quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Maria Amália Vaz de Carvalho (A propósito de um livro)

Há momentos em que eu não posso deixar de me sentir desconsolada. Parece-me nesses momentos que a humanidade está passando por uma das crises mais graves da sua vida de tantos séculos.

E quem terá forças para conservar-se espectador indiferente dessa dolorosa tragédia de que é teatro o mundo inteiro!

Teorias que se atropelam e se contradizem, sistemas políticos que mutuamente se combatem, opiniões tão variadas, acerca das coisas graves e das coisas insignificantes, que não nos resta meio algum de descortinar a verdade em meio de tão babilônica confusão.

Na prática o desmentido formal e permanente a todas as doutrinas que se pregam e se propagam!

Celebra-se a apoteose da família, e a família decadente, desnorteada, desunida, apresenta o reflexo fiel desta quadra de desalento e de incerteza!

Enquanto os sonhadores erguem um altar à justiça, como a deusa moderna que mais cultos merece, a injustiça aclamada, protegida, triunfante campeia neste mundo onde a vitória já não pertence ao mais forte, mas sim ao mais astuto!

A política, que parecia dever ser aquela ciência complexa e respeitável de conduzir as sociedades ao mais alto grau de aperfeiçoamento material e moral, não é senão um mercado abjeto, onde se debatem os mesquinhos interesses individuais, não aqueles interesses que são a base do bem coletivo, mas os que se traduzem na exploração do homem pelo homem.

A guerra aqui acesa e selvagem, de uma selvageria refinada e científica, acolá disfarçada e hipócrita, arma-se por toda a parte, como nos séculos que lá vão, igualmente funesta, embora a revistam mais prestigiosos aspectos.

Fala-se em paz, em fraternidade universal, prega-se uma religião humana que parece querer e dever suprir a religião divina, mas os modernos crentes d’esse dogma que assenta no direito, na justiça, no amor universal, atraiçoam tanto as suas doutrinas, como atraiçoavam a sua fé os católicos mal esclarecidos das épocas de ascetismo rude, e de fanática superstição.

Para onde vamos nós?

Se vamos para o Bem, o que é que origina esta dolorosa inquietação, que avassala e confrange todas as almas, este contraste incompreensível, entre o que se pratica e o que se pensa?

Se vamos para o Mal, para que nos falam do progresso, da perfectibilidade humana, das conquistas da civilização, dos arrojos felizes da ciência, de tudo que parece preparar ao homem uma quadra luminosa, feliz, nunca realizada até agora?

Dantes, nestas horas de dúvida, de angústia opressiva, íamos nós procurar consolação na palavra animadora e harmoniosa dos que, com os olhos fitos na estrela do ideal, indicavam ao homem o rumo que ele tinha a seguir, para não se perder na sua gloriosa ascensão.

Hoje, esses pilotos da nau do futuro estão mudos ou descreem também!

Mais doloroso ainda que o silencio desalentado, é o “rictus” sarcástico com que eles assistem a luta estranha e confusa de tantos elementos contraditórios e incompatíveis.

Depois a literatura, que é o espelho da alma das sociedades, é hoje por toda a parte um brado unanime de negação.

Não reconstrói, não modifica o que está feito, trata de o desmoronar pedra por pedra!

Há um homem em França que refaz, colocado num ponto de vista diverso, a obra colossal de Balzac.

O romancista mais admirável da França, aquele que fez do romance um ramo das ciências sociais, fez num momento, que tem por força de ficar, a síntese de sua época.

Pintou, e com que potência da verdade! Os reis, e os operários, as duquesas sentimentais, e os artistas convulsionados pela nevrose do seu tempo, os políticos, os sábios, os pensadores, os literatos; as pecadoras do alto mundo, e as pecadoras do mundo equívoco; os financeiros, e os lutadores ambiciosos; os que vinham perder a alma e gastar o corpo nessa Paris elétrica e absorvente, que atrai os gênios e os monstros, e os que vinham ali conquistar a fortuna, o poder, a soberania omnipotente.

Na sua obra complexa, enorme, que às vezes tem na distância um não sei que de monstruoso, encontra-se viva, palpitante, com os seus vícios, com as suas paixões, com o seu talento ardente, com a sua magnética e irresistível sedução, uma das épocas mais características da civilização da França, o que significa a civilização da Europa.

Se em Balzac encontramos as florescências rubras do mal, nem por isso nos seduzem menos as suavidades castas da virtude.

Ao pé de Madame de Marneffe, a pequenina e graciosa fera parisiense, felina e nervosa, com carícias que mordem e furores que acariciam, há a doce figura de Eugenia Grandet, a mais dolorosa virgem, que a imaginação moderna ainda concebeu e idealizou.

Ao pé de Luciano de Rubempré o ambicioso efeminado e mórbido; de Vautrin o brutal lutador que seria um líder do século XVI e que só pôde ser um forçado no século XIX; ao pé de Marsay o político sagaz, que faz dos homens, das mulheres e das coisas, meros instrumentos da sua fortuna, que não tem lei nem fé, e que é capaz de assassinar com um sorriso de dândi, temos de Artes o pensador austero, e pobre escritor para quem a literatura é um magistério e não um ofício, temos Cesar Birotteau, a sublimidade burguesa, o honesto comerciante que tem palavra de duque, que é perfumista com a mesma nobreza de abnegação e de honradez, com que se é sacerdote, e que glorifica toda uma classe de que se riem os frívolos, sem saber quanta heroicidade é precisa para saber guardar imaculada em um peito de burguês, a honra de um paladino.

Dizem que o vício poluía na obra de Balzac com uma exuberância de vegetação inacreditável.

Ele não foi mais do que o analista apaixonado da sua época.

Adorou-a pelo que ela tinha de grande, compreendeu que lhe podia desnudar as chagas, visto que ao lado delas podia mostrar tão admiráveis belezas.

Foi implacável na sua justiça.

O seu tempo seduziu-o pelo que havia de brilhante nos seus vícios, de fecundo e poderoso nas suas paixões, de arrebatado e criador no seu gênio, de raro e dedicado nas suas virtudes.

Hoje no artista que segue as pisadas de Balzac, que não tem a sua potência criadora, mas que tem como ele, e talvez mais metodicamente do que ele, o estudo paciente e investigador, que vemos nós que possa dar-nos aquela sensação de prazer agudo que a leitura conscienciosa de Balzac dá a um verdadeiro artista?

Emilio Zola também descreve a sua época.

É artista, porque sente e sabe fazer sentir.

Diz-se imparcial!

