sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Arthur de Azevedo (A "Reclame")


Era um domingo. O comendador Viana acabou de almoçar, sentou numa cadeira de balanço, cruzou as mãos sobre o ventre, atirou olhar pela janela escancarada que enchia de ar e luz a sala de jantar, e no jardim vizinho, um homem a escrever, sentado à sombra de caramanchão.

– Ó menina, dá cá o binóculo.

Laura, a esposa do comendador Viana, trouxe-lhe o binóculo, ele assestou contra o homem do caramanchão.

– Não me enganava: é ele… É o tal Passos Nogueira!…

– Que Passos Nogueira? – perguntou Laura.

O comendador não respondeu; voltou-se para a criada, que leva a mesa, e interpelou-a:

– Aquele sujeito mora ali há muito tempo? Você deve saber…

– Que sujeito?

– Aquele que está escrevendo acolá, no jardim da casa de pensão não vê?

– Ah! O poeta?

– Quem lhe disse a você que ele é poeta?

– É como o ouço tratar na vizinhança. Já ali morava quando viemos para esta casa.

– Entretanto – observou Laura – estamos aqui há oito meses e é a primeira vez que o vejo.

– Deveras? – perguntou entre dentes o comendador, com um olhar de desconfiança.

– Ora esta! – murmurou Laura, muito admirada da inflexão e do olhar do marido.

– Parece impossível que minha ama não tenha reparado – acudiu a criada – porque o poeta vai todas as manhãs e todas as tardes escrever naquele lugar.

– Todas as manhãs? – indagou o dono da casa, levantando-se.

– E todas as tardes – repetiu ingenuamente a criada.

E foi para a cozinha.

– Viana – obtemperou Laura, aproveitando a ausência da criada – você faz umas coisas esquisitas! Esta mulher vai ficar convencida de que meu marido tem ciúmes de um homem que eu nem sequer conheço!

– Aquilo é um bandido! – regougou o comendador.

– Pois deixe-o ser! Que temos nós com isso? Ele está na sua casa e nós na nossa.

– Se eu soubesse que aquele patife morava ali, não tínhamos vindo para cá!

– Mas que importa que ele more ali?

– Importa muito! Aquilo é sujeitinho capaz de manchar a reputação de uma senhora com um simples cumprimento. Ele algum dia já te cumprimentou?

– Pois eu já não lhe disse que nunca reparei nesse homem?

– Ali onde o vês tem causado a desgraça de umas poucas de senhoras! Por causa dele a mulher de um negociante deixou o marido, a filha de um despachante da Alfândega saiu da casa do pai, e a viúva de um coronel tentou suicidar-se!

- Com efeito! – exclamou Laura, agarrando rapidamente no binóculo. – Deve ser um homem excepcional!…

– Não! é melhor que o não vejas! – ponderou o marido, tomando-lhe o binóculo das mãos. – Que interesse tens tu?…

– Apenas o interesse que você mesmo me despertou, contando-me as conquistas desse Napoleão do amor.

– Mulheres doentias e malucas… Pobrezinhas que se deixaram levar por cantigas, ora aí tens!… Aquele peralta faz versos, e os jornais levam a dizer todos os dias que ele tem muito talento… e que é muito inspirado…

– Lembra-me agora que já tenho lido esse nome de Passos Nogueira.

– Oh, menina, vê lá se também tu…

– Descanse: já não estou em idade de me deixar levar por poesias.

– Pois sim, mas peço-te que não te debruces nessa janela quando o tal poetaço estiver no seu caramanchão.

– Por quê? Receia que eu caia? Ora deixe-se de ciúmes!

– Não são ciúmes, são zelos. Não receio pelo que possas fazer… mas tenho medo que a vizinhança murmure.

II

Laura, que até então ignorava a existência do poeta Passos Nogueira, começou a interessar-se muito por ele, graças à "reclame" feita pelo comendador. Sentia-se atraída pela figura daquele horrendo sedutor de solteiras, casadas e viúvas, e duas vezes ao dia, reclinada à janela, olhava longamente para o poeta.

Este acabou por notar a insistência com que era contemplado pela vizinha, e prontamente correspondeu aos seus olhares lânguidos e prometedores.

