sexta-feira, 22 de julho de 2016

A. A. de Assis (Os Cem Anos do Bom Luiz)

Há exatamente um século, num dia 18 de julho, nasceu na Vila Isabel, coração romântico do Rio de Janeiro, um menino que se chamou Gilson de Castro. Crescendo, fez-se dentista da Aeronáutica, porém logo se revelou sobretudo poeta, rebatizado como Luiz Otávio. Mais que poeta: sobretudo trovador. Mais que simples trovador: o mais brilhante, perseverante e fascinante apóstolo da trova. A partir dele a pequenina quadra milenar trazida de Portugal para o coração brasileiro ganhou dimensão nova, expandiu-se pelo país inteiro e em poucos anos se consolidou como a mais bonita, numerosa e apaixonante escola literária de todos os tempos. Luiz Otávio, o nosso querido e eterno Príncipe, formou a seu redor uma bela multidão de discípulos, reunidos na UBT – União Brasileira de Trovadores. Hoje estamos em todas as regiões do Brasil e em dezenas de países em todos os continentes. Somos uma grande família de irmãos de sonhos. Não somente escrevemos trovas, mas também semeamos fraternidade. Em nossas reuniões, em nossas festas, em nossos concursos, em nossos boletins, informativos, sites, blogues, em nossos muitos e variados encontros, dando prova de que mesmo num mundo tumultuado é possível viver em grau de excelência o dom da amizade. Foi o que mais aprendemos com o bom Luiz desde os anos 1950, quando, sob a sua carinhosa liderança, passamos a fazer da trova o nosso modo de colocar a arte literária a serviço de um mundo mais alegre e puro. Neste mês de julho todas as honras apontam para o centenário de Luiz Otávio. Também nós queremos partilhar o grande momento. Cheios de saudade e ao mesmo tempo cheios de orgulho pela convicção de que temos de sabido preservar, valorizar e difundir a trova em todos os lugares e em todas as ocasiões. Que lá onde hoje tiver o seu parnaso o bom Luiz continue a inspirar, iluminar e abençoar por todo o sempre os nossos versos.

Fonte:
Revista Trovamar - julho/2016. Editorial.

Folclore Japonês (O Samurai e a Raposa Encantada)

Uma tarde, em seu caminho para casa, passava ele pelo portal “Shujaku” do palácio Imperial,  quando ele viu uma jovem de figura extremamente graciosa, trajando um belo kimono de seda,  parada na avenida principal.

Ela lhe pareceu tão linda com seus cabelos negros, como as penas de um corvo flutuando na brisa gentil, que o jovem samurai ficou imediatamente fascinado pela imagem.  Ele se aproximou da garota e a convidou para entrar no jardim do palácio e conversar um pouco com ele. A menina, parecendo interessada no jovem samurai, concordou com grande alegria.

O jovem casal passou boa parte do tempo em um local tranquilo do jardim animadamente conversando. Logo as estrelas começaram a brilhar luzindo aqui e ali no céu e mesmo a silhueta da Via Láctea surgiu. Disse o jovem bem perto do ouvido da menina: “Nós nos encontramos aqui, eu devo dizer, por uma feliz graça da providência divina.  Por isso, você deve aceitar o que peço – de todas as formas. Nós devemos compartilhar os mesmos sentimentos. Eu sinto que te amo desde o momento em que a vi, e acho que você me ama também”.

O que lhe respondeu a garota enrubescida: “Se eu concordar com todos seus pedidos, pobre de mim! eu morrerei. Este será meu destino”.

“Seu destino morrer?” – as palavras dela ecoaram na cabeça do samurai – “isso é impossível. Você está simplesmente dizendo isso para evitar-me.”

E tentou segurá-la em seus braços. A garota se libertou de seu abraço e disse:

“Eu sei que você tem outra e está dizendo que me ama no calor do momento. Eu estou chorando porque eu sei que vou morrer por causa de um homem caprichoso.”

Ele negou tudo o que ela disse, de novo e de novo até que ela consentiu em acompanhá-lo.  Nesse meio tempo as estrelas e a Via Láctea estavam reluzindo com todo o brilho nos céus. Havia uma noite propicia ao romance no ar… Eles encontraram um lugar na vizinhança e passaram a noite juntos.

Um grilo solitário foi ouvido cantando através da noite… O sol de verão apareceu cedo. A garota com a tez pálida, então disse:

“Agora voltarei para casa – para morrer, como te avisei ontem à noite.  Quando eu me for, por favor, recite preces pelo descanso de minha penosa alma copiando o “Sutra de Lotus” e os oferecendo para o misericordioso Buda”.

O jovem apenas consentiu: “É à maneira do mundo que um homem e uma mulher fiquem assim tão próximos um do outro. Você não está destinada a morrer por causa disso.  Entretanto se você morrer, eu não vou falhar com você. Eu prometo”.

A garota disse tristemente, tentando ajeitar seu longo cabelo:

“Percebo que ainda não acredita em minhas palavras, mas, se você se importar em saber se o que falo é verdade ou não, vá até a vizinhança de “Butoku-den”  esta manhã”.

