terça-feira, 20 de maio de 2008

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte V)

Moreira Campos (José Maria), nascido em Senador Pompeu (6 de janeiro de 1914), é filho do português Francisco Gonçalves Campos e Adélia Moreira Campos. Ingressou na Faculdade de Direito do Ceará, bacharelando-se em 1946. Licenciou-se em Letras Neolatinas em 1967, na antiga Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Na área do magistério iniciou-se como professor de Português, Literatura e Geografia em colégios. Exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará, Curso de Letras, como titular de Literatura Portuguesa. Integrante do Grupo Clã. Pertenceu à Academia Cearense de Letras. Faleceu em Fortaleza, no dia 7 de maio de 1994. Deixou as seguintes coleções: Vidas Marginais (1949), Portas Fechadas (1957), distinguido com o Prêmio Artur de Azevedo, do Instituto Nacional do Livro, As Vozes do Morto (1963), O Puxador de Terço (1969), Os Doze Parafusos (1978), A Grande Mosca no Copo de Leite (1985) e Dizem que os Cães Vêem Coisas (1987). Seus Contos Escolhidos tiveram três edições, Contos foram editados em 1978 e Contos – Obra Completa se publicaram, em dois volumes, em 1996, pela Editora Maltese, São Paulo, com organização de Natércia Campos. Tem também um livro de poemas, Momentos (1976). Participou de diversas antologias nacionais. Algumas de suas peças ficcionais foram traduzidas para o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

Sua obra está estudada em importantes livros, como o de José Lemos Monteiro, intitulado O Discurso Literário de Moreira Campos, o de Batista de Lima, Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e outros mais abrangentes, como Situações da Ficção Brasileira, de Fausto Cunha; 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, de Temístocles Linhares; e A Força da Ficção, de Hélio Pólvora. Em jornais e revistas se estamparam quase uma centena de artigos e ensaios sobre os seus livros.

Temístocles Linhares classifica o contista de Portas Fechadas de “um de nossos maiores contistas atuais”. E comenta: “Lê-lo, para mim, é reviver, em certos aspectos, transpostos para o ambiente de seu Ceará, os velhos mestres do naturalismo. Como eles, o autor também desconfia das grandes palavras e dos grandes gestos, preferindo tentar substituir os julgamentos de valor pelos julgamentos de existência”.

Assis Brasil escreveu: “Moreira Campos faz, no Ceará, a ligação entre o conto de história, ainda vigente nos primeiros anos do Modernismo, e o conto de flagrante, sugestivo, que as novas gerações, a partir de 1956, desenvolveriam em muitos aspectos criativos”.

Hélio Pólvora opina: Moreira Campos, “embora não sendo um tchekhoviano perfeito, dele (Tchekhov) se aproxima quando livra o conto de uma sobrecarga excessiva e procura atingir logo o alvo, localizar logo o nervo exposto”. E acrescenta: “Moreira Campos seleciona e filtra fatos que às vezes se resumem a instantes, e nesse processo informa ou sugere o conflito vivido pela personagem, mostrando, afinal, o que ela faz para resolver o conflito ou sucumbir”.

Segundo Herman Lima, no ensaio citado na primeira parte, Moreira Campos: (...) “é um mestre do conto moderno, desde o aparecimento do seu primeiro livro, Vidas Marginais (1949), no qual há pelo menos uma obra-prima do conto universal desta hora, “Lama e Folhas”. Diz mais: “As pequenas ou grandes tragédias, as comédias ocultas do cotidiano burguês, fixadas por ele, ganham, em sua mão experiente, uma especificidade que o aproxima dos maiores nomes do conto psicológico de todos os tempos, de Machado de Assis para cá, inclusive e principalmente Tchecov, de sua íntima e fiel convivência, ou, mais perto de nós, de um Joyce dos Dubliners ou um Sherwood Anderson, de Winesburg Ohio”.

Montenegro argumenta: “Moreira Campos será talvez não apenas o contista de maior projeção nas letras cearenses contemporâneas, porém, ainda, juntamente com Osman Lins, Dalton Trevisan e poucos outros, terá ele realizado o que de mais significativo existe no conto moderno brasileiro”.

Sânzio de Azevedo, principalmente no ensaio “Moreira Campos e a Arte do Conto” (Novos Ensaios de Literatura Cearense) faz algumas observações: “Na linhagem de Machado de Assis e, por conseguinte, na de Tchecov é que se entronca a obra ficcional de Moreira Campos” (...). Segunda: “apesar de haver optado pela narrativa sintética, extremamente despojada, com que tem enriquecido a nossa literatura através de não poucas obras-primas, não renegou os longos contos de seu primeiro livro” (...). Terceira observação: “Em Moreira Campos o que mais importa são os dramas da alma humana, e não a presença da terra, ostensivamente retratada nas páginas de Afonso Arinos e Gustavo Barroso”.

Batista de Lima, no ensaio mencionado linhas atrás, fala da corrosão física dos personagens, dos agentes dessa corrosão, dos defeitos congênitos, da decrepitude, da doença e da morte. A seguir analisa o oposto disso, ou seja, a ordem: “A nova ordem começa a ser instaurada no momento em que o narrador doma a morte, colocando-a no convívio familiar dos personagens.” E, passando da ordem narrada para a ordem vocabular, constata a constante evolução da arte do contista.

Em “As Características da Escritura de Moreira Campos” (O Fio e a Meada: Ensaios de Literatura Cearense, págs. 155/158), Batista é de opinião que o contista “transita com mestria entre momentos impressionistas, neo-realistas e neonaturalistas, sempre conservando uma estrutura linear para suas narrativas, com princípio, meio e fim bem delineados.” Especifica: “As principais características da narrativa de Moreira Campos são: uma tendência para o uso de elementos descritivos em paralelo aos narrativos; os vazios deixados para serem preenchidos pelo leitor; a eliminação de comentários e interpretações paralelas; a quase ausência de diálogos; a atuação do tempo como elemento corrosivo sobre os personagens; o uso das repetições como forma de superação das dificuldades de relacionamento entre as diferentes classes de pessoas; a ironia; a luta pela concisão”.

José Alcides Pinto, em “Um Mundo de Coisas Miúdas” (Política da Arte–II, págs. 51/52), observa: “Moreira Campos, obstinado em sua procura do novo, do mundo brilhante das coisas obscuras, melhor direi de “vidas marginais”, reapanha, com O Puxador de Terço, o início de sua carreira literária, que ele torna cíclica num processo, quase mágico de depuração estilística”. Em “Moreira Campos e a Nova Ficção Brasileira” (PA-I), ao comentar Os Doze Parafusos, afirma: (...) “abrem um novo caminho na ficção de Moreira Campos, já esboçada sob o ponto de vista erótico em outras obras, mas sem a liberdade de como os assuntos são agora tratados, vistos de frente, com um realismo mágico e epidérmico, que se inscreve, com muita propriedade, no fescenino, num clima de autonomia individual e sem o prejuízo de uma linguagem estética – função inequívoca a toda obra de arte”.

Francisco Carvalho, em “A Transparência Formal na Ficção de Moreira Campos” (EL, págs. 124/127), vê nas peças ficcionais de A Grande Mosca no Copo de Leite que “em todas elas a excelência do artesanato literário destaca-se por uma rigorosa economia de palavras e por uma extraordinária transparência formal”. E mais adiante: “A prosa enxuta, a frase carregada de sentido, a noção de ritmo e de musicalidade, o poder de síntese, o rigor no emprego da palavra, a densidade psicológica e a expressividade – são esses alguns dos aspectos que se articulam no contexto ficcional do novo livro de Moreira Campos”. Em “Contos Escolhidos” (Textos e Contextos), analisa a evolução do contista: “Os contos da primeira fase, elaborados sem qualquer preocupação de fidelidade aos paradigmas da chamada “história curta”, já se apresentam numa evidente perspectiva de modernidade”. E mais adiante: “Já nos contos da segunda fase, Moreira Campos persegue obstinadamente os horizontes da síntese, da pura essencialidade”.

***
Além dos quatro grandes nomes do conto cearense surgidos com o Grupo Clã, outros escritores se destacaram no cultivo da narrativa curta após 1960. Os mais importantes são Caio Porfírio Carneiro, talvez o escritor mais vocacionado para a composição ficcional curta no Ceará, depois de Moreira Campos; José Alcides Pinto, embora mais dedicado ao romance e ao poema; e Juarez Barroso, falecido muito cedo, mas que deixou dois volumes de contos e um romance.

Caio Porfírio (de Castro) Carneiro é natural de Fortaleza (1º de julho de 1928), tendo se radicado em São Paulo em 1955. Tem cultivado a prosa de ficção curta com regularidade. Sua estréia no gênero se deu em 1961, com o elogiadíssimo Trapiá. Seguiram-se Os Meninos e o Agreste (1969), O Casarão (1975), Chuva – Os Dez Cavaleiros (1977), O Contra-Espelho (1981), Viagem sem Volta (1985), Os Dedos e os Dados (1989), A Partida e a Chegada (1995) e Maiores e Menores (2003). Seus romances são O Sal da Terra (1965) e Uma Luz no Sertão (1973). Publicou as novelas Bala de Rifle (1965), Três Caminhos, Dias sem Sol e A Oportunidade, estas em 1988. É autor também de ensaios, como Do Cantochão à Bossa Nova (ensaio sobre música popular brasileira), literatura juvenil (Profissão: esperança, Quando o Sertão Virou Mar..., Da Terra Para o Mar, do Mar Para a Terra, Cajueiro Sem Sombra), poesia (Rastro Impreciso), reminiscências (Primeira Peregrinação, Mesa de Bar, Perfis de Memoráveis). Tem recebido diversos prêmios, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1975.

Chuva (Os Dez Cavaleiros) é quase um romance, se é possível isto. A chave para esta observação se encontra na última narrativa, quando o décimo cavaleiro, dirigindo-se ao seu interlocutor, fala: “Olhe aqui, homem: de toda a multidão que conheci, correndo a planície, a serra do Catolé e todos os lugares que cercam a Lagoa Grande, nove ficaram na minha cabeça. Nove. Todos cavaleiros como eu”. Como se dissesse ter conhecido as outras nove histórias do livro. Nas dez peças há sempre um cavaleiro vestido de capote e coberto de chapéu, e outra personagem, ambos sem nome. A paisagem é composta de chuva, um ambiente de campo, com um casebre ou choupana, com chão de barro batido, às vezes uma vila, com uma pracinha, uma igreja abandonada e gente desvalida, sofrida, com medo. De comum também o espaço apenas referido da serra do Catolé e da Lagoa Grande, sempre muito distantes. Quase uma miragem. Para completar a narrativa, um drama e um desenlace enigmático, de parábola. Os desfechos muitas vezes estão nos títulos das histórias. O fantástico se desenha em quase todas as obras, quer no desenrolar da trama, quer no epílogo. Seria, porém, um fantástico mais próximo da parábola, do simbólico, do enigmático. Outras vezes é apenas uma sugestão. Em todos os contos a narração se dá na terceira pessoa, mais para observador do que para narrador onisciente. Talvez apenas em um trecho de uma das histórias o narrador se faz onisciente. A narração é quebrada, aqui e ali, por breves e ásperos diálogos, em linguagem culta ou literária. Caio manipula a linguagem com sabedoria, valendo-se de muita imaginação e do conhecimento das melhores ferramentas da arte de narrar.

No comentário ao mesmo livro, o escritor Marcos Rey assim se expressou: “Com os mesmos instrumentos de trabalho, a simplicidade aludida, o trato quase bíblico dos personagens, ação e diálogos, a natureza como presença obrigatória, Caio Porfírio Carneiro excede à realidade cotidiana, realizando uma obra de síntese literária envolta em poesia, sobriedade e enigmas”.

Em Os Dedos e os Dados, o contista parte por caminhos menos espinhosos, lamacentos, embora retrate também graves conflitos humanos. E se serve de formas variadas para compor as histórias. “A Promessa” é quase todo um só diálogo, de frases curtas. “A Confissão”, como o título sugere, é um diálogo. Em “A Missão” não ocorre uma só fala e a narração é composta de um longo parágrafo e uma frase curta: “A outro qualquer caberia terminar a tarefa”. É a busca da crucificação, novo Cristo sem algozes. Alguns contos tratam do relacionamento amoroso e podem ser tidos como eróticos.

Caio é um especialista da história curta, breve. No entanto, é capaz de se alongar, como em “Um Segundo”. E aí mora o mistério. Em um segundo ele consegue ser mais expansivo do que em histórias que duram horas.

