quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Machado de Assis (Maria Cora)

CAPÍTULO PRIMEIRO

 Uma noite, voltando para casa, trazia tanto sono que não dei corda ao relógio. Pode ser também que a vista de uma senhora que encontrei em casa do comendador T... contribuísse para aquele esquecimento; mas estas duas razões destroem-se. Cogitação tira o sono e o sono impede a cogitação; só uma das causas devia ser verdadeira. Ponhamos que nenhuma, e fiquemos no principal, que é o relógio parado, de manhã, quando me levantei, ouvindo dez horas no relógio da casa.

Morava então (1893) em uma casa de pensão no Catete. Já por esse tempo este gênero de residência florescia no Rio de Janeiro. Aquela era pequena e tranquila. Os quatrocentos contos de réis permitiam-me casa exclusiva e própria; mas, em primeiro lugar, já eu ali residia quando os adquiri, por jogo de praça; em segundo lugar, era um solteirão de quarenta anos, tão afeito à vida de hospedaria que me seria impossível morar só. Casar não era menos impossível. Não é que me faltassem noivas. Desde os fins de 1891 mais de uma dama, — e não das menos belas, — olhou para mim com olhos brandos e amigos. Uma das filhas do comendador tratava-me com particular atenção. A nenhuma dei corda; o celibato era a minha alma, a minha vocação, o meu costume, a minha única ventura. Amaria de empreitada e por desfastio. Uma ou duas aventuras por ano bastavam a um coração meio inclinado ao ocaso e à noite.

Talvez por isso dei alguma atenção à senhora que vi em casa do comendador, na véspera. Era uma criatura morena, robusta, vinte e oito a trinta anos, vestida de escuro; entrou às dez horas, acompanhada de uma tia velha. A recepção que lhe fizeram foi mais cerimoniosa que as outras; era a primeira vez que ali ia. Eu era a terceira. Perguntei se era viúva.

— Não! É casada.

— Com quem?

— Com um estancieiro do Rio Grande.

— Chama-se?

— Ele? Fonseca, ela Maria Cora.

— O marido não veio com ela?

— Está no Rio Grande.

Não soube mais nada; mas a figura da dama interessou-me pelas graças físicas, que eram o oposto do que poderiam sonhar poetas românticos e artistas seráficos. Conversei com ela alguns minutos, sobre coisas indiferentes, — mas suficientes para escutar-lhe a voz, que era musical, e saber que tinha opiniões republicanas. Vexou-me confessar que não as professava de espécie alguma; declarei-me vagamente pelo futuro do país. Quando ela falava, tinha um modo de umedecer os beiços, não sei se casual, mas gracioso e picante. Creio que, vistas assim ao pé, as feições não eram tão corretas como pareciam a distância, mas eram mais suas, mais originais.

CAPÍTULO II

De manhã tinha o relógio parado. Chegando à cidade, desci a Rua do Ouvidor, até à da Quitanda, e indo a voltar à direita, para ir ao escritório do meu advogado, lembrou-me ver que horas eram. Não me acudiu que o relógio estava parado.

— Que maçada! exclamei.

Felizmente, naquela mesma Rua da Quitanda, à esquerda, entre as do Ouvidor e Rosário, era a oficina onde eu comprara o relógio, e a cuja pêndula usava acertá-lo. Em vez de ir para um lado, fui para outro. Era apenas meia hora; dei corda ao relógio, acertei-o, troquei duas palavras com o oficial que estava ao balcão, e indo a sair, vi à porta de uma loja de novidades que ficava defronte, nem mais nem menos que a senhora de escuro que encontrara em casa do comendador. Cumprimentei-a, ela correspondeu depois de alguma hesitação, como se me não houvesse reconhecido logo, e depois seguiu pela Rua da Quitanda fora, ainda para o lado esquerdo.

Como tivesse algum tempo ante mim (pouco menos de trinta minutos), dei-me a andar atrás de Maria Cora. Não digo que uma força violenta me levasse já, mas não posso esconder que cedia a qualquer impulso de curiosidade e desejo; era também um resto da juventude passada. Na rua, andando, vestida de escuro, como na véspera, Maria Cora pareceu-me ainda melhor. Pisava forte, não apressada nem lenta, o bastante para deixar ver e admirar as belas formas, mui mais corretas que as linhas do rosto. Subiu a Rua do Hospício, até uma oficina de oculista, onde entrou e ficou dez minutos ou mais. Deixei-me estar a distância, fitando a porta disfarçadamente. Depois saiu, arrepiou caminho, e dobrou a Rua dos Ourives, até à do Rosário, por onde subiu até ao Largo da Sé; daí passou ao de S. Francisco de Paula. Todas essas reminiscências parecerão escusadas, senão aborrecíveis; a mim dão-me uma sensação intensa e particular, são os primeiros passos de uma carreira penosa e longa. Demais, vereis por aqui que ela evitava subir a Rua do Ouvidor, que todos e todas buscariam àquela ou a outra hora para ir ao Largo de S. Francisco de Paula. Foi atravessando o largo, na direção da Escola Politécnica, mas a meio caminho veio ter com ela um carro que estava parado defronte da Escola; meteu-se nele, e o carro partiu.

A vida tem suas encruzilhadas, como outros caminhos da terra. Naquele momento achei-me diante de uma assaz complicada, mas não tive tempo de escolher direção, — nem tempo nem liberdade. Ainda agora não sei como é que me vi dentro de um tilburi, é certo que me vi nele, dizendo ao cocheiro que fosse atrás do carro.

Maria Cora morava no Engenho Velho; era uma boa casa, sólida, posto que antiga, dentro de uma chácara. Vi que morava ali, porque a tia estava a uma das janelas. Depois, saindo do carro, Maria Cora disse ao cocheiro (o meu tilburi ia passando adiante) que naquela semana não sairia mais, e que aparecesse segunda-feira ao meio-dia. Em seguida, entrou pela chácara, como dona dela, e parou a falar ao feitor, que lhe explicava alguma coisa com o gesto.

Voltei depois que ela entrou em casa, e só muito abaixo é que me lembrou de ver as horas, era quase uma e meia. Vim a trote largo até à Rua da Quitanda, onde me apeei à porta do advogado.

— Pensei que não vinha, disse-me ele.

— Desculpe, doutor, encontrei um amigo que me deu uma maçada.

Não era a primeira vez que mentia na minha vida, nem seria a última.

CAPÍTULO III

Fiz-me encontradiço com Maria Cora, na casa do comendador, primeiro, e depois em outras. Maria Cora não vivia absolutamente reclusa, dava alguns passeios e fazia visitas. Também recebia, mas sem dia certo, uma ou outra vez, e apenas cinco a seis pessoas da intimidade. O sentimento geral é que era pessoa de fortes sentimentos e austeros costumes. Acrescentai a isto o espírito, um espírito agudo, brilhante e viril. Capaz de resistências e fadigas, não menos que de violências e combates, era feita, como dizia um poeta que lá ia à casa dela, “de um pedaço de pampa e outro de pampeiro”. A imagem era em verso e com rima, mas a mim só me ficou a ideia e o principal das palavras. Maria Cora gostava de ouvir definir-se assim, posto não andasse mostrando aquelas forças a cada passo, nem contando as suas memórias da adolescência. A tia é que contava algumas, com amor, para concluir que lhe saía a ela, que também fora assim na mocidade. A justiça pede que se diga que, ainda agora, apesar de doente, a tia era pessoa de muita vida e robustez.