Faz viver nos seus livros a sociedade de que faz parte; entra nos palacetes de pedraria rendilhada dos modernos financeiros, os reis do mundo atual, percorre os salões dourados e os vestuários femininos fantasistas, as salas de jantar, onde se reúnem as relíquias mais preciosas de umas poucas de civilizações, janta nos restaurantes de mais fama, visita nos seus camarotes da ópera ou dos italianos as mundanas mais elegantes, as altas sociedades mais admiradas e invejadas, está no segredo de todas as operações da Bolsa, escutou a uma porta todas as combinações e convênios diplomáticos, penetrou com a sua perspicácia tenaz no interior da alma que anima o seu tempo, falou com os artistas, com os sábios, com os poetas, com as mulheres; subiu aos oitavos andares onde dormem amalgamados numa dolorosa e medonha promiscuidade os miseráveis dessa Paris, cuja superfície é tão sedutora e tão brilhante; viu os farrapos que cobriam o corpo desses indigentes, e os vermes que corroíam a alma desses párias; escutou as perfumadas confidências que murmuram devagarinho uns lábios frescos e vermelhos, por detrás dum leque onde dançam a gavotte (dança) umas pastorinhas de Watteau.

Observou de perto o que há de mais brilhante e o que há de mais abjeto, o que há de mais puro e o que há de mais ignóbil.

Dessa observação tão variada e tão completa que resultado colheu?

Não o posso dizer ao certo, sei só que não há nada mais desolador e mais triste do que a leitura de um livro de Zola.

E Zola é, depois de Tlambert, o grande mestre que morreu, o escritor de mais pulso da moderna geração realista.

Os outros não têm o talento dele, não têm o alcance funesto ou bom, mas em todo o caso poderosíssimo da sua obra, não têm a sua paciência de beneditino, exercida com os processos da nova escola.

Isto não é dizer mal dos que trabalham agora, é notar e assinalar um dos assinalar da confusão que hoje nos desnorteia.

Acudiam-me todos estes pensamentos, imagina como, leitora?

Ao ler um novo livro de Feuillet, ultimamente publicado em Paris Le journal d’une femme.

Feuillet é por excelência o escritor elegante e delicado.

No fundo, pode ser que a obra dele tomada no seu conjunto não seja de uma moralidade tão cauterizadora como a que resulta dos livros de Zola.

Ninguém diga que Zola é um escritor imoral, não; ele é simplesmente um escritor misantropo: vê as coisas pelo lado mais negro, e as suas bacantes, nuas como são, não têm efeitos enervantes, doem como um cáustico aplicado sobre uma úlcera aberta.

Ao lê-lo, a gente não tem de certas tentações de imitar os seus deploráveis heróis; pelo contrário. Sente-se ferida, humilhada, quase que angustiada, e exclama tristemente: Meu Deus! Pois a humanidade é isto!

Octavio Feuillet é, por assim dizer, o contraste do seu ilustre contemporâneo.

Escreve das mulheres e para as mulheres com pena de ouro e nácar.

Feuillet é o último romântico, depois do romantismo ter morrido, como Balzac é o primeiro realista antes do realismo nascer.

Para Feuillet, o delicado observador, as paixões são doenças da alma; para Zola, o anatomista implacável, as paixões são doenças do corpo.

O convulso e repugnante histerismo das mulheres de Zola não tem nada que ver com a sentimentalidade melancólica das mulheres de Feuillet.

Nenhuma delas — deixe-se isto bem claramente registrado para honra e felicidade do sexo feminino — nenhuma delas é a verdadeira mulher, a que tinha a obrigação de ser a mulher do futuro, já me não atrevo a dizer da que o será.

Octavio Feuillet, que está talvez perto demais das cruas pinturas do realismo, intentou neste seu último livro, chamado Le journal d’une femme, reabilitar as ideias românticas, que visto perderem tantas mulheres, podem também salvar algumas.

Ele que sabe tão bem dar vida às suas pálidas e nervosas heroínas, que têm na boca o sorriso da esfinge, que têm na voz uns feitiços misteriosos, que têm no gesto uma graça irrequieta e caprichosa, que sabem arrastar o homem até a beira do crime com um aceno das suas mãos esguias e aristocratas, ele, o criador do Conde de Camors, esse último produto da literatura byroniana, que endoideceu de amor literário tanta mulher, ei-lo que se propõe desta vez o difícil tema de explicar a que nobres e altos sacrifícios o romantismo bem entendido pode levantar uma mulher.

Foi arrojada a empresa; arrojada, mas feliz.

Le journal d’une femme, livro que eu já daqui recomendo a todas as minhas leitoras, é uma joia admirável, cinzelada pela mão de um artista de coração.

E depois são tais os exageros e desmandos da chamada escola realista, é tal o amesquinhamento a que ela reduz a humanidade, que é bom que um escritor de tão prestigiosa eloquência como é Octavio Feuillet mostre que, ao fim de contas, nem tudo era mal na geração que os moços de hoje tentam destronar com tão arrogante desdém.

Roubar ao homem e sobretudo a mulher aquele ideal em que até agora todos punham a mira embora o julgassem inacessível, é despir a vida das poucas flores que ela pôde ter.

Não; o homem não é só um ser organizado que pensa, é também uma alma que ama, espera e crê!

Nesta era de transformação e de incerta claridade, é bom que uma voz se erga e diga bem alto que a paixão só é criminosa quando mal dirigida, que o excesso do sentimento só é ridículo quando mal aplicado, que a abnegação inteira e absoluta tem gozos superiores a todos os gozos da matéria, e que as almas boas e as almas grandes descobriram uma linguagem misteriosa, na qual falam com Deus.

Não basta descrever minuciosamente com uma perversão de gosto, deveras deplorável, tudo que há mau, grotesco, ou vicioso na criação; não basta ter em si tão acentuada preocupação horrível, que se deseje ver com o microscópio do naturalista, para bem lhe distinguir os defeitos, as anfractuosidades, as máculas, os vermes, de tudo que à simples vista seria harmonioso e belo.

Aquele a quem se roubam todas as ilusões salutares cumpre apontar para algum bem que ainda lhe ficará na terra, bem verdadeiro que o compense de todas as suas perdidas alegrias mentirosas!

Não basta negar, é necessário afirmar com convicção robusta; não basta demolir, é preciso ao lado dos edifícios que se derrubam e desmoronam construir novos edifícios mais ricos e mais seguros.

Octavio Feuillet fez este livro, como um protesto de escola, sem, contudo, perder com esta qualidade um tanto dogmática, o seu interesse dramático, a vida intensa, tão indispensável às verdadeiras obras d’arte.