F. S. Nascimento inicia assim o ensaio “Caio Porfírio Carneiro: O Novo Degrau da Ficção” (AAA, págs. 187/189): “Ao firmar posição entre os melhores contistas brasileiros deste último mear de século, Caio Porfírio Carneiro não se rendeu ao empolgamento dessa conquista, intensificando as suas experiências formais e sutilizando os processos de reconstituição de momentos culminantes ou memoráveis da existência. Essa fase de metafiguração laboratorial se inaugurava com o lançamento de O Casarão (1975), estendendo-se ascencionalmente a Os Dedos e os Dados (SP, Pontes Editores, 1989)”. Em outro parágrafo, o crítico esclarece esse argumento: “O jogo sutil dos enunciados implícitos, que Braga Montenegro admitia como refinamento do estilo na prosa de ficção, é o recurso de que mais se utiliza Caio Porfírio Carneiro para gerar o imponderável em cada fração de vida flagrada pela sua ultra-sensível máquina processadora de imagens e emoções”. Ao se voltar para o modo como o contista apresenta os diálogos, o crítico assinala: “Sucintíssimo no diálogo ou na exteriorização solitária, num ou noutro caso as unidades de sentido assim construídas se reduzem a fragmentos de mínima duração acústica, tornando mais prolongado o silêncio das personagens enquadradas pela objetiva do narrador”.

A Partida e a Chegada é outro livro de construção inusitada, a lembrar uma casa composta de fachada rococó, paredes barrocas, colunatas romanas. Como Chuva, deve ser lido como um todo, conto a conto. Leiam-se os diálogos de abertura do volume, como se fosse um prólogo ou, em termos de arquitetura, o átrio de uma casa romana ou o alpendre de antigas casas sertanejas. Duas personagens, sem nome, conversam, como se resumissem os contos que virão a seguir. A descrição do ambiente é mínima: a lua, as nuvens, as estrelas, o céu. São como cenário singelo de um palco pequeno, onde dois personagens encenassem cinco brevíssimas peças. Tudo muito contido.

Ao contrário de Chuva, todo ambientado no campo, as narrativas deste são, na maioria, de inspiração urbana. No primeiro, “A Carícia”, é narrado assalto a um banco. O contista utiliza alguns procedimentos formais mais ousados, embora não mais de vanguarda (hoje), como o cruzamento de narrações na terceira e na primeira pessoa, além do diálogo indireto e da linguagem oral. “Saparanga” e “Zecapinto” ocorrem num lapso de tempo bem mais longo do que na maioria das histórias de Caio. A contrastar com a tensão da primeira, nestas perpassa um humor circense. Os protagonistas são um tanto picarescos. Há, no entanto, uma variedade de enfoques no livro. Assim, “O Crime” é quase a reconstituição de um fato histórico, em Caucaia, Ceará.

***
José Alcides Pinto, nascido em São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú (1923), tem sido muito mais poeta e romancista do que contista. Apesar disso, é também nome fundamental do conto cearense. Seu primeiro livro no gênero é de 1965, Editor de Insônia, seguido de Reflexões. Terror. Sobrenatural. Outras estórias, de 1984. Em 1997 ambos foram reeditados, sob o título Editor de Insônia e outros contos, e, como informa Pedro Salgueiro, organizador da reedição, “muitos outros contos foram resgatados do ineditismo na presente edição”. Seus poemas estão nos livros Noções de poesia & arte (1952), Pequeno caderno de palavras (1953), Cantos de Lúcifer (1954), As pontes (1955), Concreto: estrutura-visual-gráfica (1956), Ilha dos patrupachas (1960), Ciclo único (1964), Os catadores de siri (1966), As águas novas (1975), Os amantes (1979), O Acaraú – biografia do rio (1979), Ordem e desordem (1982), 20 sonetos do amor romântico e outros poemas (1982), Relicário pornô (1982), Guerreiros da fome (1984), Fúria (1986), Águas premonitórias (1986), Nascimento de Brasília – a saga do planalto (1987), O sol nasce no Acre (Chico Mendes) (1992), Poeta fui (Ora direis) (1993), Os cantos tristes da morte (1994), Silêncio branco (1998) e As tágides (2001). Tem dez romances, uma novela, uma peça teatral e três livros de artigos e ensaios.

A obra literária de Alcides Pinto está estudada em dois importantes livros: O Universo Mí(s)tico de José Alcides Pinto, de José Lemos Monteiro, e O Espaço Alucinante de José Alcides Pinto, de Paulo de Tarso (Pardal).

Editor de Insônia é dividido em “livro primeiro” e “livro segundo”. A presença de Edgar Allan Poe é visível em alguns contos: a maldade, a obsessão pelo mau, a impiedade de algumas personagens. E também o mistério, o terror. O “livro segundo” é constituído de contos e peças literárias de gêneros variados ou indefinidos. Daí a impropriedade do título geral do livro, assim como do próprio “livro segundo”.

No geral, as histórias curtas de José Alcides Pinto se afastam das principais características do conto tradicional ou clássico. Assim, ao lado de peças sem nenhum diálogo, apresenta até dois contos em forma de teatro – “Caducos” e “Granjeiros”. Em “Domingão” há apenas dois diálogos. Porém não se libertou das formas tradicionais nos diálogos: “disse”, “exclamou”, “comentou”, “gritou” etc.

José Alcides Pinto é um escritor singular na Literatura Brasileira. Não pode ser visto como um adepto do realismo fantástico ou posto ao lado de contistas como Murilo Rubião e José J. Veiga. Seus contos também não são regionalistas, assim como não o são os de Moreira Campos. Há mistérios nos contos de ambos, embora entre eles não se possa vislumbrar nenhuma semelhança. Mesmo quando os conflitos são do tipo policial, como em “O Fogo das Paixões”, não se trata de conto policial ou realista, como os de Rubem Fonseca.

Como escreveu Francisco Carvalho, na ficção de José Alcides Pinto “não há lugar para os devaneios da retórica nem para as quimeras do lirismo cordial.”

***
Juarez (Távora) Barroso (de Albuquerque Ferreira) nasceu em Pernambuquinho, Serra de Baturité, no dia 19 de outubro de 1934. Filho de José Carlos Ferreira e Clélia Albuquerque Ferreira. Apesar de se ter formado em Ciências Jurídicas e Sociais, cedo ingressou no radialismo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou jornalismo e publicidade. Por diversas vezes voltou a residir em Fortaleza, porém em 1966 se radicou na velha capital da República, onde faleceu em agosto de 1976. Premiado num concurso permanente do antigo Boletim Bibliográfico Brasileiro, em 1958, foi incluído no Panorama do Novo Conto Brasileiro (Editora Júpiter, 1964), organizado por Esdras do Nascimento, e em Uma Antologia do Conto Cearense (Imprensa Universitária do Ceará, 1965). Anunciou um estudo intitulado Estácio – Os Professores do Samba, “pretensiosa pesquisa músico-sociológica sobre o samba nos anos de 20”, segundo o próprio Juarez.

Deixou as narrativas de Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal (1969), ganhador do Prêmio José Lins do Rêgo, do ano anterior, e Joaquinho Gato (1976). Tem também um romance, Doutora Isa (Editora Civilização Brasileira, 1978), publicação póstuma. Na “Nota Prévia” do livro, Mario Pontes esclareceu: “Na véspera de viajar, em minha companhia, à capital paulista para lá autografar seu livro (Joaquinho Gato), Juarez adoeceu e foi hospitalizado. Uma semana depois estava morto. Recebi, então, das pessoas mais íntimas do escritor, a incumbência de pôr em ordem os seus papéis. Com algumas interrupções, ocupei-me deles de setembro de 1976 até agora. A história de Margô, felizmente, pôde ser reconstituída”. A Nota é de 5 de fevereiro de 1977.

Uma das primeiras críticas à ainda principiante obra de Juarez é de Braga Montenegro, no estudo diversas vezes aqui mencionado. Comparando-o a José Maia, escreveu o crítico: “é mais espontâneo, telúrico, dono de um estilo original, mas nem sempre correto de forma. Suas estórias, engendradas à maneira tradicional de narração, expressam, entretanto, uma dimensão nova, que as isenta à contingência da realidade elementar e as transfigura em arte. É ele, antes de tudo, um impressionista poderoso, mas com um jeito todo próprio de comunicar suas impressões. Ou, antes: seu impressionismo, por assim dizer, nada tem de visual, e se define em motivos quando não imaginados pelo menos recolhidos de uma realidade subjacente que sugere símbolo”.

Com Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal, Juarez Barroso ganhou o Prêmio José Lins do Rego, em 1968. A primeira edição deste livro traz nas dobras da capa um texto de avaliação, sem assinatura. Na primeira parte, intitulada “Sagrada Família”, os contos são ambientados na Serra de Baturité e estão voltados para o “erotismo patriarcal”, “o orgulho idem” e “o culto à macheza”. Na segunda, intitulada “Os Hereges”, os personagens são os descendentes dos primeiros e o ambiente é Fortaleza.

João Antônio, em “A Geografia do Homem”, estampado nas dobras do segundo livro, faz o seguinte comentário: “Joaquinho Gato, cujos contos situam-se geograficamente numa área específica do Ceará, sem o clima trágico do Sul do Estado, é um livro marcado pela violência, reflete um estado de humor pesado, carregado de tensões, vida, angústia de um povo vivendo entre a repressão, a rudeza e as necessidades primárias”. Acrescenta: “Dificilmente se poderá destacar, neste seu novo livro, um conto como ponto mais alto. Todos os trabalhos têm força e garra dignos de representar o flagrante de um momento de previsões negras dentro de nossas realidades. Cururu, para dar um exemplo, é página inesquecível, de fôlego e pulso, só encontrável na grande literatura de Graciliano Ramos”.

continua...

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/

segunda-feira, 19 de maio de 2008

9º CONCURSO DE LITERATURA DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE CANOAS (RS)


A Fundação Cultural de Canoas (RS) promove o 9º Concurso de Literatura - Conto, Crônica e Poesia, com entrega dos trabalhos até 31 de julho de 2008, SEM TAXA DE INSCRIÇÃO. O primeiro lugar de cada gênero receberá 100 exemplares da coletânea a ser editada, o segundo 50 exemplares, o terceiro 30 exemplares, e as menções honrosas 5 exemplares. Todos os participantes receberão certificado de participação.
O regulamento e a ficha de inscrição estão no site http://www.fundacan.com.br/ ou pelo fone/fax (51) 3059.6938. Os trabalhos premiados estarão integrados à coletânea SEM NENHUM ÔNUS.

Clara Forell
Assessora Cultural da FCC

1. REGULAMENTO

1.1 - Poderão inscrever-se autores do Brasil e de qualquer nacionalidade, desde que enviem o texto em português (Brasil) nos gêneros conto, crônica e poesia.
1.2 - A Fundação Cultural de Canoas receberá inscrições ao Concurso até o dia 31 (trinta e um) de julho de 2008, em sua sede, localizada na Av. Victor Barreto, 2301, Canoas/RS- Brasil, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, ou através de correio postal.
1.3 - Cada candidato poderá concorrer com até 2 (dois) trabalhos de cada gênero, não sendo permitidos trabalhos já publicados (inclusive na internet) ou premiados, nem serão aceitos plágios de outros trabalhos. O responsável por plágio será desclassificado e, se premiado, obrigado a devolver o prêmio que tiver recebido.
1.4 - Os trabalhos, em três vias, papel formato A4 (297 x 210) com título, páginas numeradas, rubricadas e sob pseudônimo, em fonte Times New Romam, corpo 12, espaço interlinear 1,5. Os trabalhos deverão ser enviados em envelope fechado.
1.5 - Um CD com o respectivo arquivo gravado em formato .doc (Word) deve acompanhar os trabalhos. (Todos no mesmo CD).
1.6 -Um envelope anexo, opaco e rigorosamente fechado, conterá externamente, o pseudônimo do concorrente e o título do trabalho; internamente, a ficha de inscrição com o nome completo e verdadeiro, o número da Carteira de Identidade, CPF, endereço, local e data de nascimento do autor, juntamente com um breve currículo. Na ficha de inscrição deverá constar a assinatura do concorrente autorizando a Fundação Cultural de Canoas a publicar coletânea com o(s) trabalho(s) do autor, caso seja premiado.
1.7- Para os trabalhos enviados pelo correio considerar-se-á, para efeito de atendimento ao prazo de encerramento das inscrições, a data da postagem. A Fundação não se responsabilizará por extravio ou danos por acondicionamento inadequado ou incorreto de qualquer original.
1.8 - Os originais não serão devolvidos.
1.9 - No caso de usar o correio postal, enderece para Fundação Cultural de Canoas, Av. Víctor Barreto, no 2001, CEP 92010-000, Canoas, RS, Brasil.
.
2. SELEÇÃO E PREMIAÇÃO
2.1 - Os trabalhos serão avaliados até 2 (dois) de setembro de 2008, por uma comissão formada por 3 (três) escritores ou estudiosos de cada um dos gêneros literários, indicados pela Fundação Cultural de Canoas.
2.2 - A comissão terá liberdade de julgamento, sob os aspectos técnicos e estéticos dos trabalhos, sendo-lhe facultado negar a concessão de prêmios, desde que não encontre, nos trabalhos inscritos, méritos suficientes para a premiação.
2.3 - A premiação consistirá no seguinte: O primeiro colocado de cada gênero receberá 100 (cem) exemplares da coletânea que será editada com os trabalhos premiados; o segundo, 50 (cinqüenta); o terceiro 30 (trinta) e as três menções honrosas de cada categoria, 5 (cinco) exemplares. Todos os participantes receberão certificado de participação.
2.4 -Independente da premiação geral do Concurso, serão concedidos mais três prêmios: 10 (dez) exemplares da coletânea para cada autor canoense que apresentar o melhor trabalho em conto, crônica e poesia.
2.5 - O resultado geral será divulgado pela imprensa, pelo www.fundacan.com.br, na página destaques. Os premiados serão cientificados através de correspondência, e os prêmios serão entregues até janeiro de 2009.
2.6 -Não poderão concorrer pessoas que exerçam cargos ou funções na Fundação Cultural de Canoas.
2.7 -A entrega dos originais ou sua remessa juntamente com a ficha de inscrição, implicará na aceitação, por parte do concorrente, de todas as normas do presente Regulamento.Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora.

