Outros contistas, ou poetas e romancistas que também se aventuraram a escrever contos na época do Centro Literário, são:
Francisca Clotilde (Tauá, 1862-Fortaleza, 1932) reuniu suas estórias curtas numa Coleção de Contos, saída a lume em 1897, com prefácio de Tibúrcio de Oliveira. Deixou também o romance A Divorciada. Montenegro observa que nas narrativas da escritora “os assuntos são tratados com bastante trivialidade”.
Ana Facó (Beberibe, 1855-Fortaleza, 1922), romancista, contista, teatróloga, poetisa e memorialista, deixou Minha Palmatória, livro de histórias curtas, e outros.
José Carlos Júnior (Paraíba, 1860-Fortaleza, 1896) pertenceu à Padaria Espiritual, ao Clube Literário e à Academia Cearense, da qual foi um dos fundadores. Deixou poemas e contos esparsos. Na lição de Braga Montenegro, os contos de José Carlos Júnior são “todos sem maior valia, de um rudimentarismo de expressão em nada coadunável com sua elevada cultura lingüística”.
Rodolfo Teófilo (Bahia, 1853-Fortaleza, 1932), também membro da Padaria, escreveu “contos científicos”, como informa Sânzio. Publicou inúmeras obras, entre elas o romance A Fome. Braga ensina: As composições curtas de Rodolfo Teófilo “conservam uma sobriedade de estilo bastante louvável para o tempo”. Sânzio, no entanto, acredita que o autor do romance Brilhantes não chegou “a ocupar a primeira plana no terreno do conto”. As peças estampadas no jornal A Quinzena foram enfeixadas em volume sob o título Ciências Naturais em Contos (1889). Assevera, ainda, o estudioso da Padaria Espiritual: “Posteriormente, irá Rodolfo Teófilo reunir outras páginas de ficção num livro a que dará o título da narrativa inicial, ou seja, O Conduru (1910)”.
Da mesma época do Clube Literário é um dos maiores nomes da literatura cearense, Domingos Olímpio (Sobral, 1850-Rio de Janeiro, 1906), o criador do romance Luzia-Homem, autor de diversas histórias curtas, estampadas em jornais de Belém, Pará, e do Rio de Janeiro. Braga Montenegro se refere a uma “produção abundante e já destinada a compor um volume” de contos, o que Sânzio desconhece. Menciona apenas “O Redivivo”.
Passando à Padaria Espiritual, são lembrados alguns nomes. O primeiro deles é Antônio Sales (Paracuru, 1868-Fortaleza, 1940), poeta, romancista (Aves de Arribação), teatrólogo e contista. Considerava-se o idealizador da Padaria Espiritual.
Eduardo Sabóia (Fortaleza, 1876-1918), autor de Contos do Ceará (1894), com introdução de Antônio Sales, pertenceu à Padaria e ao Clube Literário. É “o mais representativo” contista deste grupo, na opinião de Braga Montenegro.
José Carvalho (Crato, 1872-Rio de Janeiro, 1933), “estudioso do Folclore e da História”, “cultivou a ficção e a poesia descritiva ao tempo da Padaria” (Sânzio). Teve impresso em 1897 Perfis Sertanejos, de contos, além de outras obras.
Artur Teófilo (Granja, 1871-Fortaleza, 1899) é autor de várias composições ficcionais curtas. “Contista, de feição realista, divulgou várias produções suas pelo jornal da Padaria, como ‘A morte da avó’, ‘Tísica’, ‘O exame primário’ e ‘O caso do sargento’” (Sânzio). Entre os contistas da Padaria Espiritual é ele, talvez, o nome mais singular. Braga Montenegro e Sânzio de Azevedo lhe dão destaque. Para o Barão de Studart, trata-se de “um dos mais talentosos moços da Padaria Espiritual, salientando-se como conteur”. E acrescenta Sânzio: “Os contos de Artur Teófilo são o que de melhor no gênero encontramos nas páginas d’O Pão”.
Lopes Filho (Fortaleza, 1868-1900), “autor do primeiro livro simbolista cearense, Phantos (1893)” (Sânzio), também escreveu histórias curtas.
