sábado, 14 de agosto de 2021

VI Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho (Classificação Final)

CATEGORIA: POESIA

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Classificação geral
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1º lugar:
“A catadora de mariscos”
Valquiria Imperiano/Genebra/Suíça;

2º lugar:
“Falando com Gonzaga de Carvalho”
Alfredo Nogueira Ferreira, Florianópolis/SC;

3º lugar:
“Lampejos Oníricos”  
Valéria Valle, Anápolis/GO;

4º lugar:
“Tudo isso passa...”
Lucivalter Almeida dos Santos, Nazaré/BA;

5º lugar:
“Porta -voz”
Claudia Lundgren, Teresópolis/RJ.
 
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Menções Honrosas:
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“Poesiofilia...”
João Bosco de Castro, Bom Despacho/MG;

“Mil-Flores”
Araken dos Santos, Magé/RJ;

“Desconcerto”
Rosangela Calza, Florianópolis/SC;

“Convite”
João Manuel Muanza André, Luanda/Angola;

“Crianças Inocentes”
António José Alexandre, Luanda/Angola;

“Lembranças e Saudades”
Celso Gonzaga Porto, Cachoeirinha/RS;

“Educação, Educação”
Joyce Lima, Itagibá/BA;

“Caleidoscópio”
Marcos Coelho Cardoso, Dourados/MS;

“Nas cinzas da manhã de quarta-feira”
André Abreu, Taboão da Serra/SP;

“Declamo um poema a Teófilo Otoni”
Oldair Ferreira Motta, Belo Horizonte/MG;

“Margarida”
Francisco Luís Sebastião da Costa, Luanda/Angola;

“Ao Gonzaga de Carvalho”
Maria Luciene da Silva, Fortaleza/CE;

“Perdidos Nesse Mar Infinito”
Elizabeth Cury Bechir Watanabe, Itanhaém/SP;

“Sem Mágoas”
Cláudio Hermínio, Belo Horizonte/MG;

“Um poema de alegria”
Francisco Martins Silva, Uurçuí/PI;

“Imagem turva no espelho da alma”
Gabriela Lopes, Governador Valadares/MG;

“Ir comigo”
Maria Elza Fernandes Melo Reis, Capanema/PA;

“Ditongo”
Celso Henrique Ferminio, São José do Rio Preto/SP;

“As lágrimas”
Afonso Nkuansambu, Luanda/Angola;

“Criança ferida”
Dilercy Adler, São Luis/MA;

“O Último Latido”
Marcelo Oliveira Souza, Salvador/BA;

“Relicário”
Paulo Maximiliano, Capanema/PA;

“O presente”
Vilma Farias Guerra, Pelotas/RS;

“Escuridão no peito”
Cláudio Rogério Trindade, Ijuí/RS;

“Bela infância, saudosa viagem”
Carla Taíssa, Rio Negro/PR;

“Cada Manhã é um milagre”
Cláudio Bento, Jequitinhonha/MG;

“Deixe a luz de teu amor brilhar”
Marcus Vinícius Bertholini Rios, Iúna/ES;

“Divino & Maravilhoso”
Almir Zaferg, Teixeira de Freitas/BA;

“Brincando com os dedos”
Antonia Aleixo Fernandes, São Paulo/SP;

“Solidão do mar”
Jeronimo Luiz Gonçalves, Goiânia/GO;

“Tudo e Nada”
Jane Rossi, Guarulhos/SP;

“Rosa”
Maria Antonieta Gonzaga Teixeira, Castro/PR:

“Mel no Mandacarú”
Edilson Leão, Salvador/BA;

“Gesto grácil”
Ilda Maria Costa Brasil, Porto Alegre/RS;

“Sem rumo”
Maria Stela de Oliveira Gomes, Governador Valadares/MG;

“Venha ver o sol nascer”
Carlos Frederico da Silva, Rio de Janeiro/RJ;

“Contemplação”
Maria Aparecida Pereira de Souza, Presidente Prudente/SP;

“Falando Ecologicamente”
José Moutinho Campos, Belo Horizonte/MG;

“Em total solidão”
Margareth Rafael, Itambacuri/MG;

“Nas asas da vida”
Cosme Custódio, Salvador/BA;

“Estima do alvorecer”
Paulo Keno Zerus, Caraguatatuba/SP.
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CATEGORIA: CRÔNICA

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Classificação geral
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1º lugar:

“O velho livro de papel”
Evandro Ferreira Rodrigues, Caucaia/CE;

2º lugar:

“Pontualidades”
Marina Barreiros Mota, Nova Viçosa/BA;

3º lugar:

“Estrada de Ferro Bahia e Minas: Os Trilhos da Saudade”
Aurélio Lamare Soares Murta, Rio de Janeiro/RJ;

4º lugar:

“Vaqueiro Sertanejo”
Anchieta Antunes, Recife/PE;

5º lugar:

“As mulheres e seu protagonismo”
Isabel C.S. Vargas, Pelotas/RS.

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Menções Honrosas:
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“Quantos anos nós temos”
Celso Gonzaga Porto, Cachoeirinha/RS.

“Crônica da disciplina mais importante”
Marlete de Souza, Belo Horizonte/MG;

“Viajando com a Caravana”
Paulo Jurza, Belo Horizonte/MG;

“A sinceridade do olhar”
Amalri Nascimento, Rio de Janeiro/RJ;

“Sal e Pimenta no Bofe do Mucura”
João Bosco de Castro, Bom Despacho/MG;

“A sinfonia do prazer”
Valquiria Imperiano, Genebra/Suíça;

“Carta só meu irmão”
Roberto Franklin Falcão da Costa, São Luis/MA;

“A virada na vida com as bênçãos do além”
Aristides Leo Pardo, União da Vitória/PR;

“La Espanhola”
Vânia Rodrigues Calmon, Vila Velha/ES;

“Primeira Lição”
Telma Borges, Belo Horizonte/NG;

“Bichos”
Paulo Cesar de Almeida, Andrelândia/MG;

“O Medonho”
Adevaldo Rodrigues de Souza, Belo Horizonte/MG;

“Crônica do Amigo Oculto”
Igor Alves Noberto Soares, Belo Horizonte/MG;

“Proibição Cultural”
José Campos de Souza, Macaé/RJ;

“Brincando de casinha”
Daniela Martins Cunha, Governador Valadares/MG;

“Outra chance”
Helena Selma Colen, Ladainha/MG;

“Distorções e Reflexos”
Marcos Coelho Cardoso, Dourados/MS;

