que nós,” disse Fay, aliviado por estar livre do laço e do colar.  

“Hum,” disse Tige, “aposto que ele é mais feliz do que jamais sonhamos ser. Veja bem, Bill, meu caro, esses cachorros ricos têm sua comida servida em pratos de prata, já ouvi dizer, e já cortada e pronta para comer, e ouvi dizer também que dormem em almofadas.”  

“Em que você dorme?” perguntou Fay, sem pensar no que estava perguntando.  

“No chão na maior parte do tempo. E você?” respondeu Tige.  

“Ah, claro,” disse Fay. “Eu achei que talvez você dormisse em um tapete.”  

“Parece que eu durmo?” perguntou Tige. “Nunca dormi em nada macio na minha vida.  Mas por que você não tenta um desses ossos, Bill? Esta é sua festa, e você ainda não provou um osso.”  

“Eu estava observando você comer,” disse Fay, “mas eu vou pegar um. Nunca comi um antes.”  

“Nossa, eu não achei que algum cão pudesse ser mais miserável do que eu,” disse Tige. “Mas você deve ser, se nunca comeu um osso.”  

O osso tinha um gosto muito melhor do que Fay esperava, e logo ele estava mastigando feliz, assim como Tige.  

“Esse é o seu cachorro?” perguntou uma voz.  

Fay largou seu osso e olhou ao redor, e lá estavam a empregada, o guarda do parque e outro policial.  

A empregada olhou para Fay e então disse: “Fay, é você, seu cachorrinho malvado?”  

Fay correu na direção do buraco na cerca, mas desta vez o guarda do parque foi rápido demais para ele.  

“Claro que esse é o seu cachorro, Maggie,” disse ele. “Mas ele parece um brigão; não muito como aquele tufo branco e fofinho com um laço rosa que você passeia de manhã pelo parque.”  

“Ah, o que a patroa vai fazer?” disse Maggie ao vê-lo. “E ainda por cima perdeu a linda coleira de prata.”  

“Ah, eu sei onde ela está,” disse o outro policial. “Um amigo meu a encontrou, mas esse cachorro não é nenhum bichinho de estimação; ele é um brigão. Você devia ter visto ele enfrentar um cachorro grande que tinha todos aqueles ossos.”  

“Ah, o que a patroa vai dizer ao saber que o cachorrinho dela esteve brigando?” choramingou Maggie. “Venha aqui, seu malvado Fay, e volte para casa comigo agora mesmo, e vou te dar um banho daqueles.”  

Fay se contorceu e tentou escapar, mas uma corda foi amarrada em seu pescoço, e ele estava sendo levado embora quando pensou em Tige. Ele mal teve coragem de olhar para se despedir, temendo que isso o fizesse hesitar.  

Tige, no entanto, estava apenas esperando por esse olhar, e assim que Fay se virou, Tige correu até ele e lambeu seu nariz.  

“Saia daqui, seu cachorro sujo!” disse Maggie.  

O policial riu. “Seu lindo poodle branco não está com uma aparência muito limpa,” ele disse.  

Mas não adiantava. Fay não iria pacificamente sem Tige, e Tige também não queria ser afastado, então lá se foi Maggie, conduzindo Fay, enquanto Tige trotava ao lado dele.  

Seria muito longa a história para contar tudo, mas vou resumir: Tige ficou rondando a casa de Fay depois que ele foi puxado para dentro pelo mordomo, e Fay ficou na janela uivando para Tige até que a dona de Fay acabou cedendo e deixou que Tige fosse trazido para dentro.  

Deram um banho em Tige, colocaram uma coleira em seu pescoço, e Fay e Tige ficaram sentados na janela em dias chuvosos, quando a empregada não podia levá-los ao parque, olhando para o quintal em busca de gatos na cerca. Mas como os gatos não gostam muito de tempo chuvoso, Tige teve que contar a Fay tudo o que sabia sobre eles.  

“E pensar que eu nunca tive a chance de perseguir um,” disse Fay. “Talvez algum dia possamos fugir de novo, e então você pode me mostrar onde encontrar um.”  