José Maria Brígido (Itapipoca, 1870-Paranaguá, Paraná, 1923) teria deixado inéditos os livros Dilúculos, de poesia, e Contos (Sânzio).
Cabral de Alencar (Baturité, 1877-Fortaleza, 1915) “publicou contos e fantasias no jornal da Padaria” (Sânzio), à qual pertencia. Na revista Fortaleza, em 1907, estampou “Expiação”, “no qual sobressaem a beleza artística, a expressão quente e vibrante, a intuição psicológica” (Dolor Barreira).
José Nava (Fortaleza, 1876-Rio de Janeiro, 1911), pai de Pedro Nava, escrevia contos, fantasias e poemas. Pertenceu à Padaria Espiritual, segunda fase.
Antônio Bezerra (Quixeramobim, 1841-Fortaleza, 1921), do Clube Literário e da Padaria. Mais dedicado à poesia, depois à História e à Geografia, também escreveu narrativas curtas.
Ulisses Bezerra (Arneirós, 1865-Fortaleza, 1920), da Padaria, publicou peças ficcionais curtas em jornais e teria deixado “inédito um volume de crônicas e fantasias”, intitulado Páginas Soltas (Sânzio).
Roberto de Alencar (1879-1898) também escrevia contos. Deixou inédito o livro Mignones.
Ainda no final do século 19 surge o Centro Literário, onde despontam alguns contistas:
Leonidas e Sá, autor de “O Caninha Verde”, estampado no primeiro número do jornal Iracema.
Viana de Carvalho, que publicou no mesmo periódico “A Lição de Italiano”.
Soares Bulcão (São João de Uruburetama, 1873-Fortaleza, 1942), escreveu poemas, estudos sobre política e história e alguns contos. Dolor cita “A prece do Jaguaribe”, “O doido do Barriga”, “O fratricídio de Pedra d’Água”, “O dobrado”, “Desiludido”, “A cruz das almas”, “O enforcado de Itaitinga” e “O doido do Capeba”, alguns deles publicados na revista Iracema, de 1896.
Quintino Cunha (Itapajé, 1875-Fortaleza, 1943), poeta e contista. Autor do livro Diferentes (1895) e outros de poesia.
Pedro Muniz ou Moniz (Aracati, 1866-Fortaleza, 1898), poeta, crítico literário e contista, é autor de dois livros de poesia, uma novela e contos. Estampou no Iracema “A Flor da Grinalda” e “Estupro”.
Fernando Weyne (Paraguai, 1868-1906) viveu, escreveu e morreu no Ceará, tendo deixado vasta obra literária, embora, no dizer de Sânzio, no ensaio O Centro Literário, de 1973, “de sua bagagem literária, numerosa e variada, apenas foi publicado, ao que tudo indica, um livro de contos, Miudinhos (1895)”.
Papi Júnior, nascido no Rio de Janeiro, em 1854, escreveu toda a sua obra no Ceará, onde faleceu em 1934. Braga assinalou: “Papi Júnior, cujo estilo revesso, tumultuário e erudito, tanto prejudicara um grande romance como O Simas, escreveu contos de contagiante emoção artística, destacando-se entre eles o intitulado “Cruz das Malvas”, premiado num concurso em São Paulo, que sugere a riqueza ambiencial das melhores páginas de Bret Harte”. Quatro de suas histórias curtas foram reunidas no livro Contos, publicação da Academia Cearense de Letras, 1954. As narrativas reeditadas são “As Pastilhas do Imperador”, “A Rosa do Curu”, “A Partida” e “Os Exorcismos”. No prefácio (sem autor nomeado) está anotado: “A sua capacidade descritiva é uma riqueza, quase uma orgia de palavras, que chegam exatamente no momento e se enluvam na descrição, como se fosse mágico pincel traçando as linhas e as cores mais fiéis do retrato ou da paisagem – acentuou Raimundo Girão. Às vezes o estilo se rebusca e encrespa, mas não vai ao abuso, antes conduz o descritivo à desejada acentuação, num calidoscópio de deslumbramento. Quer na tradução das situações psicológicas, intimamente humanas, dramáticas ou felizes, quer no apanhar o natural, trazendo aos olhos do leitor toda a exuberância dos panoramas ou das coisas que descreve”.