Estabeleceu-se logo entre eles um desses namoros saborosos e terríveis, ridículos e absorventes, que monopolizam duas existências.

Para justificar a precipitação dos fatos, digamos que Laura, mulher de vinte e seis anos, romântica e nervosa, casara-se, muito nova ainda, com o comendador Viana, homem quinze anos mais velho que ela, curto e positivo, que não correspondia absolutamente ao seu ideal de moça.

Digamos ainda que o poeta Passos Nogueira, rapaz de talento vantajosamente apreciado, atordoou-se quando se viu provocado pelos bonitos olhos de uma bela mulher casada. Apesar da reputação que gozava e da qual se fizera eco o próprio comendador, Passos Nogueira jamais inscrevera ao seu canhanho de conquistas fáceis aventura tão interessante e tão considerável como essa que agora lhe desassossegava o espírito e lhe espantava as rimas.

Digamos ainda que o comendador continuava todos os dias a fazer "reclame" ao namorado, referindo-se à sua pessoa em termos desabridos, insultando-o de modo que ele não ouvisse e, finalmente, exprobrando a Laura, por mera presunção, que ela o animasse e lhe desse corda.

Não tardou que o poeta escrevesse à vizinha um bilhete, lançado por cima do muro que separava as duas casas. Perguntava pelo seu nome e pedia-lhe uma entrevista. Ela respondeu:

"Não! Não é possível! Não me persiga! Esqueça-se de mim! Bem vê que não sou livre! Um encontro poderia causar a nossa desgraça!"

Mas, não obstante desengano tão decisivo e formal, no dia seguinte os olhos da moça encontraram-se com os do poeta. Ela sentia a necessidade, o dever de fugir daquele homem, mas não tinha forças para fazê-lo. E o namoro continuou.

Dois dias depois, novo bilhete. Ela abriu-o sôfrega e palpitante – e leu estes versos:

"Eu não sou livre", escreveste;
Porém, se livre não eras,
Por que com tantas quimeras
Encheste um cérebro nu?
Pedes que não te persiga…
Mas por teus olhos ferido,
Reflete que o perseguido
Sou eu meu anjo, e não tu!

Quando da tua janela
Atiras aos meus desejos
Olhares que valem beijos,
Porque tens beijos no olhar;
Quando esses ternos olhares
Com meus olhares se cruzam,
Teus lindos olhos abusam
Do seu condão de encantar!

Não te compreendo, vizinha;
Tu mesma não te compreendes:
Fazes-te amar, e pretendes
Que eu fuja e te deixe em paz!
Mas não vês que é negativo
Este sistema que empregas?
Tudo, escrevendo, me negas,
– E, olhando, tudo me dás!

Vizinha, bela vizinha,
Vizinha por quem padeço,
Pois tais palavras mereço
Que me fizeram chorar?
O prometido é devido…
Para que o peito me aquietes,
Ou dá-me quanto prometes,
Ou não prometas sem dar’

III

Para encurtar razões: Passos Nogueira e Laura foram por muito tempo, e não sei se continuam a ser, os amantes mais apaixonados que ainda houve.

Ela nunca perdoou ao marido o mau passo que deu. Seria ainda hoje o modelo das esposas, se o comendador não se lembrasse de fazer "reclame" ao poeta.

Este, por expressa recomendação da amante, nunca mais apareceu no caramanchão fatídico.

Isto fez com que o marido tornasse às boas.

Uma tarde perguntou:

– Ó menina, então o poeta já ali não mora?

– Não sei – respondeu Laura com uma deliciosa indiferença. Se se mudou, melhor! Um libertino daqueles!

– Deixa-o lá, coitado! Muitas vezes são mais as vozes que as nozes.

– Que diabo! Foi você mesmo quem falou da filha do despachante, da mulher do negociante e da viúva do coronel!…

– Disseram-me. Este Rio de Janeiro, menina, é a terra da maledicência. Deus me livre de que alguém se lembre de espalhar por aí que eu roubei o sino de São Francisco!

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Paulo R. O. Caruso (Cordel ao Fantasma de Zé Mitôca)



(Vencedor da Modalidade Cordel, Âmbito Nacional/Internacional do X Concurso Literário Zé Mitôca da UBT-Ocara/2018)

Um ponto nobre de Ocara,
o nosso açude Batente,
estava calmo, tranquilo;
passava bastante gente
num luar o mais bonito
até que se deu agito 
nas suas águas, oxente!

