sábado, 15 de junho de 2024

Recordando Velhas Canções (Coisas Nossas)


Compositor: Noel Rosa

Queria ser pandeiro 
Pra sentir o dia inteiro
A tua mão na minha pele a batucar
Saudade do violão e da palhoça
Coisa nossa   
Muito nossa

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Menina que namora na esquina 
e no portão
Rapaz casado com dez filhos   
sem tostão
Se o pai descobre  
o truque dá uma coça
Coisa nossa  
Muito nossa  

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Baleiro, jornaleiro, motorneiro  
Condutor e motorista
Prestamista, vigarista 
E o carro que parece uma carroça
Coisa nossa  
Muito nossa

O samba, partidão e outras bossas
São nossas coisas 
São coisas nossas

Malandro que não bebe, que não come
Que não abandona o samba 
Pois o samba mata a fome
Morena bem bonita lá na roça
Coisa nossa  
Muito nossa
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A Alma do Samba e a Identidade Brasileira em 'São Coisas Nossas'
Com a gradual implantação do som no cinema brasileiro, Wallace Downey, um americano ligado à nossa indústria fonográfica, percebeu que a produção de filmes musicais poderia ser um negócio muito lucrativo. Assim apoiado pela empresa Byington & Cia., de São Paulo, realizaria em 1931 o curta-metragem “Mágoa Sertaneja” e o longa “Coisas Nossas”, os musicais pioneiros do nosso cinema. Inspirado, talvez, pelo título deste último, Noel Rosa compôs o samba homônimo (também conhecido por “São coisas nossas”), em que “filosofa” espirituosamente sobre hábitos, manias e “outras bossas” tipicamente brasileiras — “O samba, a prontidão e outras bossas / são nossas coisas, são coisas nossas...”. “Coisas Nossas” e mais outros quatro sambas foram lançados por Noel em discos Columbia, empresa que na época havia instalado um estúdio de gravação no Rio de Janeiro (A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34). 


Noel Rosa começa a música expressando um desejo poético de ser um pandeiro, um instrumento essencial no samba, para sentir o toque constante da mão de alguém especial. Essa metáfora inicial já estabelece a importância do samba e dos instrumentos musicais na vida cotidiana. Ele menciona a saudade do violão e da palhoça, elementos que remetem à simplicidade e à autenticidade da vida rural e das rodas de samba. A repetição da frase 'coisa nossa' reforça a ideia de pertencimento e identidade cultural.

A letra também aborda a figura do malandro, um personagem típico do samba, que vive de maneira despreocupada, mas fiel à sua cultura. Noel Rosa destaca que, mesmo sem beber ou comer, o malandro não abandona o samba, pois ele é uma fonte de sustento emocional e cultural. Além disso, a música menciona diversos personagens do cotidiano urbano, como o baleiro, o jornaleiro e o condutor, todos representando a diversidade e a riqueza da vida nas cidades brasileiras. A música termina com uma cena familiar e comum, de uma menina namorando na esquina e um rapaz casado com muitos filhos, reforçando a ideia de que essas são 'coisas nossas', elementos que compõem a identidade brasileira.

'São Coisas Nossas' é, portanto, uma ode ao samba e à vida simples, celebrando a cultura e a identidade brasileira através de suas figuras e cenários mais autênticos. Noel Rosa, com sua habilidade lírica, consegue capturar a essência do Brasil e transmitir um sentimento de orgulho e pertencimento. Através de metáforas e referências culturais, ele pinta um retrato vibrante e autêntico do Brasil dos anos 1930.

Fontes:

Estante de Livros (“Memórias do cárcere”, de Graciliano Ramos)

Durante o período que permaneceu na secretaria da educação revolucionou os métodos de ensino da época. No entanto, devido as suas ideias, consideradas "extremistas", foi demitido em 1936.

Ainda nesse ano, precisamente no dia 3 de março, é preso sob a acusação de ligação com o Partido Comunista. A acusação é falsa, pois Graciliano só entraria para o PCB em 1945. Mesmo sem acusação formal ou julgamento, é deportado para o Rio de Janeiro, onde permanece encarcerado até 1937. Dessa experiência resultou a obra "Memórias do cárcere", que só começou a ser escrita em 1946 “Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos”.

A obra "Memórias do cárcere", publicada somente em 1953, foi transformada em filme por Nelson Pereira dos Santos.

Depois de ser libertado da prisão, Graciliano ficou morando no Rio de Janeiro em um quarto de pensão, com a mulher e os filhos menores.

Estou a descer para a cova, este novelo de casos em muitos pontos vai emaranhar-se, escrevo com lentidão - e provavelmente isto será publicação póstuma como convém a um livro de memórias.

Em Memórias do Cárcere, publicação póstuma, Graciliano Ramos ocupou seus últimos anos, tornando públicos, “depois de muita hesitação”, acontecimentos da sua e da vida de outras pessoas, políticos ou não, intelectuais ou não, homens e mulheres, presos durante o Estado Novo.

Nos três primeiros parágrafos do livro ele se explica, justificando a demora de dez anos. E, depois, resolvido a escrever, sabe que sua narrativa será amarga: “Quem dormiu no chão deve lembra-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze”.