Com pouco, apaixonei-me pela sobrinha. Não me pesa confessá-lo, pois foi a ocasião da única página da minha vida que merece atenção particular. Vou narra-la brevemente; não conto novela nem direi mentiras.

Gostei de Maria Cora. Não lhe confiei logo o que sentia, mas é provável que ela o percebesse ou adivinhasse, como todas as mulheres. Se a descoberta ou adivinhação foi anterior à minha ida à casa do Engenho Velho, nem assim deveis censurá-la por me haver convidado a ir ali uma noite. Podia ser-lhe então indiferente a minha disposição moral; podia também gostar de se sentir querida, sem a menor ideia de retribuição. A verdade é que fui essa noite e tornei outras; a tia gostava de mim e dos meus modos. O poeta que lá ia, tagarela e tonto, disse uma vez que estava afinando a lira para o casamento da tia comigo. A tia riu-se; eu, que queria as boas graças dela, não podia deixar de rir também, e o caso foi matéria de conversação por uma semana; mas já então o meu amor à outra tinha atingido ao cume.

Soube, pouco depois, que Maria Cora vivia separada do marido. Tinham casado oito anos antes, por verdadeira paixão. Viveram felizes cinco. Um dia, sobreveio uma aventura do marido que destruiu a paz do casal. João da Fonseca apaixonou-se por uma figura de circo, uma chilena que voava em cima do cavalo, Dolores, e deixou a estância para ir atrás dela. Voltou seis meses depois, curado do amor, mas curado à força, porque a aventureira se enamorou do redator de um jornal, que não tinha vintém, e por ele abandonou Fonseca e a sua prataria. A esposa tinha jurado não aceitar mais o esposo, e tal foi a declaração que lhe fez quando ele apareceu na estância.

— Tudo está acabado entre nós; vamos desquitar-nos.

João da Fonseca teve um primeiro gesto de acordo; era um quadragenário orgulhoso, para quem tal proposta era de si mesma uma ofensa. Durante uma noite tratou dos preparativos para o desquite; mas, na seguinte manhã, a vista das graças da esposa novamente o comoveu. Então, sem tom implorativo, antes como quem lhe perdoava, entendeu dizer-lhe que deixasse passar uns seis meses. Se ao fim de seis meses, persistisse o sentimento atual que inspirava a proposta do desquite, este se faria. Maria Cora não queria aceitar a emenda, mas a tia, que residia em Porto Alegre e fora passar algumas semanas na estância, interveio com boas palavras. Antes de três meses estavam reconciliados.

— João, disse-lhe a mulher no dia seguinte ao da reconciliação, você deve ver que o meu amor é maior que o meu ciúme, mas fica entendido que este caso da nossa vida é único. Nem você me fará outra, nem eu lhe perdoarei nada mais.

João da Fonseca achava-se então em um renascimento do delírio conjugal; respondeu à mulher jurando tudo e mais alguma coisa. Aos quarenta anos, concluiu ele, não se fazem duas aventuras daquelas, e a minha foi de doer. Você verá, agora é para sempre.

A vida recomeçou tão feliz, como dantes, — ele dizia que mais. Com efeito, a paixão da esposa era violenta, e o marido tornou a amá-la como outrora. Viveram assim dois anos. Ao fim desse tempo, os ardores do marido haviam diminuído, alguns amores passageiros vieram meter-se entre ambos. Maria Cora, ao contrário do que lhe dissera, perdoou essas faltas, que aliás não tiveram a extensão nem o vulto da aventura Dolores. Os desgostos, entretanto, apareceram e grandes. Houve cenas violentas. Ela parece que chegou mais de uma vez a ameaçar que se mataria; mas, posto não lhe faltasse o preciso ânimo, não fez tentativa nenhuma, a tal ponto lhe doía deixar a própria causa do mal, que era o marido. João da Fonseca percebeu isto mesmo, e acaso explorou a fascinação que exercia na mulher.

Uma circunstância política veio complicar esta situação moral. João da Fonseca era pelo lado da revolução, dava-se com vários dos seus chefes, e pessoalmente detestava alguns dos contrários. Maria Cora, por laços de família, era adversa aos federalistas. Esta oposição de sentimentos não seria bastante para separá-los, nem se pode dizer que, por si mesma, azedasse a vida dos dois. Embora a mulher, ardente em tudo, não o fosse menos em condenar a revolução, chamando nomes crus aos seus chefes e oficiais; embora o marido, também excessivo, replicasse com igual ódio, os seus arrufos políticos apenas aumentariam os domésticos, e provavelmente não passariam dessa troca de conceitos, se uma nova Dolores, desta vez Prazeres, e não chilena, nem saltimbanca, não revivesse os dias amargos de outro tempo. Prazeres era ligada ao partido da revolução, não só pelos sentimentos, como pelas relações da vida com um federalista. Eu a conheci pouco depois, era bela e airosa; João da Fonseca era também um homem gentil e sedutor. Podiam amar-se fortemente, e assim foi. Vieram incidentes, mais ou menos graves, até que um decisivo determinou a separação do casal.

Já cuidavam disto desde algum tempo, mas a reconciliação não seria impossível, apesar da palavra de Maria Cora, graças à intervenção da tia; esta havia insinuado à sobrinha que residisse três ou quatro meses no Rio de Janeiro ou em S. Paulo. Sucedeu, porém, uma coisa triste de dizer. O marido, em um momento de desvario, ameaçou a mulher com o rebenque. Outra versão diz que ele tentara esganá-la. Quero crer que a verídica é a primeira, e que a segunda foi inventada para tirar à violência de João da Fonseca o que pudesse haver deprimente e vulgar. Maria Cora não disse mais uma só palavra ao marido. A separação foi imediata; a mulher veio com a tia para o Rio de Janeiro, depois de arranjados amigavelmente os interesses pecuniários. Demais, a tia era rica.

João da Fonseca e Prazeres ficaram vivendo juntos uma vida de aventuras que não importa escrever aqui. Só uma coisa interessa diretamente à minha narração. Tempos depois da separação do casal, João da Fonseca estava alistado entre os revolucionários. A paixão política, posto que forte, não o levaria a pegar em armas, se não fosse uma espécie de desafio da parte de Prazeres; assim correu entre os amigos dele, mas ainda este ponto é obscuro. A versão é que ela, exasperada com o resultado de alguns combates, disse ao estancieiro que iria, disfarçada em homem, vestir farda de soldado e bater-se pela revolução. Era capaz disto; o amante disse-lhe que era uma loucura, ela acabou propondo-lhe que, nesse caso, fosse ele bater-se em vez dela; era uma grande prova de amor que lhe daria.

— Não te tenho dado tantas?

— Tem, sim; mas esta é a maior de todas, esta me fará cativa até à morte.

— Então agora ainda não é até à morte? perguntou ele rindo.

— Não.

Pode ser que as coisas se passassem assim. Prazeres era, com efeito, uma mulher caprichosa e imperiosa, e sabia prender um homem por laços de ferro. O federalista, de quem se separou para acompanhar João da Fonseca, depois de fazer tudo para reavê-la, passou à campanha oriental, onde dizem que vive pobremente, encanecido e envelhecido vinte anos, sem querer saber de mulheres nem de política. João da Fonseca acabou cedendo; ela pediu para acompanhá-lo, e até bater-se, se fosse preciso; ele negou-lhe. A revolução triunfaria em breve, disse; vencidas as forças do governo, tornaria à estância, onde ela o esperaria.