Dado o caso de se chamar romantismo ao excesso de certos e determinados sentimentos, a concepção mais ou menos quimérica que temos das coisas da vida, resta provar se o romantismo pode ou não pode ser nocivo conforme o terreno em que medrar e o meio em que se desenvolver.

A principal heroína do romance, aquela que escreve o seu Diário, ao qual dá o título de livro, é uma rapariga apaixonadamente romântica, tudo quanto há mais romântico, quer dizer tudo quanto há de menos prático e real.

Por isso sendo moça, formosíssima, sentindo cantar dentro da sua alma a festiva e triunfante formosíssima dos vinte anos, tendo uma destas belezas características que dão a certas mulheres um aspecto de deusas, amando com aquela primeira e casta ternura das virgens um homem em tudo digno dela, sacrifica todas estas superioridades da natureza, todas estas radiosas promessas de felicidade a quem? A que?

A um pobre mutilado que morria de amor por ela, a um soldado que voltara da guerra sem uma perna e sem um braço, informe, grotesco, irremediavelmente desgraçado, e que, assim mesmo do fundo do abismo em que o destino o lançara, ousou amar aquela mulher olímpica, e teve a audácia de tentar morrer por causa dela.

Enquanto ele viveu, foi-lhe fiel como as mulheres dignas o sabem ser, consolou-o de tudo que perdera, levou a luz da sua caridade bendita aos antros em que aquela pobre alma se debatera inutilmente por tanto tempo.

Mais tarde quando o marido morre, abençoando-a como se abençoa um anjo, ela, livre de novo, torna a encontrar o homem que amou uma vez, e que não soube esquecer.

Esse é então marido da amiga, da infância, da juvenil viúva.

Não são felizes, os dois, mas ela, a intrépida, a caridosa criatura, lá está tentando da abnegação de cada um deles fazer a felicidade de ambos.

Não o consegue, e quando a amiga, culpada e arrependida se mata para fugir ao horror de mentir eternamente a seu marido, só ela no mundo recebe a confidência do seu crime, confidência que numa carta repassada de dor a doída criança lhe pede que transmita ao esposo ultrajado.

Ficaram ambos livres em face um do outro, ambos viúvos, ambos tendo cumprido a missão que o destino lhe confiara.

Nada os desune agora, nada, a não ser uma dúvida que punge o ânimo daquele, que hoje ela ama perdidamente com a paixão concentrada de tantos anos de sacrifício.

— Porque foi que a minha mulher se matou? – pergunta ele então. Às vezes lembro-me que foi talvez o desamor que eu não soube ocultar bastante. Se assim for, fugirei. Não quero gozar uma ventura de que não sou digno. Se eu matei uma inocente e casta criança, quem me dá direito de ser ainda feliz na terra?

Só ela o sabe, só dela depende aquela ventura divina, de que o dever e a caridade a fizeram fugir noutro tempo.

Pois a ninguém revelou o segredo da sua amiga morta, da doce criatura que a paixão fustigara e que a paixão matou!

Calou-se, deixou que o noivo da sua alma se afastasse para sempre, pungido por um remorso que o separava da ventura, e olhando para o berço da filha escreveu estas palavras que vertem lágrimas, as santas lágrimas, que os realistas não conhecem:

«Restas-me tu, minha filha... Escrevo estas linhas ao pé do teu bercinho... Espero que um dia estas páginas façam parte do teu enxoval de noiva; talvez elas te digam que queiras muito a tua pobre mãe, tão romântica!... Dela saberás talvez que a paixão e o romance podem ser bons, com a ajuda de Deus, porque elevam os corações e ensinam-lhes os deveres superiores, os grandes sacrifícios, as elevadas alegrias da vida. É verdade que eu choro ao dizer-te isto, mas olha que há lagrimas que causam inveja aos anjos.”

Fonte: Maria Amália Vaz de Carvalho. Contos e Phantasias. Publicado originalmente em Porto, 1880. Convertido para o português atual por J. Feldman. Disponível em Domínio Público.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 20

 

Mensagem na Garrafa – 81 –

Clarice Lispector
(Chaya Pinkhasivna Lispector)
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

INSÔNIA INFELIZ E FELIZ
 
De repente os olhos bem abertos. E a escuridão toda escura. Deve ser noite alta. Acendo a luz da cabeceira e para o meu desespero são duas horas da noite. E a cabeça clara e lúcida. Ainda arranjarei alguém igual a quem eu possa telefonar às duas da noite e que não me maldiga. Quem? Quem sofre de insônia? E as horas não passam. Saio da cama, tomo café. E ainda por cima com um desses horríveis substitutos do açúcar porque Dr. José Carlos Cabral de Almeida, dietista, acha que preciso perder os quatro quilos que aumentei com a superalimentação depois do incêndio. E o que se passa na luz acesa da sala? Pensa-se uma escuridão clara. Não, não se pensa. Sente-se. Sente-se uma coisa que só tem um nome: solidão. Ler? Jamais. Escrever? Jamais. Passa-se um tempo, olha-se o relógio, quem sabe são cinco horas. Nem quatro chegaram. Quem estará acordado agora? E nem posso pedir que me telefonem no meio da noite pois posso estar dormindo e não perdoar. Tomar uma pílula para dormir? Mas e o vício que nos espreita? Ninguém me perdoaria o vício. Então fico sentada na sala, sentindo. Sentindo o quê? O nada. E o telefone à mão.

Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos. 

Hinos de Cidades Brasileiras (Balneário Camboriú/SC)


Letra e Música: Mário Carlos Gonçalves

I
Balneário Camboriú
De belas praias altaneiras
Seus recantos verdes montes
Orgulho dos brasileiros
Onde suas águas mais azuis
Enchem de encanto
O mundo inteiro
Com seu povo alegre e amigo

II
Recebe a todos o ano inteiro
Com o Cristo Luz em amplo abraço
Abençoando os passageiros
Suas noites são festivas
E aproximam corações
Cidade hospitaleira
Quem a conhece
Nunca mais a esquecerá
Princesa do meu Brasil
Cidade de belezas mil.

Contos e Lendas do Mundo (Honduras: A mina Clavo Rico)

A lenda da mina de Clavo Rico faz parte de outra daquelas histórias de Honduras que, tanto por extensão quanto por simplicidade, costumam ser contadas mais do que tudo aos pequenos da casa, quando não são eles que os leem para si mesmos ou outras variantes dessa possibilidade, como ouvi-la na Internet, por exemplo.