O intuito de Graciliano se realizou. Fiel aos acontecimentos, não escondeu, não negou, não exagerou: “Escreveu, realmente, com exatidão espantosa, com rigor excepcional. Tudo o que é negro, em sua narração, é negro pela própria natureza, o que é sórdido porque nasceu sórdido, o que é feio é mesmo feio. Não há pincelada do narrador no sentido de frisar traços, de agravar condições, de destacar minúcias denunciadoras.”(Nélson Werneck Sodré, prefácio de Memórias do Cárcere).

Em 1936, quando esteve preso no pavilhão dos primários, na Casa de Detenção, Graciliano conheceu Vanderlino, “um homem útil”, habilidoso, capaz de esculpir peças de um jogo de xadrez depois de dividir um cabo de vassoura em 32 pedaços iguais. Criminoso comum, homem humilde, foi ele quem, mais tarde, na Colônia Correcional, apresentou um amigo a Graciliano. “Admirou-me a franqueza de Vanderlino ao dizer o nome e o ofício do personagem: - Gaúcho, ladrão, arrombador.”

Gaúcho virou amigo de Graciliano, querendo aparecer em seus livros (“Eu queria que saísse o meu retrato”) e, além de personagem em Memórias do Cárcere, é citado também no conto “Um Ladrão”, de Insônia, história da ineficiência de um aprendiz seu num roubo que fizeram juntos. Esta foi uma das muitas histórias que Gaúcho contou a Graciliano, ouvinte atento. E assim a amizade entre eles cresceu, dentro dos muros, desinteressada e sincera.

Quando estuda o testemunho de Graciliano sobre a prisão, Nélson Werneck Sodré lembra que “Cubano e Gaúcho”, criminosos comuns, saltam destas páginas para adquirirem dimensões humanas, denunciam-se como criaturas, apesar de terem vivido sempre entre comparsas.” (Adaptado de Viviana de Assis Viana, em Lit. Comentada: Graciliano Ramos).

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 31

 

Coelho Neto (Pombos viajantes)

Na brenha cerrada da minha tristeza, onde os sorrisos já não fazem ninho, viviam, pousados na 
árvore seca da melancolia, três pombos carinhosos.

Dia e noite arrulhavam; ao por do sol, porém, um deles, turturinando, trazia-me ao coração mágoas; acerbas indefiníveis — era o mais escuro.

O menor, branco, niveamente branco, durante as noites de luar gemia, mas a sua voz, posto que fraca, tinha mais alegria muito mais alegria do que a voz soluçada do primeiro.

O último, um grande pombo forte, de asas triunfadoras, capazes de voos temerários, dia e noite, cantava no ramo seco, olhando ora o sol, ora as estrelas.

Para viver melhor com eles dei-lhes nomes.

Chamei ao primeiro Saudade, ao segundo Amor e Esperança ao terceiro.

Um dia, à hora mansa da tarde, tomei no punho o primeiro pombo e soltei-o no ar. Fiz o mesmo ao segundo, fiz o mesmo ao terceiro.

Voaram, ruflando as asas, foram-se, muito alto, como se tomassem o rumo do céu, como se fossem mariscar as claríssimas sementes que a noite começava a espalhar pelo espaço.

Foram-se!

Solitário, pus-me a pensar na madrugada próxima e na volta dos meus mensageiros.

Que me traria o pombo Amor de novo e os outros dois que novas me trariam?

Assim a pensar fitei os olhos no mesmo ponto — a brenha enchia-se de lantejoulas brilhantes. A proporção que a treva ia se fazendo mais espessa, apontavam mais estrelas e mais vagalumes apareciam como reflexos sidéreos.

Extrema solidão!

Meus olhos, por mais que se alongassem, não conseguiam descobrir a luz das choças; a cantiga melancólica do zagal, no alto do monte, não me chegava aos ouvidos.

Olhar o céu! Olhar o céu! Fitei a vista nas estrelas. 

Subitamente um gemido... outro mais doloroso... uma ruflalhada em torno de mim.

Voltei-me... e ia levantar-me quando alguma coisa rápida saltou para o meu ombro, depois para o meu punho, gemendo, gemendo sempre.

Corri à claridade, cheguei-me à luz da lua e olhei.

Eterna companhia! Não pôde viver longe do coração... Sombra da vida extinta, espectro das lágrimas e dos sorrisos.

Eterna companhia! Era a Saudade, o pombo escuro.

O Amor e a Esperança passam de quando em quando junto de mim, demoram-se alguns instantes, mas, pela madrugada, fogem, voam turturinando.

Ele só não me abandona, o pombo escuro, o que eu chamei Saudade, o triste, o melancólico, o dolente.

Fonte: Coelho Neto. Rapsódias. Publicado originalmente em 1891. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 33 =


Trova Humorística do Ceará

ALOÍSIO BEZERRA
Massapê/CE, 1925 – ????, Fortaleza/CE

- Ao andar, sinto cansaço.
Que me aconselha, doutor?
- Nenhum remédio lhe passo,
só tome um táxi, senhor!