— Na estância, não, respondeu Prazeres; espero-te em Porto Alegre.

CAPÍTULO IV

Não importa dizer o tempo que despendi nos inícios da minha paixão, mas não foi grande. A paixão cresceu rápida e forte. Afinal senti-me tão tomado dela que não pude mais guardá-la comigo, e resolvi declarar-lhe uma noite; mas a tia, que usava cochilar desde as nove horas (acordava às quatro), daquela vez não pregou olho, e, ainda que o fizesse, é provável que eu não alcançasse falar; tinha a voz presa e na rua senti uma vertigem igual à que me deu a primeira paixão da minha vida.

— Sr. Correia, não vá cair, disse a tia quando eu passei à varanda, despedindo-me.

— Deixe estar, não caio.

Passei mal a noite; não pude dormir mais de duas horas, aos pedaços, e antes das cinco estava em pé.

— É preciso acabar com isto! exclamei.

De fato, não parecia achar em Maria Cora mais que benevolência e perdão, mas era isso mesmo que a tornava apetecível. Todos os amores da minha vida tinham sido fáceis; em nenhum encontrei resistência, a nenhuma deixei com dor; alguma pena, é possível, e um pouco de recordação. Desta vez sentia-me tomado por ganchos de ferro. Maria Cora era toda vida; parece que, ao pé dela, as próprias cadeiras andavam e as figuras do tapete moviam os olhos. Põe nisso uma forte dose de meiguice e graça; finalmente, a ternura da tia fazia daquela criatura um anjo. É banal a comparação, mas não tenho outra.

Resolvi cortar o mal pela raiz, não tornando ao Engenho Velho, e assim fiz por alguns dias largos, duas ou três semanas. Busquei distrair-me e esquecê-la, mas foi em vão. Comecei a sentir a ausência como de um bem querido; apesar disso, resisti e não tornei logo. Mas, crescendo a ausência, cresceu o mal, e enfim resolvi tornar lá uma noite. Ainda assim pode ser que não fosse, a não achar Maria Cora na mesma oficina da Rua da Quitanda, aonde eu fora acertar o relógio parado.

— É freguês também? perguntou-me ao entrar.

— Sou.

— Vim acertar o meu. Mas, por que não tem aparecido?

— É verdade, por que não voltou lá à casa? completou a tia.

— Uns negócios, murmurei; mas, hoje mesmo contava ir lá.

— Hoje não; vá amanhã, disse a sobrinha. Hoje vamos passar a noite fora.

Pareceu-me ler naquela palavra um convite a amá-la de vez, assim como a primeira trouxera um tom que presumi ser de saudade. Realmente, no dia seguinte, fui ao Engenho Velho. Maria Cora acolheu-me com a mesma boa vontade de antes. O poeta lá estava e contou-me em verso os suspiros que a tia dera por mim. Entrei a frequenta-las novamente e resolvi declarar tudo.

Já acima disse que ela provavelmente percebera ou adivinhara o que eu sentia, como todas as mulheres; referi-me aos primeiros dias. Desta vez com certeza percebeu, nem por isso me repeliu. Ao contrário, parecia gostar de se ver querida, muito e bem.

Pouco depois daquela noite escrevi-lhe uma carta e fui ao Engenho Velho. Achei-a um pouco retraída; a tia explicou-me que recebera notícias do Rio Grande que a afligiram. Não liguei isto ao casamento, e busquei alegrá-la; apenas consegui vê-la cortês. Antes de sair, perto da varanda, entreguei-lhe a carta; ia a dizer-lhe: “Peço-lhe que leia”, mas a voz não saiu. Vi-a um pouco atrapalhada, e para evitar dizer o que melhor ia escrito, cumprimentei-a e enfiei pelo jardim. Pode imaginar-se a noite que passei, e o dia seguinte foi naturalmente igual, à medida que a outra noite vinha. Pois, ainda assim, não tornei à casa dela; resolvi esperar três ou quatro dias, não que ela me escrevesse logo, mas que pensasse nos termos da resposta. Que estes haviam de ser simpáticos, era certeza minha; as maneiras dela, nos últimos tempos, eram mais que afáveis, pareciam-me convidativas.

Não cheguei, porém, aos quatro dias; mal pude esperar três. Na noite do terceiro fui ao Engenho Velho. Se disser que entrei trêmulo da primeira comoção, não minto. Achei-a ao piano, tocando para o poeta ouvir; a tia, na poltrona, pensava em não sei que, mas eu quase não a vi, tal a minha primeira alucinação.

— Entre, Sr. Correia, disse esta; não caia em cima de mim.

— Perdão...

Maria Cora não interrompeu a música; ao ver-me chegar, disse:

— Desculpe, se lhe não dou a mão, estou aqui servindo de musa a este senhor.

Minutos depois, veio a mim, e estendeu-me a mão com tanta galhardia, que li nela a resposta, e estive quase a dar-lhe um agradecimento. Passaram-se alguns minutos, quinze ou vinte. Ao fim desse tempo, ela pretextou um livro, que estava em cima das músicas, e pediu-me para dizer se o conhecia; fomos ali ambos, e ela o abriu-me; entre as duas folhas estava um papel.

— Na outra noite, quando aqui esteve, deu-me esta carta; não podia dizer-me o que tem dentro?

— Não adivinha?

— Posso errar na adivinhação.

— É isso mesmo.

— Bem, mas eu sou uma senhora casada, e nem por estar separada do meu marido deixo de estar casada. O senhor ama-me, não é? Suponha, pelo melhor, que eu também o amo; nem por isso deixo de estar casada.

Dizendo isto, entregou-me a carta; não fora aberta. Se estivéssemos sós, é possível que eu lhe lesse, mas a presença de estranhos impedia-me este recurso. Demais, era desnecessário; a resposta de Maria Cora era definitiva ou me pareceu tal. Peguei na carta, e antes de a guardar comigo:

— Não quer então ler?

— Não.

— Nem para ver os termos?

— Não.

— Imagine que lhe proponho ir combater contra seu marido, matá-lo e voltar, disse eu cada vez mais tonto.

— Propõe isto?

— Imagine.

— Não creio que ninguém me ame com tal força, concluiu sorrindo. Olhe, que estão reparando em nós.

Dizendo isto, separou-se de mim, e foi ter com a tia e o poeta. Eu fiquei ainda alguns segundos com o livro na mão, como se deveras o examinasse, e afinal deixei-o. Vim sentar-me defronte dela. Os três conversavam de coisas do Rio Grande, de combates entre federalistas e legalistas, e da vária sorte deles. O que eu então senti não se escreve; pelo menos, não o escrevo eu, que não sou romancista. Foi uma espécie de vertigem, um delírio, uma cena pavorosa e lúcida, um combate e uma glória. Imaginei-me no campo, entre uns e outros, combatendo os federalistas, e afinal matando João da Fonseca, voltando e casando-me com a viúva. Maria Cora contribuía para esta visão sedutora; agora, que me recusara a carta, parecia-me mais bela que nunca, e a isto acrescia que se não mostrava zangada nem ofendida, tratava-me com igual carinho que antes, creio até que maior. Disto podia sair uma impressão dupla e contrária, — uma de aquiescência tácita, outra de indiferença, mas eu só via a primeira, e saí de lá completamente louco.