Além de toda a história, fornece uma bela moral, tudo começou no veio, ou rachadura cheia de minerais exploráveis, que foi descoberta em 1585 na Choluteca, durante o período colonial. A futura mina foi muito explorada devido aos muitos recursos valiosos que dela foram extraídos e isso significa que ainda hoje é explorada, mas em menor escala.

Muitos comparam esta rica montanha com o famoso Dorado que os espanhóis vieram buscar, inspirados na busca do ouro jorrando, aquela cidade mítica cujas ruas eram feitas de ouro e não podiam ser encontradas por mais que procurassem. Talvez o mais próximo disso tenha sido ver os esplêndidos trabalhos que os incas fizeram, por exemplo, com o mineral, mas, além de minas como Clavo Rico, não encontraram grandes fontes de ouro.

Embora para compensar a decepção de Clavo Rico, eles tiraram muitas pepitas de ouro, já que o mineral é abundante na América Latina, que foram enviadas à monarquia espanhola que financiou expedições e o assentamento na nova extensão de seu império.

Mas Clavo Rico, de acordo com histórias de Honduras, ficou sem ouro na superfície e é por isso que eles tiveram que começar a cavar. A primeira grande escavação da mina teve um quilômetro de extensão. Os trabalhadores trabalharam lá por muitos meses até encontrarem um muro que não poderiam derrubar facilmente até que muitos homens, passo a passo, removessem as pedras.

Depois de derrubar a parede, encontraram atrás dela um enorme lagarto dourado que era completamente feito de ouro puro, muito parecido com aquele que em outras histórias de Honduras podemos ver que sua cauda está cortada. Uma vez que o líder da escavação descobriu, ele ficou muito feliz e ordenou que eles o extraíssem, proferindo ameaças ao céu, segundo as quais nem os anjos poderiam vê-lo depois que aquele lagarto foi extraído.

Mas assim que os trabalhadores colocaram a primeira mão no lagarto, a caverna estremeceu e desabou completamente, deixando todos mortos sob o peso de terem caído no topo de uma montanha inteira.

De toda esta história tiramos a ideia ou a moral de que é importante respeitar os mistérios e os seres míticos e extraordinários que são da natureza, independentemente de serem ouro e por razões comerciais dos humanos queremos aproveitá-los para enriquecer fortunas e populações, enfim, que embora o dinheiro seja muito importante, o respeito é muito mais importante.

domingo, 14 de janeiro de 2024

Trova ao Vento – 006

Mensagem na Garrafa – 80 –

Guilherme de Almeida
(Guilherme de Andrade e Almeida)
Campinas/SP, 1890 – 1969, São Paulo/SP

ESTA VIDA

Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.

Laé de Souza (Desconversa)

Chegou em casa taciturno, tirou o paletó e avisou a mulher que, após a janta, haveria uma reunião familiar. 

A vontade do filho era que fosse logo, para evitar expectativas e apreensões, mesmo porque a vontade de jantar já se fora. Mas quem ousava tocar no assunto quando Ambrosiano estava naqueles dias?

Intimamente, todos passaram em revista suas últimas vaciladas e se perguntaram se não seriam o motivo daquela conversa, que parecia ser séria.

Após o silencioso jantar, Ambrosiano abriu a reunião com um discurso sobre a crise do país e a necessidade de corte nos supérfluos, fixando-se numa blusa nova da mulher, que avermelhou-se e encolheu as pernas para esconder um sapato do anúncio da TV. Falou que, a partir daquele momento, estava instituído o controle das despesas e que ele faria anotações de tudo o que fosse gasto na casa, tostão por tostão. A mesada dos filhos seria reduzida, dentro de uma realidade econômica e das necessidades de jovens da idade deles.

A mulher sentiu-se indignada com o tal controle, que mais parecia desconfiança do que economia. Mais do que ela fazia, era impossível, tirar mais o quê? 

Joãozinho, duvidou que ele soubesse quais as necessidades do jovem de hoje: "Teu tempo era outro e as marcas são da nossa geração."

Ambrosiano contra-argumentou que o preço que se pagava pela marca era ilusório e que se vestia bem com preços menores. De qualquer forma, não estavam discutindo o que se iria comprar, mesmo porque, as compras estavam suspensas. Joãozinho deu uma risadinha, não conseguindo ver-se com as tais roupas e bateu pé firme contra a redução da mesada.

Ambrosiano dispunha-se a não baixar o valor da mesada, mas seria criado um desconto para ajuda na manutenção do lar, A crise existe e nós temos que nos adaptar aos novos tempos.

A mulher questionou-o sobre em que estava ele sendo afetado pela crise, vez que seu salário continuava igual e ao que se sabia, os preços estavam estabilizados. 

Agora, disse ela, se tu parar com essa coisa de dar uma mãozinha para os teus parentes, será necessário este tal arrocho?

Joãozinho aproveitou a deixa da mãe para perguntar ao Ambrosiano se também estava nos planos dele cortar a cerveja e começar a ir trabalhar de ônibus.

Ambrosiano não respondeu nem a um, nem a outro, percebendo que a coisa ia continuar do mesmo jeito. De cara feia, dirigiu-se ao quarto, torcendo para que no dia seguinte estivesse na lista de corte na empresa e, aí sim, eles iriam perceber que estamos mesmo em crise e, em pouco tempo, aprenderiam com quantos paus se faz uma canoa.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor

Caldeirão Poético LXXVI


Cid Silveira 
São Vicente/SP, 1910 – ????

CAIS

Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,
a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.

Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.

O ar a empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.

E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.

Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.

Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heroica a existência dos homens do povo,
dos trabalhadores das docas de Santos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

POETA

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Francisco José Pessoa 
(Francisco José Pessoa de Andrade Reis)
Fortaleza/CE, 1949 – 2020

EXCESSO DE BAGAGEM

Se promessas são dívidas ou não
Eis-me aqui, são e salvo neste frio,
Vindo do norte de um calor bravio
Para provar a minha gratidão.
Pus poesia no meu matulão*
Mandei o Haroldo* reservar passagem
Viemos juntos para esta viagem
Trazendo tanto, tanto, tanto amor
Que no check-in, acredite o senhor,
Foi registrado EXCESSO DE BAGAGEM.

Mas eu paguei feliz o tal imposto
E pagaria tudo uma outra vez
Só pelo fato de estar com vocês
E poder abraçá-los rosto a rosto.
Falar ao vivo tem um outro gosto 
Participar dessa camaradagem
Amizade fiel, sem maquiagem,
E de tanta afeição, tenho certeza
No check-in ao voltar pra Fortaleza,
Vou pagar outro EXCESSO DE BAGAGEM!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Matulão: Saco onde os retirantes nordestinos carregavam seus pertences.
** Haroldo a que o poeta se refere, é outro poeta, Haroldo Lyra.
= = = = = = = = = 

Lucas Munhoz
Indaiatuba/SP

O ESPELHO DO MAR

Olha-me, pelo espelho... Os meus poderes!
Lembro-me, se cessar os teus fulgores;
Lembro-me, ao meu olhar dos ditadores
Ao luar poderoso, sem tolheres!...