Ao chegar da meia-noite,
não nalgum dia comum,
mas no dia vinte e nove
de fevereiro, nenhum 
cabra desconfiaria:
apareceu nesse dia 
Zé Mitôca, o poeta-um!

Entre todos os poetas,
o número um de Ocara
era mesmo Zé Mitôca,
que recebeu esta cara 
homenagem da cidade
por sua capacidade 
artística: joia rara!

Pois o cabra apareceu,
das águas do nosso açude
como pseudoassombração
e retornou amiúde 
a tecer os seus poemas 
sem problemas ou dilemas,
não sendo um fantasma rude!

Da população de Ocara,
quem o viu aparecer, 
por incrível que pareça,
nem se assustou a valer,
pois a saudade era imensa
desse cabra que compensa 
com a poesia o sofrer!

Todos sabem que ele é morto,
uma assombração à vista,
mas sabem que ele é do bem,
um tremendo de um artista
que surge de quando em vez
e que muita história fez,
sendo criatura benquista!

Na verdade o povo chega
e cada qual já procura
seu lugar horas mais cedo
às margens do açude e jura
que o vulto de Zé Mitôca 
solta cordel pela boca 
e diversos males cura!

Então, quando ele chegou
encontrou monte de gente
a esperá-lo fascinada,
o que o fez alegremente 
cumprimentar mui brejeiro
cada ouvinte brasileiro 
que o esperava calmamente.

Ao ver o povo aguçado,
Zé Mitôca então buscou,
por um estalar de dedos,
fazer convite e chamou
mais alguém ao repentismo,
sendo que por altruísmo
não somente ele brilhou.

O convidado da vez 
foi o grande violonista
dos pampas Arthur Bonilla,
que dedilhou, ante a vista
ocarense o seu querido 
instrumento e ouviu pedido
de bis da terrena pista.

Bonilla mais parecia
num teatro estar tocando 
junto com Yamandu Costa, 
como nos bons tempos quando
era vivo em carne e osso,
mas como sorria o moço
ao público venerando!

O repente do cordel 
que Zé Mitôca entoava 
unia-se com esmero 
aos dedilhares que dava 
o artista seu companheiro 
em harmonia e certeiro 
sincronismo que ele amava.

Até às seis da manhã, 
assim foi-se a madrugada,
quando os archotes do sol
pioneiros nesta jornada, 
como num espreguiçar,
do astro-mor vieram dar
bom dia à plateia amada!

Zé Mitôca e seu amigo 
Bonilla foram então
despedindo-se do povo
e prometendo um tostão 
novo do seu espetáculo,
e lhe disseram que o oráculo
ouviria um bom sermão!

Afinal, somente após 
mais quatro anos teriam
outro espetáculo desse 
em Ocara e sofreriam
demais numa espera intensa,
por felicidade imensa
à gente a quem tocariam!

Após consulta ao oráculo
Zé Mitôca enfim mandou
um memorando do além, 
o que a mim o bem levou,
pois o teor vou dizer 
em primeira mão, prazer
que a mim ele confiou.

Se só dia vinte e nove 
de fevereiro era pouco
para o povo ter cordel 
de Zé Mitôca, foi rouco 
de alegria que gritei 
o novo contato e dei 
com certeza uma de louco!

Muita gente veio ouvir 
o que Zé passara a mim,
pois seria um dia histórico
à cidade e logo enfim
exercitei a garganta,
já que a alegria era tanta
e pronunciei-me assim:

“Querido povo de Ocara,
eu, Poeta Zé Mitôca,
trago-lhe boas notícias
e vou falar pela boca
do colega à sua frente;
não estranhem, cara gente,
ele não é alma louca”. 

“Consultei o caro oráculo
sobre a possibilidade
de incrementar a frequência 
da aparição na cidade,
então trago uma resposta
que espero de costa a costa
chegar logo, de verdade!”

“Por bons serviços prestados,
fui ouvido com carinho,
sendo que foi deferido
eu seguir o meu caminho
sim no dia vinte e nove
de qualquer mês que se prove 
não haver rodamoinho”.