O que então resolvi foi realmente de louco. As palavras de Maria Cora: “Não creio que ninguém me ame com tal força” — soavam-me aos ouvidos, como um desafio. Pensei nelas toda a noite, e no dia seguinte fui ao Engenho Velho; logo que tive ocasião de jurar-lhe a prova, fi-lo.

— Deixo tudo o que me interessa, a começar pela paz, com o único fim de lhe mostrar que a amo, e a quero só e santamente para mim. Vou combater a revolta.

Maria Cora fez um gesto de deslumbramento. Daquela vez percebi que realmente gostava de mim, verdadeira paixão, e se fosse viúva, não casava com outro. Jurei novamente que ia para o Sul. Ela, comovida, estendeu-me a mão. Estávamos em pleno romantismo. Quando eu nasci, os meus não acreditavam em outras provas de amor, e minha mãe contava-me os romances em versos de cavaleiros andantes que iam à Terra Santa libertar o sepulcro de Cristo por amor da fé e da sua dama. Estávamos em pleno romantismo.

CAPÍTULO V

Fui para o sul. Os combates entre legalistas e revolucionários eram contínuos e sangrentos, e a notícia deles contribuiu a animar-me. Entretanto, como nenhuma paixão política me animava a entrar na luta, força é confessar que por um instante me senti abatido e hesitei. Não era medo da morte, podia ser amor da vida, que é um sinônimo; mas, uma ou outra coisa, não foi tal nem tamanha que fizesse durar por muito tempo a hesitação. Na cidade do Rio Grande encontrei um amigo, a quem eu por carta do Rio de Janeiro dissera muito reservadamente que ia lá por motivos políticos. Quis saber quais.

— Naturalmente são reservados, respondi tentando sorrir.

— Bem; mas uma coisa creio que posso saber, uma só, porque não sei absolutamente o que pense a tal respeito, nada havendo antes que me instrua. De que lado estás, legalistas ou revoltosos?

— É boa! Se não fosse dos legalistas, não te mandaria dizer nada; viria às escondidas.

— Vens com alguma comissão secreta do marechal?

— Não.

Não me arrancou então mais nada, mas eu não pude deixar de lhe confiar os meus projetos, ainda que sem os seus motivos. Quando ele soube que aqueles eram alistar-me entre os voluntários que combatiam a revolução, não pôde crer em mim, e talvez desconfiasse que efetivamente eu levava algum plano secreto do presidente. Nunca da minha parte ouviu nada que pudesse explicar semelhante passo. Entretanto, não perdeu tempo em despersuadir-me; pessoalmente era legalista e falava dos adversários com ódio e furor. Passado o espanto, aceitou o meu ato, tanto mais nobre quanto não era inspirado por sentimento de partido. Sobre isto disse-me muita palavra bela e heroica, própria a levantar o ânimo de quem já tivesse tendência para a luta. Eu não tinha nenhuma, fora das razões particulares; estas, porém, eram agora maiores. Justamente acabava de receber uma carta da tia de Maria Cora, dando-me notícias delas, e recomendações da sobrinha, tudo com alguma generalidade e certa simpatia verdadeira.

Fui a Porto Alegre, alistei-me e marchei para a campanha. Não disse a meu respeito nada que pudesse despertar a curiosidade de ninguém, mas era difícil encobrir a minha condição, a minha origem, a minha viagem com o plano de ir combater a revolução. Fez-se logo uma lenda a meu respeito. Eu era um republicano antigo, riquíssimo, entusiasta, disposto a dar pela República mil vidas, se as tivesse, e resoluto a não poupar a única. Deixei dizer isto e o mais, e fui. Como eu indagasse das forças revolucionárias com que estaria João da Fonseca, alguém quis ver nisto uma razão de ódio pessoal; também não faltou quem me supusesse espião dos rebeldes, que ia por-me em comunicação secreta com aquele. Pessoas que sabiam das relações dele com a Prazeres imaginavam que era um antigo amante desta que se queria vingar dos amores dele. Todas aquelas suposições morreram, para só ficar a do meu entusiasmo político; a da minha espionagem ia-me prejudicando; felizmente, não passou de duas cabeças e de uma noite.

Levava comigo um retrato de Maria Cora; alcançara-o dela mesma, uma noite, pouco antes do meu embarque, com uma pequena dedicatória cerimoniosa. Já disse que estava em pleno romantismo; dado o primeiro passo, os outros vieram de si mesmos. E agora juntai a isto o amor-próprio, e compreendereis que de simples cidadão indiferente da capital saísse um guerreiro áspero da campanha rio-grandense.

Nem por isso conto combates, nem escrevo para falar da revolução, que não teve nada comigo, por si mesma, senão pela ocasião que me dava, e por algum golpe que lhe desfechei na estreita área da minha ação. João da Fonseca era o meu rebelde. Depois de haver tomado parte no combate de Sarandi e Cochila Negra, ouvi que o marido de Maria Cora fora morto, não sei em que recontro; mais tarde deram-me a notícia de estar com as forças de Gumercindo, e também que fora feito prisioneiro e seguira para Porto Alegre; mas ainda isto não era verdade. Disperso, com dois camaradas, encontrei um dia um regimento legal que ia em defesa da Encruzilhada, investida ultimamente por uma força dos federalistas; apresentei-me ao comandante e segui. Aí soube que João da Fonseca estava entre essa força; deram-me todos os sinais dele, contaram-me a história dos amores e a separação da mulher.

A ideia de matá-lo no turbilhão de um combate tinha algo fantástico; nem eu sabia se tais duelos eram possíveis em semelhantes ocasiões, quando a força de cada homem tem de somar com a de toda uma força única e obediente a uma só direção. Também me pareceu, mais de uma vez, que ia cometer um crime pessoal, e a sensação que isto me dava, podeis crer que não era leve nem doce; mas a figura de Maria Cora abraçava-me e absolvia com uma bênção de felicidades. Atirei-me de vez. Não conhecia João da Fonseca; além dos sinais que me haviam dado, tinha de memória um retrato dele que vira no Engenho Velho; se as feições não estivessem mudadas, era provável que eu o reconhecesse entre muitos. Mas, ainda uma vez, seria este encontro possível? Os combates em que eu entrara, já me faziam desconfiar que não era fácil, ao menos.

Não foi fácil nem breve. No combate da Encruzilhada creio que me houve com a necessária intrepidez e disciplina, e devo aqui notar que eu me ia acostumando à vida da guerra civil. Os ódios que ouvia eram forças reais. De um lado e outro batiam-se com ardor, e a paixão que eu sentia nos meus ia-se pegando em mim. Já lera o meu nome em uma ordem do dia, e de viva voz recebera louvores, que comigo não pude deixar de achar justos, e ainda agora tais os declaro. Mas vamos ao principal, que é acabar com isto.

Naquele combate achei-me um tanto como o herói de Stendhal na batalha de Waterloo; a diferença é que o espaço foi menor. Por isso, e também porque não me quero deter em coisas de recordação fácil, direi somente que tive ocasião de matar em pessoa a João da Fonseca. Verdade é que escapei de ser morto por ele. Ainda agora trago na testa a cicatriz que ele me deixou. O combate entre nós foi curto. Se não parecesse romanesco demais, eu diria que João da Fonseca adivinhara o motivo e previra o resultado da ação.