 D´água que chora o Deus, pelos colheres!
 A lua primorosa, e os teus rigores
 Dos ares perfumosos, pelas flores
 Tens os entes perfeitos dos cozeres.

 Quanto a ti, pelos sonhos desejáveis!
 Lua, e os meus corações que me conheces
 São os deuses amáveis e adoráveis.

 Ao mar dos corações, pelo carinho!
 Amo-te, agora foste o mar que teces...
 Olho-te, pelo véu limpo, sozinho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Vicente de Carvalho 
(Vicente Augusto de Carvalho)
Santos/SP, 1866 – 1924

SONETO DA DEFENSIVA

Enganei-me supondo que, de altiva,
Desdenhosa, tu vias sem receio
Desabrochar de um simples galanteio
A agreste flor desta paixão tão viva.

Era segredo teu? Adivinhei-o;
Hoje sei tudo: alerta, em defensiva,
O coração que eu tento e se me esquiva
Treme, treme de susto no teu seio.

Errou quem disse que as paixões são cegas;
Veem... Deixam-se ver... Debalde insistes;
Que mais defendes, se tu'alma entregas?

Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes)
Que tu, negando o amor que em vão me negas,
Mais a ti mesma do que a mim resistes.

Contos das Mil e Uma Noites (Abdala Terra e Abdala Mar)

Conta-se - mas Alá é mais bem-informado - que havia certa vez um pescador chamado Abdala, que tinha uma mulher e nove filhos a sustentar e era muito pobre. Sua rede constituía seu único sustento, sua loja, sua profissão e a porta de segurança de sua casa. Lançava-a ao mar todos os dias, vendia o que apanhava e gastava o que recebia, dizendo: “O pão de amanhã virá amanhã.” 

Chegou um dia em que a mulher deu à luz um décimo menino (pois seus outros nove filhos eram também varões pela graça de Alá!), e não havia em casa sequer um pedaço de pão para comer. Abdala saiu, dizendo que iria lançar a rede em nome do recém-nascido. Pediu as bênçãos de Alá e lançou a rede. Quando a retirou, estava cheia de estrume, areia, cascalhos e algas marinhas, sem uma sombra de peixe.

Entristecido e surpreso, o pescador gritou: “Terá Alá criado essa criança sem prover-lhe o sustento? Não pode ser. Ele tomou a si satisfazer as necessidades de todas as suas criaturas, o Generoso, o Sábio. Glorificado seja seu nome.” 

Andou na praia e lançou a rede noutro lugar. Quando quis retirá-la, estava muito pesada. Nela encontrou um burro morto e fedendo. O pescador revoltou-se e pensou:

“Este azar vem de minha mulher. Quantas vezes disse-lhe que o mar nada mais tinha para nós e que deveríamos mudar de profissão. Mas ela fica repetindo: “Alá karim! Alá karim! Sua generosidade não tem limites. Não desesperes, ó pai de meus filhos! Onde está a generosidade de Alá? Simbolizará este asno morto o destino de meu último filho?” 

Por um tempo, Abdala ficou paralisado pela decepção, mas acabou reagindo, pediu perdão a Alá por suas dúvidas, e jogou mais uma vez a rede ao mar. Sentiu-a mais pesada ainda do que da segunda vez.

Depois de traze-la para a costa com muitos esforços, teve a estupefação de encontrar nela um ser humano um filho de Adão que tinha cabeça, faces, barba, corpo e braços como os outros homens, mas acabava em rabo de peixe. 

Abdala não teve dúvida de que estava na presença de um Afrit, um daqueles que se tinham rebelado contra nosso mestre Soleiman Ibn Daud e tinham sido encarcerados em barris de cobre e jogados no mar. Com o tempo, pensou o pescador, o metal apodreceu; o Afrit escapou e segurou-se na minha rede para vir à terra. E pôs-se a correr na praia, aterrorizado e gritando: “Tem pena de mim, tem pena de mim, ó Afrit de Soleiman!” 

Mas o homem da rede chamou-o: “Vem para perto de mim, ó pescador, e não tenhas medo. Eu não sou nem Afrit nem Marid nem Ghul. Sou um homem como tu. Se me ajudares a sair desta rede, cumular-te-ei com riquezas.” 

O pescador se acalmou e aproximou-se com prudência da estranha criatura. E esta repetiu: “Não sou nem Afrit nem Marid nem Ghul. Sou um homem que crê em Alá e em Maomé, seu profeta. 

- E quem te jogou no mar? 

- Ninguém me jogou no mar. Eu nasci lá. Sou um dos filhos do mar, um povo numeroso que vive nas profundezas marítimas. Vivemos no mar como vós viveis na terra e como os pássaros vivem no ar. Somos muçulmanos e seguimos os preceitos do Livro. Tua rede me captou pelo decreto do destino. Mas agora quero ser-te útil. Aceitas entrar num pacto comigo pelo qual cada um jura ser amigo do outro, dar e receber presentes? Por exemplo, tu virias aqui todos os dias trazendo-me as frutas da terra: uva, figos, melancia, melão, pêssegos, ameixas, romãs, bananas, tâmaras. E eu te traria os frutos do mar: coral, pérolas, crisólitos, águas-marinhas, esmeraldas, safiras, rubis. Encheria a própria cesta na qual tu me trarias frutas. Aceitas? 

- Quem não aceitaria? respondeu o pescador com alegria. Mas, primeiro, vamos selar nosso pacto com a autoridade da Fatiha. 

O homem do mar concordou, e os dois recitaram a primeira sura do Alcorão em alta voz. Então, Abdala libertou seu cativo. 

- Qual é teu nome? Perguntou-lhe 

- Abdala, respondeu o homem do mar. Se, por acaso, não me encontrares aqui quando vieres pela manhã, chama-me por este nome e logo sairei das águas e virei a teu encontro. E qual é o teu nome, meu irmão? 

– Chamo-me também Abdala. 

- Que auspiciosa coincidência, gritou o outro. Tu és Abdala Terra e eu sou Abdala Mar. Espera que te traga já um primeiro presente.

