sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 11

Discurso Direto, D. Indireto D. Indireto livre

— Exercícios

1. Leia o texto abaixo:
       Mamãe não gostava que eu deitasse de sapatos        deixe de preguiça menino! mas dessa vez eu estava deitado de sapatos e ela viu e não falou nada        ela sentou-se na beirada da cama e pousou a mão em meu joelho e falou você não quer mesmo almoçar?

       eu falei que não         não quer comer nada?         eu falei que não                     nem uma carninha assada daquela que você gosta? com uma cebolinha de folha lá da horta um limãozinho uma pimentinha          ela sorriu e deu uma palmadinha no meu joelho e eu também sorri         mas falei que não           não estava com a menor fome         nem uma coisinha meu filho? uma coisinha só        eu falei que não        e então ela ficou me olhando e então ela saiu do quarto(...)

       ele não quer comer nada? escutei Papai pergunta e Mamãe decerto só balançou a cabeça porque não escutei ela responder         e agora eles estavam comendo em silêncio        os dois sozinhos lá na mesa em silêncio                          o barulho dos garfo         a casa quieta e fria e triste         o vento zunindo lá fora e nas venezianas de meu quarto

       - você precisa compreender isso, Carlos
        - não posso, Miriam
       - não daria certo
       - não daria Certo?
       - nossos temperamentos não combinam
       - não é verdade
       - assim será melhor para nós dois
       não Miriam não verdade Miriam não é certo Miriam não pode Miriam não pode não pode! ó meu Deus não pode
       Papai estava parado à porta        (..) Carlos eu sei o que você está sentindo ele falou         eu sei como é         é muito aborrecido mesmo        mas há coisas piores sabe?         eu olhei para ele e então ele abaixou a cabeça e de novo estava atrapalhado e de novo eu fiquei com pena dele             eu sei que você gosta muito dela eu sei         eu sei que isso é muito aborrecido mas        ele olhou para mim         não se preocupe papai eu falei         não precisa se preocupar         não é nada         eu sei mas você não almoçou          eu estava sem fome         pois é         e então nós dois ficamos calados         ele tirou o relógio do bolso e olhou as horas         você não quer ir mesmo no Jorge? ele perguntou e eu falei que não         então ele saiu do quarto         escutei ele abrindo o portão e depois os passos dele na calçada         o vento zunia lá fora (...)
(VILELA, Luiz. Eu estava ali deitado. In:
Bosi. Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo. Cultrix, 1978. p. 291-3.)


       Neste trecho do conto de Luiz Vilela há um modo peculiar de registrar o discurso direto, usando espaços em branco para compensar a pouca pontuação.

a) Retire um trecho de discurso direto do texto e procure transcrevê-lo de forma mais tradicional, usando dois-pontos, travessão.

Modelo: Ela sentou-se na beirada da cama e pousou
a mão em meu joelho e falou:
    - Você não quer mesmo almoçar?

b) “Mamãe não gostava que eu deitasse de sapatos         deixe de preguiça menino!” A mãe não falou tal frase naquele momento. Parece que o narrador personagem se recorda dela. Que pontuação você usaria para distingui-la das outras frases que a mãe pronuncia no momento presente? Aspas? Parênteses? Os dois?

c) No texto há um trecho em discurso direto registrado com travessões. Levando em consideração o contexto (isto é, Carlos está chateado por causa do rompimento com a namorada Miriam), responda por que o narrador teria dado destaque especial a este trecho. Em outras palavras, por que este trecho está registrado de maneira diferente do resto do texto?

2. Passe as frases abaixo do discurso direto para o discurso indireto, seguindo o modelo:

Discurso Direto
Modelo:

A mãe gritou com os filhos:
- Chega! Vocês já fizeram muita bagunça hoje.

Discurso Indireto
A mãe gritou com os filhos que parassem, que já tinham feito muita bagunça naquele dia.

João chamou o amigo para brincar e estranhou:

-Você não trouxe tanque de guerra?!
- Não minha mãe não deixou.
- Que tal brincar de esconde-esconde aqui na rua de baixo? – Convidou João tentando animar o amigo
- Não, hoje eu estou triste demais – concluiu Pedro.

João chamou o amigo para... perguntando se ele não... Pedro respondeu que... Então João convidou o amigo, perguntando- lhe se ele... só para animá-lo, mas Pedro concluiu que...

3. Agora passe o discurso direto para o indireto e para o indireto livre, seguindo o modelo:

Discurso direto
Modelo:

O velho homem estava pensativo:
- Por que as coisas têm de ser assim? Como um cão tão esperto pode morrer atropelado?

Discurso indireto
O velho homem estava pensativo e perguntava-se por que as coisas tinham de ser daquele jeito. Como um cão tão esperto pudera morrer atropelado?

Discurso indireto livre
O velho homem estava pensativo: por que as coisas tinham de ser daquele jeito? Como um cão tão esperto pudera morrer atropelado?

Discurso direto
Pela primeira vez a menina visitava um parque de diversões. Exclamava para si mesma:
- Que lindo! Acho que este é o lugar mais incrível do mundo! Já sei: vou dizer a mamãe que quero morar aqui para sempre

Discurso indireto
Pela primeira vez... Exclamava para si mesma que tudo era... que... Então decidiu que ia...

Discurso indireto livre
Pela primeira vez...diversões. Que lindo! Aquele... Já sabia: ia dizer...

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Hermoclydes S. Franco (1929 - 2012)



Nasceu em Niterói, em 26 de maio de 1929.

Aposentado. Advogado e administrador formado, respectivamente, pela Faculdade de Direito de Niterói e pela Universidade Gama Filho.

Começou a escrever literariamente em 1980, quando a preocupação com o que fazer após a aposentadoria, para preencher a mente com algo que pudesse trazer satisfação e impedir que a falta do trabalho pudesse trazer qualquer tipo de isolamento ou insatisfação. Na verdade sempre gostou de literatura, desde a mocidade, de maneira que não houve uma influência direta para que começasse a escrever. A preocupação com a futura aposentadoria levou-o a esse caminho.

Em 1985, iniciou preparativos para ingressar no meio trovadoresco, através da União Brasileira de Trovadores (UBT), o que veio a mostrar-se uma positiva decisão, ocorrendo a filiação à seção do Rio de Janeiro no 2º semestre daquele ano. A aposentadoria viria a concretizar-se em 1991, após 40 anos de trabalho em apenas duas empresas brasileiras: a Cia. Aços Especiais Itabira (ACESITA), de l95l a l973, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1973 a 1991.

Os seus primeiros trabalhos literários de algum valor foram uma versão em quadras da ORAÇÃO DE S. FRANCISCO DE ASSIS (1985), posteriormente musicada pela trovadora -musicista GLORINHA VELLOSO, e o poema “PARQUE ITATIAIA (A Natureza, o Poeta e o Insensato) – 1º premio em Concurso Comemorativo do cinqüentenário dos parques Nacionais Brasileiros (1987).