O jovem samurai não conseguia acreditar no que dizia a linda garota.

Ela terminou num tom pesaroso: “Deixe-me ficar com seu leque como uma boa lembrança dessa noite?”

Ele entregou o leque a triste menina. Tomou-lhe as mãos e olhou direto nos seus olhos embaçados. Então a seguiu até lá fora, e ficou parado até que a figura desapareceu no véu cinza da manhã cinzenta.

O jovem não conseguiu sequer cogitar sobre as trágicas palavras da garota . Entretanto, durante a manhã ele foi até aos lados de  “Butoku-den”, principalmente, porque estava muito ansioso para descobrir o seu verdadeiro destino.

Lá ele viu uma velha senhora sentada em uma pedra, chorando amargamente.

Consternado, aproximou-se da velha senhora: “Por que a senhora está chorando assim?  Qual o problema minha senhora?” perguntou a ela.

“Eu sou a mãe da jovem que você viu perto do portão de “Shujaku” na noite passada.  Ela está morta agora,” ela respondeu.

“Morta?” o rapaz respondeu com um olhar incrédulo. “Sim, ela está morta.  Eu fiquei aqui esperando por você, para lhe dar a triste notícia. O corpo dela está bem ali.”

Assim dizendo, a velha senhora apontou para um canto do grande salão, desaparecendo como mágica no momento seguinte.

O jovem  samurai, aproximando-se do lugar apontado, encontrou uma jovem raposa morta no chão, seu rosto coberto com um leque branco aberto, o leque dado por ele!

“Então essa raposa era a garota que encontrei noite passada, uma kitsune!” disse pesaroso por si mesmo.  Ele em nada podia ajudar, e sentiu muita pena pela pobre raposa fria ali deitada. Então retornou para casa sentindo o coração pesar no peito.

Profundamente tocado, começou a copiar imediatamente o “Sutra de Lotus”, assim como foi pedido pela raposa enquanto na forma da linda garota.  Ele achou a tarefa muito difícil de continuar. Porém, ele copiou um sutra por semana oferecendo-o a Buda, e rezou dia e noite pelo descanso da alma da raposa encantada morta.

Uma noite, cerca de seis semanas depois, o jovem samurai teve um estranho sonho no qual ele encontrava a linda jovem. Ela parecia tão nobre e divina que ele pensou que se tratava de uma ninfa celestial. Disse a jovem em seu sonho:

“Apesar do que aconteceu, você me salvou ao escrever o “Sutra de Lotus” e oferecer muitos deles ao generoso Buda. Através de seus esforços, renasci no “Paraíso” livre de pecado. Serei eternamente grata a você!”. Desaparecendo da mesma forma em seguida, e, deixando em paz e livre de seu pesar, o coração do jovem samurai.

Fonte:

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Humberto de Campos (O Monstro)

Pelas margens sagradas do Eufrates, que fugia, então, sem espuma e sem ondas, caminhavam, na infância maravilhosa da Terra, a Dor e a Morte. Eram dois espetros longos e vagos, sem forma definida, cujos pés não deixavam traços na areia. De onde vinham, nem elas próprias sabiam. Guardavam silêncio, e marchavam sem ruído olhando as coisas recém-criadas.

Foi isto no sexto dia da Criação. Com o focinho mergulhado no rio, hipopótamos descomunais contemplavam, parados, a sua sombra enorme, tremulamente refletida nas águas. Leões fulvos, de jubas tão grandes que pareciam, de longe, estranhas frondes de árvores louras, estendiam a cabeça redonda, perscrutando o Deserto. Para o interior da terra, onde o solo começava a cobrir-se de verde, velando a sua nudez com um leve manto de relva moça, que os primeiros botões enfeitavam, fervilhava um mundo de seres novos, assustados, ainda, com a surpresa miraculosa da Vida. Eram aves gigantescas, palmípedes monstruosos, que mal se sustinham nas asas grosseiras, e que traziam ainda na fragilidade dos ossos a umidade do barro modelado na véspera. Algumas marchavam aos saltos, o arcabouço à mostra, mal vestidas pela penugem nascente. Outras se aninhavam, já, nas moitas sem espinhos, nos primeiros cuidados da primeira procriação. Batráquios de dorso esverdeado porejando água, fitavam mudos, com os largos olhos fosforescentes e interrogativos, a fila cinzenta dos outeiros longínquos, que pareciam, à distância, à sua brutalidade virgem, uma procissão silenciosa, contínua, infinita, de batráquios maiores. Auroques taciturnos, sacudindo a cabeça brutal, em que se enrolavam, encharcadas e gotejantes, braçadas de ervas dos charcos, desafiavam-se, urrando, com as patas enfiadas na terra mole.