“Conhecendo o meu Brasil, 
sei que eu sigo calmamente,
pois haver rodamoinho
é chance que raramente 
se daria no país,
o que me deixa feliz 
quanto ao declamar à frente!”

E quando acabei de ler 
o memorando do Zé, 
o povo ficou eufórico,
cada qual com sua fé,
e agradeci a Jesus
por ser minha cara luz,
minha mente e cada pé!

Fonte: Cordel enviado pelo autor

Stanislaw Ponte Preta (A ignorância ao alcance de todos)


Todo dito popular funciona e ficaria o dito pelo não dito se os ditos ditos não funcionassem, dito o que, acrescento que há um dito que não funciona ou, melhor dito, é um dito que funciona em parte uma vez que, no setor da ignorância, o dito falha, talvez para confirmar outro velho dito: o do não-há-regra-sem-exceção. Digo melhor: o dito mal-de-muitos-consolo-é encerra muita verdade, mas falha quando notamos que ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém gosta de confessar sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha.

Tenho experiência pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a própria ignorância, má-vontade esta confirmada diversas vezes em poucos minutos, graças a uma historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num dia em que fomos almoçar juntos, na cidade.

Já não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:

- Leônio Xanás.

- O quê? - perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito "Leônio Xanás - Pinturas em Geral - Peça Orçamento".

- Hoje acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás - contava o escritor. - Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto "Leônio Xanás" e levei um susto, quando o motorista respondeu: "Passa perto". Ele pensou que eu estava perguntando por determinada rua e foi logo dizendo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.

Foi aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em relação às coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar Alka-Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo, perguntando ao farmacêutico:

- Tem Leônio Xanás?

- Estamos em falta - foi a resposta.

Saímos da farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do Alvinho. No elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu, dirigindo-me ao cabineiro do elevador:

- Em que andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?

- Ele é médico de quê?

- Das vias urinárias - apressou-se a mentir o amigo, ante a minha titubeada.

- Então é no sexto andar - garantiu o cara do elevador, sem o menor remorso. E se não tivéssemos saltado no quarto andar por conta própria, teria nos deixado no sexto a procurar um consultório que não existe.

E assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja de roupas, que - geralmente - são senhoras de comprovada gentileza. Entramos num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para presente. Vimos vários, todos bacanérrimos, mas - para continuar a pesquisa - indagamos da vendedora:

- Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?

A mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:

- Leônio Xanás - repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.

Madame voltou a sorrir e respondeu: - Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos esperando nova remessa.

Foi uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar. Foi um almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:

- Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto.

O garçom fez uma mesura: - O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho esse vinho.

Devia ser uma questão de safra, daí aconselhar outro:

- O Ferreirinha não serve?

Servia.

É, irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém quer ser.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Paulo R. O. Caruso (Cordel a Lavoisier e ao Lobisomem de Ocara)



Da grã Sagrada Família
a nossa Igreja Matriz 
certa vez foi ofendida 
por indivíduo infeliz
frente a quem diversos somem;
foi um tal de lobisomem 
que fazer bagunça quis!

Ele ameaçou um padre, 
que foi logo se benzendo,
pedindo a Deus pela vida,
mas esse bichão horrendo 
não contava com a ajuda 
de uma certa mão graúda 
de um super-herói tremendo!

Apareceu de repente,
para assombro do bichão, 
um cidadão ocarense 
que foi baita goleirão –
Lavoisier, brasileiro
que venceu no mundo inteiro,
a esperada salvação!

O lobisomem sorriu
para o herói desta cidade
e até mesmo gargalhou,
desdenhando de verdade
do vitorioso atleta
que teve atuação seleta 
contra a cria da maldade!

O lobisomem tentou 
no nosso herói dar patada,
mas não contava de fato 
com a esquiva preparada 
por Lavoisier guerreiro,
que fez o monstrengo arteiro
desabar lá na calçada.

Quem riu agora de fato 
foi somente o ex-goleiro,
para raiva do bichão,
que se levantou faceiro
como quem tenta um rebote 
mas Lavoisier, num trote,
o levou de novo ao chão. 