Fonte:
e-mail enviado pela Tecnoarte

Millôr Fernandes (1923)

"Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer".

"Millôr Fernandes nasceu. Todo o seu aprendizado, desde a mais remota infância. Só aos 13 anos de idade, partindo de onde estava. E também mais tarde, já homem formado. No jornalismo e nas artes gráficas, especialmente. Sempre, porém, recusou-se, ou como se diz por aí. Contudo, no campo teatral, tanto então quanto agora. Sem a menor sombra de dúvida. Em todos seus livros publicados vê-se a mesma tendência. Nunca, porém diante de reprimidos. De 78 a 89, janeiro a fevereiro. De frente ou de perfil, como percebeu assim que terminou seu curso secundário. Quando o conheceu em Lisboa, o ditador Salazar, o que não significa absolutamente nada. Um dia, depois de um longo programa de televisão, foi exatamente o contrário. Amigos e mesmo pessoas remotamente interessadas - sem temor nenhum. Onde e como, mas talvez, talvez — Millôr, porém, nunca. Isso para não falar em termos públicos. Mas, ao ser premiado, disse logo bem alto - e realmente não falou em vão. Entre todos os tradutores brasileiros. Como ninguém ignora. De resto, sempre, até o Dia a Dia”.

("Currículo" publicado por Millôr quando de sua estréia no jornal "O Dia", Rio (RJ).

Considerado "um dos poucos escritores universais que possuímos", na opinião do crítico Fausto Cunha, filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no dia 16 de agosto de 1923 no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, com o nome de Milton Viola Fernandes. Só seria registrado no ano seguinte, tendo como data oficial de nascimento o dia 27 de maio de 1924. Sua certidão de nascimento, grafada à mão, fazia crer que seu nome era Millôr e não Milton. Seu pai, engenheiro emigrante da Espanha, morre em 1925, com apenas 36 anos. A família começa a passar por dificuldades e sua mãe passa horas em frente a uma máquina de costura para poder sustentar os 4 filhos. Apesar do aperto, o autor teve uma infância feliz, ao lado de 10 tios, 42 primos e primas e da avó italiana D. Concetta de Napole Viola.

Estuda na Escola Ennes de Souza, de 1931 a 1935, por ele chamada de Universidade do Meyer, mas que na verdade era uma escola pública. Diz dever tudo o que sabe a sua professora, Isabel Mendes, depois diretora e hoje nome da escola. Se emociona ao falar sobre ela "...uma mulatinha magra e devotada, que me ensinou tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar. Depois disso, pode-se ser autodidata. Escola, a não ser para campos técnicos/experimentais, é praticamente inútil".

A chegada ao Brasil das histórias em quadrinhos, em 1934, faz de Millôr um leitor assíduo dessas publicações, em especial de Flash Gordon, de autoria de Alex Raymond, e, com isso, dar vazão à sua criatividade. Sob a influência de seu tio Antônio Viola, tem seu primeiro trabalho publicado em um órgão da imprensa — "O Jornal", do Rio de Janeiro, tendo recebido o pagamento de 10 mil reis por ele. Era o início do profissionalismo, adotado e defendido para sempre.

Em 1935, também com 36 anos, falece sua mãe, o que faz com que os irmãos Fernandes passem a levar uma vida dificílima. Essa coincidência de datas leva Millôr a escrever um conto, "Agonia", publicado na revista "Cigarra" em janeiro de 1947, onde afirmava: "Tenho dia e hora marcada para me ir e o acontecimento se dará por volta de 1959". A morte da mãe o leva a morar em Terra Nova, subúrbio próximo ao Méier, com o tio materno Francisco, sua mulher Maria e quatro filhos.

Trabalha, em 1938, com o Dr. Luiz Gonzaga da Cruz Magalhães Pinto, entregando o remédio para os rins "Urokava" em farmácias e drogarias. Durou pouco esse emprego. Logo vai ser contínuo, repaginador, factótum, na pequena revista "O Cruzeiro", que nessa época tinha, além de Millôr, mais dois funcionários: um diretor e um paginador. A revista, anos depois, chegou a vender mais de 750.000 exemplares. Com o pseudônimo "Notlim" ganha um concurso de crônicas promovido pela revista "A Cigarra". Com isso, é promovido e passa a trabalhar no arquivo.

O cancelamento de publicidade em quatro páginas de "A Cigarra" fez com que fosse chamado por Frederico Chateaubriand para preencher as páginas que ficaram em branco. Cria, então, o "Poste Escrito", onde assinava-se Vão Gôgo. O sucesso da seção faz com que ela passe a ser fixa. Com o mesmo pseudônimo, começa a escrever uma coluna no "Diário da Noite". Assume a direção de "A Cigarra", cargo que ocuparia por três anos. Dirigiu também "O Guri", revista em quadrinhos e "Detetive", que publicava contos policiais.

Ciente da necessidade de se aprimorar, estuda no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro de 1938 a 1943.

Em 1940, muda-se para o bairro da Lapa, centro da cidade, e passa a morar próximo a Alceu Pena, seu colega em "O Cruzeiro". Colabora na seção "As garotas do Alceu" como colorista e versejador.

Autodidata, faz sua primeira tradução literária: "Dragon seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A estirpe do dragão", em 1942.

No ano seguinte retorna, com Frederico Chateaubriand e Péricles, à revista "O Cruzeiro". Em dez anos, a tiragem foi um grande êxito editorial, passando de 11 mil para mais de 750 mil exemplares semanais.

Em 1945, inicia a publicação de seus trabalhos na revista "O Cruzeiro", na seção "O Pif-Paf", sob o pseudônimo de Vão Gôgo e com desenhos de Péricles.

No ano seguinte lança "Eva sem costela — Um livro em defesa do homem", sob o pseudônimo de Adão Júnior.

Sua colaboração para "O Cruzeiro", em 1947, atinge a marca de dez seções por semana.

Em 1948 viaja aos Estados Unidos, onde encontra-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, o cientista César Lates e a estrela Carmen Miranda. Casa-se com Wanda Rubino.

Publica "Tempo e Contratempo", com o pseudônimo de Emmanuel Vão Gôgo, em 1949. Assina seu primeiro roteiro cinematográfico, "Modelo 19". O filme, lançado com o título "O amanhã será melhor", ganha cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo. Millôr é agraciado com o de melhores diálogos.

Em 1951, na companhia de Fernando Sabino, viaja de carro pelo Brasil, durante 45 dias. Lança a revista semanal "Voga", que teve apenas cinco números.

Viaja pela Europa por quatro meses, em 1952.

"Uma mulher em três atos", sua primeira peça, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo (SP), em 1953.

No ano seguinte, compra o imóvel que se tornaria famoso — "a cobertura do Millôr", no bairro de Ipanema, onde o escritor até hoje vive. Nasce seu filho Ivan.

Em 1955, divide com o desenhista norte-americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, Argentina. Escreve “Do tamanho de um defunto”, que estreou no Teatro de Bolso (Rio) e, depois, adaptado pelo próprio autor para o cinema, tendo o filme o título de “Ladrão em noite de chuva”. Nesse ano escreve “Bonito como um deus”, que estréia no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo (SP), e ainda “Um elefante no caos” e “Pigmaleoa”.

Em 1956, Millôr passa a ilustrar todos os seus textos publicados na revista "O Cruzeiro".

No ano de 1957, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebe exposição individual do biografado. Realiza a cenografia de “As guerras do alecrim e da manjerona”. Esse trabalho foi premiado pelo Serviço Nacional de Teatro no ano de 1958.

Nesse ano, conclui a primeira tradução teatral: “Good people”, então intitulada “A fábula de Brooklin — Gente como nós”. Fez parte do grupo que "implantou" o frescobol no posto 9, Ipanema, Rio de Janeiro.

Escreve o roteiro de “Marafa”, a partir do romance homônimo de Marques Rebello. Em 1959. No mesmo ano, apresenta na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, a convite de Frederico Chateaubriand, uma série de programas intitulada “Universidade do Méier”, na qual desenhava enquanto fazia comentários. Posteriormente, o programa foi transferido para a TV Tupi do Rio de Janeiro, com o título de “Treze lições de um ignorante” e suspenso por ordem do governo Juscelino Kubitschek após uma crítica à primeira dama do país: Disse Millôr: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Nasce sua filha, Paula.

Nos anos seguintes, já integrado à intelectualidade carioca, convive com Péricles, criador de "O Amigo da Onça", Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manson, Alfredo Machado, Fernando Chateaubriand, Emil Farhat e Accioly Netto, entre outros.

Em 1960, depois de resolvidos os problemas com a censura, estréia no Teatro da Praça, no Rio, ”Um elefante no caos”. O título original da peça era “Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país” rendeu a Millôr o prêmio de “Melhor Autor” da Comissão Municipal de Teatro. O filme “Amor para três”, com roteiro do biografado, baseado em “Divórcio para três”, de Victorien Sardou, é dirigido por Carlos Hugo Christensen. Millôr colaboraria com esse diretor em mais três filmes: “Esse Rio que eu amo”, 1962, Crônica da cidade amada”, 1965, e O menino e o vento, 1967.

Expõe, em 1961, desenhos na Petit Galerie, no Rio. Viaja ao Egito e retorna antes do previsto, tendo em vista a renúncia do presidente Jânio Quadros. Trabalha por 7 dias no jornal "Tribuna da Imprensa", Rio, que mais tarde pertenceu a seu irmão Hélio Fernandes. Foi demitido por ter escrito um artigo sobre a corrupção na imprensa. Os editores, o poeta Mário Faustino e o jornalista Paulo Francis pediram também demissão em solidariedade.

No ano seguinte, na edição de 10 de março de “O Cruzeiro”, “demite” Vão Gôgo e passa a assinar Millôr. A Amstutz & Herder Graphic Press, importante publicação de Zurique, dedica uma página de seu anuário ao autor. “Pigmaleoa” é apresentada, sob a direção de Adolfo Celi, no Teatro Rio.

Em 1963, escreve a peça teatral “Flávia, cabeça, tronco e membros”. Viaja a Portugal e, durante sua ausência, a revista “O Cruzeiro” publica editorial no qual se isenta de responsabilidade pela publicação de “História do Paraíso”, que obteve repercussão negativa por parte dos leitores católicos da revista. Millôr deixa a revista e começa a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, lá ficando até o ano seguinte.

A partir de 1964, e até 1974, colabora semanalmente no jornal Diário Popular, de Portugal. A página mereceria o seguinte comentário de um ministro de Salazar: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português". Lança a revista “Pif-Paf”, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Foi fechada em seu oitavo número, por problemas financeiros.

Volta à TV, em 1965, como apresentador na TV Record, ao lado de Luis Jatobá e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), do “Jornal de Vanguarda”. “Liberdade liberdade” estréia no Teatro Opinião, no Rio, musical escrito em parceria com Flávio Rangel.

Composta pelo biografado, a canção “O homem” é defendida no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, por Nara Leão, em 1966. Monta, ao ar livre, no Largo do Boticário, Rio, só com atores negros, sua adaptação de “Memórias de um sargento de milícias”.

Em 1968 atua, ao lado de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio, em “Do fundo do azul do mundo”, espetáculo musical de sua autoria. Passa a colaborar com a revista “Veja”.

Na sua estréia, apresentou-se com o texto que abaixo reproduzimos parcialmente:

SUPERMERCADO MILLÔR
ANO I - N.º 1
(Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio)
"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras — reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.”

”... Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela....Aos quinze (anos) já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conhas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes ciclames. Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu.”

”Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. ...Creio que a terra é chata. Procuro não sê-lo. ...Tudo o que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.”

”A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.”·

Ainda em 1968 escreve o texto do show “Momento 68”, promovido pela empresa Rhodia, que contou com a participação de Caetano Veloso, Walmor Chagas e Lennie Dale, entre outros.

No ano seguinte, participa do grupo fundador de “O Pasquim”.

Fernanda Montenegro estrela “Computa, computador, computa”, no Teatro Santa Rosa, no Rio, em 1972. Lança o livro “Esta é a verdadeira história do Paraíso” e também “Trinta anos de mim mesmo”, numa sessão de autógrafos denominada “Noite da contra-incultura”.