Rebanho monstruoso de um gigante que os perdera, os elefantes pastavam em bando, colhendo com a tromba, como ramalhetes verdes, moitas de arbustos frescos. Aqui e ali, um alce galopava, célere. E à sua passagem, os outros animais o ficavam olhando, como se perguntassem que focinho, que tromba, ou que bico, havia privado das folhas aquele galho seco e pontiagudo que ele arrebatava na fuga. Ursos primitivos lambiam as patas, monotonamente. E quando um pássaro mais ligeiro cortava o ar, num voo rápido, havia como que uma interrogação inocente nos olhos ingênuos de todos os brutos.

Em passo triste, a Dor e a Morte caminham, olhando, sem interesse, as maravilhas da Criação. Raramente marcham lado a lado. A Dor vai sempre à frente, ora mais vagarosa, ora mais apressada; a outra, sempre no mesmo ritmo, não se adianta, nem se atrasa. Adivinhando, de longe, a marcha dos dois duendes, as coisas todas se arrepiam, tomadas de agoniado terror. As folhas, ainda mal recortadas no limo do chão, contraem-se, num susto impreciso. Os animais entreolham-se inquietos e o vento, o próprio vento, parece gemer mais alto, e correr mais veloz à aproximação lenta, mas segura, das duas inimigas da Vida.

Súbito, como se a detivesse um grande braço invisível, a Dor estacou, deixando aproximar-se a companheira.

Para que mistério - disse, a voz surda, - para que mistério teria Jeová, no capricho da sua onipotência, enfeitado a terra de tanta coisa curiosa?

A Morte estendeu os olhos perscrutadores até os limites do horizonte, abrangendo o rio e o Deserto, e observou, num sorriso macabro, que fez rugir os leões:

- Para nós ambas, talvez...

- E se nós próprias fizéssemos, com as nossas mãos, uma criatura que fosse, na terra, o objeto carinhoso do nosso cuidado? Modelado por nós mesmas, o nosso filho seria, com certeza, diferente dos auroques, dos ursos, dos mastodontes, das aves fugitivas do céu e das grandes baleias do mar. Tra-lo-íamos, eu e tu, em nossos braços, fazendo do seu canto, ou do seu urro, a música do nosso prazer... Eu o traria sempre comigo, embalando-o, avivando-lhe o espírito, aperfeiçoando-lhe à alma, formando-lhe o coração. Quando eu me fatigasse, tomá-lo-ias, tu, então, no teu regaço... Queres?

A Morte assentiu, e desceram, ambas, à margem do rio; onde se acocoraram, sombrias, modelando o seu filho.

- Eu darei a água... - disse a Dor, mergulhando a concha das mãos, de dedos esqueléticos, no lençol vagaroso da corrente.

- Eu darei o barro... - ajuntou a Morte, enchendo as mãos de lama pútrida, que o sol endurecera.

E puseram-se a trabalhar. Seca e áspera, a lama se desfazia nas mãos da oleira sinistra que, assim, trabalhava inutilmente.

- Traze mais água! - pedia.

A Dor enchia as mãos no leito do rio, molhava o barro, e este, logo, se amoldava, escuro, ao capricho dos dedos magros que o comprimiam. O crânio, os olhos, o nariz, a boca, Os braços, o ventre, as pernas, tudo se foi formando, a um jeito, mais forte ou mais leve, da escultora silenciosa.

- Mais água! - pedia esta, logo que o barro se tornava menos dócil.

E a Dor enchia as mãos na corrente, e levava-a à companheira.

Horas depois, possuía a Criação um bicho desconhecido. Plagiado da obra divina, o novo habitante da Terra não se parecia com os outros, sendo, embora, nas suas particularidades, uma reminiscência de todos eles. A sua juba era a do leão; os seus dentes, os do lobo; os seus olhos, os da hiena; andava sobre dois pés, como as aves, e trepava, rápido, como os bugios.

O seu aparecimento no seio da animalidade alarmou a Criação. Os uros, que jamais se haviam mostrado selvagens, urravam alto, e escarvavam o solo, à sua aproximação. As aves piavam nos ninhos, amedrontadas e os leões, as hienas, os tigres, os lobos, reconhecendo-se nele, arreganhavam o dentes ou mostravam as garras, como se a terra acabasse de ser invadida, naquele instante, por um inimigo inesperado.

Repelido pelos outros seres, marchava, assim, o Homem pela margem do rio, custodiado pela Dor e pela Morte. No seu espirito inseguro, surgiam, às vezes, interrogações inquietantes. Certo, se aqueles seres se assombravam à sua aproximação, era porque reconheciam, unânimes, a sua condição superior. E assim refletindo, comprazia-se em amedrontar as aves, e em perseguir em correrias desabaladas pela planície, ou pela margem do rio, esquecendo por um instante a Dor e a Morte, os gamos, os cerdos, as cabras, os animais que lhe pareciam mais fracos.

Um dia, porém, orgulhosas do seu filho, as duas se desavieram, disputando-se a primazia na criação do abantesma.

- Quem o criou fui eu! - dizia a Morte. - Fui eu quem contribuiu com o barro!

- Fui eu! - gritava a outra. - Que farias tu sem a água, que amoleceu a lama?