“A desistência é o combustível para o fracasso”
Esther Rogessi, Recife/PE;

“Sono da tarde - um pesadelo dos meus dias”
Teresa C.C.M. Azevedo, Campinas/SP;

“Refém do descaso”
Juracy Nonato Ferreira, Santa Helena de Minas/SP;

“Chuva na capital”
Francisco Sebastião da Costa, Luanda/Angola;

“Extraterrestres e a realidade das criações”
Sílvio Parise, Rhode Island/EUA;

“Vandalismo”
Odenir Follador, Ponta Grossa/PR;

“Premonição”
Altamiro Fernandes da Cruz, Belo Horizonte/MG;

“Vicent Van Gogh em questão”
Coracy Bessa, Salvador/BA;

“De Eva a Stela”
Zenir Izaguirre, São Jerônimo/RS;

“Turismo Literário”
Afonso Nkuansambu, Luanda/Angola;

“O Covid-19 como catalizador do processo de ensino angolano”
Valeriano Cassinda, Luanda/Angola.
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CATEGORIA: CONTO

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Classificação geral
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1º lugar:

“O milagre da couve mineira”
Cláudio de Almeida, São Paulo/SP;

2º lugar:

“Minha mãe era mulher”
Telma Borges, Belo Horizonte/MG;

3º lugar:

“Serapião”
Paulo Jurza, Belo Horizonte/MG;

4º lugar:
“Anjos sem asas”
Amalri Nascimento, Rio de Janeiro/RJ;

5º lugar:

“Dança dos Sentidos: Batida Poética do Coreo 9/19”
Maria Eugênia Porto Ribeiro da Silva,Belo Horizonte/MG.

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Menções Honrosas:
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“A casa”
Roberto Franklin Falcão da Costa, São Luiz/MA;

“O menino que lia”
Alfredo Nogueira Ferreira, Florianópolis/SC;

“A união por frouxo e largo pesponto”
José Campos de Souza, Macaé/RJ;

“Zé da Silva no país das maravilhas”
Celso Gonzaga Porto, Cachoeirinha/RS;

“Dona Luzia”
Valquiria Imperiano, Genebra/Suíça;

“O Ombrelone de João Fernandes”
Décio Mallmith, Porto Alegre/RS;

“Lá vem a tal feijoada”
Adevaldo Rodrigues de Souza, Belo Horizonte/MG;

“O sentimento exposto”
Paulo Valença, Recife/PE;

“Mergulho no Saruê”
Marina Barreiros Mota, Nova Viçosa/BA;

“O Safari”
Altamiro Fernandes da Cruz, Belo Horizonte/MG;

“Odeio poliglotas”
Paulo Roberto de Oliveira Caruso, Niterói/RJ;

“Encantado lugar”
Silvio Parise, Rhode Island/EUA;

“Fábula do lobo e a mulher: o amor proibido”
Josenilson Costa dos Santos, Salvador/BA;

“Sorte de novato”
Juracy Nonato Ferreira, Santa Helena de Minas/MG;

“Escola da vida”
Carmelita Ribeiro Cunha Dantas, Aparecida de Goiânia/GO

“A profissão certa”
Rosemeire Leal da Motta Piredda, Vila Velha/BA;

“Eros uma vez”
Almir Zaferg, Teixeira de Freiras/BA;

“Semelhanças de Alice com Holman”
Evandro Ferreira Rodrigues, Caucaia/CE;

“O Turco e o Libanês”
Leandro Campos Alves, Caxambu/MG;

“A morte chega em silêncio”
Coracy Bessa, Salvador/BA;

“A bola de ouro”
Odenir Follador, Ponta Grossa/PR;

“A caminho do perdão”
Aristide Dornas Júnior, Moeda/MG;

“Sublime Oração ao Amor Universal”
Odenir Ferro, Rio Claro/SP;

Teófilo Otoni/MG, 12 de agosto de 2021

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Arquivo Spina 45: Wagner Xavier de Melo

 

Antonio Bruno e Ernesto Zwarg (Litoral Musical) 2


MONGAGUÁ

Há um lugar na imensidão da Praia Grande
É onde a serra se aproxima a beira mar;
Vinda de longe, da planície que se espraia
E vem à praia, pra se ajoelhar...
 
Vem pra pagar uma promessa muito antiga
que a serra fez à deusa do mar;
Traz em seu bojo as águas de uma cachoeira
Traz as antas, traz as flores
E entrega em Mongaguá;
 
E quem quiser ser mais feliz em seus amores
Venha logo, traga flores
E entregue em Mongaguá
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O CAIS DE CANANÉIA

Saudoso, deixei...
O cais de Cananéia, adeus...
Vencendo a correnteza, eu vim
Pensando só em ti, meu amor
Remando, assim
às vezes contra o vento do sul
Mas sem ter um lamento
pois só pensava na ventura de te encontrar...
Os botos passando
Ao lado da canoa as aves
Por sobre a gamboa lembrando
O quanto fui feliz, meu amor
Vivendo na Ilha do Cardoso
Que tempo mais formoso vivi
perto de ti...
 
No Marujá, eu aportei minha canoa
mas os teus olhinhos tristes,
Não encontrei a me esperar
Voltei pro remo, contra o vento
Retendo a mágoa e cheguei em pouco tempo
no Arirí...
No caminho da Capela,
seus passinhos eu reconheci...
E embora transtornado
a maior naturalidade
Fingi, mimosa flor...
 
Saudoso, deixei...
O cais de Cananéia, adeus...
Vencendo a correnteza, eu vim
Pensando só em ti, meu amor
Remando, assim
às vezes contra o vento do sul
Mas sem ter um lamento
pois só pensava na ventura de te encontrar...
Os botos passando
Ao lado da canoa as aves
Por sobre a gamboa lembrando
O quanto fui feliz, meu amor
Vivendo na Ilha do Cardoso
Que tempo mais formoso vivi
perto de ti…
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PRAIAS DE ITANHAÉM

Praias de Itanhaém,
Magia de luz e cor,
Princesa dos mares do Sul
Devolve o meu amor
 
Há um ditado
Na minha terra
Amor de praia
Não sobe a serra,
É como a onda
Que beija a areia
Quando é noite
De lua cheia
 
A onda beija
E vai se embora,
A areia fica
Tão triste e chora
Eu já sabia
Linda criança
Que era tudo onda
Só ficou uma esperança
 (bis)
Amor de praia
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SAUDADE PERUÍBE

Peruíbe, quando o mar...
Bate forte no costão
A saudade, Peruíbe,
Me maltrata o coração...
 