Não possui livros editados. Apenas diversas plaquetes em edições restritas feitas artesanalmente e distribuídas gratuitamente a amigos. Destes o mais importante é a série “TROVAS, SIMPLESMENTE TROVAS”: 1º VOL/1993; 2º VOL/1998; 3º VOL/2003; o VOL. IV, a em 1998, seguindo o mesmo processo.

Como escritor conheceu perfeitamente suas limitações, mas procurou manter acesa a chama da esperança e jamais deixar de sonhar, apanágio maior dos poetas.

Ao longo de 20 anos de participação em concursos de trovas e de poesias, é natural que possua cerca de 400 premiações nesses certames. Grande é a alegria por ter obtido o 1º prêmio em quadras no I Concurso Algarve/Brasil (1997) e Menção Honrosa no II (1998) e duas Menções Honrosas no Grande Concurso de Quadras de S. João (1993) do Jornal de Noticias do PORTO. Algumas poesias (sonetos e poemas) premiadas em vários estados brasileiros.

A quem começasse a escrever agora, o único conselho que daria seria no sentido de que estude permanentemente todos os meandros de nossa Língua Portuguesa, para não se permitir cometer erros crassos em seus escritos, como ocorre comumente com tantos pseudo-escritores.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 2012.

Fontes:
Portal CEN
Macae News

Hermoclydes S. Franco (Livro de Trovas e Poesias)

Hoje fiquei sabendo que o poeta e trovador Hermoclydes S. Franco faleceu ontem no Rio de Janeiro. Mais uma grande perda para o meio literário brasileiro.

Como amigo e irmão das letras, senti que devia fazer algo para homenagear este grande trovador, deixando gravado os seus textos nas páginas da história da literatura brasileira, por isso abaixo pode-se ler , baixar ou imprimir o Livro de Trovas e Poesias dele.

Abra AQUI 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 632)

Uma Trova de Ademar 

Numa imensidão de Paz,
com imagens que Deus cria,
a natureza se faz
musa da minha poesia.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


A bonança desejada,
além da paz mundial,
é ver a fome zerada
com justiça social.
–Ruth Farah/RJ–

Uma Trova Potiguar 


Sei que tu mesmo não crês
no que diz teu coração...
o teu sim vale um talvez,
teu talvez é quase um não.
–José Lucas de Barros–

...E Suas Trovas Ficaram 


Quanta tristeza me invade
ao sentir chegar meu fim...
E, em meio a tanta saudade,
sinto saudade de mim!...
–Hermoclydes S. Franco/RJ–

Uma  Poesia 


Todo aquele que caçoa
da onisciência divina,
denominando-se ateu,
vai cumprir a sua sina.
Julgando-se muito esperto,
um dia verá de perto,
a “verdade” que ilumina!...
–Francisco Macedo/RN–

Soneto do Dia 

BLINDAGEM.
–Lisieux/MG–


Por fora a armadura de aço escovado
reflete ao redor uma luz fraca e fria
que esconde a tristeza da vida vazia
e o vácuo no peito, desesperançado...

Por fora a dureza de ferro batido
lutando com o mundo que gira ao contrário...
e olhos que buscam reter o cenário
que foi pelo monstro do tempo engolido.

Por fora o sorriso tão seco e gelado,
a voz de aspereza de frio punhal...
Por dentro? O segredo que fica abafado,

o peito em pedaços, repleto de dor...
Por dentro o vazio que não tem igual,
que é marca da vida carente de amor.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Rio de Janeiro Trovadoresco

Livreto 1 com 170 paginas com trovas de trovadores do Rio de Janeiro, até a letra L. Breve o livreto 2
Especial João Freire Filho, falecido esta semana.. 

Leia e/ou faça o download AQUI

 João Freire Filho
Abigail de Araújo Lima Rizzini - Abílio Kac - Adelir Coelho Machado - Agostinho Rodrigues - Ailto Rodrigues
Alba Helena Correa - Albertina Moreira Pedro - Alberto Lima - Alda Pereira Pinto - Alice Alves Nunes -  
Alírio de Oliveira Ramos - Almerinda Liporage - Almir Pinto de Azevedo - Amadeu Laginestra - Ana Maria Motta - Anis Murad - Antonio Carlos Piragibe - Antonio Manoel Abreu Sardenberg - Antonio Seixas - Antonio Werneck - Arthur Nunes da Silva - Benedita Silva Azevedo - Brasil dos Reis - Casimiro de Abreu - Célia Cavalcante - Cid Andrade - Dalmir Penna - Diamantino Ferreira - Dirce Montechiari - Djalda Winter Santos - Edmar Japiassú Maia - Elen Novaes Félix - Elisabeth Souza Cruz - Florestan Japiassú Maia - Francisco Rosetti - Gilson Faustino Maia -
Gumercindo Jaulino - Haroldo Werneck - Hermoclydes S. Franco - João Costa - João Rangel Coelho -  
Josafá Sobreira da Silva - Lamartine Babo - Laurindo Rabelo - Lilian Maial - Lilinha Fernandes - Luna Fernandes

Haicai 6 - Mario Zamataro (Curitiba/PR)


Carolina Ramos (Caderno de Poesias)

RETORNANDO...
DE UMA FESTA POÉTICA


 Obrigada, Senhor, eu Te agradeço
 os dias de emoção que me ofertaste;
 este sol, esta luz, que não tem preço
 e faz do céu azul o seu engaste;

 estes campos viçosos que se estendem
 numa carícia aos olhos que, cansados,
 buscam repouso e o brilho reacendem
 na veludosa ondulação dos prados.

 Obrigada, Senhor, pela ternura
 colhida em cada gesto, em cada olhar...
 ficou mais bela a minha noite escura
 depois do beijo suave do luar.

 Obrigada, Senhor, muito obrigada,
 pela doce esperança que acarinho
 de que a Poesia, que me abriu a estrada,
 me ajude a reencontrar este caminho!

ANSEIO

 Por mais que em convulsões o mundo trema,
 rumo ao caos que implacável nos atinge...
 Por mais, seja negado o suave lema,
 Paz e Amor, que de sangue hoje se tinge...

 Por mais que o desencanto fel esprema
 nas almas secas de quem já nem finge,
 creio, ainda, num Deus que é Luz suprema,
 e é Sol que aclara o Bem e o Mal restringe!

 Mesmo envolta nas sombras da amargura,
 mesmo que os dias sigam mais tristonhos
 e a vida, cada vez menos segura,

 fujo à incerteza que o momento traz
 e, sempre vivo, a incrementar meu sonho,
 eu guardo o anseio de encontrar a Paz!

 A GRANDE MESTRA

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 - Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Gran Mestra da Obra é a própria Vida!