Cansado de brincadeiras, 
Lavoisier o levantou
e lhe deu baita patada
no ouvido, o que o transtornou,
fazendo tonto ficar 
o ser a pavor levar 
à cidade em que morou. 

Foi com a mão de defesas
históricas no futsal 
que o ex-atleta estatelou 
a criatura e todo o mal 
que esta então representava;
ali mesmo é que acabava
esse lunar ritual! 

A criatura ficou zonza,
como se tivesse feito 
ida a boteco beber,
e viu logo não ter jeito 
contra o nosso ex-goleirão,
sendo que veio a razão
ao pensamento perfeito.

Mandou-se cambaleante 
a criatura por ruas 
de Ocara até que sumiu
para que não mais das suas 
aprontasse na cidade, 
pois humilhou-se a maldade
que estava de faces nuas!

Fonte: Cordel enviado pelo autor 

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Stanislaw Ponte Preta (Dois amigos e um chato)


Os dois estavam tomando um cafezinho no boteco da esquina, antes de partirem para as suas respectivas repartições. Um tinha um nome fácil: era o Zé. O outro tinha um nome desses de dar cãibra em língua de crioulo: era o Flaudemíglio.

Acabado o café, o Zé perguntou: - Vais pra cidade?

- Vou - respondeu Flaudemíglio, acrescentando: - Mas vou pegar o 434, que vai pela Lapa. Eu tenho que entregar uma urinazinha de minha mulher no laboratório da Associação, que é ali na Mem de Sá.

Zé acendeu um cigarro e olhou para a fila do 474, que ia direto pro centro e, por isso, era a fila mais piruada. Tinha gente às pampas.

- Vens comigo? - quis saber Flaudemíglio.

- Não! - disse o Zé: - Eu estou atrasado e vou pegar um direto ao centro.

- Então tá - concordou Flaudemíglio, olhando para a outra esquina e, vendo que já vinha o que passava pela Lapa: - Chi! Lá vem o meu... - e correu para o ponto de parada, fazendo sinal para o ônibus parar.

Foi aí que, segurando o guarda-chuva, um embrulho e mais o vidrinho da urinazinha (como ele carinhosamente chamava o material recolhido pela mulher na véspera para o exame de laboratório...), foi aí que o Flaudemíglio se atrapalhou e deixou cair algo no chão.

O motorista, com aquela delicadeza peculiar à classe, já ia botando o carro em movimento, não dando tempo ao passageiro para apanhar o que caíra. Flaudemíglio só teve tempo de berrar para o amigo: - Zé, caiu minha carteira de identidade. Apanha e me entrega logo mais.

O 434 seguiu e Zé atravessou a rua, para apanhar a carteira do outro. Já estava chegando perto quando um cidadão magrela e antipático e, ainda por cima, com sorriso de Juraci Magalhães, apanhou a carteira de Flaudemíglio.

- Por favor, cavalheiro, esta carteira é de um amigo meu - disse o Zé estendendo a mão.

Mas o que tinha sorriso de Juraci não entregou. Examinou a carteira e depois perguntou: - Como é o nome do seu amigo?

- Flaudemíglio - respondeu o Zé.

- Flaudemíglio de quê? - insistiu o chato.

Mas o Zé deu-lhe um safanão e tomou-lhe a carteira, dizendo: - Ora, seu cretino, quem acerta Flaudemíglio não precisa acertar mais nada!

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Vinicius de Moraes (O "IDAP")


Creio ter sido em casa de Fernando Sabino, há uns vinte verões atrás que, discorrendo a conversa sobre o amor, entraram de repente os circunstantes em considerações fenomenológicas da maior pertinência, a propósito desse caso patológico que é um homem apaixonado. O tipo foi, de início, estudado sob todos os ângulos; e como a maioria dos circunstantes falava com conhecimento de causa - e quanta! - chegou-se a várias conclusões sobre as quais não me estenderei de medo que o assunto vaze do retângulo a que tenho direito nesta página.