No dizer de Sânzio, ele “não chegou, em nenhum dos seus contos que conhecemos, à altura de sua obra-prima, o romance O Simas, de 1898, o que não significa seja apagado seu vulto no panorama do conto de nosso Estado”.
Também escreveram contos naquele período:
Frota Pessoa (Sobral, 1875-1951), poeta, polemista, pedagogo, sociólogo e contista, teve o primeiro conto premiado em concurso da Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, onde morava, no final no século 19. (Girão) Publicou “Romântica”, no Iracema.
Álvaro Martins (Trairi, 1868-1906), um dos criadores da Padaria e do Centro Literário, poeta, editou alguns livros. No jornal Iracema teve publicado “O Cravo Roxo do Diabo”.
José Gil Amora (Fortaleza, 1883-1920), poeta e contista, “escreveu contos de sabor à Álvares de Azevedo” (Girão). Não deixou livro publicado. Na opinião de Dolor Barreira, era “dotado de notável pendor para essa modalidade de literatura amena, especialmente na sua feição humorística, publicou, naqueles referidos anos, os seus contos Uma Entrevista dos Diabos, O Recitativo (conto cearense), O Tuberculoso, O Carnaval, Um como há muitos e O orador”, insertos no jornal A Jangada.
Tomás Lopes (Fortaleza, 1879-Suíça, 1913), cronista, poeta e contista, autor de livros de poemas, crônicas, um romance e quatro volumes: Histórias da vida e da morte (1907), Um coração sensível (idem), Caras e corações (1910) e O Cisne Branco (1918).
Oscar Lopes, irmão de Tomás, nasceu em Fortaleza (1882). Teatrólogo, poeta, conferencista e contista, escreveu diversos livros, entre eles os volumes Livro Truncado (1912), Seres e Sombras (1920) e Maria Sidney (s/d). Faleceu no Rio de Janeiro, em 1938. (Antologia Cearense, Raimundo Girão)
Manuel Miranda (Granja, 1887-Rio de Janeiro, 1955), autodidata, fundou jornais, nos quais publicou versos e narrativas. Deixou os livros Ceará por Dentro (contos regionais), Cousas que Acontecem (1926) e Diário de Geny. Sua prosa ficcional “é de feição e cunho realista”, escreveu Dolor Barreira. E completa: “Pode mesmo dizer-se que eram casos da vida real – da vida de cada dia –, fatos por ele testemunhados e vividos, que o contista retratava e nos transmitia”.
Olímpio da Rocha (Fortaleza, 1868) colaborou em A Quinzena e publicou livros de poemas e pelo menos um de contos: Cousas do Meu Tempo. (Girão)
Soriano Albuquerque (Água Preta, Pernambuco, 1877- Fortaleza, 1914), poeta, escreveu Volatas.
Álvaro Bomílcar (Crato, 1874-Riode Janeiro, 1957) é autor do livro Graciosa (1901), composto de um conto e poemas. (Dolor)
José Pereira Martins publicou Isaura, de contos, em 1898. (Dolor)
Marcolino Fagundes mostrou histórias curtas no Iracema: “A Louca do Rochedo”, “O Xavier (conto humorístico)” e “Bolhas de Sabão”.
Joaquim Carneiro expôs no mesmo jornal “Visão de Salomé” e “Laranjeira”.
Francisco Carneiro, autor de “Alma Pura”, apresentado no jornal Iracema.