 ENCANTAMENTO

 Como se a luz de um palco se abrandasse
 velada pelas nuances da cortina,
 assim o fim-do-dia inteiro dá-se,
 num cenário de encanto que fascina!

 O sol, como se o leito procurasse,
 reduz o ardor da audácia matutina.
 Um toque de rubor colore a face
 das nuvens com recatos de menina.

 Volta em bando ruidoso o passaredo,
 não é mais dia e não é noite ainda,
 ganham mais vida os galhos do arvoredo!

 A tarde se desfaz... o céu deslumbra...
 e a natureza, cada vez mais linda,
 mergulha, pouco a pouco, na penumbra!

 CONSELHOS DE MÃE

 Meu filho, a vida é dura e fere... e nos magoa...
 mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
 Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
 não permitas que o mal altere o que é verdade!

 Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho,
 sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
 Cada dia que passa é um dia mais risonho,
 quando o amanhã promete as glórias da conquista!

 “Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
 Os caminhos, verás, se abrirão à medida
 que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
 revelar o sentido e o Ideal da tua vida!

 Não temas opressões nem quedas. Persevera!
 Se achares que ao final o saldo não convence,
 reage, continua... a vida tens à espera!
 Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!

ALMA LIBERTA

Ser livre é poder falar e seguir livre depois...

 A paisagem é rude! E triste pobre é o mundo
 onde o sonho fenece à míngua de lugar!
 Onde a Fé e a Esperança habitam caos profundo,
 onde o Amor estertora, exangue a agonizar!

 Olho o ventre da terra, ubérrimo, fecundo,
 a pedir que a semente o venha despertar.
 E vejo a fome rir... levando ao colo imundo
 as vidas que roubou da indigência ou de um lar!

 Clamo! Fechem-me a boca e hei de gritar! Que importa,
 seja selado o vão de minha humilde porta,
 ninguém há de abafar meu grito, meu lamento!

 Clamo! Quebro o silêncio... o vil silêncio imposto!
 - De que serve o mutismo a mascarar meu rosto,
 se tenho a alma liberta e livre o pensamento!?

CÂNTICO DE FÉ

 Manhã de sol, fragrante a maresia!
 A vida a pedir vida, de asa ao vento...
 Cada suspiro alenta o novo dia
 e cada instante vale o novo alento!

 O sonho espera na amplidão vazia...
 E o vazio recua no momento
 em que o Amor se antecipa, na alegria
 de recompor os sonhos em fragmento!

 Ouro jorra do azul. Rebrilha o sol.
 Desdobram-se as alvuras do arrebol
 e em taça cristalina a aurora dá-se!

 O céu é fonte a transbordar de luz!
 E, enquanto a Deus entrego a minha cruz,
 eu bebo Fé nesta manhã que nasce!

SILÊNCIO

 O silêncio sucede à voz da tempestade.
 No silêncio do aroma, inteira dá-se a rosa,
 a oferecer à vida a sua amenidade
 e em silêncio a desfolha a insensatez maldosa!

 Há silêncio no espaço. E densa nebulosa
 guarda estrelas sem conta! A penumbra persuade
 de que se oculta em véus, talvez, porque invejosa
 desses sonhos de luz, de brilho e de verdade!

 Se o silêncio de um beijo, ou tantos que colhemos,
 em transportes de amor, em anseios supremos,
 a vida transformar em pedras contra nós,

 silenciemos, calando a mesquinhez do mundo,
 que não entende a voz do nosso amor profundo,
 nem o amargo e infeliz cansaço de dois sós!

BENDITO SEJA...

 As palavras o tempo apaga e arrasta
 - pétalas soltas, ao sabor do vento...
 O livro é escrínio que resguarda e engasta
 as jóias perenais do pensamento!

 O livro é amigo silencioso. E basta
 que traga em si o gérmen do talento,
 para, banindo a dúvida nefasta,
 mentes clarear e aos sonhos dar alento!

 Bendito o livro que mantém o lume
 do saber, a ajudar a erguer-se um povo
 que na cultura o seu lugar assume!

 Bendito seja quem imita os astros,
 valorizado, a cada instante novo,
 à luz de um livro, que lhe doura os rastros!

SAUDADE

 Roubando idéias sensatas,
 tu queimas, corróis, causticas!...
 Saudade - torturas, matas!
 Mando-te embora mas... ficas!

 Que esta mão, que o verso escreve,
 de minha alma te retire!
 Saudade, a vida é tão breve,
 deixa que eu, livre, respire!

 VI NOS TEUS OLHOS:

 A negação de tudo o que eu sonhara!
 A saciedade, o tédio, a indiferença.
 o desencanto, consequência clara
 da estafa emocional, que o amor dispensa!

 Mentiras, decepções, vi nos teus olhos,
 neles tentando achar sinceridade.
 Vi muita coisa boa entre os escolhos,
 porém, não pude ver felicidade!

PRESENÇA

 Tão feminina e triste, minha amiga,
 não queiras com teu jeito amargo e doce,
 instilar-nos no sangue o fel da intriga:
 - basta o suplício que este adeus nos trouxe!

 Nosso amor é tão grande... não periga!
 Ao teste da distância, confirmou-se.
 Deixa que a vida sua estrada siga...
 Nossa estrada, por ora, bifurcou-se.

 Terna, dizes que beijas seus cabelos...
 Eu asseguro que não tenho zelos
 por estares, fiel, sempre ao seu lado:

 - Ora, saudade, não me fazes ciúmes!
 - Ao lado dele, minha forma assumes
 e, junto a mim, tens o seu rosto amado!

Fonte:
http://www.avspe.eti.br/avspe2012/CarolinaRamos.htm

Nei Lopes (Água de Cuíca)

Nelsinho Leiser é um tremendo cuiqueiro. E no ano passado recebeu um convite pra ir à Alemanha com a bateria de sua escola.

— Alemanha... gringo... legal! Vou descolar uns dólar nessa viagem! Pensou longe o Nelsinho. E aí embarcou pra terra de Schumacher levando umas quinze cuícas sobressalentes: — É estepe... mandou na alfândega, na maior cara de pau. O federal achou engraçado e refrescou.

Em Frankfurt, depois de muito chope preto com lingüiça branca, Nelsinho botou pra quebrar: solou o hino do Flamengo, deu gargalhada, tocou o Brasileirinho, tudo isso numa das cuícas que levou pra vender.

Os gringos ficaram malucos e acharam que era mole. Aí Nelsinho vendeu uma, duas, três... as quinze. A preço de salsicha: 2 marcos cada uma.

Só que os quinze gringos esfregavam, esfregavam e não saía nada. Então, começaram a se encrespar, achando que tinham sido vítimas de um logro.

Foi aí que o Nelsinho Leiser deu o golpe de misericórdia:

— Calma, calma! – É que tem que molhar o pano.

— Com água comum? — pergunta um dos gringos, através de um intérprete brasileiro.