Em 1975, faz exposição de 25 quadros “em branco, mas com significado”, na Galeria Grafitti, no Rio.

No ano seguinte, escreve para Fernanda Montenegro a peça “É...”, que se tornou o grande sucesso teatral de Millôr ao ser encenada no Teatro Maison de France, no Rio.

Em 1977, realiza nova exposição de seus trabalhos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Adapta, no ano seguinte, para o formato de musical a peça “Deus lhe pague”, de Joracy Camargo, que contou com Bibi Ferreira na direção e com músicas de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. É homenageado pelo 5º Salão de Humor de Piracicaba (SP), mas “exige” que a honraria seja “para todos os humoristas na pessoa de Millôr Fernandes”. Em Brasília, para o Museu da Moeda, localizado no Banco Central do Brasil, produz quatro painéis que contam a história do dinheiro.

Estréia no Teatro dos Quatro, Rio, a peça “Os órfãos de Jânio”, em 1980.

Publica “Desenhos”, uma compilação de seus trabalhos gráficos, com textos de apresentação de Pietro Maria Bardi e Antônio Houaiss, em 1981.

O ano de 1982 é de muito trabalho. O autor escreve e publica a peça “Duas tábuas e uma paixão”. Traduz a opereta “A viúva alegre”, de Franz Lear, apresentada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tetê Medina monta “A eterna luta entre o homem e a mulher”, no Teatro Clara Nunes – Rio. Escreve a adaptação de “A chorus line”, encenado por Walter Clark. Estréia “Vidigal: Memórias de um sargento de milícias”. São dele, nessa peça, os cenários, figurinos e letras, musicadas por Carlos Lyra. Com Flávio Rangel, escreve e representa o espetáculo “O gesto, a festa, a mensagem”, na TV Record de São Paulo. Deixa a revista “Veja”.

Em 1983, é homenageado pela Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ). Millôr não comparece ao desfile. Passa a colaborar com a revista “Istoé”.

Lança “Poemas”, em 1984. Estréia o musical “O MPB4 e o dr. Çobral vão em busca do mal”.

No ano seguinte, colabora com o Jornal do Brasil. Lança o “Diário da Nova República”. É montada a peça “Flávia, cabeça, tronco e membros” no Teatro Ginástico – Rio.

Passa a usar o computador para escrever e desenhar, em 1986. Escreve, com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira, o roteiro do filme “O judeu”, dirigido por Jom Tob Azulay, baseado na vida de António José da Silva. Rodado em Portugal, só seria concluído em 1995.

”L’anné 82 au Brésil: le regard critique de Millôr Fernandes” (O ano de 82 no Brasil: o olhar crítico de Millôr Fernandes), é o tema de tese de doutoramento de Françoise Duprat na Universidade de Toulouse-Le Mirail II, França, em 1987.

No ano seguinte, lança “The cow went to the swamp / A vaca foi para o brejo”. Na Universidade de São Paulo (USP), Branca Granatic defende, na dissertação de mestrado, “Os recursos humorísticos de Millôr Fernandes”.

Em 1990, nasce seu neto, Gabriel, filho de Ivan.

Deixa a revista “Istoé” e o Jornal do Brasil, em 1992.

No ano de 1994, lança “Millôr definitivo — A bíblia do caos”.

Escreve a peça “Kaos”, Adapta para a Rede Globo “Memórias de um sargento de milícias”. A partir de um argumento de Walter Salles, escreve o roteiro “Últimos diálogos”, em 1995.

Em 1996, passa a colaborar nos jornais “O Dia” (RJ), “O Estado de São Paulo” (SP) e “Correio Braziliense” (DF). Neste último, trabalharia somente até o fim do ano.

Em 1998, em parceria com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay, assina o roteiro de “Mátria”.

No ano seguinte, começa a adaptar “Os três mosqueteiros”, de Dumas, para o formato de musical, trabalho que não chegou a ser concluído.

Em 2000, escreve o roteiro de “Brasil! Outros 500 — Uma PoopÓpera”, que teve sua estréia no Teatro Municipal de São Paulo. O espetáculo contava com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro e arranjos de Wagner Tiso. Deixa de colaborar com “O Estado de São Paulo” e “O Dia”. Passa a colaborar com coluna semanal na “Folha de São Paulo”. Lança o site “Millôr On Line” (http://www.millor.com.br) .

No ano seguinte, deixa a “Folha de São Paulo” e volta ao “Jornal do Brasil”.

Em 2002, publica “Crítica da razão impura ou O primado da ignorância”, em que analisa as obras “Brejal dos Guajas e outras histórias”, de José Sarney, e “Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso. Deixa de colaborar, em novembro, com o “Jornal do Brasil”.

Em 2003, ilustra “O menino”, volume de contos de João Uchoa Cavalcanti Netto, e faz cem desenhos para uma nova compilação das “Fábulas fabulosas”.

Em 2004, lança pela Editora Record, “Apresentações”.

Em meados de agosto de 2004 é anunciado seu retorno às folhas da revista semanal “Veja”, a partir de setembro daquele ano.

Tempos atrás um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido, em sua casa, uma carta de um leitor com o seguinte endereçamento:

"Millôr
Ipanema"

É a glória!

LIVROS DO AUTOR:

Prosa:
- "Eva sem costela – Um livro em defesa do homem" (sob o pseudônimo de Adão Júnior) - 1946 - Editora O Cruzeiro.
- "Tempo e contratempo" (sob o pseudônimo de Emmanuel Vão Gogô) - 1949 - Editora O Cruzeiro.
- "Lições de um ignorante" - 1963 - J. Álvaro Editor
- "Fábulas Fabulosas" - 1964 - J. Álvaro Editor. Edição revista e ilustrada – 1973 - Nórdica
- "Esta é a verdadeira história do Paraíso" - 1972 - Livraria Francisco Alves
- "Trinta anos de mim mesmo" - 1972 - Nórdica
- "Livro vermelho dos pensamentos de Millôr" - 1973 – Nórdica. Edição revista e ampliada: Senac – 2.000.
- "Compozissõis imfãtis" - 1975 - Nórdica
- "Livro branco do humor" - 1975 – Nórdica
- "Devora-me ou te decifro" – 1976 – L&PM
- "Millôr no Pasquim" - 1977 – Nórdica
- "Reflexões sem dor" - 1977 - Edibolso.
- "Novas fábulas fabulosas" - 1978 – Nórdica
- "Que país é este?" - 1978 – Nórdica
- "Millôr Fernandes – Literatura comentada". Organização de Maria Célia Paulillo – 1980 Abril Educação
- "Todo homem é minha caça" - 1981 - Nórdica
- "Diário da Nova República" - 1985 – L&PM
- "Eros uma vez" – 1987 – Nórdica – Ilustrações de Nani
- "Diário da Nova República,v. 2" - 1988 – L&PM
- "Diário da Nova República, v. 3" – 1988 – L&PM
- "The cow went to the swamp ou A vaca foi pro brejo" – 1988 - Record
- "Humor nos tempos do Collor" (com L. F. Veríssimo e Jô Soares) – 1992 – L&PM
- "Millôr definitivo - A bíblia do caos" - 1994 – L&PM
- "Amostra bem-humorada" – 1997 – Ediouro – Seleção de textos de Maura Sardinha
- "Tempo e contratempo (2ª edição) – Millôr revisita Vão Gogô" - 1998 - Beca.
- "Crítica da razão impura ou O primado da ignorância – Sobre Brejal dos Guajas, de José Sarney, e Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso" – 2002 – L&PM
- "100 Fábulas Fabulosas" – 2003 – Record
- "Apresentações" – 2004 – Record.

Poesia:
- "Papaverum Millôr" – 1967 – Prelo. Edição revista e ilustrada: 1974 – Nórdica
- "Hai-kais" – 1968 – Senzala
- "Poemas" – 1984 – L&PM

Artes visuais:
- "Desenhos" – 1981 – Raízes Artes Gráficas. Prefácio de Pietro Maria Bardi e apresentação de Antônio Houaiss.

PEÇAS DE TEATRO:

Publicadas em livros:
- "Teatro de Millôr Fernandes (inclui Uma mulher em três atos [1953], Do tamanho de um defunto [1955], Bonito como um deus [1955] e A gaivota [1959])" – 1957 –Civilização Brasileira
- "Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país" – 1962 – Editora do Autor
- "Pigmaleoa" – 1965 – Brasiliense
- "Computa, computador, computa" – 1972 – Nórdica
- "É..." – 1977 – L&PM
- "A história é uma istória" – 1978 – L&PM
- "O homem do princípio ao fim" – 1982 – L&PM
- "Os órfãos de Jânio" – 1979 – L&PM
- "Duas tábuas e uma paixão" – 1982 – L&PM (nunca encenada)

Não editadas:
- "Diálogo da mais perfeita compreensão conjugal" - 1955
- "Pif, tac, zig, pong"– 1962
- "A viúva imortal" – 1967
- "A eterna luta entre o homem e a mulher" – 1982
- "Kaos" – 1995 (leitura pública em 2001 – nunca encenada)

ESPETÁCULOS MUSICAIS:
- "Pif-Paf – Edição extra!" – 1952 (com músicas de Ary Barroso)
- "Esse mundo é meu" – 1965 (em parceria com Sérgio Ricardo)
- "Liberdade liberdade" – 1965 (em parceria com Flávio Rangel)
- "Memórias de um sargento de milícias" - 1966 (com músicas de Marco Antonio e Nelson Lins e Barros)
- Momento 68 – 1968
- Mulher, esse super-homem – 1969
- Bons tempos, hein?! – 1979 (publicada pela L&PM - 1979 - Porto Alegre)
- Vidigal: Memórias de um sargento de milícias – 1982 (com músicas de Carlos Lyra)
- De repente – 1984
- O MPB-4 e o Dr. Çobral vão em busca do mal – 1984
- Brasil! Outros 500 – Uma PopÓpera (com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro)

TRADUÇÕES:

Romances
:
- A estirpe do dragão (Dragon seed), de Pearl S. Buck - 1942 - José Olympio Editora - Rio de Janeiro.
- Nunca saí de casa (I never left home), de Bob Hope - 1945 - O Cruzeiro - Rio de Janeiro.

Textos teatrais:
1958 – "A fábula de Brooklin – Gente como nós", de Irwin Shaw.
1960 - "O prodígio do mundo Ocidental", de John M. Synge.
1961 - "Megera domada", de W. Shakespeare.
1961 – "O velho ciumento", de Miguel de Cervantes.
1963 – "Mary, Mary", de Jean Kerr.
1963 – "Pigmaleão", de G. Bernard Shaw.
1963 – "As preciosas ridículas", de Molière.
1965 - "Pequenos assassinatos", de Jules Feiffer.
1965 – "A mulher de todos nós", de Henri Becque.
1965 - "Escola de mulheres", de Molière.
1967 - "Lisistrata", de Aristófanes.
1967 – "Negra meobem", de François Campaux.
1967 – "O assassinato da irmã Geórgia", de Frank Marcus.
1967 - "Marat Sade", de Peter Weiss.
1967 - "A volta ao lar", de Harold Pinter.
1967 - "Blecaute", de Frederic Knott.
1968 - "A cozinha", de Arnold Wesker.
1970 – "Rapazes da banda", de Mart Crowley.
1971 - "As eruditas", de Molière.
1972 - "Antigamente", de Harold Pinter.
1974 - "Antígona", de Sófocles.
1975 - "Os filhos de Kennedy", de Robert Patrick.
1976 - "Senhor Puntila e seu criado Matti", de Bertold Brechet.
1976 – "Vivaldino, servidor de dois amos", de Carlo Goldoni.
1977 - "A calça", de Carl Sternheim.
1978 - "Quem tem medo de Virginia Wolf?", de Edward Albee.
1979 - "Afinal, uma mulher de negócios – Liberdade em Bremen", de R. W. Fassbinder.
1979 - "Palhaços de ouro", de Neil Simon.
1980 – "O rei Lear", de W. Shakespeare.
1980 - "De quem é a vida, afinal?", de Brian Clark.
1980 - "Gata em telhado de zinco quente", de Tennessee Williams.
1980 - "A carta", de Somerset Maugham.
1980 - "Ó, Calcutá!", de Kenneth Tynan.
1981 - "As lágrimas amargas de Petra von Kant", de R. W. Fassbinder.
1981 – Bunny’s Bar, de Josiane Balasko.
1981 - "As alegres matronas de Windsor", de W. Shakespeare.
1981 - "A senhorita de Tacna", de Mario Vargas Llosa.
1982 - "Chorus line", de de Michael Bennet.
1982 – "Casamento branco", de Tadeusz Rozewicz.
1982 – "Hedda Gabler", de Henrik Ibsen.
1982 - "A viúva alegre", de Franz Lehar.
1983 - "A falecida senhora sua mãe", de George Feydeau.
1983 - "Piaf", de Pam Gems.
1983 - "O jardim das cerejeiras", de Anton Tchekov.
1983 - "Boa noite, mãe", de Marsha Norman.
1984 - "Grande e pequeno", de Botho Strauss.
1984 - "Pô, Romeu!", de Efraim Kishon.
1984 - "Hamlet", de W. Shakespeare.
1984 - "Tio Vânia", de Anton Tchekov.
1984 – "Dédalo e Ícaro", de Dario Fo.
1984 – "O sacrifício de Isaac", de Dário Fo.
1984 – "A tigresa", de Dário Fó.
1984 – "Gilda, um projeto de vida", de Noel Coward.
1984 - "Madame Vidal", de Georges Feydeau.
1985 - "Fedra", de Jean Racine.
1985 - "O feitichista", de Michel Tournier.
1985 - "Imaculada", de Franco Scaglia.
1985 - "Sábado, domingo e segunda", de Edoardo de Filippo.
1985 - "Assim é, se lhe parece", de Luigi Pirandello.
1986 - "Quarteto", de Heiner Müller.
1986 – "Quatro vezes Beckett", de Samuel Beckett.
1986 – "Ensina-me a viver", de Collin Higgins.
1987 - "O preço", de Arthur Miller.
1987 - "Filumena Marturano", de Edoardo de Filippo.
1987 - "Vestir os nus", de Pirandello.
1988 - "Encontrarse", de Pirandello.
1987 – "La mamma ou O belo Antônio", de Vitaliano Francatti.
1994 - "Don Juan, o convidado de pedra", de Molière.
1996 - "Anna Magnani", de Armand Meffre.
1996 – "Paloma", de Jean Anouilh.
1996 – "Master class", de Terence McNally.
1999 - "Últimas luas", de Furio Bordon.
2001 – "Fim de jogo", de S. Beckett.