“Não,” disse Tige, balançando a cabeça. “Não vai ter esse ‘algum dia’, Bill, meu amigo. Não vou arriscar perder este lar agradável, e você e eu vamos trotar ao lado da Maggie todos os dias no parque. Eu sei o que significa não ter um lar, e você não sabe, então ouça minhas histórias de gatos e pense à vontade sobre persegui-los, mas deixe isso por aí.”  

E Fay, sendo um cachorro sensato e muito apegado ao seu novo amigo, fez o que ele disse.

Preciso te contar mais uma coisa: embora, entre eles, fossem Bill e Tige, para todos os outros eles eram Fay e Caesar, então Tige finalmente recebeu o nome elegante que merecia.
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ABBIE HOXIE PHILLIPS JACOB WALKER foi uma autora americana conhecida por suas contribuições cativantes para a literatura infantil no início do século 20. Nascida em Exeter, Rhode Island, Estados Unidos, em 1867. Walker cultivou um estilo que envolvia o caprichoso e o didático, com o objetivo de entreter e instruir as mentes jovens. Grande parte da escrita de Walker está encapsulada em sua deliciosa coleção de histórias para dormir intitulada 'The Sandman's Hour: Stories for Bedtime', que foi publicado em 1916 e despertou a imaginação de inúmeras crianças ao longo das gerações. Nesta antologia, Walker exibe uma propensão para elaborar contos imbuídos de um senso de admiração e lições morais, adaptado para mandar as crianças dormir com sonhos inspirados em suas proezas narrativas. Seu estilo literário muitas vezes espelha a tradição oral de contar histórias, com uma qualidade lírica que ecoa a atemporalidade dos contos populares. A abordagem sutil de Walker ao tecer contos que falam tanto da inocência da juventude quanto da sabedoria buscada pelas mentes em crescimento tornou suas obras clássicos duradouros no domínio da literatura infantil. Embora informações biográficas detalhadas sobre Walker sejam relativamente escassas, seu corpo de trabalho continua a falar de seu legado como autora cujas histórias embalaram e inspiraram, muito parecido com o Sandman homônimo de seu livro mais conhecido. Faleceu em 1951.

Fontes> Abbie Phillips Walker (EUA, 1867 - 1951). Contos para crianças. 
Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

sexta-feira, 28 de março de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 29 *

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JOSÉ FELDMAN, poeta, escritor e gestor cultural nasceu em São Paulo, mas se radicou no Paraná desde 1999. Trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas em São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos. Diretor cultural. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, Assina seus escritos pela cidade de Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Newton Sampaio (O cântico)

| I |
Eu amo a luta, transfiguradora e fecunda, em seus agudos instantes de plenitude.

Eu amo, eu amo a luta como se me apresenta, quando a vida me sorri, e quando a vida me castiga. Porque a luta tem a beleza intrínseca, como a fonte tem a água e o sol tem a luz.

| II |
Eu não gosto do céu nessas noites macias em que a lua romântica vai tecendo madrigais a seu amante milenário.

Eu gosto do céu quando o sol faz doer os olhos dos homens atrevidos.

Eu gosto do céu quando o céu enche o mundo de claridades que deslumbram.

| III |
Eu não gosto do mar quando as ondas só fazem carícias à praia brancacenta.

Eu gosto do mar quando o mar é fúria desencadeada enchendo o ar com estrondejamentos de apocalipse.

| IV |
Eu não gosto do vento quando a folhagem apenas baila um bailado pequenino.

Eu gosto do vento quando os cedros descrevem curvas penosas, e toda a floresta fica gemendo na devastação absoluta.

| V |
Eu vejo refrações magníficas na pele de trabalhadores que suam em trabalhos rudes.

Eu me sinto orgulhoso quando minha própria fronte é um só porejar abundante.

Eu bebo meu suor sem nojo, como os selvagens deglutem religiosamente os restos de seus guerreiros mortos.

| VI |
Eu bendigo o rosário de inquietações que o destino me concedeu, porque por essas contas se há de medir a força de minha mocidade.