— Não, não! Tem que ser água de cuíca. É  um preparo especial que faz elas até falar Eu tenho aqui...

Vendeu 15 vidrinhos no ato. A 500 marcos cada um.

––––––––
Nei Lopes (1942) é escritor, compositor, pesquisador das culturas da Diáspora Africana, advogado, e mora em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Além dos sambas deliciosos e de grande sucesso que fazem a alegria dos nossos ouvidos é defensor e ativo participante do movimento pela igualdade de direitos da raça negra. Colabora com crônicas para jornais e revistas cariocas.

Fonte:
“171-Lapa-Irajá”, Ed. Folha Seca – Rio de Janeiro. Disponível em http://www.releituras.com/neilopes_cuica.asp

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 631)

Uma Trova de Ademar

João Freire, querido João,
pra ti eu tiro o chapéu...
Serás também campeão,
nos Jogos Florais do Céu!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


A luz se vê facilmente...
Porém o que mais me assombra
é notar que tanta gente
enxerga primeiro a sombra!!!
–Milton Souza/RS–

Uma Trova Potiguar 

 
Amor, sublime ternura,
que brota do coração;
não há paixão sem loucura,
nem terno amor sem paixão.
Hélio de Almeida/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Goianá/MG
Tema  -  SEARA  -  M/H


Planta o amor à tua volta
numa seara sem nome,
que as sementes da revolta
nascem do fruto da fome!
–Carolina Ramos/SP–

...E Suas Trovas Ficaram 


No amor que a nós dois encanta
e, para alguns, é até “crime”,
há tanta ternura, tanta,
que mesmo errado... é sublime!...
–Nádia Huguenin/RJ–

Uma  Poesia 


Todo poeta é irmão
cavando o mesmo garimpo,
na busca rara, incessante,
atrás do cristal mais limpo,
que brilhe e que encante o monte,
onde Deus bebeu na fonte
que bebe a musa do Olimpo!
Prof. Garcia/RN–

Soneto do Dia 

A SERESTA DO ADEUS.
–Larissa Loretti/RJ–


Ages, assim, comigo, indiferente,
e do teu coração fechas a porta...
não vês que nesta noite é comovente
a solidão, mas isso não te importa.

Embora a tua ternura esteja ausente,
a minha poesia o amor exorta,
mesmo sabendo que a palavra mente
e a esperança de ver-te, esteja morta!

Nesta noite, estou só, sem teu carinho.
A minh'alma tristonha se angustia,
as estrelas se apagam, no caminho...

Na varanda do tempo, que me resta?
A rede da saudade que se amplia
e a voz do adeus fazendo uma seresta...

Machado de Assis (Aquarelas: Os Fanqueiros Literários)

Não é isto uma sátira em prosa. Esboço literário apanhado nas projeções sutis dos caracteres, dou aqui apenas uma reprodução do tipo a que chamo em meu falar seco de prosador novato — fanqueiro literário.

A fancaria literária é a pior de todas as fancarias. É a obra grossa, por vezes mofada, que se acomoda à ondulação das espáduas do paciente freguês. Há de tudo nessa loja manufatora do talento — apesar da raridade da tela fina; e as vaidades sociais mais exigentes podem vazar-se, segundo as suas aspirações, em uma ode ou discurso parvamente retumbantes.

A fancaria literária poderá perder pela elegância suspeita da roupa feita, mas nunca pela exigüidade dos gêneros. Tomando a tabuleta por base do silogismo comercial é infalível chegar logo à proposição menor, que é a prateleira guapamente atacada a fazer cobiça às modéstias mais insuspeitas.

É lindo comércio. Desde José Daniel, o apóstolo da classe — esse modo de vida tem alargado a sua esfera — e, por mal de pecados, não promete ficar aqui.

O fanqueiro literário é um tipo curioso.

Falei em José Daniel. Conheceis esse vulto histórico? Era uma excelente organização que se prestava perfeitamente a autópsia. Adelo ambulante da inteligência, ia farto como um ovo, de feira em feira, trocar pela enzinhavrada moeda o pratinho enfezado de suas lucubrações literárias. Não se cultivava impunemente aquela amizade; o folheto esperava sempre os incautos, como a Farsália hebdomadária das bolsas mal avisadas.

A audácia ia mais longe. Não contente de suas especulações pouco airosas, levava o atrevimento a ponto de satirizar os próprios fregueses — como em uma obra em que embarcava, diz ele, os tolos de Lisboa, para uma certa ilha; a ilha era, nem mais nem menos, a algibeira do poeta. É positiva a aplicação.

Os fanqueiros modernos não vão à feira; é um pudor. Mas que de compensações! Não se prepara hoje o folheto de aplicação moral contra os costumes. A vereda é outra; exploram-se as folhinhas e os pregões matrimoniais e as odes deste natalício ou daqueles desposórios. Nos desposórios é então um perigo; os noivos tropeçam no intempestivo de uma rocha tarpéia antes mesmo de entrar no Capitólio.

Desposório, natalício ou batizado, todos esses marcos da vida são pretextos de inspiração às musas fanqueiras. É um eterno gênesis a referver por todas aquelas almas (almas!) recendentes de zuarte.

Entretanto, esta calamidade literária não é tão dura para uma parte da sociedade. Há quem se julgue motivo de cuidados no Pindo — assim como pretensões a semideus da antiguidade; é um soneto ou uma alocução recheadinha de divagações acerca do gênesis de uma raça — sempre eriça os colarinhos a certas vaidades que por aí pululam — sem tom nem som.

Mas entretanto — fatalidade! — por muito consistentes que sejam essas ilusões, caem sempre diante das conseqüências pecuniárias; o fanqueiro literário justifica plenamente o verso do poeta: não arma do louvor, arma do dinheiro. O entusiasmo da ode mede-o ele pelas possibilidades econômicas do elogiado. Os banqueiros são então os arquétipos da virtude sobre a terra; tese difícil de provar.

Querendo imitar os espíritos sérios, lembra-se ele de colecionar os seus disparates, e ei-lo que vai de carrinho e almanaques na mão — em busca de notabilidades sociais. Ninguém se nega a um homem que lhe sobe as escadas convenientemente vestido, e discurso na ponta dos lábios. Chovem-lhe assim as assinaturas. O livrinho é prontificado e sai a lume. A teoria do embarcamento dos tolos é então posta em execução; os nomes das vítimas subscritoras vêm sempre em ar de escárnio no pelourinho de uma lista-epílogo. É, sobre queda, coice.

Mas tudo isso é causado pela falta sensível de uma inquisição literária! Que espetáculo não seria ver evaporar-se em uma fogueira inquisitorial tanto ópio encadernado que por aí anda enchendo as livrarias!

Acontece com o talento o mesmo que acontece com as estrelas. O poeta canta, endeusa, namora esses pregos de diamante do dossel azul que nos cerca o planeta; mas lá vem o astrônomo que diz muito friamente: — Nada! isto que parece flores debruçadas em mar anilado, ou anjos esquecidos no transparente de uma camada etérea, — são simples globos luminosos e parecem-se tanto com flores, como vinho com água.