Que o homem apaixonado é um doente, disso não nos ficou a menor dúvida. Doente mesmo no duro, tal um portador do mal de Hansen ou da moléstia de Basedow. Como sob a ação de um vírus qualquer letal, seu cérebro começa a funcionar de um modo totalmente peculiar. Torna-se ele, para princípio de conversa, mais policial que um agente da antiga Gestapo, para não trazer o assunto mais próximo, passando a julgar o ser amado, quando fora do seu campo visual (e por vezes também dentro dele) capaz de qualquer traição. Para o homem apaixonado, a mulher amada é o centro do mundo e da atenção geral. Todos os homens, por princípio, dão em cima dela. Se ela olha não importa quão casualmente para um outro varão na rua, está dando bola. Se não olhou é porque sofreu impacto: não ama o bastante para enfrentar com naturalidade a cobiça do sexo oposto; trata-se de uma fraca, uma venal, uma completa... - nem é bom falar! Enfim, para o homem apaixonado a mulher amada é, na fase da paixão, um misto de Bernadette e Lucrécia Bórgia. Nada mais irreal que a sua realidade, pois que se tem saudade dela em sua presença e há ocasiões em que se quer a sua morte para que se possa ter paz - e não há paz em sua ausência. A mulher amada é o paradoxo vivo, o fogo que arde sem se ver, a ferida que dói e não se sente, o contentamento descontente de que fala Camões que, esse sim, sabia o que era o amor.

A partir de uma diagnose bastante completa do assunto, começou-se a pensar o que se poderia fazer em beneficio do homem apaixonado, esse bateau ivre despenhado na torrente, esse sonâmbulo a vagar no espaço cósmico, essa nota extrema e lancinante acima de todas as pautas da emoção humana. Ficou de início deliberado que ele deveria usar uma qualquer marca distintiva: talvez um sapato de cada cor, ou uma gravata que acendesse como a dos mágicos, ou andar sobre pernas de pau... - enfim, uma característica que o tornasse conspícuo aos olhos dos míseros mortais entre os quais é obrigado a viver. Acabamos optando por uma bengalinha como a dos cegos - só que, em vez de branca, vermelha, da cor da paixão; pois um dos grandes riscos que corre o homem apaixonado é o tráfego, em meio ao qual transita como se fosse transparente. Mas ficou verificado que a bengalinha poderia prestar-se a grandes contrafações por parte de inúmeros vigaristas que, sabedores de suas regalias, não hesitariam em obtê-la por meios ilícitos. O melhor, concluímos, seria criar uma nova autarquia, o Instituto dos Apaixonados (com a sigla IDAP), a cujos sócios seria fornecida uma carteirinha; cuja carteirinha daria prioridade em telefones públicos, direito a "espetar" em bares, proteção especial da polícia em caso de briga e uma série de outras prerrogativas, como entrada grátis nos cinemas mais escuros da cidade, direito a expulsar pessoas dos bancos de parques e jardins, e etc. 

Mas qual a entidade para caracterizar o homem verdadeiramente apaixonado? E quais as habilitações necessárias à constituição de uma junta de psicólogos capazes de atestar ser uma pessoa portadora da terrível disfunção? Não haveria, aí também, oportunidade para muito nepotismo, muita proteção por fora? E após novas ponderações verificou-se que bastaria um funcionário honesto atrás de um guichê. O Homem Apaixonado chegaria e o funcionário examinaria rapidamente o fundo do seu olho para diagnosticar o chamado olho de peixe, ou seja, meio vidrado. Feito isto, tomar-lhe-ia o pulso ao mesmo tempo que perguntasse: "O senhor se considera realmente apaixonado?" Ao que, o paciente - eu, suponhamos – responderia mais ou menos assim:

- Ah, o senhor quer saber que dia é? São quatro e meia e a primavera está linda. Ela se chama Nelita...

E cairia para trás, duro e babando.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Prosas.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Irmãos Grimm (Os três irmãos afortunados)


Houve, uma vez, um homem que, sentindo-se velho e esgotado, chamou os três filhos e deu ao mais velho um galo, ao segundo um alfanje e ao terceiro um gato, dizendo:

- Já estou velho e meu fim está próximo. Antes de morrer, porém, gostaria de fazer algo em vosso benefício. Dinheiro não possuo e isto que vos dei agora parece de pouco valor, mas tudo depende de ser usado com inteligência. Basta que procureis um país onde esses objetos sejam desconhecidos e tereis a fortuna nas mãos.