Eu bendigo os golpes com que o mundo me faz sofrer, porque esses golpes estão pondo à prova as energias de meu espírito.

Eu bendigo, eu bendigo a sanha dos que me combatem e a impiedade dos que me odeiam, porque, com esse ódio e com esses combates, incendiarei substâncias novas do meu ser.

| VII |
Eu abomino as horas longas e largadas; porque nas horas largadas e longas, não se erguerão as catedrais imperecíveis.

Eu fujo do silêncio porque o silêncio é mensagem da noite e a noite é ausência do Sol.

| VIII |
Eu não quero morrer na posição que todos ensaiam, no fim do dia.

Eu quero morrer varando o azul em saltos incríveis. Ou rasgando o chão pela força de velocidades inauditas. Ou sentindo, no fundo da vida, onomatopeias de sangue gorgolejando, de todas as carnes se abrindo...

| IX |
Porque o cântico do homem novo é um cântico de guerra.

Escreve a última frase, larga a caneta. Chega-se à janela e respira fundo, deliciado.

Consulta o relógio.

— Tão cedo! Podia passar tudo a limpo, agora. Reflete.

— Não. De noite é melhor

Arruma o cabelo, prepara o nó da gravata, enquanto relê os períodos mais importantes.

— Modéstia à parte, esse negócio está bem passável. Só que me saiu um tanto bolchevista. Mas não faz mal. De vez em quando se deve assustar os burgueses...

Veste o paletó. Examina-se ao espelho. Sai do quarto assobiando um samba vitorioso.

Na sala de jantar, Clarita estuda um figurino.

— Que é isso? Tomando vento nas costas? Não tem medo de uma pneumonia?

— De uma não. Só de duas.

— Engraçadinha!

Fecha a porta do corredor.

— Onde está meu guarda-chuva?

— Pra que guarda-chuva?

— Ora, pra quê...

— Com esse tempo firme?

— Tempo firme, nada! Então eu não conheço este Rio de Janeiro?

Mira-se no espelho da étagère (estante). E recomenda:

— Não discuta mais com seu Gonçalves, ouviu? Não quero nenhuma encrenca com vizinhos.

(Eu amo a luta, transfiguradora e fecunda...)

— Mas o rádio do português é insuportável, Raimundo.

— Embora.

— Você fala assim porque não passa o dia inteiro em casa, como eu.

Não retruca. Faz o último exame no traje.

— Bem. Vou indo.

— Há mais tempo.

Ganha a rua. Um automóvel passa chispando. Tapa o nariz com o lenço, por causa da poeira.

— Maluco!

Espera que o sinal fique bem aberto, antes de atravessar.

— Vou eu aí quebrar a cabeça, por imprudência...

(Eu quero morrer varando o azul em saltos incríveis).

Perto do poste de parada, os homens da Companhia trabalham ruidosamente. Um negro exibe ao sol o dorso nu. Sua em bica.

— Xexéu safado!

(Eu vejo refrações magníficas na pele de trabalhadores...)

O veículo não tarda.

— Fazem um barulho, estes bondes...

(Eu fujo do silêncio porque...)

Procura lugar, pedindo licença a meio mundo. Senta-se.

A perspectiva de mais um inútil dia de repartição lhe dá certa melancolia. Conforta-o, entretanto, o acontecimento da nova página.

O bonde faz a volta da rua Bambina, e Raimundo dos Santos Filho começa a recapitular, inteiramente absorto, o “Cântico do Homem Novo”.
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NEWTON SAMPAIO natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
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Marcelo Spalding (O uso de pseudônimos para o escritor)

A escolha do nome para um escritor parece simples, mas não é. Muitos alunos entram em crise existencial na hora de escolher o nome para sua primeira participação em coletânea. Eu mesmo só adotei de vez o Marcelo Spalding no meu segundo livro (meu nome completo é Marcelo Spalding Perez, e meu pai não ficou muito feliz de eu ter aberto mão do nome Perez).