A saudade Peruíbe,
Das quebradas do Itatins.
E das ilhas verdejantes
e do canto do sem-fim.
 
Emociona ver a serra
Lá do Abarebebê...
E magoa de mansinho
Eu lembrar-me de você
Peruíbe, quando o mar
Bate forte no costão,
A saudade, Peruíbe,
Me maltrata o coração...
 
A saudade Peruíbe,
Das quebradas do Itatins.
E das ilhas verdejantes
e do canto do sem-fim.
 
Peruíbe, junto à serra
É cidade, é sertão...
É o caminho da Deserta
É você no coração
 
Peruíbe, pequenina,
É cidade, é sertão...
A saudade, Peruíbe...
Me maltrata o coração

Alcântara Machado (O Mártir Jesus)

(Senhor Crispiniano E. de Jesus)


De acordo com a tática adotada nos anos anteriores Crispiniano B. de Jesus vinte dias antes do carnaval chorou miséria na mesa do almoço perante a família reunida:

- As coisas estão pretas. Não há dinheiro. Continuando assim não sei aonde vamos parar!

Fifi que procurava na Revista da Semana um modelo de fantasia bem bataclã exclamou mastigando o palito:

- Ora, papai! Deixe disso...

A preta de cabelos cortados trouxe o café rebolando. Dona Sinhara coçou-se toda e encheu as xícaras.

- Pra mim bastante açúcar!

Crispiniano espetou o olhar no Aristides. Espetou e disse:

- Pois aí está! Ninguém economiza nesta casa. E eu que aguente o balanço sozinho!

A família em silêncio sorveu as xícaras com ruído. Crispiniano espantou a mosca do açucareiro, afastou a cadeira, acendeu um Kiss-Me-De-Luxo, procurou os chinelos com os pés. Só achou um.

- Quem é que levou meu chinelo daqui?

A família ao mesmo tempo espiou debaixo da mesa. Nada. Crispiniano queixou-se duramente da sorte e da vida e levantou-se.

- Não pise assim no chão, homem de Deus!

Pulando sobre um pé só foi até a salinha do piano. Jogou-se na cadeira de balanço. Começou a acariciar o pé descalço. A família sentou-se em torno com a cara da desolação.

- Pois é isso mesmo. Há espíritos nesta casa. E as coisas estão pretas. Eu nunca vi gente resistente como aquela da Secretaria! Há três anos que não morre um primeiro-escriturário!

Maria José murmurou:

- É o cúmulo!

Com o rosto escondido pelo jornal Aristides começou pausadamente:

- Falecimentos. Faleceu esta madrugada repentinamente em sua residência à Rua Capitão Salomão n. 135 o Senhor Josias de Bastos Guerra, estimado primeiro-escriturário da...

Crispiniano ficou pálido.

- Que negócio é esse? Eu não li isso não!

Fifí já estava atrás do Aristides com os olhos no jornal.

- Ora bolas! É brincadeira de Aristides, papai.

Aristides principiou uma risada irritante.

- Imbecil!

- Não sei por que...

- Imbecil e estúpido!

Da copa vieram gritos e latidos desesperados. Dona Sinhara (que ia também descompor o Aristides) foi ver o que era. E chegaram da copa então uivos e gemidos sentidos.

- O que é, Sinhara?

Não é nada. O Totónio brigando com Seu Mé por causa do chinelo.

- Traga aqui o menino e ponha o cachorro no quintal!

O puxão nas orelhas do Totónio e a reconquista do chinelo fizeram bem a Crispiniano. Espreguiçou-se todo. Assobiou mas muito desafinado. Disse para Fifi:

- Toque aquela valsa do Nazaré que eu gosto.

- Que valsa?

- A que acaba baixinho.

Carlinhos fez o desaforo de sair tapando os ouvidos.

As meninas iam fazer o corso no automóvel das odaliscas. Ideia do Mário Zanetti pequeno da Fifi e primogênito louro do Seu Nicola da farmácia onde Crispiniano já tinha duas contas atrasadas (varizes da Sinhara e estômago do Aristides).

Dona Sinhara veio logo com uma das suas:

- No Brás eu não admito que vocês vão.

- Que é que tem de mais? No carnaval tudo é permitido...

- Ah! é? Êta falta de vergonha, minha Nossa Senhora!

Maria José (segunda-secretária da Congregação das Virgens de Maria da paróquia) arriscou uma piada pronominal:

- Minha ou nossa?

- Não seja cretina!

Jogou a fantasia no chão e foi para outra sala soluçando.

Totónio gozou esmurrando o teclado.

O contínuo disse:

- Macaco pelo primeiro.

Abaixou a cabeça vencido. Sim, senhor. Sim, senhor. O papel para informar ficou para informar. Pediu licença ao diretor. E saiu com uma ruga funda na testa. As botinas rangiam. Ele parava, dobrava o peito delas erguendo-se na ponta dos pés, continuava. Chiavam. Não há coisa que incomode mais. Meteu os pés de propósito na poça barrenta. Duas fantasias de odalisca. Duas caixas de bisnaga. Contribuição para o corso. Botinas de cinquenta mil réis. Para rangerem assim. Mais isto e mais aquilo e o resto. O resto é que é o pior. Facada doída do Aristides. Outra mais razoável do Carlinhos. Serpentina e fantasia para as crianças. Também tinham direito. Nem carro de boi chia tanto. Puxa. E outras coisas. E outras coisas que iriam aparecendo.

Entrou no Monte de Socorro Federal.

Auxiliado pela Elvira o Totónio tanta malcriação fez, abrindo a boca, pulando, batendo o pé, que convenceu Dona Sinhara.

- Crispiniano, não há outro remédio mesmo: vamos dar uma volta com as crianças.

- Nem que me paguem!

O Totónio fantasiado de caçador de esmeraldas (sugestão nacionalista do Doutor Andrade que se formara em Coimbra) e a Elvira de rosa-chá ameaçaram pôr a casa abaixo. Desataram num choro sentido quebrando a resistência comodista (pijama de linho gostoso) de Crispiniano.

- Está bem. Não é preciso chorar mais. Vamos embora. Mas só até o Largo do Paraíso.

Na Rua Vergueiro Elvira de ventarola japonesa na mão quis ir para os braços do pai.

- Faça a vontade da menina, Crispiniano.