Poucos minutos depois da luta pessoal, a um canto da vila, João da Fonseca caiu prostrado. Quis ainda lutar, e certamente lutou um pouco; eu é que não consenti na desforra, que podia ser a minha derrota, se é que raciocinei; creio que não. Tudo o que fiz foi cego pelo sangue em que o deixara banhado, e surdo pelo clamor e tumulto do combate. Matava-se, gritava-se, vencia-se; em pouco ficamos senhores do campo.

Quando vi que João da Fonseca morrera deveras, voltei ao combate por instantes; a minha ebriedade cessara um pouco, e os motivos primários tornaram a dominar-me, como se fossem únicos. A figura de Maria Cora apareceu-me como um sorriso de aprovação e perdão; tudo foi rápido.

Haveis de ter lido que ali se apreenderam três ou quatro mulheres. Uma destas era a Prazeres. Quando, acabado tudo, a Prazeres viu o cadáver do amante, fez uma cena que me encheu de ódio e de inveja. Pegou em si e deitou-se a abraçá-lo; as lágrimas que verteu, as palavras que disse, fizeram rir a uns; a outros, se não enterneceram, deram algum sentimento de admiração. Eu, como digo, achei-me tomado de inveja e ódio, mas também esse duplo sentimento desapareceu para não ficar nem admiração; acabei rindo. Prazeres, depois de honrar com dor a morte do amante, ficou sendo a federalista que já era; não vestia farda, como dissera ao desafiar João da Fonseca, quis ser prisioneira com os rebeldes e seguir com eles.

É claro que não deixei logo as forças, bati-me ainda algumas vezes, mas a razão principal dominou, e abri mão das armas. Durante o tempo em que estive alistado, só escrevi duas cartas a Maria Cora, uma pouco depois de encetar aquela vida nova, — outra depois do combate da Encruzilhada; nesta não lhe contei nada do marido, nem da morte, nem sequer que o vira. Unicamente anunciei que era provável acabasse brevemente a guerra civil. Em nenhuma das duas fiz a menor alusão aos meus sentimentos nem ao motivo do meu ato; entretanto, para quem soubesse deles, a carta era significativa. Maria Cora só respondeu à primeira das cartas, com serenidade, mas não com isenção. Percebia-se, — ou percebia-o eu, — que, não prometendo nada, tudo agradecia, e, quando menos, admirava. Gratidão e admiração podiam encaminhá-la ao amor.

Ainda não disse, — e não sei como diga este ponto, — que na Encruzilhada, depois da morte de João da Fonseca, tentei degolá-lo; mas nem queria fazê-lo, nem realmente o fiz. O meu objeto era ainda outro e romanesco. Perdoa-me tu, realista sincero, há nisto também um pouco de realidade, e foi o que pratiquei, de acordo com o estado da minha alma: o que fiz foi cortar-lhe um molho de cabelos. Era o recibo da morte que eu levaria à viúva.

CAPÍTULO VI

Quando voltei ao Rio de Janeiro, tinham já passado muitos meses do combate da Encruzilhada. O meu nome figurou não só em partes oficiais como em telegramas e correspondências, por mais que eu buscasse esquivar-me ao ruído e desaparecer na sombra. Recebi cartas de felicitações e de indagações. Não vim logo para o Rio de Janeiro, note-se; podia ter aqui alguma festa; preferi ficar em S. Paulo. Um dia, sem ser esperado, meti-me na estrada de ferro e entrei na cidade. Fui para a casa de pensão do Catete.

Não procurei logo Maria Cora. Pareceu-me até mais acertado que a notícia da minha vinda lhe chegasse pelos jornais. Não tinha pessoa que lhe falasse; vexava-me ir eu mesmo a alguma redação contar o meu regresso do Rio Grande; não era passageiro de mar, cujo nome viesse em lista nas folhas públicas. Passaram dois dias; no terceiro, abrindo uma destas, dei com o meu nome. Dizia-se ali que viera de S. Paulo e estivera nas lutas do Rio Grande, citavam-se os combates, tudo com adjetivos de louvor; enfim, que voltava à mesma pensão do Catete. Como eu só contara alguma coisa ao dono da casa, podia ser ele o autor das notas; disse-me que não. Entrei a receber visitas pessoais. Todas queriam saber tudo; eu pouco mais disse que nada.

Entre os cartões, recebi dois de Maria Cora e da tia, com palavras de boas-vindas. Não era preciso mais; restava-me ir agradecer-lhes, e dispus-me a isso; mas, no próprio dia em que resolvi ir ao Engenho Velho, tive uma sensação de... De quê? Expliquem, se podem, o acanhamento que me deu a lembrança do marido de Maria Cora, morto às minhas mãos. A sensação que ia ter diante dela encheu-me inteiramente. Sabendo-se qual foi o móvel principal da minha ação militar, mal se compreende aquela hesitação; mas, se considerares que, por mais que me defendesse do marido e o matasse para não morrer, ele era sempre o marido, terás entendido o mal-estar que me fez adiar a visita. Afinal, peguei em mim e fui à casa dela.

Maria Cora estava de luto. Recebeu-me com bondade, e repetiu-me, como a tia, as felicitações escritas. Falamos da guerra civil, dos costumes do Rio Grande, um pouco de política, e mais nada. Não se disse de João da Fonseca. Ao sair de lá, perguntei a mim mesmo se Maria Cora estaria disposta a casar comigo.

“Não me parece que recuse, embora não lhe ache maneiras especiais. Creio até que está menos afável que dantes... Terá mudado?”

Pensei assim, vagamente. Atribuí a alteração ao estado moral da viuvez; era natural. E continuei a frequenta-la, disposto a deixar passar a primeira fase do luto para lhe pedir formalmente a mão. Não tinha que fazer declarações novas; ela sabia tudo. Continuou a receber-me bem. Nenhuma pergunta me fez sobre o marido, a tia também não, e da própria revolução não se falou mais. Pela minha parte, tornando à situação anterior, busquei não perder tempo, fiz-me pretendente com todas as maneiras do ofício. Um dia, perguntei-lhe se pensava em tornar ao Rio Grande.

— Por ora, não.

— Mas irá?

— É possível; não tenho plano nem prazo marcado; é possível.

Eu, depois de algum silêncio, durante o qual olhava interrogativamente para ela, acabei por inquirir se antes de ir, caso fosse, não alteraria nada em sua vida.

— A minha vida está tão alterada...

Não me entendera; foi o que supus. Tratei de me explicar melhor, e escrevi uma carta em que lhe lembrava a entrega e a recusa da primeira e lhe pedia francamente a mão. Entreguei a carta, dois dias depois, com estas palavras:

— Desta vez não recusará ler-me.

Não recusou, aceitou a carta. Foi à saída, à porta da sala. Creio até que lhe vi certa comoção de bom agouro. Não me respondeu por escrito, como esperei. Passados três dias, estava tão ansioso que resolvi ir ao Engenho Velho. Em caminho imaginei tudo; que me recusasse, que me aceitasse, que me adiasse, e já me contentava com a última hipótese, se não houvesse de ser a segunda. Não a achei em casa; tinha ido passar alguns dias na Tijuca. Saí de lá aborrecido. Pareceu-me que não queria absolutamente casar; mas então era mais simples dizê-lo ou escrevê-lo. Esta consideração trouxe-me esperanças novas.