Até aqui as massas tinham o talento como uma faculdade caprichosa, operando ao impulso da inspiração, santa sobretudo em todo o seu poder moral.

Mas cá as espera o fanqueiro. Nada! o talento é uma simples máquina em que não falta o menor parafuso, e que se move ao impulso de uma válvula onipotente.

É de desesperar de todas as ilusões!

Em Paris, onde esta classe é numerosa, há uma especialidade que ataca o teatro. Reúnem-se meia dúzia em um café e aí vão eles de colaboração alinhavar o seu vaudeville quotidiano. A esses milagres de faculdade produtiva se devem tantas banalidades que por lá rolam no meio de tanto e tão fino espírito.

Aqui o fanqueiro não tem por ora lugar certo. Divaga como a abelha de flor em flor em busca de seu mel e quase sempre, mal ou bem, vai tirando suculento resultado.

Conhece-se o fanqueiro literário entre muitas cabeças pela extrema cortesia. É um tique. Não há homem de cabeça mais móbil, e espinha dorsal mais flexível; cumprimentar para ele é um preceito eterno; e ei-lo que o faz à direita e à esquerda; e, coisa natural! sempre lhe cai um freguês nessas cortesias.

O fanqueiro literário tem em si o termômetro das suas alterações financeiras; é a elegância das roupas. Ele vive e trabalha para comer bem e ostentar. Bolsa florescente, ei-lo dândi apavoneado — mas sem vaidade; lá protesta o chapéu contra uma asserção que se lhe possa fazer nesse sentido. A Buffon escapou esse animal interessante; nem Cuvier lhe encontrou osso ou fibra perdidos em terra antediluviana. Por mim, que não faço mais que reproduzir em aquarelas as formas grotescas e sui generis do tipo, deixo ao leitor curioso essa enfadonha investigação.

Uma última palavra.

O fanqueiro literário é uma individualidade social e marca uma das aberrações dos tempos modernos. Esse moer contínuo do espírito, que faz da inteligência uma fábrica de Manchester, repugna à natureza da própria intelectualidade.

Fazer do talento uma máquina, e uma máquina de obra grossa, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento, e o pudor da consciência.

Procurem os caracteres sérios abafar esse estado no estado que compromete a sua posição e o seu futuro.

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em O Espelho, Rio de Janeiro, 11 e 18/09 e 9, 16 e 30/10/1859.

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 1

Quem faz versos não vive só, tem a mente repleta de ilusão.
Teixeira, Nilton da Costa, Mãe,1979,p.3,Vermelhinho Editora.


RESUMO

Neste trabalho, procuramos oferecer ao leitor um pouco da animação do Movimento de Brasileiro de Trovadores. Temos aqui os detalhes da trova popular e da trova literária no contexto da pluralidade cultural de nossa terra. O passado e o presente deste gênero poético engrandecem a literatura através dos séculos. Apoiamo-nos me em livros de autores consagrados, publicações da União Brasileira de Trovadores – UBT e livros de Jogos Florais para ressaltar as fases desta composição poética de quatro versos heptassílabos com rimas ABAB ou ABCB em conceito atual de trova literária. As trovas com rimas ABAB são as que se exigem em concursos literários do Brasil e do exterior. Busquei em dicionários escolares a definição de trova e trovador e reforcei a definição estatutária da União Brasileira de Trovadores. A UBT maior entidade literária do país e com textos de autoria de Luiz Otávio ofereço ao leitor material que revela a magnitude do movimento criado por Luiz Otávio de forma espontânea  e compartilhada. Temos 101 anos de coletas contínuas de trovas, considerando como marco inicial o volume Descantes. de Adelmar Tavares. No entanto, de épocas distintas temos, Bocage. Fernando Pessoa, Castilho, Olavo Bilac, Emílio de Menezes, Belmiro Braga, Luiz Otávio entre outros que, enriquecem a crônica social com trovas literárias, circunstanciais e de conveniência. Os epigramas e sátiras têm fases marcantes em nossa literatura consagrando a trova através dos séculos. A estrutura poética da trova anima nos dias de hoje a vida literária do Brasil. Como fazer trovas e ser trovador laureado é a  preocupação da maioria de poetas de nossos dias. O ensaio Meus Irmãos, Os Trovadores, de autoria de Luiz Otávio, propiciou o surgimento de uma corrente denominada Movimento Brasileiro de Trovadores. No entanto, a trova, ainda não vive como movimento poético no ensino oficial. O trovador e a trova são donos do universo.  Espero que deixemos de ser terráqueos diante de cantante e rica fonte da cultura brasileira e tenhamos nas salas de aula, à luz da história, alunos e professores envolvidos na arte de escrever e declamar trovas.

Palavras-chave: Jogos Florais, Trova, Trovador, Quadrinhas.

INTRODUÇÃO


A literatura brasileira solidificou-se através das escolas literárias.

                 Nos almanaques e nos livros literários, a trova está presente em todos os estilos: lírica, humorística, política e, sem precisar de erudição, filosófica do jeito que o povo gosta. Na vida escolar, a Trova popular aparece de forma ilustrativa em projetos pedagógicos como em Escola nas Férias (SEESP, 2001, p.49) e Ler e Escrever – Livro de Textos do Aluno (da Educação paulistana, 2005, adotado em 2008 pelo Governo Paulista), revelando a importância da poesia de forma fixa e rimada na aprendizagem dos estudantes

Didática da Trova procura movimentar a importância histórica e literária da trova neste momento em que a poesia ganha força na Educação brasileira. Os quatro versos da trova continuam a buscar maior aceitação escolar. No interesse pelo gênero, novos poetas aparecerão. O Brasil clama por jovens poetas.

O Movimento Literário de Trovadores revela que a trova mantém-se acesa, mas que a produção moderna do gênero, distante dos livros. Os autores de livros didáticos, ainda, desconhecem a definição editada em Meus Irmãos, os Trovadores há mais de cinqüenta anos.

Lembramos que, sem interrupção, há mais de 100 anos, a Trova vem sendo coletada por estudiosos. A trova bem elaborada enobrece a vida de todos nós. Nos anexos, encontramos a fartura cultural dos trovadores, os meios de aprendizagem e envolvimento literário. Como afirma  BELTRÃO (1975, p.18): A trova é, em verdade, sinônimo de amor.         

CAPÍTULO I

A TROVA ATRAVÉS DOS SÉCULOS


 Desde a infância convivemos com a poesia. Inicialmente, com os versinhos do cancioneiro escolar, quando as meninas à frente da classe exercitavam a oralidade com movimentos teatrais.