E o homem mergulhou no mar. Quando saiu após um momento, suas duas mãos estavam carregadas de pérolas, corais, esmeraldas, jacintos, rubis e outras pedras preciosas, que ofereceu ao pescador, dizendo: “Lamento que seja tão pouco hoje porque não disponho de cestas. Mas quando me trouxeres uma cesta, enchê-la-ei até a beirada. E não esqueças nosso pacto. Volta para cá a cada levantar do sol.”

Depois, despediu-se do pescador e desapareceu no mar. Abdala estava maravilhado. Voltou para a cidade, bêbado de alegria. Parou à porta do benevolente padeiro que tinha sido bom para com ele nos dias sombrios.

“Irmão,” disse-lhe, “a fortuna começa a andar no meu caminho. Tu sempre me disseste: “Se tens pouco dinheiro, paga o que podes. Se nada tens, leva todo o pão de que precisas para tua família e paga-me quando a prosperidade descobrir o caminho de tua casa.” Meu bom amigo, a prosperidade já é meu conviva. Contudo, o que te ofereço hoje é pouco em vista de tua cordialidade quando a necessidade me esmagava. Aceita este presente agora. Muito mais virá.” 

Falando assim, o pescador ofereceu ao padeiro mais da metade das joias que Abdala Mar lhe trouxera. Pediu-lhe algum dinheiro, e foi ao mercado comprar carne, vegetais, frutas e doces. Abdala contou à mulher tudo que lhe acontecera e, cedo no dia seguinte, voltou à praia carregando um cesto cheio de todas as frutas. Não vendo Abdala Mar, bateu as mãos e chamou: “Onde estás, Abdala Mar?”

Imediatamente, uma voz respondeu-lhe de baixo das ondas: “Aqui estou.” E logo o outro apareceu e recebeu com agradecimentos o cesto de frutas. Mergulhou e voltou com o cesto sobrecarregado de esmeraldas, águas-marinhas, topázios, diamantes e os demais frutos esplêndidos do oceano. Na volta, Abdala Terra deu a metade do cesto ao padeiro. Depois, escolheu as amostras mais finas de cada espécie e cor e levou-as aos joalheiros do mercado. 

O síndico dos joalheiros perguntou-lhe: “Tens mais dessas?” Respondeu Abdala: “Tenho um cesto cheio.” 

- Prendei este homem, gritou o síndico. É o ladrão que roubou as joias da rainha.

Juntaram-se todos os joalheiros, e cada um atribuiu ao pescador algum roubo de joias cujo autor não fora identificado. Abdala guardou silêncio, nem confirmando, nem negando as acusações. Deixou-se levar ao sultão pelo síndico e os joalheiros, que esperavam vê-lo confessar seus crimes e ser enforcado na hora. Disse o sultão a seu eunuco-chefe: “Leva estas joias a tua ama, rogando lhe dizer se são as joias que perdeu.” 

Ao ver as joias, a rainha ficou maravilhada e respondeu: “Não são minhas. Eu encontrei meu colar. Estas são bem mais belas que as minhas e não têm iguais no mundo. Corre, ó eunuco, e pede ao rei para comprar um colar destes para nossa filha Ikbal.” 

Quando o rei ouviu a resposta da rainha, censurou duramente o síndico e os joalheiros por haverem prendido e maltratado um homem inocente. 

- Ó rei do tempo, defendeu-se o síndico, nós sabíamos que este homem era um pobre pescador; assim, quando vimos essas joias entre suas mãos e soubemos que possuía ainda um cesto cheiro delas, concluímos que essa riqueza era grande demais para ser adquirida honestamente.

Essa resposta enfureceu o rei ainda mais. Gritou: “Ó mentes vulgares, ó heréticos, ó almas presas à terra! Não sabeis que qualquer fortuna, não importa quão maravilhosa e repentina, é possibilidade no destino de todo verdadeiro crente? Desgraçados, tivestes a impudência de condenar este homem sem interrogá-lo e sem nada verificar sob o texto absurdo de que tal riqueza era grande demais para ele. Vós o tratastes de ladrão e o desonrastes. Não pensastes um minuto em Alá que distribui seus favores sem a mesquinhez comum aos joalheiros? Sumi da minha frente e possa Alá recusar-vos suas dádivas.” 

Após consolar Abdala, perguntou-lhe o rei como havia obtido esses tesouros. Abdala contou-lhe toda a sua aventura com o homem do mar e o pacto que fizeram. O rei maravilhou-se com a generosidade de Alá para com seus fiéis, e disse ao pescador: “Esta fortuna estava escrita no teu destino. Devo apenas avisar-te que as riquezas precisam de proteção e que um homem rico deve ocupar uma alta posição. Querendo defender-te contra as incertezas do futuro, casar-te-ei com minha filha única Ikbal, que já está na idade certa, e nomear-te-ei meu vizir, ligando-te assim ao trono antes de minha morte.” 

E assim foi feito. Abdala, que fora um pescador e era agora vizir do rei, desempenhou-se de suas novas funções a contento de todos e nunca esqueceu de carregar as frutas de cada estação a seu amigo Abdala Mar em troca de pedras e metais preciosos. Assim, cada manhã suas riquezas aumentavam de um cesto cheio de joias. 

Um dia, os dois Abdalas se detiveram a conversar na praia, e Abdala Terra perguntou a Abdala Mar: “Nunca me falaste de teu país. Ele é belo?” Respondeu Abdala Mar: “É muito belo. Se quiseres, posso levar-te comigo às profundezas do mar e mostrar-te as suas inúmeras maravilhas. Visitarás minha casa e serás meu hóspede.” 

- Mas como poderei sobreviver no mar? A água penetraria meu corpo e me afogaria. Eu nasci para viver na terra. 

- Não te preocupes com isso, retrucou Abdala Mar. Dar-te-ei um unguento que, passado no teu corpo, permitir-te-á permanecer comigo no mar tanto tempo quanto desejares sem te prejudicar de maneira alguma.

Abdala Terra concordou, e seu companheiro mergulhou e voltou logo com o unguento. E os dois amigos entraram juntos no mar. Quando atingiram as profundezas, Abdala Terra abriu os olhos e viu campinas marinhas que nenhum olho terrestre havia visto desde a aurora dos tempos. Viu florestas de coral vermelho, de coral branco, de coral cor-de-rosa. Viu cavernas de diamantes sustentadas por pilares de rubi, crisólitos, berilo, topázio, ouro. Viu peixes como flores, peixes como frutas, peixes como pássaros, peixes como búfalos, vacas, cachorros e alguns até como homens. Andou entre montes de pérolas, esmeraldas, ouro, diamantes. Deslumbrado, Abdala Terra perguntou a Abdala Mar: “Será que existem cidades no teu país, similares às cidades da terra?” “Se há cidades em meu país? repetiu Abdala Mar. Pela vida do Profeta, se passasses mil anos conosco, mostrar-te-ia uma nova cidade por dia e em cada cidade mil maravilhas - e não terias visto dez por cento das cidades de meu país... Como nosso tempo é limitado, quero que visites agora minha cidade e conheças minha família.” 