Tinha ainda presentes as palavras que me dissera, quando me devolveu a primeira carta, e eu lhe falei da minha paixão: “Suponha que eu o amo; nem por isso deixo de ser uma senhora casada”. Era claro que então gostava de mim, e agora mesmo não havia razão decisiva para crer o contrário, embora a aparência fosse um tanto fria. Ultimamente, entrei a crer que ainda gostava, um pouco por vaidade, um pouco por simpatia, e não sei se por gratidão também; tive alguns vestígios disso. Não obstante, não me deu resposta à segunda carta. Ao voltar da Tijuca, vinha menos expansiva, acaso mais triste. Tive eu mesmo de lhe falar na matéria; a resposta foi que, por ora, estava disposta a não casar.

— Mas um dia...? perguntei depois de algum silêncio.

— Estarei velha.

— Mas então... será muito tarde?

— Meu marido pode não estar morto.

Espantou-me esta objeção.

— Mas a senhora está de luto.

— Tal foi a notícia que li e me deram; pode não ser exata. Tenho visto desmentir outras que se reputavam certas.

— Quer certeza absoluta? perguntei. Eu posso dá-la.

Maria Cora empalideceu. Certeza. Certeza de quê? Queria que lhe contasse tudo, mas tudo. A situação era tão penosa para mim que não hesitei mais, e, depois de lhe dizer que era intenção minha não lhe contar nada, como não contara a ninguém, ia fazê-lo, unicamente para obedecer à intimação. E referi o combate, as suas fases todas, os riscos, as palavras, finalmente a morte de João da Fonseca. A ânsia com que me ouviu foi grande, e não menor o abatimento final. Ainda assim, dominou-se, e perguntou-me:

— Jura que me não está enganando?

— Para que a enganar? O que tenho feito é bastante para provar que sou sincero. Amanhã, trago-lhe outra prova, se é preciso mais alguma.

Levei-lhe os cabelos que cortara ao cadáver. Contei-lhe, — e confesso que o meu fim foi irritá-la contra a memória do defunto, — contei-lhe o desespero da Prazeres. Descrevi essa mulher e as suas lágrimas. Maria Cora ouviu-me com os olhos grandes e perdidos; estava ainda com ciúmes. Quando lhe mostrei os cabelos do marido, atirou-se a eles, recebeu-os, beijou-os, chorando, chorando, chorando... Entendi melhor sair e sair para sempre. Dias depois recebi a resposta à minha carta; recusava casar.

Na resposta havia uma palavra que é a única razão de escrever esta narrativa: “Compreende que eu não podia aceitar a mão do homem que, embora lealmente, matou meu marido”. Comparei-a àquela outra que me dissera antes, quando eu me propunha sair a combate, matá-lo e voltar: “Não creio que ninguém me ame com tal força”. E foi essa palavra que me levou à guerra. Maria Cora vive agora reclusa; de costume manda dizer uma missa por alma do marido, no aniversário do combate da Encruzilhada. Nunca mais a vi; e, coisa menos difícil, nunca mais esqueci dar corda ao relógio.

Fonte> Machado de Assis. Relíquias da Casa Velha. Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1906. Disponível em Domínio Público.

Hinos de Cidades Brasileiras (Bandeirantes/PR)


Letra: Wanda Rossi de Carvalho

Refrão
Salve, Salve, Bandeirantes
com sua pujança viril
Terra roxa da esperança
enriquecendo o Brasil

Com suas vestes verdejantes
e um traçado tão gentil
de antepassados brilhantes
e o mais belo céu de anil

Refrão
Salve, Salve, Bandeirantes
com sua pujança viril
Terra roxa da esperança
enriquecendo o Brasil

Bandeirantes é a herança
de um povo trabalhador
que conquistou a bonança
com sacrifício e amor

Refrão
Salve, Salve, Bandeirantes
com sua pujança viril
Terra roxa da esperança
enriquecendo o Brasil

No horizonte os canaviais
num bailado de harmonia
como se fossem mil pais
dando o pão de cada dia

Refrão
Salve, Salve, Bandeirantes
com sua pujança viril
Terra roxa da esperança
enriquecendo o Brasil

Bandeirantes pequenina
que possui encantos mil
nas dobras de cada esquina
um pedaço do Brasil

Refrão
Salve, Salve, Bandeirantes
com sua pujança viril
Terra roxa da esperança
enriquecendo o Brasil

O nosso português de cada dia (Erros de português que você não pode mais cometer) = 4

por Universidade Veiga de Almeida (RJ)


39. Descrição / Discrição

Mais um caso de grafia e pronúncia semelhantes e significados distintos. 

"Descrição" está relacionada ao ato de detalhar algo, reunir características. Entre seus sinônimos, dependendo do contexto, estão palavras como "exposição" e "apresentação". 

Já "discrição" é a qualidade de alguém ou algo discreto, que não chama muita atenção.

40. Sessão / Seção

A forma com S, "sessão", é o intervalo de tempo em que alguma coisa acontece, por isso sessão de cinema, sessão fotográfica, sessão da tarde... 

"Seção" é como divisão, uma parte de um todo, daí seção eleitoral, seção feminina e seção do jornal, por exemplo.

41. Admitem-se vendedores (certo) / Admite-se vendedores (errado)

No exemplo, o verbo "admitir" é transitivo direto. Como tal, não exige preposição entre ele e o objeto da frase e concorda em número com o sujeito. Portanto, o correto é dizer "admitem-se vendedores".

42. Precisa-se de vendedores (certo) / Precisam-se de vendedores (errado)

Nesse exemplo, a maneira correta é "precisa-se de vendedores". Quem precisa, precisa "de" algo, daí a necessidade da preposição. Como verbo transitivo indireto, portanto, "precisar" permanece no singular.

43. Supor / Transpor

Os verbos derivados do verbo "pôr" serão conjugados como o verbo primitivo.

Errado : Se você supor que o seu plano dará certo, nós poderemos executá-lo.

Certo : Se você supuser que o seu plano dará certo, nós poderemos executá-lo.

44. Manter / Conter

Os verbos derivados do verbo "ter" serão conjugados como o verbo primitivo.

Errado: Se você manter a rotina de treinos, alcançará excelentes resultados.

Certo : Se você mantiver a rotina de treinos, alcançará excelentes resultados.

45. Tinha chego / Tinha chegado

Existem alguns verbos, chamados de abundantes, que admitem duas formas de particípio passado, entre eles "aceitar" (aceitado e aceito), "imprimir" (imprimido e impresso) e "eleger" (elegido e eleito). 

"Por analogia, obtêm-se formas como 'chego', ainda não acolhidas pela norma culta", explica o professor Eduardo Calbucci. Ou seja, vá de "tinha chegado".

46. Na minha opinião (certo) / Na minha opinião pessoal (errado)

"Na minha opinião pessoal" é um pleonasmo, ou seja, a repetição desnecessária de uma informação, uma redundância: sua opinião já é pessoal. Por isso, diz-se apenas "na minha opinião".

47. Anos atrás (certo) / Há anos atrás (errado)

"Há anos atrás" também é um pleonasmo, pois o verbo "há", nesse sentido, já indica passagem do tempo. Diga apenas "há anos" ou "anos atrás".

48. De encontro a / Ao encontro de

Aqui temos praticamente opostos em termos de sentido. 

"De encontro a" expressa conflito, como em "sua opinião foi de encontro ao que ele acreditava". 

"Ao encontro de" expressa satisfação, "estar de acordo com", ir "em direção a": "Uma lei que vem ao encontro dos menos favorecidos".

49. Por hora / Por ora

As duas expressões existem, mas dependem do contexto. 

"Por hora" está relacionada a um intervalo de 60 minutos: "Pedala 20 km por hora". 