Domingo carnavalesco. Serpentinas nos fios da Light. Negras de confete na carapinha bisnagando carpinteiros portugueses no olho. O único alegre era o gordo vestido de mulher. Pernas dependuradas da capota dos automóveis de escapamento aberto. Italianinhas de braço dado com a irmã casada atrás. O sorriso agradecido das meninas feias bisnagadas. Fileira de bondes vazios. Isso é que é alegria? Carnaval paulista.

Crispiniano amaldiçoava tudo. Uma esguichada de lança-perfume bem dentro do ouvido direito deixou o Totónio desesperado.

- Vamos voltar, Sinhara?

- Não. Deixe as crianças se divertirem mais um bocadinho só.

Elvira quis ir para o chão. Foi. Grupos parados diziam besteiras. Crispiniano com o tranco do toureiro quase caiu de quatro. E a bisnaga do Totónio estourou no seu bolso. Crispiniano ficou fulo. Dona Sinhara gaguejou revoltada. Totónio abriu a boca. Elvira sumiu.

Procura-que-procura. Procura-que-procura.

- Tem uma menina chorando ali adiante.

Sob o chorão a chorona.

- O negrinho tirou a minha ventarola.

Voltaram para casa chispando.

Terça-feira entre oito e três quartos e nove horas da noite as odaliscas chegaram do corso em companhia do sultão Mário Zanetti.

Crispiniano com um arzinho triunfante dirigiu-lhes a palavra:

- Ora até que enfim! Acabou-se, não é assim? Agora estão satisfeitas. E temos sossego até o ano que vem.

As odaliscas cruzaram olhares desalentados. O sultão fingia que não estava ouvindo.

Maria José falou:

- Nós ainda queríamos ir no baile do Primor, papai...

Será possível?

- Hã? Bai-le do Pri-mor?

Dona Sinhara perguntou também:

- Que negócio é esse?

- É uma sociedade de dança, mamãe. Só famílias conhecidas. O Mário arranjou um convite pra nós...

Deixaram o sultão todo encabulado no tamborete do piano e vieram discutir na sala de jantar.

(Famílias distintas. Não tem nada demais. As filhas de Dona Ernestina iam. E eram filhas de vereador. Aí está. Acabava cedo. Só se o Crispiniano for também. Por nada deste mundo. Ora essa é muito boa. Pai malvado. Não faltava mais nada. Falta de couro isso sim. Meninas sem juízo. Tempos de hoje. Meninas sapecas. O mundo não acaba amanhã. Antigamente - hem Sinhara? - antigamente não era assim. Tratem de casar primeiro. Afinal de contas não há mal nenhum. Aproveitar a mocidade. Sair antes do fim. É o último dia também. Olhe o remorso mais tarde. Toda a gente se diverte. São tantas as tristezas da vida. Bom. Mas que seja pela primeira e última vez. Que gozo.)

No alto da escada dois sujeitos bastante antipáticos (um até mal-encarado) contando dinheiro e o aviso de que o convite custava dez mil réis mas as damas acompanhadas de cavalheiros não pagavam entrada.

Tal seria. Crispiniano rebocado pelo sultão e odaliscas aproximou-se já arrependido de ter vindo.

- O convite, faz favor?

- Está aqui. Duas entradas.

O mal-encarado estranhou:

- Duas? Mas o cavalheiro não pode entrar.

Ah! isso era o cúmulo dos cúmulos.

- Não posso? Não posso por quê?

- Fantasia obrigatória.

E esta agora? O sultão entrou com a sua influência de primo do segundo vice-presidente. Sem nenhum resultado. Crispiniano quis virar valente. Que é que adiantava? Fifi reteve com dificuldade umas lágrimas sinceras.

- Eu só digo isto: sozinhas vocês não entram!

O que não era mal-encarado sugeriu amável:

- Por que o senhor não aluga aqui ao lado uma fantasia?

Crispiniano passou a língua nos lábios. As odaliscas não esperaram mais nada para estremecer com pavor da explosão. Todos os olhares bateram em Crispiniano B. de Jesus. Porém Crispiniano sorriu. Riu mesmo. Riu. Riu mesmo. E disse com voz trêmula:

- Mas se eu estou fantasiado!

- Como fantasiado?

- De Cristo!

- Que brincadeira é essa?

- Não é brincadeira: é ver-da-de!

E fez uma cara tal que as portas do salão se abriram como braços (de uma cruz).

Fonte:
Alcântara Machado. Laranja-da-China. Publicado em 1928.

Estante de Livros (Livros de Nora Roberts) 1


O AMULETO

A arqueóloga marinha Tate Beaumont partilha com o pai uma grande paixão pelo mar e pela procura de tesouros. Ao longo dos anos, os dois fizeram muitas descobertas fabulosas. No entanto, uma relíquia tem-lhes escapado - a Maldição de Angelique, um amuleto precioso, cheio de histórias, cujo legado é tenebroso e manchado de sangue. Não há dúvidas de que, se os Beaumont, quiserem encontrar tal tesouro, não conseguirão fazê-lo sozinhos - razão pela qual têm de se unir aos mergulhadores Buck e Matthew Lassiter. Esse o ponto de partida de uma aventura e um conturbado romance, no qual a troca de olhares entre Tate e Matthew passeia entre a atração e a desconfiança. Assim, apesar das diferenças, os Beaumont e os Lassiter sabem que a soma de suas habilidades e experiências é a chave para que possam localizar a Maldição de Angelique. Há, no entanto, algumas coisas que Matthew se recusa a partilhar - incluindo a verdade sobre o mistério que envolve a morte de seu pai. Por enquanto, Tate e Matthew são parceiros relutantes - até que o perigo e o desejo comecem a vir à tona.
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DOCE VINGANÇA

Doce vingança traz a história de Adrianne, linda e elegante princesa, que esconde um terrível segredo de família. Quando criança, foi testemunha da crueldade com que seu pai tratava a esposa, sua mãe - uma lendária estrela de cinema. Ao tornar-se adulta, Adrianne alimenta um forte desejo de vingança contra aquele que destruiu sua infância e a felicidade de sua mãe. Para realizar seu intento, Adrianne concebe um plano que envolve um fabuloso colar, conhecido como O Sol e a Lua, de valor inestimável e que pertence a seu pai. Mas o surgimento de Philip Chamberlain em sua vida, com sua inteligência, encanto e enigmático carisma, que tem motivos pessoais para se aproximar da Princesa Adrianne, poderá desviá-la de seu objetivo, e somente tarde demais ela perceberá o perigo oculto ao descobrir que tem pela frente dois homens de força excepcional - um com a capacidade de tirar a sua liberdade, outro com o poder de tirar a sua vida.
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TRÊS DESTINOS