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O nome mais conhecido na Literatura Cearense no período da Padaria Espiritual é o de Adolfo (Ferreira) Caminha. Nasceu em Aracati, no dia 29 de maio de 1867, filho de Raimundo Ferreira dos Santos Caminha e Maria Firmina Caminha, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1897. Aos 13 anos de idade é levado para o Rio de Janeiro, matriculando-se, três anos depois, na Escola de Marinha. Em 1887 publicou na Gazeta de Notícias “A Chibata”. Deste ano são os seus primeiros livros: Vôos Incertos, de versos, e Judite e Lágrimas de um Crente, de prosa de ficção. Regressou a Fortaleza no ano seguinte e em 1889 ajudou a fundar o Centro Republicano. Dois anos depois criou a Revista Moderna e no ano seguinte participou da fundação da Padaria Espiritual. Regressou ao Rio de Janeiro no final de 1892 e um ano depois fez editar seu primeiro romance, A Normalista. Outro livro, No País dos Ianques, é de 1894. No ano seguinte saíram do prelo Cartas Literárias, de crítica, e Bom-Crioulo, romance. Em 1896 escreveu Tentação, seu último romance. Deixou algumas obras inéditas, entre elas Pequenos Contos. Sua mais completa biografia é de autoria de Sânzio de Azevedo: Adolfo Caminha (Vida e Obra). Sempre lembrado como o criador de romances exponenciais do naturalismo, como A Normalista e Bom-Crioulo, escreveu peças ficcionais de alta qualidade. De seus contos somente 11 foram reunidos em livro, em 2002, por Sânzio de Azevedo, sob o título Contos, pela Editora da UFC.
Segundo Sânzio, no ensaio “Uns Poucos Contos”, do livro Adolfo Caminha (Vida e Obra), o autor de Tentação teria deixado 15 contos, informação colhida em Gastão Penalva: “Velho Testamento”, “A mão de mármore”, “Pesadelo”, “Minotauro”, “O exilado”, “Flor do vício”, “A última lição”, “Estados d’alma”, “No convento”, “O beijo”, “Elas”, “O grumete”, “Joaninha”, “Amor de fidalgo” e “Vencido”. Destes, somente 11 foram reunidos em livro, em 2002, por Sânzio de Azevedo, sob o título Contos, pela Editora da UFC, precedido de um ensaio do mesmo estudioso: “Onze Contos de Adolfo Caminha”.
Na primeira narrativa o protagonista divide o espaço e o tempo com Virgínia. O espaço do presente (momento da narração) é uma sala, um atelier de escritor, e nele um quadro pintado, representando um busto de mulher. O protagonista fuma charuto, vê a pintura e relembra momentos de sua juventude. Num segundo momento as duas personagens passeiam, a cavalo, pelo campo. Virgínia se sente mal, tem febre, está prestes a morrer. No entanto, o narrador surpreende o leitor, ao revelar – no desfecho – tratar-se de um sonho.
Dos onze contos, apenas três são narrados na primeira pessoa; os outros, na terceira: “Minotauro”, “O Exilado”, “A Última Lição”, “Estados d’alma”, “No Convento”, “Elas...”, “Joaninha” e “Amor de Fidalgo”. A primeira pessoa é sempre homem, como o sonhador apaixonado de “Velho Testamento”, o narrador-testemunha de “A Mão de Mármore” e o também sonhador de “Pesadelo”. As mulheres de Caminha são sempre sofridas. Também os homens são sofridos, atolados no passado, nas dores do amor. Como o Plínio Varela, de “Amor de Fidalgo”, abandonado pela amante e no dia seguinte encontrado “no meio da rua, sem pinta de sangue no rosto, sujo de lama, imundo, como o mais vil dos bêbados”. Elas morrem cedo, doentes, enfraquecidas, como a Virgínia da primeira marrativa, que, num passeio à floresta, diz sentir “um vulcão dentro de mim” e, logo depois, o narrador a vê com “um brilho estranho nos olhos, fria, gelada...”
Amor e morte caminham juntos, fazem parte do mesmo enredo, às vezes macabro, como em “A Mão de Mármore”. Talvez se possa classificar também macabro “No Convento”, com a morte misteriosa do noviço Oscar de Miranda, que enlouquece e morre a jorrar sangue pela boca.
Quando não é a morte propriamente dita, é a sua antecessora: a desilusão amorosa a ferir a mulher de tristeza, solidão, num casamento feito de amarras, como em “Elas...”