"Por ora" significa, simplesmente, "por enquanto".

50. Ratificar / Retificar

Verbos com sentidos bem diferentes: "ratificar" é confirmar; "retificar" é corrigir.

Fonte: Universidade Veiga de Almeida, 03  dezembro 2019  in O Globo. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 22

 



Mensagem na Garrafa = 93 =

Cassiano Ricardo
(Cassiano Ricardo Leite)
São José dos Campos/SP, 1894 – 1974, Rio de Janeiro/RJ

POEMA IMPLÍCITO

O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.

Não gosto dos explícitos
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.

Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.

(A face perdida, 1950)

Cantiga Infantil de Roda (Cadê?)


Cadê o toucinho que tava aqui? 
O gato comeu.
Cadê o gato? 
Foi pro mato.
Cadê o mato? 
O fogo queimou.
Cadê o fogo? 
A água apagou.
Cadê a água? 
O boi bebeu.
Cadê o boi? 
Tá amassando o trigo.
Cadê o trigo? 
A galinha ciscou.
Cadê a galinha? 
Tá botando o ovo.
Cadê o ovo? 
O padre comeu.
Cadê o padre? 
Tá rezando a missa.
Cadê a missa? 
Tá dentro do livrinho.
Cadê o livrinho? 
Foi pelo rio abaixo.
Vamos procurar o livrinho?

Geraldo Pereira (Tampa-de-Chaleira)

Nos meus inícios na Faculdade de Medicina, na fase em que estudava o esqueleto humano, colega meu dos bancos acadêmicos, visto, distraidamente, de olhos fechados, quase, passando a mão, levemente, numa tíbia, apoiada entre o seu próprio queixo e a mesa de dissecação, não se livrou do cognome para o resto da vida: Chupa Osso. Na realidade, fazia ali, daquela forma e daquele jeito, o necessário exercício no aprendizado dos segredos da Anatomia, percorrendo com o tato as saliências e as reentrâncias ou identificando orifícios por onde emergiram ou imergiram nervos, veias e artérias. Afinal, sabia da importância dessas bases morfológicas para o mister hipocrático e não podia descuidar dos esforços paternos, com os quais se sustentava, oriundo como era dos contrafortes da Borborema.

Muitos anos depois, em congresso importante, outro colega me indaga: “Como é o nome, mesmo, de Chupa-Osso?” Não podia, com certeza, tratar o companheiro daqueles anos pelo apelido, simplesmente, em ambiente assim, de ciência e de pesquisa. E não tratou, porque do prenome, pelo menos, eu sabia.

Os apelidos foram, realmente, a tônica daqueles convívios. Por qualquer motivo, que fosse, surgia um cognome a mais e de pronto a turma toda – 165 alunos, se pouco – adotava essa imposição de um batismo improvisado e até desavisado. Fosse rapaz ou fosse moça, dado a bincadeiras ou sisudo, na forma da lei, cada qual carregava um e ainda hoje, nas reuniões de aniversário dos anos de formado, assina-se uma lista, parecida com a do passado e de quebra se acrescenta o nome dessas eras. Alguns, todavia, são de todo impublicáveis, mas outros, francamente, despregam as bandeiras, socializando o riso. 

Como esquecer do nosso Fofa, do Defunto ou do Gia, do Velho e de Bico de Ouro, conterrâneos, esses dois, amigos até na morte? E a morte levou Cachorrão e carregou, do mesmo jeito, o caríssimo Timbu. A outros levou, também, roubando, de todos nós, a chance desses convívios. Ou ainda, como não lembrar de Todo Feio, virado hoje e muito bem, num poeta de boa rima, prosador dos melhores? Esquecer de Mongrô, é atentar contra a paz, a serenidade e os bons costumes. Pior do velho Barney? E o Pluto, vejam só?

O maior de todos os cognomes dessa turma, na emergência já dos trinta anos de formada, não poderia ser outro, senão o de Tampa-de-Chaleira. Ora que o homem, chovesse ou fizesse sol, estivesse na sala de aula ou nos laboratórios, nas ruas do Recife ou nos anfiteatros de Anatomia, suava feito um desadorado. Molhava a camisa em grandes rodas e chegava, até, a umedecer o pano das calças, dizia!

Certa vez, o velho Tampa, chegando a um representante farmacêutico, acompanhando um périplo de estudantes, numa romaria em busca de amostra grátis, sem saber que remédio pedir, perguntou ao colega mais próximo o nome de um produto qualquer. E o companheiro, irreverente como era, não titubeou, lembrou-se da recepcionista, mulher quarentona e viçosa, de ancas mais do que largas e busto considerável, com prenome diferente e recomendou que pedisse Fulana. O Tampa, na inocência do gesto, ainda insistiu mais, indagando se pedia em comprimidos ou em pó, em xarope ou injetável.

Quase apanha da figura! Queria, de qualquer forma, aquela farmacêutica fórmula e não entendeu a mulher, que raivosa e impiedosa, sustentando-lhe pela breca, perguntava-lhe, em voz alta: “Como se chama a sua mãe?”

Guardei o necessário sigilo das relações biunívocas, sempre, entre o apelido e o nome. Não vou, agora, apontar colegas que na prática do dia-a-dia são expoentes da ciência, pelo cognome, então. E tampouco dizer o meu próprio, escrito aí por cima. Guardei também para mim, apenas, os demais apelidos, aqueles atribuídos às moças, por hesitação da consciência. Mas desses, pode crer o leitor, há alguns que são deliciosos, simplesmente. E por aí vai.

Fonte> Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Epigramas


Na Grécia, a epigrama era uma curta inscrição destinada a fixar a lembrança de um grande homem ou de um fato memorável sobre um monumento público ou privado, mas, em seguida, passou a recobrir também a elegia, a sátira, o cinismo e outras tantas formas de expressão do sentimento humano. (Carlos Alberto Zeron, Jornal da USP, 31/08/2018)


ALBERTO RAMOS
Pelotas/RS, 1871 – 1941, Rio de Janeiro/RJ

De tônico e tintura este vate usa e abusa.
Não há filtro capaz de redourar-lhe a musa.
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Os velhacos e os maus, juiz inclemente
zurzes com a pena rábica e ferina...
Só não falas de ti – pois francamente
perdes o tema de melhor verrina!
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ANÔNIMO

Com certa mulher travessa
O demo, um dia, brigou.
São Pedro, que os separou,
Cortou aos dois a cabeça.

Diz-lhe Deus: - Exageraste...
Trata já de colocar,
de novo, no seu lugar,
as cabeças que cortaste.

São Pedro – e com esta acabo –
Tal fez. Mas pôs, sem querer,
Ao diabo, a da mulher
E à mulher, a do diabo!”
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“Quando existiam bárbaras nações,
nas cruzes penduravam-se os ladrões.
Agora, neste século das luzes,
ao peito de ladrões penduram cruzes!”
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“Um professor conhecido,
Com ênfase, a um escolar:
- Diga lá. Que tempo é amar?
- Amar... é tempo perdido!”
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ANTONIO DINIS DA CRUZ E SILVA
Lisboa/Portugal, 1731 – 1799

Quando, Laurindo, sais tão penteado,
Tão nédio, tão gentil e tão rosado,
Da matreira raposa num momento
Logo me vem o dito ao pensamento:
Oh que bela cabeça por Apolo!
Mas que prol*! Se não tem dentro miolo.