E como nenhuma voz conciliadora as serenasse, resolveram, as duas, que cada uma tiraria da sua criatura a parte com que havia contribuído.

- Eu dei a água! - tornou a Dor.

- Eu dei o barro! - insistiu a Morte.

Abrindo os braços, a Dor lançou-se contra o monstro, apertando-o, violentamente, com as tenazes das mãos. A água, que o corpo continha, subiu, de repente, aos olhos do Homem, e começou a cair, gota a gota... Quando não havia mais água que espremer, a Dor se foi embora. A Morte aproximou-se, então, do monte de lama, tomou-o nos ombros, e partiu…

Fonte:
Humberto de Campos. O Monstro e outros contos. Domínio Público.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Folclore Japonês (Kitsune, O Noivo da Raposa Encantada)

Essa é uma antiga história que surgiu no século VIII, durante o reinado do imperador Kinmei no Japão. Conta a lenda que um rapaz que vivia em Mino-no-Kuni, atualmente prefeitura de Gifu, certo dia montou em um belo cavalo branco e decidido, saiu à procura de uma linda noiva para com ela casar. Depois de muito cavalgar, em uma grande planície, avistou uma linda jovem colhendo flores silvestres. Ele ficou admirado com a beleza da encantadora menina, que percebendo sua presença, abriu um belo sorriso. Seus olhares se cruzaram e ele sentiu um estranho brilho em suas pupilas, como intencionassem seduzi-lo…

O rapaz tomado de súbita coragem, aproximou-se educadamente com o coração cheio de alegria. Descendo de seu cavalo, dirigiu algumas palavras a ela: 

– O que faz tão bela donzela nesta planície florida? 

– Caminhando à procura, quem sabe, de alguém que possa preencher meu coração!

O rapaz levou um choque de encantamento e, timidamente, propôs: 

– Gentil menina queira eu poder ser essa pessoa! Aceita ser minha noiva?

Um tanto ruborizada, a garota abaixou os olhos e respondeu: 

– Eu aceito!

Poucos dias depois, o rapaz voltou para sua casa na companhia da bela garota. A vila inteira se reuniu e, então, foi realizada uma grande festa de casamento.

Assim, o tempo passou e o casal vivia muito feliz.  Tempo depois, a jovem esposa engravidou e no dia 15 de Dezembro, um filho saudável nasceu. Exatamente naquela data e hora, a cadela que o rapaz criava em sua casa, desde que era menino, também teve um filhote. Os dias foram passando e o cachorrinho, todas as vezes que via a bela mulher do lavrador, começava a rosnar irritado, mostrando-lhe os dentes. Por vezes, chegou ameaçar atacar, deixando-a tremendo de medo. Um dia, ela pediu ao marido: 

– Por favor, meu querido marido, livre-se desse filhote de cachorro que vive me atormentando. Porém, seu marido ficou com dó do cachorrinho.

O tempo foi passando, chegando meados de Fevereiro; época de pilar o arroz em casca para fazer o beneficiamento. Então, a bela esposa entrou na despensa onde estava o pilão e o almofariz, para preparar a refeição da tarde. De repente, a cadela, mãe do filhote, avançou rosnando e atacou a mulher saltando sobre ela enfurecida. Ela ficou paralisada de medo e tremendo de pavor. Ao ouvir os gritos, o marido correu em seu socorro. Mas o que ele viu o deixou ainda mais espantado.

Sua bela esposa estava se transformando em uma raposa. Imediatamente, a raposa subiu sobre um armário para fugir dos dentes afiados da cadela e disse ao marido: 

– Desculpe-me querido, a cadela quebrou meu encanto e, num momento de pânico, acabei por revelar minha forma original. Como pode ver, não sou humana, e sim uma raposa. Mas, creia, eu te amo como ninguém mais poderia amar nesse mundo! Tivemos uma bela convivência como marido e mulher. Embora por um período curto, nós fomos muito felizes. A prova da nossa felicidade é essa linda criança, ela é fruto de nosso amor. Sei que, conhecendo minha verdadeira origem, é impossível permanecermos casados, por isso retornarei a floresta – assim, saltando pela janela, a raposa desapareceu na mata.

A raposa encantada em forma de mulher foi chamada de kitsune. Dizem que a raposa voltava todas as noites para dormir com seu marido humano.  Mas, na realidade, ela voltava apenas nos sonhos do jovem lavrador. Certa ocasião, a raposa encantada veio visitar o marido trajando um lindo quimono. Seu longo traje tinha a cor rosa do alvorecer e uma elegância indescritível. Mas, tomada pelo vento, ela foi flutuando para um lugar distante e desconhecido.

Desde então, o jovem nunca mais sonhou com sua encantada. Porém, aquela visão ficou gravada em sua mente e ele não conseguiu esquecê-la. O saudoso marido passou a escrever poemas e recitá-los repetidamente em homenagem a sua amada. Com o passar dos anos, o garoto, filho do lavrador e da raposa, cresceu e se tornou um rapaz de força e rapidez sem igual. O jovem, muito popular na província, acabou se tornando o organizador dos Festivais da Primavera e da Colheita. E, por ele ser conhecido como filho da raposa encantada (kitsune), o cargo de organizador dos festivais, passou a ser chamado de Kitsune-no-atae.