Traduções para o teatro publicadas:
- "A megera domada", de W.Shakespeare - 1965 - Letras e Artes
- "Sr. Puntila e seu criado Matti", de B.Brecht - 1966 - Civilização.Brasileira
- "O prodígio do mundo ocidental", de John M. Synge - 1968 – Braziliense
- "Escola de mulheres", de Molière - 1973 – Nórdica
- "Os filhos de Kennedy", de R. Patrick - 1975 – Nórdica
- "A volta ao lar", de Harold Pinter – 1976 – Abril Cultural
- "Lisistrata", de Aristófanes – 1977 – Abril Cultural
- "O rei Lear", de W. Shakespeare – 1981 – L&PM
- "A senhorita de Tacha", de Mário Vargas Llosa – 1981 – Francisco Alves
- "Afinal, uma mulher de negócios – Liberdade em Bremen", de R. W. Fassbinder – 1983 – L&PM
- "As lágrimas amargas de Petra von Kant", de R. W. Fassbinder – 1983 – L&PM
- "Hamlet", de W. Shakespeare – 1984 – L&PM
- "Fedra", de J. Racine – 1985 – L&PM
- "Don Juan, o convidado de pedra", de Molière – 1994 – L&PM
- "As alegres matronas de Windsor", de W. Shakespeare – 1995 – L&PM
- "Antígona", de Sófocles – 1996 – Paz e Terra
- "As eruditas", de Molière – 2003 – L&PM.

FÁBULA:
- "A ovelha negra e outras fábulas", de Augusto Monterroso – 1983 – Record, ilustrações de Jaguar.

HUMOR:
- "A completa lei de Murphy", de Arthur Bloch – 1996 – Record – ilustrações de Jaguar.

EXPOSIÇÕES:
1957 - Exposição no Museu de Arte Moderna - Rio.
1961 - Exposição na Petite Galerie - Rio.
1975 - Exposição de desenhos na Galeria Grafitti - Rio.
1977 - Exposição "Visão da Terra" no Museu de Arte Moderna - Rio.

MULTIMÍDIA:
2000 - "Em Busca da Imperfeição" - CD-Rom - Neder & Associados / Oficina / Universo Online (UOL).

ROTEIROS PARA O CINEMA:

Individuais:
1952 – "Modelo 19". Lançado como “O amanhã será melhor”, também conhecido como “Uma ponte de esperança”. Direção de Armando Couto.
1960 – "Amor para três". Direção de Carlos Augusto Christensen.
1960 – "Ladrão em noite de chuva". Direção de Armando Couto.
1962 – "Esse Rio que eu amo". Direção de Carlos Augusto Christensen.
1965 – "Crônica da cidade amada". Direção de Carlos Augusto Christensen.
1967 – "O menino e o vento". Direção de Carlos Augusto Christensen.
1995 – "Últimos diálogos". Ainda não filmado (2004).

Em parceria:
1995 - "O judeu". Com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira. Direção de Jom Tob Azulay.
1998 - "Matria”. Com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay (Ainda não filmado – 2004).

Colaboração:
1995 – "Terra estrangeira". Direção de Walter Salles e Daniela Thomas (diálogos adicionais).

ADAPTAÇÃO PARA A TELEVISÃO:
- "Memórias de um sargento de milícias". Baseado no musical “Vidigal”. Direção de Mauro Mendonça Filho, Rede Globo de Televisão – 1995.

INTERNET:
2000 – Millôr Online (http://www.millor.com.br).

ILUSTRAÇÕES:
- "Maurício, o leão de menino", de Flávia Mari. São Paulo - 1981 – Summus.
- "Sapomorfose ou O príncipe que coaxava", de Cora Rónai. Rio de Janeiro – 1983 – Salamandra.
- "O caderno rosa de Lori Lamby", de Hilda Hilst. São Paulo – 1990 – Massao Ohno.
- "O menino, de João Uchoa Cavalcanti Netto". Rio de Janeiro – 2003 – Editora Rio.
.
COMPOSIÇÃO MUSICAL:
1966 – "O homem". Apresentada por Nara Leão no II Festival de Música Brasileira, da TV Record de São Paulo.

Fonte:
Textos extraídos de livros do autor, da Internet, do CD "Em busca da Imperfeição", de 1999, produzido pela Neder & Associados e dos “Cadernos de Literatura Brasileira – Instituto Moreira Salles.
Disponível em http://www.releituras.com

Millôr Fernandes (Chapeuzinho Vermelho)

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.

Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.

Fonte
FERNANDES, Millôr. Lições de Um Ignorante. RJ: José Álvaro Editor, 1967, p. 31. in http://www.releituras.com

Millôr Fernandes (Discurso de Deus a Eva)

"... Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia. E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos, arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".

"P.S. - Este discurso do Todo-Poderoso está sendo divulgado pela primeira vez em todos os tempos, aqui neste livro. Nunca foi publicado antes, nem mesmo pelo seu órgão oficial, A BÍBLIA."

"Minha cara,

eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário. O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro. As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las. Foi por isso que eu te fiz. Ele nem percebeu e custará os séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho. Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável. Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre. Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente. Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora. Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensara que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.

Nasces sábia, na certeza de todos os teus recursos, enquanto o Homem, rude e primário, terá que se esforçar a vida inteira para adquirir um pouco de bens que depositará humildemente no teu leito. Vai! Quando perguntei a ele se queria uma Mulher, e lhe expliquei que era um prazer acima de todos os outros, ele perguntou se era um banho de rio ainda melhor. Eu ri. O homem e um simplório. Ou um cínico. Ainda não o entendi bem, eu que o fiz, imagina agora os seus semelhantes.

Olha, ele acorda. Vai. Dá-me um beijo e vai. Hmmmm, eu não pensava que fosse tão bom. Hmmmm, ótimol Vai, vai! Não é a mim que você deve tentar, menina! Vai, ele acorda. Vem vindo para cá. Olha a cara de espanto que faz. Sorri! Ah, eu vou me divertir muito nestes próximos séculos!"

Fonte:
FERNANDES, Millôr. Esta é a verdadeira história do Paraíso. RJ: Livraria Francisco Alves, 1972. In http://www.releituras.com


domingo, 18 de maio de 2008

Falecimento de Zélia Gattai Amado

O corpo da escritora Zélia Gattai, que morreu às 16h30 do sábado (17), vítima de parada cardio-respiratória, será cremado às 16h30 no Cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Brotas, em Salvador. O velório ocorre durante a manhã e a tarde deste domingo.

Segundo o filho João Jorge Amado, o corpo da mãe vai ser cremado e as cinzas serão espalhadas pela antiga Casa do Rio Vermelho, como foi feito

A Academia Brasileira de Letras declara luto de 3 dias.

A confirmação da morte de Zélia foi feita na tarde deste sábado (17) pela assessoria de imprensa do Hospital Bahia, onde a autora de 14 livros estava internada havia 31 dias.

Segundo boletins médicos, o quadro evoluiu com gravidade na noite de sexta-feira. Zélia, que havia se submetido a uma laparotomia para desobstrução intestinal não estava respondendo ao tratamento para insuficiência renal.

De acordo com o filho da escritora, João Jorge Amado, a escritora temia a operação. "Ainda antes de passar pela cirurgia, ela chegou a dizer que estava com medo, o medo da morte que é natural."

Só neste ano a viúva do escritor Jorge Amado havia passado por cinco internações. Na manhã deste sábado (17), os médicos informaram que o quadro de choque circulatório era irreversível, ou seja, o coração e os vasos já não eram capazes de irrigar todos os tecidos com a quantidade adequada de oxigênio.

Fontes:
http://g1.globo.com/Noticias/
http://diversao.terra.com.br/ (foto)
http://oglobo.oglobo.com/ (foto)

Zélia Gattai Amado (1916 - 2008)

Zélia Gattai (São Paulo, 2 de julho de 1916 — Salvador, 17 de maio de 2008) foi uma escritora e fotógrafa brasileira, tendo também sido expoente da militância política durante quase toda a sua longa vida, da qual partilhou cinqüenta e seis anos casada com o também escritor Jorge Amado, até a morte deste.

Filha dos imigrantes italianos Angelina e Ernesto Gattai, é a caçula de cinco irmãos. Nasceu e morou durante toda a infância na Alameda Santos, 8, no bairro Paraíso, em São Paulo.

Zélia participava, com a família, do movimento político-operário anarquista que tinha lugar entre os imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, no início do século XX.

A família da escritora foi bastante atuante no movimento político-operário. Em 1938, o pai de Zélia chegou a ser preso pela polícia política do Estado Novo.

As lembranças desse engajamento familiar – a casa dos Gattai foi palco de fervorosos debates – inspiraram o primeiro livro da escritora: “Anarquistas, graças a Deus”. Lançada em 1979, a obra já vendeu mais de 250 mil exemplares no Brasil, ganhou versões em francês, italiano, espanhol, alemão e russo e ainda inspirou uma minissérie homônima na Rede Globo, que foi ao ar em 1984, dirigida por Walter Avancini.

Aos vinte anos, casou-se com Aldo Veiga, intelectual e militante do Partido Comunista. Graças ao círculo de amizades de Veiga, Zélia se aproximou da elite intelectual brasileira da época. Desse grupo de amigos, faziam parte os escritores Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Rubem Braga e Vinícius de Moraes. Também ficou próxima dos artistas Lasar Segall e Tarsila do Amaral.

O casamento chegou ao fim após oito anos. Deste casamento eve um filho, Luís Carlos, nascido em São Paulo, em 1942.

A vida com Jorge Amado

Leitora entusiasta de Jorge Amado, Zélia Gattai o conheceu em 1945, quando trabalharam juntos no movimento pela anistia dos presos políticos. A união do casal deu-se poucos meses depois. A partir de então, Zélia Gattai trabalhou ao lado do marido, passando a limpo, à máquina, seus originais e o auxiliando no processo de revisão.

Em 1946, com a eleição de Jorge Amado para a Câmara Federal, o casal mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nasceu o filho João Jorge, em 1947. Um ano depois, com o Partido Comunista declarado ilegal, Jorge Amado perdeu o mandato, e a família teve que se exilar. Em 1948, com a repressão política no país, a família se exila na Europa por cinco anos. Em Paris, Zélia Gattai fez os cursos de civilização francesa, fonética e língua francesa na Sorbonne.

No exílio, Jorge e Zélia participaram intensamente da vida cultural européia e conviveram com personalidades como Pablo Neruda, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Picasso. Em Paris ainda descobre uma nova paixão: a fotografia. De 1950 a 1952, a família viveu na Checoslováquia, onde nasceu a filha Paloma. Foi neste tempo de exílio que Zélia Gattai começou a fazer fotografias, tornando-se responsável pelo registro, em imagens, de cada um dos momentos importantes da vida do escritor baiano.

O casal retornou ao Brasil em 1952 e viveu no Rio de Janeiro, na casa dos pais de Zélia, durante 11 anos. Em 1978, após 33 anos de companheirismo, Jorge e Zélia oficializaram a união.

Em 1963, a família Amado fixa residência em Salvador. E é lá que Zélia passa a se dedicar mais à literatura. Além de “Anarquistas, graças a Deus”, é autora dos livros de memórias “Um chapéu para viagem” (1982), “Senhora do baile” (1984), “Jardim de inverno” ( 1988) e “A casa do rio Vermelho” (1999). Também é escreveu os livros infantis “Pipistrelo das mil cores” (1989) e “O segredo da rua 18” (1991), em um total de 15 obras.