(evocando a fábula da raposa e da máscara)
* prol = vantagem
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ANTÔNIO SALES
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

– A fealdade é um direito;
Por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito…
Perdão: a senhora abusa!

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses… mulher de Adão.
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BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal/Portugal, 1765 – 1805, Lisboa

Não veio a morte buscar-te
Com o seu chamante robusto,
Porque receia ao encarar-te
Morrer a Morte de susto.

(A uma velha muito feia)
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CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio Comprido/RJ, 1901 – 1964, Rio de Janeiro/RJ

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinastes aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
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CLÓVIS AMORIM
(Clovis Gonçalves Amorim)
Amélia Rodrigues/BA, 1912 – 1970, Salvador/BA

Veio ao mundo esse Raimundo 
Devido a um erro, talvez, 
E só Deus que fez o mundo 
Sabe ao certo quem o fez.
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DIONÍSIO CATÃO
(Século III, poeta latino)

Se me lembro, Élia, tiveste
De belos dentes a posse:
Numa tosse dois te foram,
Foram-te dois noutra tosse.

Segura, noites e dias,
Podes tossir a fartar;
Podes, que tosse terceira
Já não tem que te levar.
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JOÃO AMADO PINHEIRO VIEGAS
Salvador/BA, 1865 – 1937

Entre as folhas amarelas,
A melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas, 
Só pode ser parcial.

(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
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JOÃO SALOMÉ QUEIROGA
Serro/MG, 1810 – 1878

Oh, deste patrono a musa,
Diz o povo, não se entende,
Pois quando defende, acusa,
E quando acusa, defende…

(a um advogado no júri)
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LAFAYETE SPÍNOLA CASTRO
Sebastião Laranjeiras/BA, 1930 – 2009, Guanambi/BA

É um caso de embasbacar,
mas, que faz a gente rir:
O De Nancy – a velar…
E seu talento – a dormir!

(Sobre o literato baiano De Nancy Avelar)
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Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
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LOPE DE VEGA
(Félix Lope de Vega y Carpio)
Madri/Espanha, 1562 – 1635

“Quis perguntar certo amante,
a um sábio extraordinário,
que seria necessário
para a Mulher ser constante.

Diz-lhe este, sem vacilar:
- Cá no meu fraco entender,
não ter olhos para ver
nem ouvidos para escutar.”
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MILLOR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro, 1923- 2012

Aqui jaz minha mulher
que partiu para o Além.
Agora descansa em paz
e eu também.
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PADRE CELSO DE CARVALHO
Curvelo/MG, 1913 – 2000, Diamantina/MG

Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!
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ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1937

Carroceiro, desalmado,
– diz o burro – vê que tu és
meu irmão! mas, aleijado,
que nasceste com dois pés!
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De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – cheguei”,
Retruca a Morte: – “chegamos”.
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No Brasil, é pragmática,
Das discussões na fervura,
Entrar – no meio – a gramática,
No fim a descompostura.
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VICTOR CARUSO
Campinas/SP, 1888 – 1967 

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que to diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...

(A um matemático)

Fonte> R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

O nosso português de cada dia (Erros de português que você não pode mais cometer) = 3

por Universidade Veiga de Almeida (RJ)
26. Afim / A fim de

"Afim" pode ser adjetivo ou substantivo e, nos dois casos, é associado a "parecido", "similar" e "semelhante". 

"A fim de" é locução prepositiva e está ligada à ideia de intenção ou finalidade, como em "aceitei ir à festa a fim de conhecê-lo melhor".

27. Obrigado / Obrigada

Essa regra é muito simples. Homens dizem "obrigado". Mulheres dizem "obrigada". Pronto!

28. Bem-vindo (certo) / Benvindo (errado)

O Novo Acordo Ortográfico não alterou a escrita da palavra "bem-vindo". Apesar de novas regras gramaticais em relação ao uso do hífen, ela continua como antes.

29. Beneficente (certo) / Beneficiente (errado)

A forma correta é "beneficente". 

"Beneficiente" não existe na Língua Portuguesa.

30. Menos (certo) / Menas (errado)

Apesar de memes como "miga, seja menas", a palavra "menas" não existe na nossa gramática. Escolha sempre "menos" em suas redações e e-mails formais.

31. Deixa eu escrever / Deixa-me escrever

Quando os verbos "deixar", "fazer", "ver" e "mandar" vêm seguidos de infinitivo, usam-se os pronomes oblíquos no padrão culto da língua: "Deixa-me escrever". 

Aqui, porém, um adendo. "Esse tipo de construção com pronomes retos ('deixa eu estudar', 'deixa ele estudar') está se tornando cada vez mais comum, fundamentalmente na linguagem oral", destaca o professor Eduardo Calbucci, em uma ressalva de que o certo e o errado podem não ser absolutos se levarmos em consideração a evolução da língua.

32. Seguem anexos os documentos (certo) / Seguem os documentos em anexo (errado)

Expressões bem comuns em e-mails. Se funciona como adjetivo, indicando que algo está ligado, a palavra "anexo" não exige o uso de "em" e deve concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere - no caso, "documentos". 

De outra forma, se o interlocutor quer dizer o modo pelo qual algo está sendo enviado, é preferível dizer "no anexo" em vez de "em anexo".

33. Proibida a entrada (certo) / Proibido a entrada (errada)

O sujeito da oração é "a entrada", feminino e acompanhado de artigo, por isso "proibido" concorda com "entrada": "Proibida a entrada".

34. Vamos nos ver amanhã? (certo) / Vamos se ver amanhã? (errado)

O sujeito do verbo "vamos" é de primeira pessoa do plural (nós), por isso a forma correta é "vamos nos ver".

35. Senão / Se não

A escolha depende bastante do que você quer expressar. 

"Senão" é "caso contrário" ou "a não ser". 

"Se não" mostra uma condição, como em "se não sabe como fazer, não faça".

36. Dia a dia / Frente a frente / Cara a cara

Nenhuma das expressões tem acento no "a". O acento grave não deve ser utilizado em termos com palavras repetidas.

37. Meio-dia e meia (certo) / Meio-dia e meio (errado)

Quando a palavra "hora", aqui implícita, é fracionada, sempre utiliza-se "meia" - portanto, "meio-dia e meia". 

"Meia" é numeral fracionário e deve concordar em gênero com a unidade fracionada.  Outra coisa: "meio-dia" permanece com hífen, mesmo após o Novo Acordo Ortográfico.

38. Eminente / Iminente

Formas parecidíssimas, significados diferentes e grande chance de confusão. Para memorizar: 

"eminente" está relacionado a qualidade, excelência, como em "é um profissional eminente"; 

"iminente" indica que "vai acontecer em breve".

Fonte: Universidade Veiga de Almeida, 03  dezembro 2019  in O Globo. 

Hinos de Cidades Brasileiras (Niterói/RJ)


Letra: Nilo Neves; Melodia: Almanir Grego

Vila Real da Praia Grande,
Sempre altaneira, operosa.
Vila Real da Praia Grande,
Terra feliz, dadivosa.
"Cidade Sorriso, encantada",
"Niterói, Niterói, como és formosa"

Por amor ao Brasil, unido, imenso,
Aprendeste a lição do "índio herói",
Começando a escrever, em São Lourenço,
Tua história, querida Niterói...

Evocando, orgulhosos, teu passado
De bravura, de trabalho e de nobreza,
Nós louvamos que Deus nos tenha dado
A paisagem de luz da natureza...