E Abdala Mar levou seu companheiro através dos espaços marítimos até que chegaram a sua cidade. Parou diante de uma casa e disse-lhe: “Entra, irmão. Este é meu lar.” E chamou a filha. Logo apareceu uma linda adolescente cujo longo cabelo flutuava na água. Tinha busto, ventre, grandes olhos verdes com sobrancelhas pretas e um corpo delgado, mas não tinha nem pernas, pois o corpo terminava com uma cauda. Após considerar com curiosidade o homem da terra, a moça desatou a rir. 

“Pai, quem é esse sem cauda?” “Este é o meu amigo Abdala Terra que me tem trazido aquelas frutas de que tanto gostas,” respondeu o pai. “Vem cumprimentá-lo.” 

Antes que pudessem terminar a conversação, apareceu na soleira da porta a mulher de Abdala Mar, carregando duas crianças nos braços. Assim que viu o filho de Adão, colocou as crianças no chão e riu gostosamente. “Por Alá, como pode alguém viver sem cauda?” Mãe e filha repetiram juntas: “um sem-cauda.” E dançaram e riram. 

Abdala Terra ofendeu-se e disse ao amigo: “Será que me trouxeste aqui para fazer de mim um objeto de zombaria para tua mulher e filha?” Respondeu Abdala Mar: “Não lhes dês atenção. Como as mulheres da terra nossas mulheres têm pouco juízo.” 

Enquanto falavam, entraram dez altos e vigorosos homens-mar e disseram ao dono da casa: “Nosso rei ouviu falar no teu convidado sem-cauda e deseja conhecê-lo e ver como é feito. Pois ouviu dizer que tem alguma coisa extraordinária atrás e outra coisa ainda mais extraordinária na frente.” 

Os dois Abdala foram logo ao palácio real. Ao ver o homem da terra, o rei sorriu e exclamou: “Como acontece de não teres cauda, ó visitante de outro mundo?” 

– Não sei, Majestade. Todos os homens da terra são como eu. 

- E como chamas essa coisa que tens no lugar da cauda atrás? 

- Alguns chamam-na traseiro; outros a chamam nádegas; outros a chamam bumbum. 

- E para que serve? 

- Para sentar-se nela quando se está cansado. Nas mulheres é um ornamento muito apreciado, especialmente quando visivelmente saliente. 

O rei e a sua corte riram mais do que nunca a essas respostas. E Abdala Terra levantou os braços ao céu, dizendo: “Glorificado Alá que criou o traseiro para ser uma glória num mundo e um motivo de escárnio num outro.” 

Finalmente, disse o rei: “Ó sem-cauda, teu traseiro me agrada tanto que podes pedir o que quiseres.” – “Só tenho dois pedidos, Majestade;” respondeu o visitante: “ser devolvido à terra, e levar comigo muitas das joias do mar.”

O rei disse-lhe: “Podes levar tudo que conseguires carregar.” 

Abdala voltou à terra sob o peso das mil joias que conseguiu carregar, visitou seu rei, contou-lhe a história de sua visita marinha e ofereceu-lhe muitas das joias trazidas. O rei ficou encantado, mas disse a Abdala: “Não gostaria de ver-te visitar aquela gente indelicada outra vez. 

O provérbio diz: “Copo que cai, nem sempre permanece inteiro.” Abdala concordou. E todos viveram em paz e felizes até que foram visitados pelo demônio da morte, demolidor das alegrias e separador dos amigos.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.

Hinos de Cidades Brasileiras (Recife/PE)


Letra: Manoel Aarão e Música: Nelson Ferreira

Mauricéia, um clarão de vitória,
A visão de tua alma produz.
Toda vez que do cimo da história, 
Se desenha o teu nome de luz

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

Mauricéia, um fulgor vive agora,
Que da Pátria foi belo fanal.
Dezessete! Que data e que aurora,
Coroando a cidade imortal.

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

E depois, com suprema ousadia,
Uma voz se exaltou senhoril,
Vinte e quatro! É daqui que irradia,
Nova luz para o céu do Brasil

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

O nosso português de cada dia – 04 –

 

Aparecido Raimundo de Souza (Cacos)

“Ok, você pediu
você plantou 
você se abriu
você sonhou
e acordou
entre suspiros
a olhar para a distância
uma vida a esperar...” 
(“Cacos”, de Vander Lee)

Há exatamente dois anos, uma menina espevitada e cheia de sonhos que encontrei num parque dessa cidade, resolveu fazer parte da minha vida. Começava, ali, nosso caminho em direção ao futuro. Uma senda incerta, logicamente, cheia de precipícios e buracos negros, onde a qualquer momento poderíamos, num pequeno descuido, cair de cabeça num abismo sem volta. Como um relógio que regula o tempo, medido por estalidos produzidos por pequenas engrenagens, de repente ela se transformou nos meus ponteiros norteando os horizontes e também marcando as horas e os minutos da minha existência. 

Passei, assim, no meu desvairamento, a fazer parte desse mecanismo, iludido do seu amor e do seu processo galante de cativar o mais íntimo existente dentro de meu “eu” interior. Como um ignóbil e sem razão, levado pela magia da sua pele aveludada, me entreguei à gula da sua luxuria envolvente. Foi meu mal. Ao fim de certo período, ela parou de marcar as minhas horas e, igualmente, o meu tempo. O tempo justo, o que considerava o meu maior aliado, me traiu com uma facada certeira na alma desguarnecida. Ao invés de fustigar meus ímpetos a continuarem vivendo, ou, por outra, a guiar meu ser combalido por trilhas ainda não caminhadas, essa quadra se vestiu de amarguras. Enlutado por esse derrame irreparável, morreu o que em mim havia de melhor. E eu fui de roldão. 

Desde então, como um louco suicida, passei a correr atabalhoadamente ao encontro de um amanhã incerto. Esse momento babélico, a mim me parece, até agora, não ter retorno. Nesses bons anos de convivência, eu e a menina espevitada dividimos realidades. Construímos promessas e escrevemos esperanças nos regozijos de sermos um só pulsar na mesma emoção de edificarmos uma vida à dois, que parecia sem limites para nunca deixarmos de acreditar em enfados e amarumes (amargores). Por longos janeiros, nossas camisas e vestidos, sapatos e sandálias, cuecas e calcinhas, se entrelaçaram em igual espaço no mesmo guarda-roupas, bem como, na cozinha os pratos e os talheres, as xícaras e os copos se embaralharam convivendo pacificamente como bons vizinhos. 