Sua obra é composta de nove livros de memórias, três livros infantis, uma fotobiografia e um romance. Alguns de seus livros foram traduzidos para o francês, o italiano, o espanhol, o alemão e o russo.

Anarquistas, graças a Deus foi adaptado para minissérie pela Rede Globo e Um chapéu para viagem foi adaptado para o teatro.

Prêmios e homenagens

- Prêmio Dante Alighieri (1980)
- Prêmio Revelação Literária, concedido pela Associação de Imprensa (1980)
- Diploma de Sócia Benemérita da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel
- Placa “As dez mulheres mais bem sucedidas do Brasil” pela Mac Keen (1980)
- Título de Sócia Benemérita do Clube Baiano da Trova (1981)
- Título de Cidadã Honorária da Cidade de Salvador, Bahia (1984)
- Título de Cidadã Honorária da Cidade de Mirabeau (1985)
- Título no grau de Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique, concedido pelo governo português (1986)
- Diploma de Madrinha dos Trovadores, concedido pela Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel
- Medalha do Mérito Castro Alves, da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia (1987)
- Diploma de Reconhecimento do Povo Carioca pelos relevantes serviços prestados à Cultura e ao Turismo, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro;
- Prêmio Destaque do Ano (1988)
- Eleita A Mulher do Ano pelo Conselho Nacional da Mulher (1989)
- Diploma de Magnífica Amiga dos Trovadores Capixabas, Espírito Santo (1991)
- Comenda das Artes e das Letras dada pela ministra da França, Caterine Trautmann (1998)
- Comenda Maria Quitéria pela Câmara Municipal de Salvador (1999)
- Criação da Fundação de Cultura e Turismo Zélia Gattai, pela Prefeitura de Taperoá (2001).

Em 2001, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, para a cadeira 23, anteriormente ocupada por Jorge Amado, que teve Machado de Assis como primeiro ocupante e José de Alencar como patrono. No mesmo ano, foi eleita para a Academia de Letras da Bahia e para a Academia Ilheense de Letras. Em 2002, tomou posse nas três. É mãe de Luis Carlos, Paloma e João Jorge. É amiga de personalidades e gente simples. No lançamento do livro 'Jorge Amado: um baiano romântico e sensual, em 2002, em uma livraria de Salvador, estavam pessoas como Antonio Carlos Magalhães, Sossó, Calasans Neto, Miguel Arcanjo Prado, Auta Rosa, Bruna Lima, Antonio Imbassahy e James Amado, entre outros.

Ao lançar seu primeiro livro, Anarquistas graças a Deus, Zélia Gattai recebeu o Prêmio Paulista de Revelação Literária de 1979. No ano seguinte, recebeu o Prêmio da Associação de Imprensa, o Prêmio McKeen e o Troféu Dante Alighieri. A Secretaria de Educação do Estado da Bahia concedeu-lhe a Medalha Castro Alves, em 1987. Em 1988, recebeu o Troféu Avon, como destaque da área cultural e o Prêmio Destaque do Ano de 1988, pelo livro Jardim de inverno. O livro de memórias Chão de meninos recebeu o Prêmio Alejandro José Cabassa, da União Brasileira de Escritores, em 1994.

O casamento de Zélia Gattai e Jorge Amado durou 56 anos, até a morte do escritor, em 2001.

A história de amor de mais de meio século que viveu com Jorge Amado inspirou alguns de seus trabalhos. Caso da fotobiografia do escritor, “Reportagem incompleta” (1987), além dos livros de memórias “A casa do Rio Vermelho” (1999), “Jorge Amado - Um baiano romântico e sensual” (2002) – em parceria com os filhos João e Paloma – e “Memorial do amor” (2004).

No dia 21 de maio de 2002, a escritora passou a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a mesma cadeira que pertencia ao marido: a de número 23. O posto também já pertenceu aos escritores José de Alencar, Machado de Assis, Alfredo Pujol.

Após o falecimento do companheiro, Zélia decide abrir a casa em que viveram juntos por 21 anos e onde receberam personalidades como o escritor Pablo Neruda.

Atualmente aberta para visitação, a famosa “casa do Rio Vermelho” – onde estão as cinzas do escritor – será transformada em um museu.

Obras

Memórias

Anarquistas Graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 1979.
Um Chapéu para Viagem. Rio de Janeiro: Record, 1982.
Pássaros Noturnos do Abaeté, com gravuras de Calasans Neto. Salvador, 1983.
Reportagem Incompleta, com fotografias de sua autoria. 1987.
Jardim de Inverno. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado. 1988.
Chão de Meninos. Rio de Janeiro: Record, 1992.
A Casa do Rio Vermelho. 1999.
Città di Roma, ilustrado com fotografias de época. 2000.
Códigos de Família. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Jorge Amado: um Baiano Sensual e Romântico. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Literatura infanto-juvenil

Pipistrelo das Mil Cores, com ilustrações de Pink Wainer. 1989.
Jonas e a Sereia, com ilustrações de Roger Mello. 2000.

Romance

O Segredo da Rua 18, ilustrado por Ricardo Leite. Rio de Janeiro: Record, 1991.
Crônica de uma Namorada. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Fontes:
http://www.academia.org.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://g1.globo.com/Noticias

João Guimarães Rosa (A Hora e Vez de Augusto Matraga)

"A hora e vez de Augusto Matraga" é a última novela de Sagarana, obra de estréia de João Guimarães Rosa. O volume é composto por nove novelas ligadas entre si pelo espaço em que transcorrem as ações, focalizando o regional mineiro e captando os aspectos físicos, sociais e psicológicos do homem e do meio interiorano. "A hora e vez de Augusto Matraga" é considerada, por muitos críticos, a mais importante produção do escritor em Sagarana, tanto por sua estrutura narrativa quanto pelo tratamento da luta entre o bem e o mal, e todo o questionamento decorrente de uma tomada de consciência do homem optando por uma dessas forças.

1º Movimento – o Mal

"Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, da Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici". Augusto aparece como homem desregrado. Fazia questão de mostrar-se valentão, não se importando com a família – a mulher Dionora e a filha. Gostava de tirar mulher dos outros, de brigar de debochar. Vivia cercado de capangas. Com a morte do pai Afonsão, ficou ainda mais estouvado e sem regras: tinha dívidas enormes, faltava-lhe crédito, terras em desmando e política do lado errado.

Dionora amaro o marido, "amara-o três anos, dois anos dera-os às dúvidas, e o suportara os demais. Agora, porém, tinha aparecida outro". Foge com Ovídio carregando a filha. O azar não pára aí, Augusto é abandonado por seus capangas. Resolve, antes de ir matar a mulher e o amante, enfrentar sozinho o seu maior inimigo, o Major Consilva.

Mas o Major piscou, apenas, e encolheu a cabeça, porque mais não era preciso, e os capangas pulavam de cada beirada, e eram só pernas e braços. (...) Já os porretes caíam em cima do cavaleiro, que nem pinotes de matrinxãs na rede. Pauladas na cabeça, nos ombros, nas coxas. Nhô Augusto desceu o corpo e caiu. Ainda se ajoelhou em terra, querendo firmar-se nas mãos, mas isso só lhe serviu para poder ver as caras horrívies dos seus próprios bate-paus, (...). Puxaram e arrastaram Nhô Augusto, pelo atalho do rancho do Barranco, que ficou sendo um caminho de pragas e judiação. (...) E quando chegaram ao rancho do Barranco, ao fim da légua, o Nhô Augusto já vinha quase que só carregado, meio nu, todo picado de faca, quebrado de pancadas e enlameado grosso, poeira com sangue. Empurraram-no para o chão, e ele nem se moveu. (...) Os jagunços veteranos da chácara do Major Consilva acenderam seus cigarros, com descanso, mal interessados na execução. Mas os quatro que tinham sido bate-paus de Nhô Augusto mostravam maior entusiasmo. (...) E, aí, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com a marca do gado do Major – que soía ser um triângulo inscrito numa circunferência -, e imprimiram-na, com chiado, chamusco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto.

O corpo dele rolou e atirou-se no fundo de um barranco.

2º Movimento – "Para o céu eu vou, nem que seja a porrete!"

Praticamente morto, Matraga foi recolhido por um casal de negros que vivia no lugar. Aconselhado por eles, busca um padre, confessa sua vida, medita sobre a mulher, a filha, pensa em tudo de ruim que já fez. Agora está decidido: "- Eu vou pra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... Pra o céu eu vou, nem que seja a porrete!..."

Com os negros, foi morar num sítio, única coisa que restar a Augusto. Começou a viver para ajudar os outros. Capinanva para ele mesmo e para os vizinhos, pouco conversava. Murmurava as frases finais do padre – "Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há-de ter a sua". Não fumava mais, não bebia, não olhava para as mulheres. Cada dia esquecia mais a sua vergonha.

Mas, como tudo é mesmo muito pequeno, e o sertão ainda é menor, houve que passou por lá um conhecido velho de Nhô Augusto – o Tião da Tereza – procura de trezentas reses de uma boiada brava, que se desmanchara nos gerais do alto Urucaia, estourando pelos cem caminhos sem fim do chapadão.

Tião da Tereza ficou bobo de ver Nhô Augusto. E, como era casca-grossa, foi logo dando as notícias que ninguém não tinha pedido: a mulher, Dona Dionora, continuava amigada com seu Ovídio, muito de-bem os dois, com tenção até em casamento de igreja, por pensarem que ela estava desimpedida de marido; com a filha, sim, é que fora uma tristeza: crescera sã e encorpara uma mocinha muito linda, mas tinha caído na vida, seduzida por um cometa, que a levara do arraial, para onde não se sabia... O Major Consilva prosseguia mandando no Murici, e arrematara as duas fazendas de Nhô Augusto... Mas o mais mal-arrumado tinha sido o Quim, seu antigo camarada, o pobre do Quim Recadeiro - "Se alembra?" - Pois o Quim tinha morrido de morte-matada com mais de vinte balas no corpo, por causa dele, Nhô Augusto: quando soube que seu patrão tinha sido assassinado, de mando do Major, não tivera dúvida - ...jurou desforra, beijando a garrucha, e não esperou café coado! Foi cuspir no canguçu detrás da moita, e ficou morto, mas já dentro da sala-de-jantar do Major, e depois de matar dois capangas e ferir mais um...

A tristeza invade Augusto, mas lago nele começa a reavivar o homem forte, ao lado do humilde que viva pacificamente, pregando o bem. "Até que, pouco, a pouco, devagarinho, imperceptível, alguma cousa pegou a querer voltar para ele, a crescer-lhe do fundo para fora, sorrateira como a chegada do tempo das águas, que vinha vindo paralela (...), Nhô Augusto agora tinha muita fome e muito sono. O trabalho entusiasmava e era leve. Não tinha precisão de enxotar as tristezas. Não pensava nada..."

Certo dia, chega ao reduto de Matraga o bando do temido Joãozinho Bem-Bem. O povo não se mexia de tão apavorado, mas Nhô Augusto acolhe-os e os trata com hospitalidade.

Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu também, dois goles, e pediu uma dos papo-amarelo, para ver:
— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...
— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...
— Deixa de criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...

Fez fogo.
— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!

Mas, nesse tento, Nhô Augusto tornou a fazer pelo-sinal e entrou num desânimo, que não o largou mais.

Ressurge em Matraga o valente que ele procurava esquecer. Quando Joãozinho Bem-Bem está de partida, convida-o para acompanhá-lo, fazer parte do bando. "Ah, que vontade de aceitar e ir também..." Matraga vence a tentação, recusa com o coração partido. "E, à noite, tomou um trago sem ser por regra, o que foi bem bom, porque ele já viajou, do acordado para o sono, montando num sonho bonito, no qual havia um Deus valentão, o mais solerte de todos os valentões,, assim parecido com seu Joãozinho Bem-Bem, e que o mandava ir brigar, só para lhe experimentar a força, pois que ficava lá em-cima, sem descuido, garantindo tudo".

3º Movimento: "Cada um tem a sua hora e a sua vez..."

Recuperado fisicamente, Augusto Matraga resolve sair de seu reduto, caminhar a fim de encontrar sua hora. Caminha sem destino, quando chega a lugarejo em que , por coincidência estavam Joãozinho Bem-Bem e seu bando prontos para executar uma família, para se vingarem da morte de um capanga. O velho chefe da família, pede, implorando para que só ele morra. Mas Bem-Bem se recusa a aceitar o pedido do velho, alegando ser regra... "Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente sua, morta de traição?... É regra."

Augusto interfere, opondo-se à vingança. Há um duelo em que Joãozinho Bem-Bem e Augusto Matraga saem mortos. Morrem como irmãos, Joãozinho dizendo:
— Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci!... Eu sempre lhe disse quem era bom mesmo, mano velho... é só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos...
— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é pra gente poder ir junto...