Quando o Lusitania afundou, mais de mil passageiros morreram. Entretanto, Felix sobreviveu e tornou-se um homem diferente, renunciando à vida de pequeno ladrão, embora guardasse consigo uma certa estatueta de prata que roubara no navio, uma herança de família para as gerações futuras. Mas hoje, quase um século depois, aquela mesma estatueta de prata, peça de um conjunto triplo, de valor inestimável, mas há muito separados, foi roubada dos Sullivans. E os irmãos Malachi, Gideon e Rebecca Sullivan estão determinados a recuperar o tesouro deixado por seu trisavô, reunir os três destinos e prosperar. Tal busca os levará para muito longe da Irlanda. Primeiro a Helsinque, onde Malachi conhecerá Tia Marsh, estudiosa americana, cujos privilégios familiares e seus conhecimentos de mitologia grega encobrem uma mulher frágil, atormentada pelo medo. Sua família tem um vínculo importante com a misteriosa estatueta desaparecida. Depois à cidade de Praga, lugar em que uma exótica dançarina chamada Cleo irá encantar Gideon Sullivan... e se lançar num jogo que mudará a sua vida para sempre. E, por fim, a Nova York, onde um especialista em segurança, Jack Burdett, irá se unir aos Sullivans na luta contra uma mulher perigosa, que não se deterá diante de nada para se apossar das três estatuetas. Em ritmo vertiginoso, transbordando romance e paixão, pelos quais Nora Roberts é famosa, Três Destinos é um dos seus melhores livros, uma inesquecível história de sorte, amor e decisões que moldam a vida das pessoas.

Fonte:
Visionvox

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Carolina Ramos (Um minuto apenas)

Pauliceia. Fim de tarde.

Dois trens do  metrô emparelham-se em rumos contrários.

Os olhos da moça captam os olhos dele, emoldurados pela janela oposta. Boa figura...belo homem! Com rapidez, analisa-lhe o semblante. Avaliação positiva. Olhar profundo, magnético... intenso. Elegância sóbria. Alguém bem de vida,., pelo menos, aparentemente. Casado? Solteiro? Compromissado? Pela insistência com que a fitava, deveria ser livre. Ou, não mereceria o bom conceito.

Não mais do que um minuto... e a eloquência daqueles olhos bonitos já a envolviam com sedução irresistível. Sedução à Omar Shariff... que lhe dizia tanta coisa gostosa de ser ouvida... sentida... sonhada! Parecia até ouvir ecos da Canção de Lara pairando no ar!

Bem que poderia ser, aquele, o homem de sua vida! O radar feminino capta a reciprocidade das emoções. Emoções não camufladas - que a urgência do instante não admite máscaras!

Presente, a simbiose de almas. Almas não precisam de apresentação. Descobrem-se. Unem-se, sem mais aquela, como polos que se atraem... ou se repelem, sem mesmo conhecer os porquês.

Um apito prolongado... e outro mais... Os dois comboios, reanimados, arrastam-se preguiçosamente, em rumos opostos, não querendo partir... tristemente solidários à magia daquele instante.

Em dois pares de olhos, a angústia explícita da iminência do adeus! Adeus a separar dois seres que, de surpresa, a vida juntara... para em seguida separar mediante a dolorosa e cruel chancela do nunca mais.

No banco fronteiro à moça, alguém bastante observador e curioso, indaga a si mesmo: - Imaginação fértil? - Ou tudo acontecera, de fato, como num filme de cinema mudo, de metragem curtíssima... ao inteiro dispor dos seus olhos?!

O brilho diferente e úmido no olhar daquela moça, dizia muita coisa mais.

Haveria um novo encontro? Quando? Nunca?! - Só a vida seria capaz de responder a tanta curiosidade, a dar base a outro capítulo, por ora, imprevisível.

Indiferente ao depois, aquele homem que tudo observava disfarça um sorriso, certo de ter em mãos matéria suficiente para estruturar novo conto. Um conto com base real e, sem dúvida... bastante poético!

Os trens da vida, por sua vez, prosseguem em sua marcha... a empurrar e puxar vagões bitolados por destinos os mais diversos... A cruzar trilhos... A emparelhar vidas opostas, em rumos do nunca mais.

Bem igual àquele trem da Pauliceia que, sem saber, transportava uma página de história interrompida, de final desconhecido e imprevisível.

Já desinteressado, o observador solitário boceja... Guarda o argumento num bolso secreto da memória... E ainda longe do seu destino, abre o jornal e mergulha de cabeça no prosaísmo cotidiano... enquanto o trem apita e acelera a marcha para chegar mais depressa.

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). 
Santos/SP: Mônica Petroni Mathias, 2021. 
Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

Clarisse da Costa (Mensagem na Garrafa) Seja feliz por você


Não fique procurando por um amor. Quanto mais a gente procura, mais a gente se magoa. Falo isso por experiência própria. Acho que o amor acontece quando tem que acontecer, de forma natural. Dê um tempo a si mesmo. Às vezes vale a pena chorar de tanta felicidade pelas nossas conquistas do que por quem sequer soube nos amar.

Vire a página e escreva uma nova história. Sentir falta de ter alguém, de deitar a cabeça no seu colo, de ter aquele apoio, faz parte, é natural. Mas não podemos nos anular e esquecer quem somos.

Deixe o tempo conduzir tudo. Em algum momento da vida vai aparecer aquela pessoa que te valorize, que te respeite, que te ame e te assuma. Caso contrário, não se abale, fique sozinha, abrace seus planos, construa novos sonhos…

Estar sozinha não é algo ruim. A solidão só é horrível quando não encontramos mais motivos para viver e lutar pelos nossos sonhos.

Faça o seguinte, dance pela sala, ouça a sua melhor música, comemore tudo que você conquistou. Tome uma bebida ou um suco. Mas seja feliz por você.

Fonte:
Texto enviado por Samuel C. Da Costa

Jaqueline Machado (Gabriela feita de cravo, canela e amor)

"Eu acredito que ela tem um tipo de magia que provoca revoluções e promove grandes descobertas. Não há nada que eu goste mais do que observar Gabriela no meio de um grupo de pessoas. Você sabe o que ela me lembra? Uma rosa perfumada num buquê de flores artificiais."