Fonte: 
Myths and legends of ancient Japan

terça-feira, 19 de julho de 2016

Folclore Japonês (Hakuja no Myojin, O Deus Serpente Branca)

Hakuja no Myojin é um dos mais antigos contos do folclore japonês, conta a história de Harada Kurando, que foi um dos principais vassalos do Senhor de Tsugaru. Ele era um espadachim notável e mestre de aulas de esgrima. Durante essa época, havia entre os vassalos outro mestre, Gundayu, que também ensinou esgrima, mas não era páreo para o famoso Harada, e consequentemente tinha ciúmes de seu adversário, o que acabou provocando um dramático conflito…

Um dia, para incentivar a arte da esgrima entre seus vassalos, o Daimio (Senhor Feudal) de Tsugaru, convocou todo o seu povo e ordenou-lhes para promover uma competição de esgrima em sua presença.

Após os vassalos mais jovens realizarem sua apresentação, o Daimio deu uma ordem para que Harada Kurando e Hira Gundayu competissem entre si. Para o vencedor, ele disse, iria entregar uma imagem de ouro da “Deusa de Kwannon”.

Ambos os homens vedados, deram o seu melhor, provocando grande excitação entre os presentes. Gundayu nunca tinha competido dessa forma antes, mas Harada era muito melhor. Ele ganhou o jogo, recebendo a imagem de ouro de Kwannon das mãos do próprio Daimio que entusiasmado aplaudia alto.

Gundayu deixou o local da competição, fervendo de ciúmes e jurando vingança. Acompanhado de quatro de seus fiéis amigos, que disseram, iriam ajudá-lo a atacar de surpresa Harada naquela mesma noite. Tendo organizado esse plano covarde, passaram a se esconder na estrada onde Harada deveria atravessar em seu retorno para casa.

Durante três horas eles ali permaneceram carregados de más intenções. Por fim, ao luar viram Harada aproximar-se cambaleando, pois, como era natural em tal ocasião, ele tinha com os amigos, se entregado livremente ao sakê.

Gundayu e seus quatro companheiros saltaram contra ele, Gundayu gritando: “Agora você vai ter que lutar até a morte”.

Harada tentou sacar sua espada, mas estava lento e com a cabeça girando devido à bebida. Gundayu não esperou, jogando-o ao chão e matando-o. Os cinco vilões, então vasculhando suas roupas, encontraram a estátua de ouro de Kwannon, e fugiram, para nunca mais aparecer nos domínios do Senhor de Tsugaru.

Quando o corpo de Harada foi encontrado gerou uma grande tristeza no povoado.

Yonosuke, filho de Harada, um garoto de dezesseis anos, jurou vingar a morte de seu pai, obtendo a permissão especial do Daimio para matar Gundayu da forma como escolhesse, pois o seu desaparecimento, era prova suficiente de que ele fosse o assassino.

Naquele mesmo dia, o jovem estabeleceu  sua caça a Gundayu. Ele vagou sobre o país durante cinco longos anos sem ter a menor pista de seu paradeiro, mas, ao final desse tempo, e com a orientação de Buda, ele localizou seu inimigo em “Gifu”, onde ele estava agindo como mestre de esgrima para o senhor feudal daquele lugar.

 O jovem Yonosuke descobriu que seria difícil conseguir cumprir sua missão, pois Gundayu quase nunca saía do castelo. Ele decidiu então mudar o seu nome para o de Ippai, e se candidatar a uma vaga na casa de Gundayu como “chugen” (atendente privado de um samurai).

Neste intento, Ippai (como Yonosuke agora era chamado) foi particularmente bem sucedido, pois como Gundayu tinha necessidade de tal atendimento, ele conseguiu o posto.

No dia 24 de junho, uma grande festa foi realizada na casa de Gundayu, sendo o quinto aniversário do seu serviço ao clã. Ele colocou a imagem de ouro roubada da Deusa Kwannon no Tokonoma (espécie de altar japonês, espaço elevado cerca de cinco centímetros acima do chão, onde as imagens e as flores são colocadas). Um jantar foi dado por Gundayu aos seus amigos, todos eles beberam tanto que adormeceram profundamente. No dia seguinte, a imagem de Kwannon tinha desaparecido.

Poucos dias depois Ippai ficou doente, e devido à pobreza, não foi capaz de comprar remédio adequado a sua doença, febril ele ia de mal a pior. Seus companheiros de serviço foram gentis com ele, mas eles não podiam fazer nada para melhorar sua condição. Ippai não parecia se importar, ele estava deitado em sua cama e parecia quase feliz por estar ficando cada vez mais fraco. Tudo o que ele pediu foi que um ramo de sua Omoto favorita (Rhodéa japonica) fosse mantida em um vaso próximo a sua cama, para que ele pudesse vê-lo continuamente, e este simples pedido foi naturalmente cumprido.