O enredo no contista Adolfo Caminha às vezes é frouxo, esgarçado, como no “Minotauro”. Um triângulo amoroso como muitos outros, especialmente no romantismo. Já em “A Última Lição” o leitor se depara com um enredo mais rico, mais entrançado e, ao mesmo tempo, mais sutil, a lembrar o Machado de Assis de “Uns Braços”. Outras vezes nem se percebe enredo, como em “Pesadelo”. Um homem sonha (a história é o sonho ou o pesadelo do narrador) e é acordado pela mulher. O sonho, no entanto, é uma parábola: “a dura realidade dos filósofos é preferível ao sonho, ao sonho azul dos poetas...”
Algumas narrativas curtas de Caminha se situam claramente no Rio de Janeiro. No “Minotauro” o par Cipriano Gouveia e Nicota vivia numa casa no Engenho Novo, sob “o inconstante céu fluminense”, ele afastado do burburinho do centro da cidade, da rua do Ouvidor, “por onde nem sequer passava ao voltar da repartição”. Em “A Última Lição” o casal seguiu, em carruagem, para a Tijuca, onde foi morar. Em “Estados d’alma” Almeida contempla os morros de Santa Teresa, “coqueiros de longas palmas”, “todo esse admirável trecho da natureza fluminense”. E, na descrição da paisagem, vai revelando ao leitor a cidade maravilhosa: “Para lá dos Inválidos, n’outro plano mais elevado, por trás do cemitério de Catumbi, a vista atingia a ponta culminante de uma montanha angulosa e obtusa, varando a transparência do ar lavado: era o nariz do gigante que se vê do mar, o Corcovado, uma espécie de focinho de animal monstruoso farejando as nuvens...” E, já para o final da peça, volta o personagem a “contemplar a paisagem, o Corcovado, o Pão d’Açúcar, a igrejinha da Glória agachada por trás dos morros” (...). Em “Amor de Fidalgo” Plínio Varela instala Carolina Mendes num “esplêndido palacete em Botafogo”. Em outros o leitor poderá também perceber o ambiente da velha corte. Há, porém, “Joaninha”, ambientado no Nordeste, exatamente em Oeiras, Piauí. Leia-se a descrição: “S. José de Arouca, outrora Riachão da Magdalena, ficava a seis léguas de Oeiras, numa eminência, dominando, com o seu belo aspecto de arraial sertanejo, uma vastíssima extensão glauca de floresta virgem, e ao longe, diluindo-se gradativamente num crepúsculo de bruma, trêmulo e desmaiado, o perfil indistinto, o vago contorno da Serra Grande, quase perdida na distância, simbólica e misteriosa como uma esfinge do deserto.” Nas demais histórias Adolfo Caminha preferiu não deixar claro a localização das tramas.
Nessas narrativas há o predomínio da narração sobre a descrição e o diálogo. A narração inicia e conclui todas elas. Umas vezes são narrações de pequenos atos ou gestos. Outras, breves descrições psicológicas. Há também narrações entremeadas de descrições de ambientes. Em alguns casos o início da narração se dá no pretérito perfeito; em outros, no imperfeito.
Adolfo Caminha é narrador contido e fino, como também se observa em “A Última Lição”. Neste, do ponto de vista de narrador onisciente, a narração se faz em blocos superpostos de ações, sempre intercalada de breves e essenciais diálogos. A descrição de ambientes mais uma vez se dá com precisão, sem excesso de detalhes, suficiente para neles, ambientes, enquadrar as personagens.
Naquela peça que é quase um poema – “Pesadelo” – a narração se confunde com a descrição, ou não é uma coisa nem outra. Veja-se o primeiro parágrafo: “Crepúsculo de maio. Nevoento e triste, o feio aspecto da paisagem que meus olhos contemplam numa espécie de abstração enferma, lembra-me, – branca de neve – alvo sudário amortalhando gigantes”. Quase no final o narrador, já acordado, transcreve a única fala, que não é dele, mas da mulher (ausente no sonho): “– Acorda, preguiçoso, olha que é dia! Vamos, levanta!”