Assim, com doces palavras e ar de espanto, Jorge, O AMADO, se referia a uma de suas personagens favoritas. Na verdade, ela é mais que uma personagem, é um ideal de mulher perfeita. E vejamos que mesmo em dias atuais, esse ideal não se encaixa e até repele os moldes da dita perfeição inventada pelo falso moralismo da sociedade.

Gabriela, a famosa cozinheira de seu Nacib, já veio ao mundo temperada com cravo e canela. E logo tornou-se dona de si. DONA DELA. O árabe mais famoso da literatura baiana, jamais conheceu outra mulher igual, sempre pronta para os afazeres da casa, sabia cozinhar e organizar as coisas como ninguém.

Pouco se zangava, se contentava com pouco e vivia a sorrir. Feito menina, brincava com as crianças e com ele, ao entardecer fazia amor. E o seu amor era um amor diferente dos demais, costumava ser mais cheio de curvas, lábios e lençóis...

Eles se uniram, separaram-se e depois uniram-se novamente, porque depois de descobrir a simplicidade, a sensualidade e o amor quente de Gabriela, sem ela, seu Nacib, o “Moço Bonito”, como era chamado por sua deusa, não poderia continuar a existir.

Fonte:
Texto e imagem enviados pela autora.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Versejando 71

Pintura de fundo: autor anônimo, obtida em Dreamstime

Concurso de Trovas "Príncipe da Trova Luiz Otávio"


Atenção trovadores

Breve será lançado o segundo Concurso de Trovas do Blog:

Concurso de Trovas “Príncipe da Trova Luiz Otávio”

O prazo será até 30 de novembro de 2021
 
Âmbitos: 
Nacional/Internacional
Estadual (somente para trovadores do Paraná)
 
(Veteranos e Novos Trovadores)

Realização:

Blog Pavilhão Literário Singrando Horizontes  

(http://singrandohorizontes.blogspot.com)

 

Apoio:

Academia Brasileira de Trova (ABT),

Academia de Letras e Artes de Paranapuã (ALAP)


AGUARDE O REGULAMENTO!!!!!

Milton Sebastião Souza (A fila da morte)

Uma fila de quase mil pessoas. E ele entre os últimos dez. A fila andava pouco. E o pior é que não lembrava o que estava fazendo naquela fila. Bateu no ombro do sujeito da frente e perguntou: “Esta fila é para que?”.

O cara, sem sorrir, respondeu: “Olha, eu não sei muito bem. Mas se está com pressa, pode passar para a frente e ocupar o meu lugar”.

Agradeceu a gentileza, passou para o lugar do outro, e fez a mesma pergunta para a mulher que ficara na sua frente. A resposta foi a mesma e a gentileza também. Em poucos minutos ganhara dois lugares. Que sorte!!! Mas ainda não sabia o que estava fazendo ali. Ainda bem que a fila andou uns quatro passos. Mas ainda não conseguia enxergar o começo dela, pois havia uma espécie de neblina lá na frente.

Neste momento, notou que um rapaz todo vestido de branco caminhava pelo lado da fila, entregando senhas numeradas para todos. Esperou, pacientemente, o rapaz se aproximar. Quando o moço estendeu uma senha, ele perguntou: “Que fila é esta. Não lembro o que estou fazendo aqui”.

O rapaz, com um sorriso, respondeu: “Esta é a fila para o encontro com a morte. Lá no começo, a morte está sentada no seu trono. Quando o senhor chegar na frente dela vai saber se o seu destino é o céu ou o inferno. Eu estou entregando senhas porque algumas pessoas estão trocando de lugar e indo mais para trás. Assim, com estes números, ninguém vai enganar a morte: cada um chegará na frente dela na sua hora marcada”.

Fila da morte. Meus Deus!!! E ele passara dois lugares para a frente. Que trouxa!!! Enganado duplamente. Olhou para trás, mas os dois enganadores já tinham conseguido dar vários passos para trás. Pensou: “Desgraçados. O inferno está esperando por vocês, seus miseráveis”.

Sentiu um empurrão nas costas. A fila havia andado e ele ficara parado, deu quatro passos para a frente, sem muita vontade. Pensou em sair correndo, mas notou que a fila ocupava um longo corredor sem janelas. E alguns seguranças, armados, olhavam ameaçadoramente para quem pensasse em sair da fila. E ninguém queria morrer antes da hora...

Lembrou das muitas filas que havia enfrentado durante a vida. Sempre tivera muita pressa e, muitas vezes, furara filas para não ficar esperando. Ou promovera protestos, gritando: “Esta fila não anda, vamos dar um jeito nisso, vamos botar mais gente para atender...”.

Quantas broncas havia armado!!! A coisa que ele mais odiava era enfrentar filas. Chegara a pagar pessoas para ficar nas filas no seu lugar. E agora estava ali, torcendo para que a fila não andasse ou andasse bem devagar. Ainda bem que a morte atendia pessoalmente cada pessoa. A fila andava lentamente. Mas ele já estava achando rápida demais...

Começou a suar frio. Como se metera nesta? Relembrou os últimos acontecimentos. Estava bebendo com os amigos, numa alegria total. De madrugada, pegara o carro para ir para casa. E depois disso não lembrava de mais nada. Será que havia se metido num acidente de trânsito por dirigir embriagado?

Sentiu alguém batendo no seu ombro. Olhou para trás: era um policial. Falou: “Não adianta empurrar, meu. A fila anda devagar. E eu nem posso te dar o meu lugar porque já tenho a senha numerada. Vai com calma que a tua hora também chega”.

O policial, porém, pegou no seu ombro e sacudiu mais forte. E ele foi abrindo os olhos devagar. Num segundo, a fila da morte desapareceu. E ele notou que havia dormido sobre a direção do carro. Ainda estava no estacionamento do bar onde bebera com os amigos.

Cambaleando, saiu do carro e foi amparado pelo policial. Depois de acordar melhor, mostrou os documentos, e foi aconselhado a pegar um táxi para ir para casa. Uma fila de pessoas aguardava a chegada dos carros de aluguel. E ele, pacientemente, esperou a sua vez, pois aprendera, em sonho, que não era tão mau assim esperar numa fila…

Caldeirão Poético XLVI


Célia de Paula

(Rio Branco/AC)


ENTARDECER

Quanta maravilha o céu enfeita!
Um tom laranja ao final do dia,
Teor magnífico de uma poesia,
Magia que a um artista deleita!