Mas, seu Joãozinho Bem-Bem, quando respirava, as rodilhas dos intestinos subiam e desciam. Pegou a gemer. Estava no entorcer do fim. E, como teimava em conversar, apressou ainda mais a despedida. E foi mesmo.

No que restou de sua vida, Matraga é reconhecido por um primo.

Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.

Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido:
— Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionora... Fala com a Dionora que está tudo em ordem!

Depois morre
(In Resumo, comentários e textos – PUC 98, coordenação de Célia A. N. Passoni, Editora Núcleo)
Introdução

Sagarana reúne nove contos nos quais estão presentes os temas básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais metaforizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. O conto A hora e a vez de Augusto Matraga pertence a esse livro e traz para os sertões de Minas Gerais peripécias como nas antigas histórias heróicas.

Narrador

Quanto ao processo narrativo, geralmente as histórias de Guimarães Rosa (ou estórias, como queria Rosa) concentram-se em torno de "casos" que sustentam os enredos. Grande sertão: veredas provocou impacto sem precedentes em nossa literatura. Quando foi lançada a obra, percebeu-se que estava ali algo diferente de tudo o que até então se fizera em nossa literatura.

O narrador muitas vezes caracteriza como folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e dando-lhes um tom épico e/ou de histórias de fada. A onisciência do narrador dos contos em terceira é propositalmente relativizada, dando voz própria e encantamento às narrativas e acentuando sua dimensão mítica e poética.

O próprio narrador questiona o conceito de realidade e ficção na literatura. Veja o fragmento a seguir:
"E assim passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho desse jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor".Observa-se nessa passagem um diálogo com leitor e também a reflexão sobre a relação existente entre a literatura e o compromisso com a verdade.

Espaço

O ambiente rural vem, há muito tempo, fornecendo material para nossa literatura. A década de 1930 marca o surgimento do romance do Nordeste, com Graciliano Ramos (Vidas Secas) e Rachel de Queiroz, entre outros. Guimarães Rosa retoma a temática e a modifica radicalmente. E quais são essas modificações radicais?

Os demais regionalistas incorporavam termos regionais ao texto literário. Guimarães Rosa recria a linguagem regional de forma extremamente elaborada. Baseando-se na linguagem da região em que "ocorrem" as histórias narradas, o autor cria palavras novas, recupera o significado de outras, empresta termos de línguas estrangeiras e estabelece relações sintáticas surpreendentes.

Na obra de Guimarães Rosa, o sertão não se limita ao espaço geográfico, mas simboliza o próprio universo. Como afirma Riobaldo, personagem de Grande sertão: veredas: "O senhor tolere, isto é o sertão. O sertão está em toda a parte."

O sertão criado por Guimarães Rosa é uma realidade geográfica, social, política, mas também é uma realidade psicológica e metafísica. Nesse espaço (sertão-mundo), o sertanejo não é apenas o homem de uma região e de uma época específicas, mas homem universal defrontando-se com problemas eternos: o bem e o mal; o amor; a violência; a existência ou não de Deus e do Diabo. Daí classificar-se seu regionalismo como universalista.

A luta entre o BEM e o MAL também pode ser identificada no livro <>, principalmente na relação de Matraga com Joãozinho Bem-Bem:
"- Sou um pobre pecador, seu Joãozinho Bem-Bem...
- Que-o-quê! Essa mania de rezar é que está lhe perdendo... O senhor não é padre nem frade pra isso; é algum?... Cantoria de igreja, dando em cabeça fraca, desgoverna qualquer valente... Bobajada!
- Bate na boca seu Joãozinho Bem-Bem meu amigo, que Deus pode castigar!"

O espaço específico do conto em questão pode ser bem delimitado. A história acontece na região do Norte de Minas Gerais:
"Era o homem mais afamado dos dois sertões do rio: célebre do Jequitinhonha à Serra das Araras, da beira do Jequitibá à barra do Verde Grande, do Rio Gavião até nos Montes Claros, da Carinhanha até Paracatu..." Três espaços são essenciais para a história: Pindaíbas, Tombador e Arraial do Rala-côco.

Tempo

A história começa com a seguinte marcação temporal: "Era fim de outubro, em ano resseco..." Depois dos acontecimentos que envolvem Matraga, transcorrem cerca de 6 anos.

Personagens

A razão do conto é alógica e mágica, conforme dissemos, e, portanto, aqueles em quem incide. Trata-se dos seres em disponibilidade, à margem da produção econômica e, por isso propensos ao devaneio, à aventura.

Neste contexto, podemos compreender que no homem comum está a divindade, no pecador a salvação, como nos mostra Augusto Matraga.

Estudo dos personagens

Augusto Matraga : Filho do fazendeiro e coronel Afonso Esteves, órfão de mãe, era conhecido por todos da região como Nhô-Augusto. Homem brigão, temido por todos, passava a vida bebendo e vadiando com outras mulheres. Deixava sua mulher e sua filha em casa, enquanto aproveitava a vida. Um dia, ficou muito endividado e perdeu os amigos e a mulher para outro. Além disso, levou uma surra e quase morreu. Depois disso, se converteu e morreu preocupado com a salvação de sua alma.
D. Dionóra. Mulher de Matraga: desprezada por ele. Acaba fugindo com outro homem, mesmo sabendo que ele poderia matá-la. Nunca mais viu o marido e nem foi vista por ele. Mimita
Mimita. Filha de Matraga. Foge com a mãe e acaba caindo na vida com um sujeito desconhecido.
Ovídio Moura Homem com quem D. Dionóra fugiu.
Quim Recadeiro Amigo fiel de Matraga, tentou evitar que Dionóra fugisse. Quando Matraga leva uma surra e é tido como morto, ele tenta vingá-lo e acaba sendo assassinado.
Major Consilva. Dono de terra e rival de Matraga. Mandou mata-lo após uma emboscada.
Casal de Negros: mãe Quitéria e pai Serapião. Cuidam de Matraga após ter sido pego em uma emboscada e é tido como morto. Esse casal lhe ensina a moral cristã.
Bando de Joãozinho Bem-Bem: Flosino Capeta, Cabeça-Chata, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino (gago), Epifâmio e Juruminho (foi assassinado no final e Joãozinho volta ao lugar para vingar sua morte e acaba reencontrando Matraga). Joãozinho tem muita afinidade com Matraga, mas ambos morrem no final depois de lutarem um contra o outro.
Tião da Thereza : conhecido de Matraga, o encontra e descobre que ele não estava morto. Passa, então a lhe contar o que acontecera a Dionóra e Mimita.
Prostitutas : Angélica e Siriema: são leiloadas no início de uma festa popular e Matraga ganha Siriema porque era temido. Quando ela tira a roupa, desiste de ficar com ela por considera-la feia.
Padre: É chamado pelo casal de velhos para abençoar Matraga e disse para ele: "sua hora chegará". Matraga repete essa frase até o final do livro, todas as vezes que se lembrava das injurias que sofreu.

Enredo

Era noite de novena no arraial e havia uma procissão. Quando a reza acabou, aconteceu um rápido leilão. Depois disso toda a gente foi embora, mas o leiloeiro ficou na barraca, comendo amendoim, no meio do povo bêbado do fim da festa. Além deles, havia duas prostitutas, Angélica (negra) e Siriema (branca). Os homens começaram a disputá-las, como se elas também estivessem em leilão. Nesse momento, Nhô Augusto (Augusto Matraga) berrou para o leiloeiro, oferecendo 50 mil réis por Siriema. O povo, então, incentivou-o a levar a prostituta branca. Ele pegou-a pelo braço e os dois saíram. Ela quis ficar com outro homem e até ameaçou um choro, mas acabou se rendendo a ele. Quando a levou para casa e acendeu a luz, percebeu que ela era muito magra e disse: "Que é? - Você tem perna de Manuel-Fonseca, uma fina e a outra seca!" , mandando a rapariga embora. Depois disso, desceu a ladeira sozinho e esbarrou com Quim que trazia um recado de Dona Dionóra, sua esposa, pedindo que ele voltasse para casa. Ele disse a Quim Recadeiro que não iria lá. Quando Dona Dionóra soube a resposta, teve vontade de chorar pelo desprezo do marido e por sua desdita. Ela conhecia e temia os repentes de Nhô-Augusto que não se importava nem com a filha Mimita de dez anos. Ela sabia que ele tinha outros prazeres e outras mulheres, mas aceitava, pois havia contrariado toda a família para se casar com ele. Outro homem já tinha aparecido em sua vida, mas ela sabia que se fugisse Matraga a mataria. Depois de pensar, ela dormiu e, de madrugada ainda, partiu com a filha e com o camarada Quim, parando na fazenda de um tio. De manhã, continuaram a andar. No meio do caminho, encontraram Seu Ovídio Moura, o homem com quem ela decidiu fugir, mesmo com medo de ser assassinada pelo marido. Quim voltou para contar a Nhô-Augusto o que acontecera.

Quando recebeu a notícia, Matraga decidiu ir atrás, mas seus homens não quiseram ir com ele, pois ele devia dinheiro para todos. Além do mais, sua fama no lugar não era muito boa. Apesar de tudo isso, ele decidiu matar Ovídio, mas antes quis vingar-se do Major Consilva e de seus capangas que não quiseram acompanhá-lo na busca da esposa. Chegou, então, à chácara do major, porém, os capangas o espancaram até que ele caísse. No meio desses homens, estava o camarada de quem ele havia ganhado a prostituta Siriema. Quando ele já estava caído, o major mandou que o matassem. Eles o arrastaram até o rancho do Barranco. Antes de matá-lo, esquentaram o ferro dos gado e marcaram sua pele com as iniciais do Major Consilva. Nessa hora, ele levantou gritando e se jogou do barranco. Os capangas o consideraram morto e colocaram uma cruz no local.

Um homem negro que morava perto dali foi até ele e o levou para seu casebre. Nhô-Augusto pediu que o matassem, mas, dias depois, retomou a consciência. Lembrou-se da mulher e da filha, chorou e chamou o nome de sua mãe. O homem que o acudiu pediu que ele rezasse para Deus e para Nossa Senhora do Rosário. A tristeza tomou conta de Matraga.

Os negros trouxeram um padre para que ele pedisse perdão por seus pecados e, após ouvir do padre que sua hora e sua vez iam chegar, considerou que sua vida já acabara e esperava apenas a salvação da sua alma. Tomara tão grande horror às suas maldades que nem podia mais se lembrar delas. Parecia se converter a Deus aos poucos.

Quando ficou bom, pensou em ir para o sertão com o casal samaritano que o socorreu e viajaram para o povoado do Tombador. Lá, ele pedia trabalho e conversava pouco. Às vezes, ficava sozinho e se lembrava das últimas palavras do padre: "Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua." Desse modo, passaram-se quase seis anos. Ele não fumava nem bebia; não olhava para as mulheres nem discutia.

Um dia, passou pela região Tião de Thereza, um velho conhecido de Nhô-Augusto, dando notícias de sua família: Dona Dionóra, continuava amigada com Seu Ovídio e sua filha caíra na vida com um homem desconhecido. O Quim Recadero havia morrido de "morte matada" porque tentou vingar-se dos capangas que pensava terem matado Nhô. Ao ouvir tudo isso, Matraga repetia para si mesmo que sua hora havia de chegar. Por causa disso, no dia seguinte, fez muita caridade para não perder seu lugar no céu.

Com o tempo, ele voltou a ter muito sono e muita fome. Pensou que Deus o havia perdoado e mãe Quitéria louvou a Deus por isso. Acordou mais cedo e diante de tanta felicidade que sentia, teve vontade de fumar e não se sentiu pecando por isso.

Um dia, chegou ao lugarejo um bando de homens valentões. Nhô foi até o chefe, Joãozinho Bem-Bem, e ofereceu sua casa para que ele ficasse bem hospedado. Todos conversaram muito durante a noite e o chefe do bando, na hora de ir embora, convidou Nhô para ir com eles, mas ele recusou. Apesar disso, os invejou depois, porque não tinham que pensar na salvação da alma e podiam andar no mundo sem vergonha. Pensou bem e considerou que essa história de andar em penitência era andar pra trás e, por isso, decidiu retornar aos seus antigos caminhos. Voltou a beber e a sentir saudades das mulheres. Alguns dias depois, despediu-se e foi embora em um jegue emprestado pelo amigo Rodolphio Merêncio. Onde o jegue o levou ele foi e entraram em um arraial onde, por coincidência, estava a jagunçada de Joãozinho Bem-Bem. Nhô foi recebido pelo grupo com muita satisfação.