Os diálogos são breves e sempre em linguagem literária, muitas vezes erudita, de leitor dos clássicos. Como na primeira ficção, em que o narrador transcreve uma fala de Virgínia e dele: “– Sabes o que me parece isto? perguntei. – Isto o quê? – Este pedaço de floresta abrindo para o mar e nós dois quebrando a monotonia do verde? Faz-me lembrar a primeira página do Velho Testamento...” Mais adiante essa lembrança do paraíso levará o narrador a se referir às cenas do Jardim do Éden, quando Adão e Eva “pecavam no seio da natureza”. Mas tudo em Caminha é tenuidade, como em todos os realistas ainda eivados de romantismo.
Mesmo na composição nordestina, onde Joaninha, a filha do fogueteiro, se pronuncia uma vez, mesmo aí a fala não é a de linguagem oral. A moça, talvez analfabeta, fala assim: “– E o Sr. Vigário por que não vem a Arouca todos os dias?” E completa: “É um passeio... Este povo ama-o tanto...” É certo que somente mais tarde, quando do Modernismo e do Regionalismo, os narradores passaram a incorporar a linguagem oral, especialmente a do campo, nas falas dos personagens.
As descrições de Caminha também não são exageradas, nem extensas. São necessárias ou dão às composições um quê de poético, como se viu nas transcrições de linhas atrás. Assim se vê em “Minotauro”, na descrição do jardim da casa. A natureza em contraste com a cidade, talvez por influência do Eça de A Cidade e as Serras.
Há dois contos singulares no conjunto em estudo. Um, “O Exilado”, pode ser visto como uma narrativa de marinhista e estranha, de ambiente bem diverso daqueles das outras obras. E não somente o ambiente (uma ilha), como o enredo (um homem solitário e um cachorro). Além disso, subdividida em sete flashes ou episódios. A descrição física do protagonista, se é que se pode falar de protagonista, é feita com detalhes. Juan Herrera, o exilado espanhol, é um personagem lendário ou imaginário (em oposição a realista) na ficção de Adolfo Caminha. Também estranha é “No Convento”. E mais uma vez um ambiente diverso dos lugares da maioria dos contos: um convento de frades. O enredo é igualmente singular, embora ainda afeito ao tema predominante no contista – amor e morte. Porém um amor enlouquecido ou envolto em loucura. No entanto, a morte misteriosa.
O desenlace nas peças ficcionais menores (no sentido de extensão) do criador de A Normalista, quando o conflito se dá no terreno do sonho, é o que se verifica na maioria das ficções desse tipo, isto é, o sonhador acorda, como se pode verificar em “Velho Testamento” e “Pesadelo”, dando fim ao drama. Em “A Mão de Mármore”, com seu quê de tétrico, o epílogo, na voz do narrador-testemunha, é a constatação de lágrimas nas faces do protagonista diante da mão de mármore da amante morta. “Minotauro” chega ao fim em breve e irônica narração: “começou a chuviscar”, Gouveia, o marido, se retira do jardim, seguido de Nicota, a esposa, e do amigo Bandeira, braço dado a ela. Nada romântico, um tanto realista. O desenlace em “O Exilado”, já sem a presença do personagem, que, após ver agonizar o cachorro de estimação, saiu a caminhar, “como uma sombra que se esvai, entre as penedias da ilha”, leva o leitor a imaginar uma paisagem marinha que aos poucos se vai desfazendo. O apego à paisagem levou o contista a dar a “Estados d’alma” desfecho inaudito: o protagonista, ao saber da morte do pai, tem reação incomum (“sem uma lágrima no olhar e sem um gesto de dor”, voltou a contemplar a paisagem), e o narrador conclui o conto pintando o “vasto céu sem nuvens”. O final de “A Última Lição” é realista, embora com uns contornos românticos, assim como o de “Elas...” e “Amor de Fidalgo”. O desenlace de “No Convento” e “Joaninha” tem ares naturalistas.
A manipulação da linguagem nesses contos traz a marca do Adolfo Caminha de A Normalista, embora se saiba que no final do século 19 a história curta ainda fosse precariamente cultivada pelos escritores brasileiros, à exceção de Machado de Assis. Se Caminha não alcançou o grau de mestre na ourivesaria da narrativa curta, pelo menos nos legou estas poucas mas belas jóias.
continua...
Fonte:
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=986