No outono, Ippai silenciosamente morreu e foi sepultado. Depois do funeral, quando os funcionários estavam limpando o quarto em que ele tinha morrido, notaram com espanto, que uma pequena cobra branca estava enrolada em volta do vaso que continha a Omoto. Eles tentaram removê-la, mas ela se enrolou apertado, por fim, eles jogaram o vaso na lagoa. Para sua surpresa, a água não teve efeito sobre a serpente, que continuou a agarrar-se ao vaso. Sentindo que havia algo estranho com a cobra, eles queriam enviá-la para longe. E, lançando uma rede, trouxeram o vaso com a cobra para tentar soltá-la, mais sem sucesso, lançaram mais uma vez o vaso em um córrego. Como da outra vez, fez pouca diferença, a cobra mudou um pouco sua posição, de modo a manter-se presa ao ramo da Omoto sem cair fora do vaso.

Por esta altura, houve grande consternação entre os servos, e a notícia se espalhou para as diferentes casas dentro dos portões do castelo. Alguns samurais desceram ao rio para ver, e encontraram a cobra branca ainda firmemente enrolada ao ramo sobre o vaso. Um dos samurais desembainhou sua espada e fez um corte na serpente, que soltou e fugiu.  Mas o vaso foi quebrado, e para o espanto de todos, a imagem do Kwannon caiu no córrego, juntamente com uma autorização do Senhor Feudal de Tsugaru para matar um homem, cujo nome foi deixado em branco.

O samurai que tinha quebrado o vaso e encontrou o tesouro perdido, parecia particularmente satisfeito, e apressou-se em dar a Gundayu a boa notícia, mas em vez de ficar feliz, ele demonstrou sinais de medo. Gundayu tornou-se pálido mortal quando ouviu a história da morte de Ippai e da aparência extraordinária da cobra branca misteriosa. Ele tremia quando percebeu que Ippai não era menos que Yonosuke, filho de Harada, cuja presença após o assassinato ele sempre temera.

Fiel ao espírito de um samurai, no entanto, Gundayu ‘se recompôs’, e professou grande prazer a pessoa que trouxe a imagem de Kwannon. Além disso, para celebrar a ocasião, ele deu uma grande festa naquela noite. Curiosamente, o samurai que tinha quebrado o vaso e recuperou a imagem tornou-se subitamente doente, e não pôde comparecer.

Por volta das 10:00, depois de ter se despedido de seus convidados, Gundayu retirou-se para sua cama. No meio da noite, ele acordou com o que ele considerava ser um terrível pesadelo. Havia uma sensação de asfixia em sua garganta, ele se contorcia e tossia; ruídos borbulhantes procederam de sua boca de tal forma que ele despertou sua esposa, que em terror acendeu uma vela. Ela viu então uma cobra branca enrolada firmemente em volta da garganta de seu marido, seu rosto estava roxo, e seus olhos esbugalhados se destacaram dois centímetros de seu rosto.

Ela pediu ajuda, mas já era tarde demais. À medida que um jovem samurai veio correndo, seu mestre de esgrima, com o rosto desfigurado morreu.

No dia seguinte, houve uma investigação no castelo. Mensageiros foram enviados para o Senhor de Tsugaru para saber sobre a história do assassinato de Harada Kurando, pai de Yonosuke, ou ‘Ippai’, descobrindo que Gundayu, tinha estado a seu serviço.

Tendo verificado a verdade, o Senhor de Gifu, movido pelo seu zelo de pai, e comovido pela história de Yonosuke  no cumprimento das suas funções filiais, enviou de volta a estátua de ouro de Kwannon à família enlutada de Harada. E em homenagem, ele adorou a  cobra morta em um santuário erguido no sopé da Montanha  Kodayama.  O espírito ainda é conhecido como Hakuja  no Myojin,  “O Deus Serpente Branca”

Fonte 

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Carolina Ramos (Se ele não tivesse nascido...)

Poema do Centenário de Luiz Otávio (1916 - 2016 )

Se ele não tivesse nascido...

Nossos olhos não leriam estas palavras,
nem tu... nem eu seríamos o que somos,
se ele não tivesse nascido!...
A Trova, mera quadrinha... 
passaria por nós, despercebida, sem que nela sentíssemos
a magia que cativa e que aglutinaria
a imensa família, de Irmãos de sonhos e ideais... que somos!
Se ele não tivesse nascido... seríamos, por acaso, Trovadores?!
A desfrutar da Trova as glórias que nos dá,
vagaríamos (sem bússola) bagagem nas mãos,
pelos escaninhos deste Brasil, tão grande...
tão somente para ver nosso nome, entre outros nomes,
valorizado por gente que sente, que sonha e que canta como nós?!

Ah!...Se ele não tivesse nascido!
Nossas alegrias, por certo, seriam menores!...
Dias monótonos!... sonhos não sonoros... menos ricos ... e sem cor!
Nossas vidas, pobres de emoções... e tão menos felizes!
Fala, por nós, a voz deste poema: 
- Somos gratos! 