Pouco depois o pai faleceu. Então o filho mais velho foi-se pelo mundo afora com o galo, mas, por onde quer que passasse, o galo já era bem conhecido: via-o de longe nas cidades, no alto das torres, a girar com o vento. Nas aldeias ouvia mais de um cantar e ninguém se admirava do seu. Não lhe parecia, absolutamente, que viesse a fazer fortuna com o pobre galo. Tanto andou e perambulou que, por fim, foi ter a uma ilha, e lá as pessoas ignoravam o que fosse um galo e até mesmo como se dividia o tempo durante o dia. Naturalmente sabiam distinguir a manhã e a tarde, mas à noite, se não estavam dormindo, não sabiam a quantas andavam.

– Olhai! - disse o moço - vede que soberbo animal! Tem uma coroa da cor rubra dos rubis na cabeça e usa esporas como um cavaleiro. À noite vos chama três vezes, na hora certa. A última vez é quando está surgindo o sol. Mas, se cantar em pleno dia, precavei-vos, pois anuncia mau tempo.

A novidade agradou a todos. Naquela noite ninguém dormiu e, com grande júbilo, ouviram o galo anunciar sonoramente o tempo, às duas, às quatro e às seis horas. Perguntaram ao moço se o galo estava à venda e quanto queria por ele.

– Oh, ele custa tanto ouro quanto pode um burro carregar! - respondeu o moço.

– Ora, isso é uma ninharia por um animal tão precioso! - exclamaram todos. E com a maior satisfação deram-lhe o que pedira.

Quando o moço regressou à casa com toda aquela riqueza, seus irmãos ficaram pasmos, e então o segundo disse:

– Também eu quero sair por ai, a ver se o meu alfanje rende tanto!

Mas parecia que isso não sucederia: por toda parte encontrava camponeses com alfanjes iguais ao seu. Finalmente, porém, também ele teve sorte numa ilha onde os habitantes ignoravam completamente esse utensílio, pois lá, quando o trigo estava maduro, postavam os canhões diante dos campos e ceifavam-no a tiros de canhão, Mas o processo não era dos melhores. Às vezes alguém ultrapassava o objetivo, outros ao invés atingiam as espigas fazendo-as voar longe, de maneira que muito grão se perdia e, ainda por cima, faziam um barulho infernal.

O moço aproveitou a oportunidade, pôs-se a trabalhar e ceifou tão silenciosamente e com tanta rapidez, que o povo ficou de boca aberta pelo espanto. Ficaram todos muito satisfeitos em pagar-lhe o que exigia, e ele pediu um cavalo carregado com tanto ouro quando pudesse transportar.

Diante disso, o terceiro irmão, também, quis procurar o que lhe era devido, com o seu gato.

Sucedeu-lhe o mesmo que aos dois irmãos maiores. Enquanto permaneceu em terra firme, nada havia a fazer, por toda parte havia tantos gatos que era preciso afogar os recém-nascidos. Finalmente, fez-se conduzir a uma ilha e lá teve a sorte de que nunca tinham visto um gato, e os ratos se haviam multiplicado de tal maneira que chegavam a dançar nos bancos e nas mesas, devorando tudo, estivessem ou não presentes os donos da casa.

O povo andava desesperado e o próprio rei não encontrava solução para esse flagelo. Os ratos, faziam, livremente correrias por todos os cantos do palácio real e roíam tudo quanto lhes caísse sob os dentes. Então o moço levou para lá o gato que se lançou logo à caçada. Dentro de algumas horas limpou várias salas.

O povo, então, suplicou ao rei que adquirisse esse maravilhoso animal para o reino. O rei deu com satisfação o que o moço exigiu: um burro carregado de ouro. Assim o terceiro dos irmãos regressou para casa tão rico como os outros.

Entretanto, no castelo real, o gato divertia-se a valer com os ratos e matou tantos que era impossível contá-los. Por fim, estava tão acalorado pelo trabalho que sentiu sede. Levantando a cabeça, pôs-se a gritar: - Miau, miau, miau!