Mas há casos que são mais complicados do que uma simples escolha de sobrenome: quando a pessoa não quer ser identificada e escolhe usar um pseudônimo.

Eu diria que há dois casos de pseudônimos: o primeiro é quando a pessoa escolhe o pseudônimo por uma questão comercial, como uma marca. Ela acredita que o pseudônimo vai ser melhor do que usar o nome dela pessoal, às vezes até as pessoas ao redor já conhecem ela por esse pseudônimo. Tony Ramos, por exemplo, é o pseudônimo do grande ator chamado Antônio de Carvalho Barbosa. O nome de nascimento da Xuxa é Maria da Graça Meneghel. E por aí vai, são pessoas que adotam esse nome artístico como sendo seu. Caso ela vá criar uma rede social, vai criar com nome artístico, as pessoas do seu convívio social a conhecem com nome artístico, então este caso é um uso de pseudônimo em substituição ao nosso nome original.

Outro caso é quando a pessoa não quer ser identificada pelos leitores, quer usar um pseudônimo para não misturar sua carreira de escritora com sua vida pessoal, profissional ou acadêmica, pois acredita que terá prejuízo em caso de misturá-las. O caso mais famoso é o de Fernando Pessoa, que foi além e criou os heterônimos (personalidades próprias para cada pseudônimo que usava).

Hoje, em tempos de rede social e grande interesse pela figura do autor, por vezes maior do que pela obra, acredito que um autor iniciante só deve usar esta estratégia quando o trabalho que faz ou a vida que ela leva é incompatível com a produção literária que vai produzir. Por exemplo, uma professora de escola infantil que planeja publicar romances de literatura erótica. Ou uma pessoa que trabalha em uma posição vulnerável, como promotor de justiça ou repórter investigativo, e não costuma aparecer em redes sociais por questões de segurança. Mas são situações muito específicas, não é a regra.

Mais comum é que a pessoa opte por preservar sua identidade por medo da reação de colegas, amigos ou familiares a seu tipo de literatura. Sim, a pessoa pode em uma empresa, universidade ou até por questões familiares ou religiosas ficar pouco à vontade de tratar alguns temas que ela trataria na sua literatura, mas não no seu dia a dia. A pessoa pode estar disposta a escrever sobre sua sexualidade, por exemplo, mas não querer discutir esse tema em círculos pessoais, por exemplo. São casos em que criar um pseudônimo paralelo na nossa vida civil nos deixa mais confortáveis.

Não é uma decisão fácil porque não se trata apenas da escolha de um nome, vai afetar, por exemplo, a escolha do nosso perfil nas redes sociais (fundamental para divulgarmos nosso trabalho como escritor). Sempre digo que o ideal é usar o perfil do Instagram que a pessoa já tem, o ideal é usar o nome que a pessoa já é conhecida. Como essa escolha de Marcelo Spalding ou Marcelo Perez eu fiz com 16, 17 anos, estava começando, foi tranquilo escolher usar o Spalding e não usar o Perez. O meu irmão já é conhecido como Perez no banco onde ele trabalha há muitos anos, se de uma hora para outra ele quiser trocar o nome de Perez para Spalding, vai complicar a vida dele.

Então trocar esse nome no meio do caminho é confuso, mesmo que a pessoa não esconda seu rosto, mesmo que a pessoa não tenha algum desses dilemas mais sociais ou políticos envolvidos. Desde adolescente eu tenho gente que me deu aula quando era criança, que me acompanha em rede social, compra meus livros, então a gente traz uma história toda quando a gente começa a produzir literatura, e usar o nome pelo qual se é conhecido desde sempre ajuda muito. Especialmente, claro, quem tem algum nome forte para isso.

Há pessoas que têm nomes um pouco mais comuns. Eu tive uma aluna chamada Paula Fernandes, por exemplo. Quando ela colocava no Google o nome dela, só aparecia a cantora Paula Fernandes. Quem tem nomes que combinados funcionam como um nome específico, um nome sem tanta gente assim conhecida, um nome que no Google ainda consegue aparecer nas primeiras posições, com o qual no Instagram consegue ter um perfil, de preferência a ele.