Bailam no céu as aves canoras,
Formando um contraste lindo!
Meus olhos perdidos no infinito...
Esplêndido tema d’alma aflora.

Um espetáculo de endoidecer!
No horizonte o Sol a se esconder,
Dar asas a minha imaginação...

Nosso Senhor usou de inspiração…
Lapidou a natureza, adubou o chão…
Pôs brilho e encanto no entardecer!
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Júnior Bonfim
(Fortaleza/CE)

EU SOU


Um pássaro - que tem o sol como meta
um apaixonado barco - em mares de aventura
um homem sério - com o coração de poeta
uma sonhadora abelha - que só busca doçura!

Nos olhos tristes - a infinita alegria
no peito uma estrela - de invisível brilho
namorado da paz - torcedor da rebeldia
amante das pétalas - do sorriso filho.

Bandeira de incêndio - horizontal canção
um monte calmo - com tendências de vulcão
um marinheiro - que distribui beijos de adeus.

Uma árvore - perfumada de emoção
um grande ateu - que tem muita fé em Deus
e que por tranquilidade - só tem a agitação!
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Lucineide Souto
(Fortaleza/CE)

ENTÃO


Então vamos florir com rosas e palmas a nossa estrada longa,
Exposta nua, sem pudor, ao matutino sol incandescente,
Qual desenhista, a nossa silhueta negra ao chão alonga
Inconformado, talvez, com a nossa esplendorosa luz fulgente?

Então, vamos cantar o nosso amor febril em prosa e verso
Quando a tarde por sobre o mar azul desmaia lânguida?
E o vermelho crepuscular veste de púrpura o Universo
E a Ave Maria se difunde, no vácuo, bela e cândida?

Então, no sol de espelhos, por sobre as águas, certo dia
Em que morreram, talvez, nossas quimeras e a esperança
A Rainha do Mar revestiu de luares a mais doce fantasia

E, se fez prata o tempo da nossa florida e longa estrada.
Nossas mãos inutilmente perseguem as estrelas cadentes -
Serenos beijos da noite nos lábios radiantes da alvorada.
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Pedro Francisco Alves
(Tanguá/RJ)

FORÇA DO EQUILÍBRIO


Coração limpo e cabeça fria
oxigenam a alma com primores,
exterminam mazelas e rancores
e disseminam paz e harmonia;

extinguem procederes agressivos,
inibem as carências amorosas
e dão beleza de lírios e rosas
às relações e tratos tempestivos.

Interligam o Norte com o Sul,
colorem os perfumes de azul,
perdoam as sequelas da desdita,

acalmam o pavor que precipita
e aumentam as chances de vencer:
angústias, sofrimentos, padecer...
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Totonho Laprovitera
(Fortaleza/CE)

FELIZ E SATISFEITO


Entre a pintura de Adão e Eva,
num pára-choque li pela avenida:
"O que se leva mesmo dessa vida
é a vidinha que aqui se leva".

No prato o pobre quase nada tem,
seu salário mal chega ao dia seis,
o aluguel sempre atrasa mais de mês,
e ainda acha que passa muito bem.

Aí pergunto com todo o respeito:
Será defeito a falta de dinheiro
pra quem vive feliz e satisfeito?

Mas como diz a expressão tão nobre:
Nessa vida o rico verdadeiro
é aquele que bem sabe ser pobre!


Fonte:
Luciano Dídimo (org.). 100 sonetos de 100 poetas. 
Fortaleza/CE: Expressão Gráfica e Ed., 2019.
Livro enviado pelo organizador.

Stanislaw Ponte Preta (O suicídio de Rosamundo)

Rosa se meteu com uma dessas mulheres para as quais o sentimento de fidelidade vale tanto quanto um par de patins para um perneta. Rosamundo, no começo, não percebeu.

Aquela sua vaguidão. Mas os amigos acharam demais. A deslumbrada passava o coitado para trás de uma maneira que eu vou te contar. Aí os amigos se queimaram na parada, chamaram o Rosa num canto e deram o serviço. Eu não me meti porque acho que ninguém tem o direito de impedir os amigos de amarem errado. Sou como Tia Zulmira, que considera a experiência pessoal a única coisa intransferível desta vida, tirante, é claro, a ida dos ministérios para Brasília.

Se o cara nunca amou errado, tem que amar uma vez, para aprender. Mas — sinceramente — eu que conheço Rosamundo tão bem, até hoje não sei dizer o que ele é mais: se distraído ou emotivo. Ao reparar que a moça não era merecedora, ficou numa melancolia de pinguim no Ceará. Não comia, não dormia e acabou apelando para a mais amena das ignorâncias, ou seja, o gargalo. Ficou mais de uma semana enchendo a cara. De "Correinha" a "House of Lords", Rosamundo bebeu de tudo.

Como diz aquele sambinha do João Roberto Kelly, "mulher que se afoga em boteco, é chaveco". Em vez de esquecer a infiel, Rosa foi se tornando um escravo dela. Fez até um tango, que começava assim: "Yo sé que tu eres una vaca..." e terminava como terminam todos os tangos, isto é, plam-plam...

Ontem, ele estava no máximo da fossa. Mais triste que juriti piando em fim de tarde. Sua depressão chegara ao ponto culminante, se é que depressão culmina. Desolado, foi para casa, tomou mais umas e outras e sentou-se na escrivaninha para escrever um bilhete de suicida. O bilhete de Rosamundo não diferia muito dos bilhetes de todos os suicidas. Despedia-se da vida, pedia para não culparem ninguém e pedia desculpas aos que lhe queriam bem, pelo tresloucado gesto.

Em seguida foi para o banheiro, forrou o chão com uma toalha, calafetou a porta e a janela, abriu o bico do aquecedor e deitou-se para morrer. Mas Rosamundo é distraído demais.

Acordou de manhã com o corpo todo doído de ter dormido no ladrilho. Como, minha senhora, por que foi que ele não morreu? Era greve do gás, madama.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Adega de Versos 40: Daniel Maurício

 


Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 32 e 33


A VEZ DOS FERREIROS


Dentro do Partido Antissituação surgiu a ideia de se criar outro partido, que seria, digamos, o Partido dos Ferreiros, por serem os ferreiros, como se sabe, classe até agora sem representação política.

— Os ferreiros são o sustentáculo da nação. Sem eles não haveria o ferro trabalhado e convertido em inúmeros objetos da maior serventia, inclusive as ferraduras para cavalos, esses animais de que não podemos prescindir para as corridas de obstáculos e outras. Vamos fundar o Partido Ferreiral Copaibano — propôs um orador.