Gratos somos a ti, LUIZ OTÁVIO!
Sendo quem foste... e sendo o que ainda és... 
pudemos , também, ser o que hoje somos!
Um Templo abriste... E nos chamaste a entrar!
São tuas as saudades e os louvores,
daqueles que , feliz, tu abraçaste
e, na emoção do abraço, transformaste
em teus fiéis IRMÃOS... OS TROVADORES!

domingo, 17 de julho de 2016

Emiliano Perneta (Poemas Escolhidos)

IGUAÇU

Ó rio que nasceu onde nasci, ó rio
Calmo da minha infância, ora doce, ora má,
Belo estuário azul, espelhado e sombrio,
Quanto susto me deu, quanto prazer me dá!

Quantas vezes eu só, nestas manhãs de estio,
Ao vê-lo deslizar, pomposamente, lá,
Pálido não fiquei, tão majestoso vi-o,
Orgulho do Brasil, glória do Paraná!

Companheiro ideal! Durante toda a viagem,
Foi o espelho fiel a refletir a imagem,
Dos mantos e dos céus, discorrendo através

Da floresta, ora assim como um cão veadeiro,
A fugir, a fugir alegre e alvissareiro,
Ora deitado aqui quase a lamber-me os pés!
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O BRIGUE

Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama
Ei-lo em sonho, a partir, e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se, mais gentil do que uma dama...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerta, o coração batendo, o olhar aceso...

Mas a nau continua oscilando, oscilando...
Ó quando eu poderei, também, partir, ó quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?
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SONETO DO HERÓI

Conheço que não sou o homem que se procura,
O herói moderno, o herói vibrante, o herói do dia,
Que num largo esplendor de brônzea envergadura,
Com desdenhoso olhar a crença repudia.

Pode ser que também não passe de uma pura,
E de uma inquieta, e de uma doida fantasia,
De quimera banal, e de grande loucura,
O vinho que me exalta, a fé que me inebria.

Sei que é belo exclamar que não existe nada;
Que a flor das ilusões, como rútila espada,
A dúvida voraz ceifou pela raiz...

Sei de tudo; porém, sob o céu que nos cobre,
Sinto, elevando as mãos, e humilde como um pobre,
Que no seio de Deus adormeço feliz!
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FOGO SAGRADO

Ao pôr do Sol — que é uma falua
De vela para o Pesadelo...
Calção de rendas amarelo,
Fino gibão, cabeça nua,

Ei-lo! Não sei que sete-estrelo
Cobre-o! Não sei que azul flutua!
Montado num ginete em pêlo
A par e passo com a lua!

Seguiu, ligeiro, ligeiro;
Passam cavalo e cavaleiro
Um rodamoinho de escarcéus!...

É como um ciclone violento!
Olhai!... Que vão o Sol e o Vento
Arrebatá-lo para os Céus!
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GRAÇAS TE RENDO...

Graças te rendo aqui, preciosa Senhora,
Que, num simples olhar de ternura, tiveste
O dom de me elevar, assim como o fizeste,
Entre os brasões do amor e as púrpuras d'aurora...

O dom de me fazer acreditar que veste
O humano coração, como acredito agora,
Não o lodo, porém, o linho; que se adora,
O linho que fulgura em pleno azul-celeste...

Sei que os votos que são trabalhados com arte
Hão de os deuses cumprir, ó luz maravilhosa:
— Sê, pois, bendita, sê bendita em toda parte!

Que onde fores pisar, que por onde tu fores:
A lama se transforme em pétalas de rosa,
As víboras em fruto, os espinhos em flores!
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AO CAIR DA TARDE

Agora nada mais. Tudo silêncio. Tudo,
Esses claros jardins com flores de giesta,
Esse parque real, esse palácio em festa,
Dormindo à sombra de um silêncio surdo e mudo...

Nem rosas, nem luar, nem damas... Não me iludo,
A mocidade aí vem, que ruge e que protesta,
Invasora brutal. E a nós que mais nos resta,
Senão ceder-lhe a espada e o manto de veludo?

Sim, que nos resta mais? Já não fulge e não arde
O sol! E no coril negro deste abandono,
Eu sinto o coração tremer como um covarde!

Para que mais viver, folhas tristes do outono?
Cerra-me os olhos, pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de dormir o derradeiro sono.
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PAPÉIS VELHOS 
(a João Cândido Filho)

De novo as velhas páginas tu fitas,
Vagas, sem ritmo e luz, nem florescência,
Louváveis só por terem sido escritas
Na quadra sideral da adolescência.

E lês e a cada frase vã meditas,
Sentindo aquela doce e grata essência
Das lembranças de um século infinitas...
Que brinquedo foi pois esta existência?!

Nada contam-te os versos, no entretanto
Lendo-os, um choque súbito te prende
E te transporta para antigas eras...

Doiram-te sóis, e aos teus ouvidos canto
Longo vem do passado que recende
O olor ideal de velhas primaveras.
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DAMA

A noite em claro, o mundo inóspito, e dessa arte
Urdem contra a Beleza as coisas mais abjetas...
Reina o Pesar, mas como um Rei, por toda parte;
E ordena Herodes que degolem os poetas...