Eu pedi um copo d´água,
e trouxeram na caneca
Isto mesmo que eu queria,
cinturinha de boneca.
                               (anônima)

Esta é uma quadra muito conhecida entre nós os brasileiros!. Os estudiosos popularizaram a definição: “composição poética de quatro versos de sete sílabas, rimando pelo  menos o segundo com o quarto e tendo sentido completo”. A redondilha maior é conhecida em algumas localidades como versinhos, quadrinha ou verso.

Em recorte de jornal, sem data, tendo apenas iniciais S.S. por assinatura, em  Vida Social,  Penas de Papagaio (Quadras antigas) revela:

Estas quadrinhas foram compostas por mim, há quinze annos, numa noite em que eu e vários amigos e admiradores de Belmiro Braga lhe oferecemos um jantar modesto, no Hotel Garcez, no Rio de Janeiro.

Ó  Belmiro das quadrinhas,
cantor de Minas Geraes;
deixa as máguas, que são minhas,
por favor,  não cantes mais...

Meu coração tambem sente
tudo isto que te magôa...
Meu coração é doente,
meu coração chora atôa...

Tu que zombas da Saudade
que me faz tanto soffrer,
pagarás tua maldade:
de saudade hás de morrer...

Patativa regateira,
que hoje choras na gaiola,
a saudade brasileira,
também chora na viola...
Podemos sentir na ortografia a antiguidade destas quadrinhas em homenagem ao trovador Belmiro Braga, natural de Juiz de Fora (MG) 7/1/1872 e falecido a 31/03/1937. Belmiro Braga, entre outros livros, é autor de Montezinas (1902) e Redondilhas (1934).

Encontramos em Goldstein (1991,p.51)

O verso de sete sílabas, heptassílabo ou redondilha maior, é o mais simples, do ponto de vista das leis da métrica. Basta que a última sílaba seja acentuada, os demais acentos podem cair em qualquer outra sílaba. Talvez por isso ele seja predominante nas quadrinhas e canções populares. O verso tradicional em língua portuguesa, já era freqüente nas cantigas medievais.

Os livros didáticos dos anos trinta a sessenta viviam cheios de quadrinhas que eram lidas e declamadas com freqüência. Naqueles tempos todos sabiam de cor a trova de Jerônimo Guimarães:
              
Até nas flores se encontra,
a diferença de sorte!
umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte!.
                No Almanaque Saúde (Serviço Nacional de Educação Sanitária) - (DF) encontramos esta trova de Gustavo Khulmann:

Quero aprender na virtude,
a honrar a  pátria querida,
conservar minha saúde,”
para ser útil na vida!. (1949, p.30)

 Na vida escolar, ampliamos as leituras poéticas e as noções de versificação. Envolvemo-nos com trovas populares e literárias. Procuramos descobrir novas formas de declamar um mesmo texto. Colecionamos almanaques e revistas. Garimpamos, ainda, nos sebos, quadrinhas da seção humorística  Garotas da  revista O Cruzeiro. À luz da ortografia, FERREIRA, informa com esta quadrinha de Castilho, que, alguns poetas usam, à espanhola, minúscula no princípio de cada verso, quando a pontuação permite:

Aqui, sim, no meu cantinho,
vendo rir-me o candeeiro,
gozo o bem de estar sozinho
e esquecer o mundo inteiro. (1964, p.XXXI)

Verificamos aqui, a preocupação literária quanto à forma (corpo) do poema. Na mensagem (fundo)o poeta fala do bem de estar só, no seu canto,  com a chama do candeeiro (antigo aparelho de iluminação, alimentado por óleo) quando esquece do mundo.

Cândido de Oliveira, em seus livros,divulga trovas com exemplos gramaticais.  No Admissão ao Ginásio (IBEP anos 60, p 21), comenta:

Imaginem que Aleixo, o trovador português analfabeto que tanto admiro, certo dia  foi ridicularizado por um homem que se dizia doutor e que dava a entender que quem não o fosse não poderia ombrear com ele. Aleixo não conversou e improvisou esta:

Uma mosca sem valor
Pousa com a mesma alegria
Na cabeça de um doutor
Como em qualquer porcaria.
(Pedro Bloch)

          O filólogo José Marques da Cruz, também trovador tem trovas de sua autoria, como esta:

São guarda-chuvas de porte,
os amigos que eu conheço:
-quando o vento é muito forte,
viram logo do avesso. (1966, p.377)

Vários prosadores têm quadrinhas em suas obras. José de Alencar tem diversas, como esta em O Sertanejo:
              
Corra, corra camarada,
Puxe bem pela memória;
Quando eu vim de minha terra.
Não foi p’ra contar história. (p.173)
 
Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

Godofredo de Oliveira Neto (Ana e a Margem do Rio)

Em Ana e a margem do rio, publicado em 2002, o autor, Godofredo de Oliveira Neto, cria um universo onde mitos indígenas brasileiros se chocam com valores da civilização ocidental. Uma narrativa fluida e elegante conduzida através de fábulas repletas de paixões, revoltas, frustrações, raivas, medos e ambições presentes nas sociedades, primitivas ou não, do mundo inteiro.

Ana e a margem do rio conta a história de Ana (a narradora), índia da nação Nauá, educada numa missão de freiras em plena floresta amazônica. Ana possui um talento inato: o de escrever. E isso foi notado não apenas pelos professores locais, mas por pesquisadores do Brasil e do exterior. Ana registra em um caderno uma das velhas histórias que ouviu da mãe: a da parceria entre um jacaré e uma jibóia, com o concurso de outros animais e de dois índios que vagam à procura de sua gente, uma odisséia que parece não ter fim, tão complexa é a questão da identidade para os nativos americanos. Assim é também para Ana, cuja história vai sendo contada à medida que sua narrativa avança e se aprofunda, mesclando à lenda Nauá elementos de outras tradições e da própria cultura do colonizador. Quem é essa jovem, tão sensível, tão consciente e ao mesmo insegura de sua própria identidade? Qual dos caminhos que lhe são apresentados ela vai escolher? Em que margem do rio e da vida decidirá ficar?

Aos poucos, a jovem índia, dividida entre o mundo da oralidade, herdado de sua tribo, e a religiosidade, imposta pelo sistema educacional, divide com os amigos as aventuras fabulosas tantas vezes ouvidas de sua mãe. Mas a história vai sendo modificada pela influência que Ana recebe das freiras salesianas.

Em Ana e a margem do rio, o autor intercala, como recurso literário, a vida de Ana e a lenda narrada (A jibóia e o jacaré), separando-as em capítulos escritos na primeira e na terceira pessoas. O efeito é revelar ao leitor as dificuldades da índia de etnia Nauá em montar sua própria identidade, tornando-o cúmplice desse conflito interno. Nessas narrativas, o autor demonstra a dificuldade que Ana enfrenta para montar sua própria identidade. Além disso, como já citado, há narrações de várias lendas amazônicas realizadas por animais, evidenciando o respeito à diferença.