— Partido Ferreirista Copaibano é que deve ser — aparteou outro prócer, e saiu na disparada para registrar a sigla PFC, comum aos dois projetos.

O partidário do Ferreiral saiu-lhe na cola, e os dois chegaram ao local desejado com cinco minutos de diferença entre um e outro. O oficial de registros partidários, vendo ambos bem vestidos e com as mãos primorosamente limpas, indagou:

— Qual dos senhores é ferreiro?

Ao que responderam a una voce:

— E precisa?
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BINÓCULOS

No apartamento fronteiro instalou-se há dias novo morador. Ele assesta o binóculo em minha direção. Percebendo que estava sendo observado, tirei da gaveta o meu binóculo e por minha vez pus-me a observá-lo.

Nossos olhares se cruzaram. Imóveis, cada um lia no rosto do outro alguma coisa que lhe interessava saber. Ou tentava lê-la, mas, sentindo ambos que eram objeto de curiosidade mútua, ele procurava disfarçar o que tivesse de revelável no rosto, e eu fazia o mesmo, de sorte que, quanto mais nos inspecionávamos pelo olhar, mais realmente nos desconhecíamos.

A contemplação simultânea durou não sei quantos minutos. Era ostensiva e ao mesmo tempo astuciosa, enganadora e denunciadora.

Seríamos talvez (ou nos tornaríamos) dois inimigos, dois companheiros, dois irmãos, dois críticos implacáveis. Ele necessitava de mim, e eu dele, nessa procura do que nos faltava a ambos. Cheguei a pensar que fôssemos uma só pessoa, desdobrada e reunificada pelos binóculos.

Nesse caso, estaria eu procurando ver no rosto alheio o meu verdadeiro rosto e, quem sabe, aquilo que meu rosto esconde de si mesmo. E, do outro lado da rua, meu rosto desdobrado fazia a mesma coisa.

Nisso caiu uma chuva forte, que embaciou as vidraças atrás das quais nos protegemos, e nossos binóculos e rostos tornaram-se praticamente liquefeitos, cessando a pesquisa.

Não tenho visto mais o novo morador, e não sei onde botei esse binóculo.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

Lima Barreto (Despesa filantrópica)

Quando ele me chegou à porteira de casa, acompanhado de outro sujeito mal-encarado, não o reconheci. Ele entrou a meu convite para a sala; sentou-se mais o companheiro e mandei servir-lhes café. Enquanto o café era esperado, ele se deu a conhecer. Aí é que foi a minha surpresa.

— Por quê? acudiu o amigo que ouvia o fazendeiro.

— Por quê?... Porque era um dos mais famosos assassinos do lugar.

— Diabo! Que visitante recebias tu com tanta distinção!

— Foi mesmo o diabo! E fiquei contrariado em recebê-lo em casa. Se soubesse quem era, teria dado “pouso” em qualquer dependência da fazenda e evitado que ele me entrasse em casa; mas... o que estava feito, estava feito, tanto mais...

— Sim; porque se fizesse qualquer jeito de contrariedade, ele talvez te desfeiteasse.

— Com toda a certeza! E, conquanto já estivesse habituado à vida daqueles lugares bravios, onde a coragem pessoal, mesmo com certa jactância, é indispensável, não me convinha absolutamente ter questão com semelhante sujeito que era o tipo acabado do interior do Brasil.

— Há esse tipo?

— Há, pois não.

— Qual é o traço característico?

— É a futilidade dos móveis do crime e a capacidade de matar a mandado de outrem. No interior, a mais simples rixa por causa de uma questão de compra e venda leva um sujeito ao assassinato. Uma frase assim, assim, que o Fagundes ouvia da boca do Antônio, como tendo, sobre ele, sido proferida por seu inimigo Orestes, determina que o Fagundes mate Orestes. Conto-te um caso: o Madruga se havia separado da mulher que se prostituíra e fora morar numa cidade distante. Passam-se anos e Madruga vai prosperando com o seu negócio no vilarejo. Parecia esquecido de sua infelicidade conjugal, quando lhe chega aos ouvidos que a sua mulher tresmalhada, no auge daquelas grosseiras orgias sertanejas, o injuriava com frases pesadas. Ele que faz? Arma-se, monta a cavalo e vai procurar a mulher na sua triste residência. Engabela-a e a mata. Consegue escapar, volta ao vilarejo, onde tinha negócio; espalha a “boa-nova” do que fizera; publica, no jornal local, o seu retrato e o da mulher, a peso de dinheiro; e espera tranquilamente a ação da justiça.

— É incrível!

— Pois é, meu caro Felício. O caipira, o matuto, o Jeca, como se diz atualmente depois de Monteiro Lobato, mata mais por vaidade do que mesmo por vingança, crueldade ou por tara. De forma que ser valentão, matador, é lá um título de honra e os assassinatos cometidos são como condecorações de ordens reais e imperiais. Sendo assim, nada mais fácil do que achar quem aceite encomendas de “mortes”.

— O teu visitante quantas já tinha?

— Três; e era bem moço, de mais ou menos vinte e cinco anos.

— Como te livraste dele?

— Vou te contar. Estivemos conversando e ele me narrava proezas, expondo, ao mesmo tempo, a maldade de seus inimigos e a vingança que havia de tirar deles. Hás de supor que falava com raiva.

— Não?

— Qual! Falava com a calma mais natural deste mundo, empregando os mais lindos modismos do dialeto caipira. Num dado momento sacou da cinta uma imensa pistola parabélum e disse: “esta bicha tá virge, mas ela corre que nem veado”. Era uma magnífica arma de treze tiros, com alcance de mais de mil metros. Pedi-lhe que me deixasse ver. Examinei-a, pensando tristemente no esforço da inteligência que representava aquele aparelho, e que, entretanto, estava destinado a tão má aplicação. De repente perguntei ao assassino: “Aluísio, você quer vender esta arma? Dou trezentos mil-réis”.

Ele não pensou — porque Jeca está sempre disposto a fazer negócio, barganha e rifas — e disse: “Dotô, nós faz negoço”. Dei-lhe o dinheiro, fiquei com a arma; e ele se foi, para voltar mais tarde. Voltou, de fato; mas, sabes o que ele trazia quando voltou?

— Não.

— Um rifle Winchester que comprara por duzentos mil-réis. Eis em que deu minha despesa filantrópica.

Fonte:
Lima Barreto. Contos completos. Conto publicado em 1951.