Cuide apenas que você se sinta à vontade com esse pseudônimo, afinal o que se deseja é que sua carreira prospere e você precise lidar com ele por um longo tempo.
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MARCELO SPALDING é de Porto Alegre/RS, jornalista, professor, escritor e editor, com 8 livros individuais publicados e mais de 120 livros editados. Professor de oficinas de Escrita Criativa presenciais e online desde 2007, fundou e dirige a Metamorfose Cursos. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor e mestre em Letras pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras. Ex-professor universitário, atuou como professor de Escrita Criativa e Jornalismo na graduação e no PPG Letras da UniRitter, além de coordenar o Pós-graduação em Produção e Revisão Textual e a Editora UniRitter. É idealizador do Movimento Literatura Digital, editor dos sites minicontos.com.br e escritacriativa.com.br e autor do livro Escrita Criativa para Iniciantes, além de ter criado o primeiro jogo de tabuleiro de Escrita Criativa do Brasil.

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quinta-feira, 27 de março de 2025

Adega de Versos 142: Washington Daniel Gorosito Pérez

 
 

Eduardo Martínez (Boteco do Paulete)

Sabe aquela sensação de que algo entrou no ouvido? Não bobagens que entram e saem, mas algo concreto. Digo, concreto no sentido palpável, não massa de cimento para chapiscar paredes. Zumbido! Lembrei! Eis o verbete.
 
— Isso é coisa de velho, Adamastor.

Tal diagnóstico foi proferido por Paulo, vulgo Paulete, dono do boteco perto do meu apartamento. Grande sujeito, anda com um pano de prato no ombro esquerdo, que usa como arma para tirar a poeira ou, então, acertar as moscas que cismam em pousar sobre o balcão. Mas não se engane, pois o sujeito, além de otorrinolaringologista, é desinibido ao ponto de prescrever medicamentos apropriados para qualquer depressão, inclusive dor de cotovelo, aquela mesma que costuma ser proveniente do coração.

— Adamastor, tenho uma cachacinha da boa, que vai resolver seu problema. Basta colocar algumas gotinhas de limão e mel a gosto. Dois goles curtos a cada cinco minutos durante duas horas sentado naquele banco mais ao fundo. 

— Mas resolve mesmo, Paulete?

— Ô, Adamastor, tá duvidando?

Isso aconteceu quando a Judite... Ah, Judite, por que me abandonastes? O que o Gilmar tem que eu não tenho? Dinheiro? Tem razão. Mas e o amor? Onde é que fica o amor?

Tempos de Judite. Por onde será que anda a mulher? Soube que largou o Gilmar, pois vi o gajo, não faz muito tempo, recebendo o mesmo tratamento que recebi. O gajo parece que ficou pior do que eu, pois a medicação durou quase dois meses pelas madrugadas adentro no boteco do Paulete.

Frequento o local por praticidade, já que é quase extensão do meu ser. A cerveja é sempre gelada, o tira-gosto não é dos melhores, mas a freguesia, tirando um ou outro chato de galocha, não é das piores. 

— Paulete, desce aquela gelada!

— Ô, Plínio, tu pensa que sou trouxa, é?

Plínio, um dos tais malas, tem fama de caloteiro. Não que não pague, mas parece que possui certo preconceito em meter a mão no próprio bolso, ainda mais quando vislumbra a menor possibilidade de fiado. Meu vizinho de porta, não raro, me pede uma xícara de café ou açúcar. Ainda menos raro, pede as duas. 

Teófilo é um dos ilustres frequentadores do bar do Paulete. Um tipo vulgar, que poderia facilmente ser confundido com qualquer outro vira-lata das redondezas. Convive pacificamente com Napoleão, felino de hábitos ociosos como muitos de sua espécie. Não há quem nunca os tenha visto dividindo um ovo colorido, generosamente ofertado pelo dono do estabelecimento, que tem o costume de fazer certas confidências aos dois.