Cavaleiros por terra e plumas inquietas;
Esqueletos, que importa? a rir... Hei de vibrar-te
Aos quatro ventos, e com formas obsoletas,
Ó gládio nu! meu esotérico estandarte!

Delírio! assim no ar este sinal eu traço...
Escarótico pois? É bem! Vibrião do Ganges?
Combaterei, se for mister, num circo d'aço...

Combaterei, embora eu saiba que me perdes,
Com versos d'oiro, que reluzam como alfanges,
Dama! com teu orgulho! ó dama de olhos verdes!
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VENCIDOS

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland?... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço...
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E glória à fome dos vermes concupiscentes!

Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!
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GATA

Da brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!
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DONZELAS

Donzelas que passais com esse gesto ameno,
E a doce palidez enfim duma cecém,
E em vão esse ar é grave, e esse aspecto é sereno,
Não me olheis, não me olheis, que não vos quero bem.

Sulamitas gracis e de rosto moreno,
E claras como luz, e cheias de desdém,
Tendes perfume, sei, mas não tendes veneno,
Sois muito lindas, sois, não vos quero porém...

Lírios do campo com figura de mulher,
A minha decadência é um fruto caprichoso
Desta época sem luz que não sabe o que quer.

Não sabe nada; mas, ó candidez ideal,
Eu não posso querer senão o Monstruoso,
E o bem Maravilhoso, e o bem Fenomenal!
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SOLIDÃO

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros, que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e entre as Desesperanças,
E dentro deste horror sombrio, como um Rei!
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ENTRE ESSA IRRADIAÇÃO 
(ao Emílio de Meneses)

Entre essa irradiação enorme, que palpita,
É possível que um dia, eu, pálido, a encontrasse,
Como a sonora luz de Vênus Afrodita,
Em meio do caminho, os dois, e face a face...

E que alucinação e que febre esquisita,
Que cegueira de amor e que ilusão falace,
Quando esse girassol, para a luz infinita,
Cá de dentro de mim, então, desabrochasse!

Seriam negros ou doirados os cabelos?
Junto daquela flor, tremeria de zelos?
Não tombaria morto aos pés desse prazer?

Os olhos de que cor? Não sei. Porém suponho
Que seriam assim tão grandes como um sonho...
Mas já passei a vida, e não a pude ver!

Folclore Japonês (Tamamo-no-Mae)

Tamamo-no-Mae era uma cortesã a serviços do Imperador Japonês Konoe. Ela era a mulher mais bonita e a mais inteligente no Japão. O corpo dela misteriosamente sempre cheirou bem e sua roupa nunca se sujou ou se enrugou. Tamamo-no-Mae não era apenas bonita, mas também era extremamente inteligente, tendo incrível conhecimento em todos os assuntos. Embora parecesse ter somente vinte anos, não havia nenhuma pergunta que ela não poderia responder. Ela respondeu todas as perguntas feitas a ela sobre música, religião ou astronomia. Por causa de sua beleza e inteligência, todos na Corte Imperial a adoravam, e o Imperador Konoe caiu profundamente de amor por ela.

Depois de um tempo, com Konoe dando atenção e carinho para a Tamamo-no-Mae, o Imperador misteriosamente adoeceu. Buscou respostas com muitos padres e filósofos, mas não teve sucesso com nenhum deles. Finalmente, um astrólogo, Abe no Yasuchika, disse ao Imperador que Tamamo-no-Mae era a causa da sua doença. O astrólogo explicou que aquela linda moça era na verdade uma raposa de nove caudas má (Kitsune), que estava tentando tomar o seu lugar no trono. Após o ocorrido, Tamamo-no-Mae desapareceu da corte. O Imperador requisitou Kazusa-no-suke e Miura-no-suke, os guerreiros mais poderosos na época, para caçar e matar a raposa. Depois de ter iludido os caçadores por um tempo, a raposa apareceu dentro de um sonho do Miura-no-suke. Mais uma vez sob a forma da linda Tamamo-no-Mae, a raposa profetizou que ele a mataria no dia seguinte, e implorou para poupar sua vida. Miura-no-suke recusou.

Cedo no dia seguinte, os caçadores encontraram a raposa na Planíce de Nasu, Miura-no-suke atirou e matou a criatura mágica com uma flechada. O corpo da raposa se transformou em Sessho-seki, ou Pedra Mortífera, que mata qualquer um que tiver contato com ela. O espírito da Tamamo-no-Mae se transformou em Hoji e assombrou a pedra. Aquela pedra na prefeitura japonesa de Nasu foi assombrada por Hoji, até que um padre budista chamado Genno, ter parado para descansar perto da pedra e foi ameaçado por Hoji. Genno executou alguns rituais espirituais, e implorou ao espírito considerar sua salvação espiritual, até que finalmente Hoji teve piedade e jurou nunca mais assombrar a pedra outra vez.