João ia matar um homem para vingar a morte do Jumentinho, seu colega de bando. O homem implorou pela vida, clamando por Deus e, quando viu essa cena, Nhô interveio, alegando que pedido em nome de Nosso Senhor e da Virgem tinha que ser respeitado. Joãozinho sentia-se preso a Nhô por respeito e não soube o que fazer. Seu bando, entretanto, liderado por Teófilo Sussuarana, caminhou para cima de Matraga. João também foi para a briga se agrediram. Por fim, Nhô-Augusto cortou a barriga do chefe do bando da púbis à boca do estômago, condenando-o à morte. Preocupado com a salvação de Joãozinho, Matraga pediu que ele se arrependesse de seus pecados, mas não ouviu resposta, pois este morreu em seguida. Nhô estava muito machucado, mas pediu que chamassem um padre. O povo, por sua vez, agradecia, dizendo que Deus o mandou ali para salvar as famílias. Diziam: "Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por mor de salvar as famílias da gente!...". Por isso, era chamado de herói e santo por todos, pois ninguém antes tivera coragem para enfrentar Joãozinho Bem-Bem.

Um primo de Matraga estava no lugar e o reconheceu. Ele pediu a esse parente que colocasse a bênção em sua filha e que dissesse a Dionóra que estava tudo em ordem. Depois disso, morreu.

Análise crítica

A questão da espiritualidade

A hora e vez de Augusto Matraga é uma história de redenção e espiritualidade, uma história de conversão. Ao longo do seu enredo o protagonista, Augusto Matraga, passa do mal ao bem, da perdição à salvação. O agente desta passagem é o jagunço Joãozinho Bem-Bem. Podemos associar a ele o ditado: Deus escreve certo por linhas tortas, pois é o malvado Joãozinho Bem-Bem que permite a morte gloriosa e salvadora de Matraga. A dualidade entre o bem e o mal parece marcar esse mundo de jagunços e fazendeiros, no qual há a possibilidade de conversão quando chega a vez e a hora certa das pessoas, como ocorreu com Matraga. Nhô Augusto renuncia à vingança, mas não à honra, e se regozija ao fim, radiante, ao se deparar com a hora e vez de ser Matraga, o homem que escolheu ser. Homem capaz de agir com coragem, justiça, fraternidade e compaixão.

Observe pela leitura que o número três se repete em várias ocasiões, devido ao fato de ser místico.
Ex.: Matraga percorre três espaços e tem no corpo a marca de um triângulo inscrito em uma circunferência.

Linguagem

Na linguagem de Guimarães Rosa encontramos os jogos de palavras, o prazer lúdico, quase infantil, dos trocadilhos, das associações inesperadas de imagens, do trabalho sonoro e poético com a prosa.

A pontuação das frases de Guimarães Rosa também está ligada a esta preocupação lúdica com a linguagem: trata-se sempre de associar o jogo de palavras aos elementos da narrativa (personagens, narrador, enredo, etc.) Com a pontuação, ele busca um ritmo que só pode ser encontrado na poesia do sertão, na marcha das boiadas, na passagem lenta e imperceptível do tempo, no bater das asas dos periquitos, no balançar sinuoso das folhas do buriti.

Guimarães Rosa é, em conclusão, o criador de uma obra em que elementos da cultura popular e elementos da cultura erudita se mesclam para reinventar a força da linguagem sertaneja e mineira. Conhecedor de pelo menos dezoito idiomas, ao lado das palavras que traz do vocabulário sertanejo há várias construções importadas do latim, do francês, do inglês e do alemão em seus livros. Poucos como ele têm a capacidade de reunir a erudição das reflexões filosóficas à transposição do imaginário popular, sem menosprezar as primeiras, e simplificando o segundo.

É o que vemos ao ler alguns trechos de Sagarana, onde percebemos o ritmo, a cadência, a fecundidade e o mistério, difícil de decifrar, de sua linguagem.

As marcas de oralidade são muito expressivas através das músicas cantadas pelos personagens durante todo o enredo:

"Mariquinha é como a chuva: / boa é, prá quem quer bem! / Ela vem sempre dee graça, / Só não sei quando é que vem". "Ei, compadre, chegadinho, chegou... / Ei, compadre, chega mais um bocadinho". "O terreno lá de casa / não se varre com vassoura: / Varre com ponta de sabre / bala de metralhadora". "Eu quero ver a moreninha taboroa, / arregaçada, enchendo o pote na lagoa... / Como corisca, como ronca a trovoada, / no meu sertão, na minha terra abençoada... / Quero ir namorar com as pequenas / com as morenas do Norte de Minas". "Eu já vi um gato ler / e um grilo sentar escola / nas asas de uma ema / jogar-se o jogo ded bola / dar louvores ao macaco. / Só me falta ver agora / acender vela sem pavio / correr pra cima a água do rio / o sol a tremer com frio / e a lua a tomar tabaco".

Além disso, essa expressão oral é evidenciada através da gagueira de um dos homens do bando de Joãozinho Bem-Bem (Juruminho): "- Pois eu... eu est-t-tou m'me-espan-t-tando é de uma c'coisa...] e "É o m' molho de as-mam-báia e a so-p-'pa da c'c' anji-quinha".

Fonte:
MULLER, Maria Laura. Disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/horaeavezdeaugustobraga

Gabriel Perissé (Mais da metade dos professores não têm o hábito de ler)

Gabriel Perissé, 42 anos, é professor universitário, formou-se em Letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1985, ano em que foi morar em São Paulo, onde obteve o grau de mestre em Literatura Brasileira (1989) pela USP, estudando a obra do poeta Carlos Nejar. Escritor e palestrante, doutor em Filosofia da Educação pela USP, possui vários livros publicados. Conforme informações do site que mantém na internet (www.perisse.com.br), desde 1983 ministra palestras e cursos em escolas, faculdades, empresas, ONGs, livrarias, bibliotecas e editoras, sobre temas relacionados à arte de ler, pensar, escrever e ensinar.

Perissé defende a leitura como terapia e afirma na entrevista que as escolas e os professores deixam muito a desejar à leitura, pois "mais da metade dos professores não têm o hábito de leitura", destaca. Assim, ninguém passa aos outros o que não tem.

Folha da Região - Vivemos numa sociedade de consumo, utilitarista, tudo precisa ter uma serventia. Como fica a arte, e a literatura sendo uma, neste contexto?

Gabriel Perissé - O artista (e o escritor em particular) sente-se obrigado a transformar sua obra numa "coisa" a ser consumida. A editora precisa das vendas. O escritor precisar criar um "produto" assimilável, útil. No entanto, nesse contexto aparentemente cruel, há um detalhe a ser destacado. Cada um de nós, seres humanos, precisamos consumir... mas também precisando consumar... Isto é, precisamos levar nossos desejos à consumação, às suas últimas conseqüências. A literatura cumpre um papel que nenhum bem de consumo pode cumprir. E chega uma hora em que só comprando um livro de filosofia, de contos, de reflexão histórica é que a pessoa consegue satisfazer essa sua necessidade mais profunda.

Folha da Região - Então, o ser humano não vive sem a arte?

Perissé - Não vive. Baudelaire dizia que podia passar oito dias sem comer, mas não podia passar um dia sem poesia. Sem arte, que é o homem, mais do que um animal saudável, mas incapaz de transcender sua situação?

Folha da Região - Sei que você dá curso para formação de escritor. O estado brasileiro com literatura mais forte, que é o Rio Grande do Sul, também se preocupa com a formação do escritor, há escolas por lá. Entre a tribo dos escritores em Araçatuba, há quem despreze essa iniciativa, dizendo que isso não se ensina, é vocação, o talento é inato. Como se resolve isso?

Perissé - Todos temos talentos escondidos. Todos temos algum talento para escrever, para expressar-nos. Mas são talentos seminais. Ou seja, estão em forma de semente. Precisam ser cultivados. Nós nos subutilizamos. Morreremos sem explorar 90% dos nossos talentos... Muitos de nós poderíamos escrever melhor do que autores que se dizem escritores? Acredito nisso.

Folha da Região - Há muito, no Brasil, se o escritor não estiver no eixo São Paulo-Rio, é classificado como regionalista. Gaúchos e mineiros tentam romper o cerco. Imagine como se sente o escritor do interiorzão mesmo, como os de Araçatuba, no oeste do estado. Como fica a literatura local no contexto atual da globalização?

Perissé - Pensemos no neologismo "glocalização", reunindo as palavras globalização e localização. Glocalização é rejeitar a idéia de homogeneização cultural, resistir ao lugar-comum de um caminho único. Glocalização é fazer questão de falar ao nosso modo o nosso próprio idioma. Glocalização é localizar o global mas jamais deslocalizar o que temos de original. Glocalização é saber localizar o universal e o nacional no regional. Em Araçatuba haverá originalidades que só em Araçatuba existem, e que cabe ao escritor local traduzir para o universal!

Folha da Região - Por que no Brasil é difícil o escritor viver de seu ofício?

Perissé - Não penso que seja somente no Brasil e somente em nosso tempo. Sempre foi difícil viver exclusivamente do ofício de escrever, entendendo escrever no sentido estrito, de escrever poesia, por exemplo. Os escritores sempre tiveram de fazer outros trabalhos para sobreviver: escrever em jornais, traduzir, dar aulas, trabalhar na propaganda, ou exercer funções burocráticas. Fernando Pessoa, Kafka, Drummond, Mario de Andrade...

Folha da Região - Você é um sacerdote da leitura, prega a sua necessidade nos seus livros. Sempre surge a idéia de o governo incluir o livro na cesta básica. Seria uma solução?

Perissé - O começo de uma solução. Ler alimenta!

Folha da Região - O teórico francês Jean Focambert, discípulo de Paulo Freire, afirma que não adianta dar livro para quem nunca tem o costume de buscar nele a solução de seus problemas. Você como defensor da leitura e amante do livro concorda com ele?

Perissé - Gosto da idéia da "livroterapia". Embora eu não tenha a desvairada ambição de sugerir para cada pessoa uma possível obra literária salvadora, sou movido pela mesma crença que anima hoje psiquiatras, médicos e conselheiros leigos ou espirituais a recomendarem determinadas leituras a pessoas com problemas familiares, dependentes de drogas, adolescentes em conflito, presidiários, pessoas que ficaram inválidas depois de um acidente, pessoas que sobreviveram a algum tipo de violência, pessoas que perderam um ente querido... Enfim, trata-se de uma prática que, associada a outros meios, permite a essas "vítimas" encontrarem forças para superar uma situação problemática, e o pior de todos os riscos: o vitimismo.

Folha da Região - Durante a campanha presidencial de 2000, o presidente Lula da Silva foi apedrejado por seus opositores por não ter diploma universitário. Você, pelo que parece, não vê o saber sem o livro. A sabedoria só vem dos livros mesmo?

Perissé - A sabedoria está na fala do povo, nas obras de arte em geral, na conduta de pessoas sábias, e está nos livros. Os livros têm a vantagem de compendiar essa sabedoria. Mas também precisamos de sabedoria para escolher os livros realmente sábios...

Folha da Região - Como anda a escola na questão da leitura? Ajuda ou atrapalha?

Perissé - A escola está em dívida com a leitura. E os professores estamos em dívida também! Muitos professores, mais da metade dos docentes em nosso país, não possuem o hábito de ler. Ora, "nemo dat quod non habet", ninguém dá aquilo que não tem. Como poderemos criar leitores criativos se não estivermos cativados pela leitura?

Folha da Região - O livro desaparecerá com a evolução da informática?

Perissé - Não. Como a pintura não desapareceu com a fotografia. Como o cinema não desapareceu com a TV. O livro cai e não quebra. Não precisa de energia elétrica. Podemos levá-lo para onde formos com facilidade. O livro é uma invenção tecnológica e tanto!

Folha da Região - Você virá a Araçatuba a convite da Academia Araçatubense de Letras, que é bastante inclusiva, bem diferente das outras esparramadas pelo Brasil, que são bastane elitistas, incluindo a ABL (Academia Brasileira de Letras). O que você acha dessas organizações?

Perissé - Os escritores devem se organizar. O único receio, sempre, é que deixemos de nos dedicar ao que faz de uma academia de letras uma academia de letras: as letras!

Folha da Região - Araçatuba tem o concurso nacional de contos chamado "Cidade de Araçatuba". Em 2004, houve a participação de mais de 500 contistas de todo o Brasil. A Academia Araçatubense de Letras pretende organizar como culminância do concurso, para entrega dos prêmios, o Congresso Nacional do Conto em 2005, como aconteceu com a poesia em Bento Gonçalves. Concursos, congressos... Esses eventos são válidos?

Perissé - São válidos, sempre. Para mexer com a água parada. Mas lembrando que os concursos não podem premiar a todos... Isto é, ninguém deve desistir de escrever se não consegue uma boa classificação num concurso. Há outros caminhos para o escritor inédito, para o jovem escritor. Há a internet. Há as oficinas literárias. Há os saraus. Há a produção independente.

Folha da Região - A sua palestra será sobre a criação literária na sexta-feira. Que você tem a dizer àquele jovem que descobriu em si a vontade de escrever, a escrita é a linguagem por onde se manifestará a sua subjetividade?

Perissé - Nós somos aquilo que escrevemos, e escrevemos aquilo que somos. Escrever, portanto, é um ato livre, ontológico, carregado de conotações existenciais!

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/