— Se a clientela fosse que nem vocês, aqui seria uma paz completa.

 Carol, mulher com certos atrativos, não sai do local. Tem até mesa cativa, onde lhe é servido café ou guaraná, dependendo da hora do dia. Seu sonho parece que era ser veterinária, mas o vestibular tem lá suas artimanhas. Não conseguiu entrar na faculdade, o que não a impediu, de certo modo, trabalhar com 25 espécies diferentes de animais.

Acredita que o zumbido voltou? Isso, aliás, estava me consumindo. Imaginei até que a coisa pudesse desandar para algo mais grave. Pensando no pior, fui me consultar com o Paulete.

— Ô, Adamastor, já falei que não pode misturar remédio pra labirintite com álcool. Você vai acabar dormindo de novo aqui no meu boteco.

Diante da recomendação, voltei para meu cafofo, onde passei o dia deitado. Afinal, não dá para contrariar o doutor.
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EDUARDO MARTÍNEZ possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

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José Feldman (Dilema)

 

Hans Christian Andersen (Cinco grãos de uma só vagem)

Eram cinco ervilhas dentro de uma vagem. Eram verdes, e a vagem era verde. Por isso, pensavam que todo o mundo era verde, no que tinham toda a razão: para elas, de fato, o era. 

A vagem foi crescendo, adaptando-se ao espaço de sua moradia. Formavam uma fila perfeita. O Sol brilhava lá fora e aquecia a vagem. A chuva tornava-a transparente, dentro dela era quente e agradável, era claro durante o dia e escuro à noite, como deve ser. As ervilhas foram aumentando de tamanho e pensando cada vez mais, pois alguma coisa tinham de fazer. 

- Teremos de ficar sempre aqui dentro? - conjeturavam - tomara que não nos tornemos duras de tanto ficar aqui. Sentimos que deve existir alguma coisa lá fora... 

Passaram-se as semanas. As ervilhas se tornaram amarelas, e amarela a vagem se tornou. 

- O mundo todo está ficando amarelo - disseram. Que mais haveriam de dizer? 

Um dia, ouviram bulha na vagem. Esta foi arrancada, foi ter a mãos humanas, e depois a um bolso de paletó, em companhia de várias outras vagens cheias. 

- Logo a vagem será aberta... - disseram as ervilhas, e ficaram esperando. 

- Quem me dera saber agora qual de nós irá mais longe na vida - disse a menor delas - logo o veremos. 

- Aconteça o que tem de acontecer! - disse a maior. 

- Crac! - a vagem fendeu-se, e todas as cinco ervilhas saíram rolando, à clara luz do dia. 

Achavam-se na mão de um menino, que declarou serem elas ótimas ervilhas para o seu canhãozinho. Imediatamente uma delas foi para o canhão, e foi atirada. 

- Lá vou eu, voando pelo mundo afora! Pega-me, se puderes! - gritou a Ervilha. 

E desapareceu ao longe. 

- Eu - disse a segunda - voo diretamente ao Sol, que é uma verdadeira vagem de ervilhas e me serve muito bem. 

E sumiu. 

- Nós dormiremos onde chegarmos - disseram as duas outras - mas havemos de rolar para diante. 

E antes de irem para o canhão, saíram rolando pelo solo. Mas, apesar disso, sempre chegaram ao canhão. 

- De todas, nós é que iremos mais longe - garantiram. 

- Que aconteça o que tem de acontecer! - disse a última. 

Foi atirada ao ar, e voou até uma tábua, embaixo da janela de uma água-furtada, indo cair numa fenda onde havia musgo e terra úmida. O musgo tornou a fechar-se, e lá ficou ela, esquecida de todos, mas não por Deus. 

- Que aconteça o que tem que acontecer! - repetiu. 

Na água-furtada morava uma mulher pobre que saia todos os dias para o trabalho. Limpava lareiras, cortava lenha, e fazia outros trabalhos pesados, pois tinha forças e era muito trabalhadora. Mas era pobre, e pobre continuava. Em casa, no quartinho, jazia sua filha única, já mocinha, muito franzina e delicada. Estava de cama, enferma, já havia um ano inteiro, e parecia não poder viver nem morrer. 