Ao ouvir esse estranho miado, o rei e toda a corte se espantaram e cheios de terror fugiram para fora do castelo. O rei convocou o conselho para resolver o que deviam fazer. Então resolveram enviar um arauto ao gato para o intimar a deixar quanto antes o castelo, se não queria que empregassem a força. Os conselheiros opinavam:

– Preferimos mil vezes mais o flagelo dos ratos, pois já estamos habituados, antes que expor nossas vidas a esse monstro desconhecido.

Um pajem foi incumbido de perguntar ao gato se preferia sair do castelo espontaneamente, mas o gato, que morria de sede, não sabia responder senão com o seu: Miau, miau.

O pajem julgou entender que ele dizia: - Não, não! - e transmitiu essa resposta ao rei.

– Então, - disseram os conselheiros - terá de ceder pela força.

Postaram os canhões e atiraram até incendiar o castelo. Quando o fogo atingiu a sala onde se encontrava o gato, este pulou agilmente a janela e fugiu. Os assediantes, porém, não o tendo visto, continuaram a bombardear o castelo até reduzi-lo a um montão de escombros.

Fonte:
Contos de Grimm.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Caldeirão Poético XVI



A TRAVESSIA

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, *
Última paz que o mundo nos permite... *

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho…

 

BEM SEI...

Bem sei... Não faço verso algum perfeito;
e alguns bem longe estão da exatidão, 
contudo, infelizmente, é desse jeito
que eu consigo acalmar meu coração...

Quisera que surgisse sem defeito,
não por vaidade tola ou afetação, 
mas apenas porque sei que ele é feito
só para alguém que estima a perfeição!

Assim, pois, ele nasce quando quer, 
da forma que bem quer; sem dar qualquer
obediência à minha mão que o escreve!

É o modo com que abrando a agonia, 
cada vez que em meu peito a dor se atreve 
a tentar encerrar minha estesia...


O PALÁCIO DA VENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, O Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!


DOR DA SOLIDÃO

Não existe dor maior
Que a dor da solidão...
É dor cruel e perversa
Que não aceita conversa
E nem mesmo explicação!
É dor do só, do sozinho,
É carência de carinho,
Seu sintoma é a paixão.

E essa dor tão doída
Que tanto maltrata a gente
Chega assim tão de repente
Sem sequer bater na porta.
Para ela pouco importa
Se está matando o doente,
Se a "Inês é quase morta".

É uma dor que aniquila,
Que castiga, que maltrata,
É mais forte que a tequila
Mais ardente que a cachaça.
É pior que a dor que tomba,
Mais cruel que a dor que mata.


PROPOSIÇÃO DAS RIMAS DO POETA

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.


NOVA FRIBURGO

Loira “Princesa da Serra”,
das nuvens rasgando o véu!
Indago, serás da terra
ou doce visão do céu?!

Tens glórias de velho burgo,
cobrem-te rendas e galas,
mas, sempre nova, Friburgo,
vive a beijar-te o Bengalas!

Pelas nuvens resguardada,
meio aos penhascos da Serra,
Friburgo és concha encantada,
onde a Poesia se encerra!

Tua chave, hoje, me ofertas!
Isto me faz tua irmã…
e vejo portas abertas,
nesta festiva manhã!

Em troca deste presente
que me dás, Friburgo bela,
minha alma te abro e, contente,
verás que estás dentro dela!

E quando meus olhos ponho
no céu azul, sobre ti…
Não sei, Friburgo, se é sonho…
só sei que o teu céu sorri!!!


CASTRO ALVES

No fundo escuro da noite funesta,
faíscas rompem pelo céu, esteiras
que obedecendo a um ritmo, como em festa,
dançam ao vento, em espirais faceiras.

Quem dispara ao negrume, que detesta,
essas fagulhas, pelas mãos certeiras,
é um jovem cuja espada inflama e cresta,
acendendo a mais viva das fogueiras.

Gênio gigante de “Navio Negreiro”,
vive pouco, mas, nobre condoreiro,
atinge a crista azul da imensidade.

E em seu rasto, a luzir pelos caminhos,
resistindo à investida dos espinhos,
brilha a chama, sem par, da Liberdade.


CRIANÇA

Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, - e resiste.

Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto, se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente...

Cabecinha boa de menino mudo,
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.

Cabecinha boa de menino santo,
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto

Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuiria.


GATA

Da brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!