Ana e a margem do rio aborda, ainda, a explicação indígena para os mais diferentes fenômenos naturais e segredos do universo. Com a fala hipotética de animais, Godofredo explora como a tolerância pode, e deve, coexistir com a diferença.

No começo da obra, Ana tenta delinear uma identidade segregada, dividida:

Resolvi, então, escrever uma lenda que sempre ouvi de minha mãe, lenda que ela dizia ter ouvido da minha vó, e assim para trás, até as origens da nossa nação. Eu escutava aquela história maravilhada e tomava cuidado para que mamãe repetisse exatamente os mesmos detalhes [...] Uma viva emoção me invade só de pensar que vou passar para o papel imagens impregnadas do perfume da minha infância e assim perpetuar uma parte da história do povo Nauá [...] Sei que, na lenda, irá também, necessariamente, muito de mim em pedaços de personagens, trechos de rio, pétalas de flores e em fragmentos de reações animalistas humanamente plasmadas. Tudo bem. E vou tentar fugir no texto, do sonho que sempre vem, em que me vejo cercada por animais da floresta que obedecem ao meu canto, rios que escoam sob meu comando, raios que se fixam no céu escuro por minha simples ordem. (2002: 13-14)

Mas, no decorrer da escrita, percebe o intercurso, o entrelaçamento de sujeitos, posições, diferenças e identidades que fazem parte dela, que a constituem como um ser em pleno processo identitário. Mas essa percepção não foi fácil, pois ao mesmo tempo em que decidia aceitar e negar o outro, tinha medo de se perder, de se desfigurar.

Ana está em plena floresta amazônica, mais especificamente Xapuri – Rio Branco. E este lugar é uma das regiões ameaçadas do mundo; e junto com a região, a cultura, as lendas, as histórias, os costumes. Quando percebe que sua escrita está sendo esperada ansiosamente por pesquisadores sulistas e estrangeiros, sente-se ameaçada, vigiada, controlada, e, a partir daí, tenta estabelecer uma territorialização fechada, una, centrada.

Fonte:
Passeiweb

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 630)

Uma Trova de Ademar 

Debruçado sobre a mata,
o luar, tal qual pintor,
pinta as folhas cor de prata
e pinta o chão de outra cor.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Mineira de Monte Santo,
estudei em Paraíso;
Paraná hoje é meu canto
e Londrina o meu sorriso.
–Cidinha Frigeri/PR–

Uma Trova Potiguar 


Por amor, buscando a vida,
procuro os meus sonhos tantos...
Então deixo, em despedida,
as dores e os desencantos.
–Mara Melinni/RN–

Uma Trova Premiada 


2012  -  Caxias do Sul/RS
Tema  -  COR  -  2º Lugar


Num arco-íris de cores,
fui descendo de mansinho
sem, sequer, pisar nas flores,
que plantaste em meu caminho.
–Lisete Johnson/RS–

...E Suas Trovas Ficaram 


Essa Maria - que existe,
chorando nos versos meus,
foi a saudade mais triste,
que alguém deixou num adeus!
–Anis Murad/RJ–

Uma  Poesia 


Dessas ilusões removo
do poeta a profissão,
meu verso flui livremente
sem qualquer obrigação,
muitas vezes, sem querer,
chega um verso, ao bel- prazer,
da mais pura inspiração.
–Hélio Pedro/RN–

Soneto do Dia 
UM BEIJO.
–Olavo Bilac/RJ–


Foste o beijo melhor da minha vida,
Ou talvez o pior...Glória e tormento,
Contigo à luz subi do firmamento,
Contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
E do teu gosto amargo me alimento,
E rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
Batismo e extrema-unção, naquele instante
Por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
Beijo divino! e anseio, delirante,
Na perpétua saudade de um minuto...

Yara Maria Camillo (Noite de Gala)

Passa da uma da manhã. A Missa do Galo foi longa e a fila para beijar os pés do Menino Jesus estende-se, procissão para além do pátio, até a esquina da Rua Glicério.

A Menina arregala os olhos para tudo: esta sua Noite de Gala. Delicia-se com o Hosana das Filhas de Maria e o presépio junto ao altar, onde chegará para beijar os pés do Deus feito Menino.

Não a incomoda, como às vezes ocorre, a mão esquecida da mãe sobre a sua, nem o ajuntamento, nem o olhar do "tio" que, meio-rude-meio-terno, afasta-lhe a outra mão que estava a explorar o nariz meio chato, nariz que é a primeira coisa que ela sente ao acordar, porque a avó o aperta de leve, todas as manhãs, . afilando-o para que assuma a forma do nariz materno, para que perca a qualidade esborrachada, herança do pai, herança de negro. Apenas, a avó, nesse obstinado ato de esculpir um novo nariz, se esquece de arrebitar-lhe a ponta, de modo que com o passar dos anos ele se tomará afilado, sim, mas ligeiramente adunco.

—TIra a mão do nariz — diz o "tio". — É feio.

Ela consente. Peçam-lhe o que quiserem.

A fila anda mais rápido.

— Beijem o Deus Menino e deixem para rezar em volta do presépio; não vamos retardar a fila — adverte o Padre Romano, que a Menina acha muito bonito, assim, vestido de branco.

A poucos passos do altar a mãe se abaixa e avisa:

— Não encoste a boca no Menino Jesus. Beije de longe, que é a mesma coisa.

...Coisa que a Menina não obedece, porque tomada pelo Adeste Fidelis, porque feliz. Sabe que na volta a mãe e o "tio" Rodrigues serão os primeiros a entrar no kitchenette, sabe que ficará na portaria esperando, junto com a avó, enquanto os dois vão ver se os presentes já chegaram.

Sabe e não tem pressa, prolonga com delícia o gozo próximo.

Se a mãe a viu beijar de verdade os pés do Menino, se a viu encostar a boca onde todos encostam, fingiu que não.

A noite é sereno na volta, os quatro dobram a esquina da Rua Oscar Cintra, a Menina de mãos dadas com a avó, e entram no Edifício Ouro Branco.

A mãe passa altiva pelas louras oxigenadas e um marinheiro, todos aglomerados na portaria, tomando champanhe barato com o zelador. Passa altiva, braços dados com o "tio", que assume ares de carranca.

A avó, soltando a Menina, senta-se no banco de madeira, junto à árvore de Natal, armada perto dos elevadores.

A Menina acha bonitas aquelas moças decotadas, de cabelos cor de ouro; sorri de volta aos sorrisos, e também para o marinheiro Rosalvo, que uma vez lhe deu um chinezinho de louça, pelado.

— Eu queria ser bonita como a Nina — ela disse, um dia, à mãe, que comentou com o "tio" a urgência de sair daquele prédio, "antes que a Menina cresça e comece a entender".

Também agora a Menina queria ser Nina, a mais loura, a mais linda; queria ser Rosalvo, que a abraça.