As noites que sucederam as nossas vidas no “mesmo comum,” se tornaram simples como a de outros casais, além do que  tinham um toque sutil e mavioso que acima de tudo faziam resplandecer um rosário infindável de originalidades à toda prova. Na recolha do quarto, nos enroscávamos. Nos fundíamos, abraços e apertos, pernas e chamegos espocando carinhos. A volúpia da carne...  nessa loucura plena, nesse abrasamento que incendiava, viajávamos acasalados ao sabor da posse, como quimeras de imensidão transcendendo o sobrenatural. Tomados pelo desejo irrefreável, manchávamos os lençóis branquinhos onde queimávamos os corpos descontrolados em desejos, os mais pecaminosos como dois tresloucados no mormaço que explodia de nossas vicissitudes nascidas do mais profundo da alma. 

De repente tudo acabou.  Emparelhou ao nosso lado, a desolação insegura com a sua cara fechada, os olhos negros ofuscados de destruição. A desgraça também se fez presente. Desceu o véu do desconforto e nos envolveu num agastamento sem volta. Por conta, cada um seguiu, para um lado. Foi um final sem a proteção da felicidade, sem a magia da esperança. Enfim, sem meios para se voltar a pensar em qualquer tipo de reconstrução. Hoje, passados tantos anos, ainda sinto escorrer por sobre a minha pele, o suor do fogo abrasador que nos envolvia. Ouço sons obsequiosos, os gritos dela se condensando ao meu prazer, deblaterando sem freios levando os nossos desejos a bel prazer quase às raias da neurastenia. 

Ora, pois! A indagação que ficou entalada me questiona: se era bonito e eterno, por qual motivo acabou? O que interferiu no nosso conto de fadas, a ponto de deixar em cacos o melhor e o mais sublime do que conhecíamos como celestial encantamento? Custou-me um bocado a atinar com a resposta. Com o “xis da questão.” Por fim, descobri a chaga que matou o que parecia impossível chegar à óbito. Uma senhorita, uma moça sem importância. Isso mesmo! Uma ragazza que veio me prestar um favor. Pena que a minha cara metade tenha entendido de maneira errada esse gesto banal. Levada, pois, pelo clamor da leviandade o meu bem deduziu que nos entalhamentos daquele obséquio, se escondiam suspiros mais profundos. 

Esses agrados se enveredaram em sua mente imaginosa pelas raias de uma suposta traição. Por consequência, a minha princesa passou as mãos em suas coisas. Transformou tudo em malas e embrulhos e ganhou a rua deserta que se abria obscura e incerta, a partir do portal da nossa intimidade. Inconformado, ainda hoje me questiono: cadê o amor? Onde ficaram as promessas, as juras, os devaneios, os momentos bonitos que vivemos? Se faz penoso e difícil para eu acreditar nesses dias todos que se esvaíram. Me é afadigado engolir   a convicção de que ela tenha jogado tudo para o alto. O carinho, a amizade, o companheirismo... onde se quedou, em que lugar do nosso trajeto tudo aquilo que construímos e passamos juntos ficou no guardado do esquecido? 

Por quem você mal viu
e até chorou quando partiu
que procurou
mas estava a mil
agora esquece 
essa intenção
que vida acende
o candelabro da razão” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Na verdade, eu só queria falar que hoje, por acaso, ao ligar a minha rádio na FM favorita, ouvi a nossa música.  A canção do Vander Lee que num repente me fez voltar ao passado. E eu fui para ele como o pássaro que se sente atraído pelos olhos de uma serpente. Regressei ao “nosso ontem” situado num “espaço-tempo,” no qual ainda não sei quantos anos me restam para viver. Se ela pudesse me ouvir, ah, se ela pudesse me ouvir, diria sem mais delongas dos meus sentimentos mais puros. Falaria das minhas fraquezas, exporia meus medos, revelaria meus segredos e inseguranças. Berraria um “EU TE AMO” à voz solta. 

Gritaria todo o meu rosário de pedidos explicitando à minha maneira de demonstrar o imorredouro amor e o meu gostar. Procuraria deixar claro a ela, que o amor, o verdadeiro, é algo mais profundo, tipo um arrimado que não se mede nem se explica. O que mantém pulsante a chama do amor sem limites é a intensidade com que os sentimentos fluem de dentro da alma. Explicaria também a ela, que apesar da idade, eu tenho uma criança em meu interior. Um ser que não cresceu, nem atingiu a maturidade. Ela é carente, baldada de deficiências, apesar dos anos vividos. Se faz frívola e ineficaz de carinho, de mãos amigas, de palavras de conforto e calor humano. 

Está desejosa, na verdade, de tudo. Ela é uma beldade incompleta. Se tornou rebelde, e não só isso, se fez inconclusa, porque nunca encontrou o verdadeiro lugar, ou seja, o seu cantinho nesse mundo de loucos e débeis aloprados. Por derradeiro, observaria ao meu amor, que a sua presença em mim, é uma necessidade premente e muito importante. A falta dessa aventura se escafedeu. Virou doença desconhecida e, portanto, incurável. Em paralelo, se frutificou numa raridade psicótica em estado analto (incurável) e eu me prendi como náufrago em mar proceloso agarrado a uma tosca e grosseira tábua da salvação.     

“Juntando outros lados
da mesma questão
as cartas na mesa
e as cinzas no chão
dispenso as certezas
mas presto atenção
recolho meus cacos
e deixo nos braços
da canção...” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Estou me sentindo, nesse momento, como um filho ao relento, ao acaso das intempéries. Um ser atribulado que ficou órfão de pai e mãe. Me flagro enfraquecido, me vejo desprotegido. Sem abrigo. Vazio, oco. Sem rumo, às garras do Deus-dará. Na verdade, eu só queria, no final de tudo... no fundo, no âmago do que aconteceu, eu só precisaria dizer que se ela voltasse e me desse colo para dormir no aconchego do seu calor, eu seria... eu seria o homem mais feliz na face da Terra. Contudo, reconheço, não existe a possibilidade de uma restituição, ou de uma readmissão. Preciso ser forte, sobretudo me tornar indestrutível. Darei a volta. Farei isso passando por cima... e sacudindo a poeira...  

“Eu vou dar a volta
olho a minha volta 
nada tem volta
volta...” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Fonte: Texto enviado pelo autor