- Ela irá ter com a irmãzinha - dizia a mulher - tive duas filhas e bem duro me era cuidar de ambas. Deus dividiu então o trabalho comigo, e tomou uma para si. Agora, eu gostaria de ficar com a única que me resta, mas Deus, com certeza, não as quer ver separadas, e ela irá para junto de sua irmãzinha. 

Mas a menina doente continuava a viver. Ficava deitada o dia inteiro, muito paciente e quieta, enquanto a mãe andava fora, tratando de ganhar alguma coisa. 

Era primavera e um belo dia, pela manhã bem cedo, quando a mãe ia sair para o trabalho e o sol entrava radiante pela janelinha, a menina doente olhou para a vidraça de baixo. 

- Que será aquilo ali, junto à vidraça? Uma coisa verde, que se mexe com o vento... 

A mãe foi até a janela e entreabriu-a. 

- Vejam só! - disse ela - é um pézinho de ervilha que nasceu aqui. Como terá o grão vindo parar nesta fenda? Terás um jardinzinho para olhar. 

A cama da doente foi mudada mais para perto da janela, onde ela podia ver a ervilha que brotava. A mãe foi para o trabalho. 

- Mãe, creio que vou sarar - disse a menina, à noitinha - hoje o sol foi tão bom para mim! O pézinho de ervilha vai bem, e também eu hei de um dia ir bem, podendo sair ao Sol. 

- Tomara que isso aconteça - disse a mãe. 

No fundo, porém, ela não acreditava que tal coisa acontecesse. Todavia, deu à verde plantinha, que infundira na filha nova alegria de viver, uma varinha, como tutor, para que o vento não a partisse. Esticou um barbante, da tábua ao alto do caixilho da janela, para que o ramo da ervilha tivesse onde se apoiar e se agarrar com suas gavinhas, quando soubesse. E a planta foi crescendo, crescendo. Dia a dia via-se a diferença de tamanho. 

- A ervilha já está dando flor! - disse a mulher, um dia, pela manhã. 

Também ela começou a ter fé e esperança em que a menina doente muito em breve se restabelecesse. Ocorreu-lhe que, nos últimos tempos, a filha falara com mais vivacidade, se erguera da cama e ficara sentada, fitando com olhos brilhantes o seu pézinho de ervilha. Na semana seguinte, a doente, pela primeira vez, esteve de pé por mais de uma hora. 

Ficou sentada, tomando Sol. A janela estava aberta, e via-se lá fora, inteiramente desabrochada, uma flor de ervilha, branca e vermelha. A menina inclinou a cabeça e beijou de leve as pétalas. 

Aquele dia foi para ela um dia de festa. 

- Foi Deus que a plantou e a fez crescer, para dar-te esperança e alegria, minha abençoada filha, e a mim também - disse a mãe, feliz, sorrindo para a flor, como um anjo vindo de Deus. 

Mas voltemos às outras Ervilhas. A que saíra voando pelo vasto mundo - "Pega-me se puderes" - caiu numa calha d'água e foi parar no papo de uma pomba, onde ficou, como Jonas na baleia. As duas indolentes não ficaram atrás: foram também comidas pelas pombas, o que é de muita utilidade. Mas a quarta, que queria ir até o Sol, caiu na sarjeta, onde ficou durante dias e semanas, mergulhada nas águas servidas. Com isso, inchou: 

- Estou engordando que é uma beleza - disse a ervilha - vou acabar rachando. Não creio que outra ervilha possa chegar onde já cheguei. Sou a mais notável das cinco que nasceram na Vagem. 

E a sarjeta confirmou. 

Junto à janela da água-furtada, entretanto, a menina, com olhos brilhantes, e já com sinais de saúde nas faces, juntou as mãos sobre a flor de ervilha e agradeceu a Deus por tê-la encontrado. 

A sarjeta, porém, repetia: 

- Fico com a minha Ervilha.

Fontes:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público
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