O "tio" volta pelo corredor e avisa que os presentes chegaram. Estabanada ante o gozo iminente, a Menina dispara corredor afora, escorrega no capacho para deslumbrar-se com os jogos, a boneca, uma xícara com desenhos de flores, um vestido amarelo, tanta coisa, um carrossel com cinco cavalinhos que giram como no Parque Xangai.

Foi-se a surpresa, nada mais a esperar. A Menina sabe que agora virá o guaraná e avelã e amêndoas, sabe que virá o sono e então o dia, os dias.

Mas a noite acontece em outro tom: a avó se levanta da mesa e se apóia na guarda da cama, arfante, a mãe atrás. A Menina quer ir para as duas, o "tio" avisa que fique onde está.

— Rodrigues, corre aqui.

O "tio" se ergue, depois de repetir a ordem.

— Acode aqui, Rodrigues.

Não é a primeira vez da avó doente.

— Um táxi. Chama um táxi.

A Menina se agita. Ela pode ajudar? Não pode, e termina o guaraná que de repente perdeu o gosto. Com quem a deixarão dessa vez, se a vizinha, Dona Laura, viajou?

Demora.

A avó respira com dificuldade, dói só de olhar.

Demora.

A mãe reza, lamenta-se, "linda, a minha mãe", pensa a Menina.

Demora.

O "tio" volta, o táxi chegou. A Menina segue os três pelo corredor, a porta ficou aberta.

Na portaria, as mulheres e o marinheiro correm a ajudar. A mãe chama o zelador para pedir que fique com a filha, desiste ao vê-lo cambaleante e solícito.

Com quem deixar a Menina?

— Você fica — o "tio" propõe à Mãe, que não responde, apenas olha todas aquelas pessoas coloridas, não tem muito tempo, a avó arqueja.

- Se o problema é a Menina, pode deixar que eu tomo conta —diz Nina. — Deixe comigo... Senhora.

A mãe, altivez pejada, assente:

— Obrigada... Nina.

— Por nada... Senhora.

A Menina quer juntar a alegria de ficar com Nina a essa hora triste dos seus, da avó que parece um brinquedo quebrado, assim, encolhida.

A mãe avisa a Nina que a porta do kitchenette ficou aberta, agradece, olha a filha, sai. O táxi contorna a praça, entra na contramão na Rua Helena Zerrener e desaparece. Chuvisca.

A sós com tantos ídolos, a Menina quer rir.

— A tal pensa que tem o rei na barriga — ouve Nina dizer. — Grande senhora ela é, só porque tem um caso permanente.

As mulheres brincam com a Menina, inesperada boneca. Uma delas passa-lhe batom. Rosalvo, o marinheiro, promete-lhe uma tiara. De que cor? Azul. Você gosta de azul?

Gosta, a Menina diz que sim. A avó doente vai virando uma dor longínqua, com gosto de ontem; a alegria do agora vai contagiando a Menina, que não sente medo, como quando fica com Dona Laura, que logo a põe na cama e apaga a luz.

Nina deixa que ela experimente o champanhe, um gole só. A Menina quer... E adora.

O tempo não passa, de tão novo. É um olhar demoradamente para cada mulher, brincos, golas, saias, relógios, meias, é um gostar demais do uniforme azul-marinho de Rosalvo. Timidamente, a Menina aponta-lhe o quepe:

— "Seu" Rosalvo, deixa eu ver seu chapéu?

É bom que todos sorriam com ela, o centro, o miolo da flor cujo pólen é inteiro e somente para Nina, que se despede dos outros e, tomando a mão da Menina, pergunta cadê a chave.

— A porta ficou aberta.

— É mesmo.

A mão conducente de Nina é um suave caminho.

— Então é aqui que você mora? Que chique!

Nina é toda sorrisos, a Menina deslumbra-se mil vezes, mostra os presentes, oferece avelãs e amêndoas e nozes. As duas comem e brincam e riem e tudo parece assim, diferente.

— Agora, cama.

— Não.

— Já, gracinha.

O tempo se apaga, a Menina acorda e vê Nina sentada aos pés da cama, fumando, olhando. A luz acesa.

— Mamãe não voltou ainda, meu bem. Pode dormir de novo, que a Nina está aqui com você.

— Nina?

— Que é?

— Eu suei.

— Você o quê?

— Suei.

— Você... — Dos cabelos louros de Nina, que se abaixa para descobri-Ia, exala um perfume forte.

— Deixa eu ver... Ah, você fez pipi. Levanta daí.

Em pé, na cama, a Menina apóia-se na mulher, que lhe tira o vestido e a calcinha.

— Vamos trocar de roupa.

— Erguendo-a nos braços, leva-a até o bidê. — Senta aí pra eu te lavar. Veja se a água está muito fria... Muito fria?

— Não.

— Bom. Então... Pronto.

A toalha não é tão macia quanto as mãos de Nina.

— Agora me diga onde estão suas roupas.

— Ali — a Menina aponta a cômoda.

— Vem.

Nina a coloca em pé sobre o colchão e abre a primeira gaveta.

— Nina, você foi na Missa do Galo beijar o Menino Jesus?

— Você é meu Menino Jesus, benzinho.

Risos. Nina encontra uma camiseta, uma calcinha:

— Tá bom assim?

— Tá.

— Deixa eu te vestir. Dá o pé, louro.

A Menina obedece e enlaça Nina, aspira com deleite o perfume dos cabelos claros. A mulher a aperta contra si. A Menina não quer soltar-se nunca mais.

— Você é meu Menino Jesus — Nina repete, repelindo-a com doçura.

— Jura?

— Juro.

—  Você é linda, Nina. Linda como a Nossa Senhora.

— Não fala assim, gracinha. É pecado.

A Menina se atira no colo que ainda quer rejeitá-la, mas não consegue. E é como se algo nascesse, na noite sem idades.

O marinheiro Rosalvo bate levemente e entra. Com os olhos, Nina lhe pede silêncio. A Menina está quase dormindo. Rosalvo toca o ombro da mulher, deixa que a mão escorregue até os seios. Nina o repele com um tapa. A Menina se mexe um pouco, depois se abandona. Rosalvo volta a apoiar a mão no ombro de Nina, perguntando-se que bicho a terá mordido. Mas não ousa outro gesto e apenas fica ali, imóvel, olhando e olhando.

Num quintal da Rua Tabatingüera, o primeiro galo canta.
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Yara Maria Camillo (1957) nasceu e mora em São Paulo, capital. Escritora, diretora e atriz, desde cedo freqüentou a biblioteca próxima a sua casa, na Vila Buarque. É formada em Comunicações, com especialização em Cinema, pela Faculdade Armando Álvares Penteado - FAAP. 
Fonte:
"Hiatos", RG -  Editores - S. Paulo, 2004. in http://www.releituras.com/ne_ymcamillo_noite.asp