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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)

Apenas um menino 

Queria me tornar uma criança
Diante da tristeza que há no mundo,
Sem precisar usar minha esperança
E nem me entristecer em um segundo. 

Queria ter nos olhos a inocência...
No coração, a chama da bondade
E não saber o que é intransigência,
Nem arrogância, medo...ou maldade. 

Queria a pureza de um menino
Sorrindo para o gesto pequenino
De um outro menininho... nada mais. 

Assim, num novo mundo eu viveria,
Criando sempre nova fantasia
Diante da magia que há na paz
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

MARILZA DE CASTRO

Solicitude
lícita
se
verdadeira
atitude
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Soneto de São Paulo

FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

Rainha das águas 
(a Alberto de Oliveira)

Mar fora, a rir, da boca o fúlgido tesouro
Mostrando, e sacudindo a farta cabeleira,
Corta a planura ao mar, que se desdobra inteira,
Na esguia concha azul orladurada de ouro.

Rema, à popa, um tritão de escâmeo dorso louro;
Vão à frente os delfins; e, marchando em fileira,
Das ondas a seguir a luminosa esteira,
Vão cantando, a compasso, as piérides em coro.

Crespas, cantando em torno, as vagas, à porfia,
Lambem de popa à proa o casco à concha esguia,
Que prossegue, mar fora, a infinda rota, ufana;

E, no alto, o louro sol, que assoma, entre desmaios,
Saúda esse outro sol de coruscantes raios
Que orna a cabeça real da bela soberana.
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Trova Premiada de Bauru/SP

ERCY MARIA MARQUES DE FARIA

Relendo o livro da vida
quando a solidão me invade,
em cada página lida,
sempre encontro uma saudade…
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Poema de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
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Quadra Popular de Olhão/Portugal

DEODATO PIRES

Quer tenha ou não tenha sorte
na vida que Deus lhe deu,
não pode fugir à morte
todo aquele que nasceu.
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Soneto de Lisboa/Portugal

CARMO VASCONCELLOS

Sem lutos

De vós, amados, quero ao vos deixar:
sentidos poemas, flores, melodias,
riso e lembranças de felizes dias,
e sem lutos a minh’alma há-de voar.

E já volátil, há-de então acenar-vos 
a fina poeira, da ida e vã matéria,
depois... montada numa gota etérea,
hei-de baixar na chuva a visitar-vos.

Porém, se alguns de vós eu vir chorosos,
pérola d’água, os olhos lavarei
aos que em saudade mostram olhar fosco.

E pra secar os olhos lacrimosos,
flamas ao sol brilhante roubarei...
Que amar-vos não será chorar convosco!
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Trova de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Descendo esta escadaria
Onde ela vai me levar?
Se eu soubesse eu desceria;
Como não sei, vou ficar!
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Poema de Portugal

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa, 1919 – 2004, Porto

Quero

Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro comtemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.
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Haicai de Serra/ES

HUMBERTO DEL MAESTRO 

Três dias de chuva:
No terreno alagadiço
Concerto de rãs.
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Sextilha de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

No momento da triste despedida
todo mundo que fica se apavora,
fica  alguém soluçando na calçada,
na janela, quem fica também chora;
é o instante mais triste desta vida
quando alguém diz adeus e vai embora!
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Trova de Ribeirão Preto/SP

RITA MARCIANO MOURÃO 

Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua 
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!...
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Glosa do Rio Grande do Sul

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Carnaval Fantasia

MOTE:
Meu carnaval mais risonho,
foi aquele em que eu vesti
as fantasias de um sonho
que até hoje eu não vivi…
Elisabeth Souza Cruz 
(Nova Friburgo/RJ)

GLOSA:
Meu carnaval mais risonho,
cheio de felicidade,
eu lembro hoje entressonho,
numa forma de saudade.

Foi um tempo de alegria,
foi aquele em que eu vesti
a minha alma de poesia…
Disso, nunca me esqueci!

A todos, hoje eu proponho
viver muitas fantasias…
as fantasias de um sonho
não deixam as mãos vazias…

Quisera realizar
tudo aquilo que senti
e a grande emoção de amar
que até hoje eu não vivi…
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Aldravia de Vitória/ES

MATUSALÉM DIAS DE MOURA

paradoxo:
frente
fria
aquece
minha
alma
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Soneto do Rio de Janeiro

DANTE MILANO
Rio de Janeiro/RJ, 1899 -1991, Petrópolis/RJ

O espectro

O canto não imita a realidade
Como as palavras. Fica sobrevoando,
E da boca feroz se libertando,
Como o vôo de um pássaro, se evade.

Desaparece sem deixar saudade,
Perde-se na existência, como quando
A água de uma carranca borbotando
Se irisa em trêmula diafaneidade.

Não quero o sentimento que da treva
Do ser traz qualquer coisa de aflitivo,
Que quer ser voz e a voz profunda eleva,

Despertando um espírito latente
Que estilhaça os cristais num vingativo
Riso de espectro lívido e estridente.
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Trova Premiada em Maringá/PR, 2013

LICÍNIO ANTONIO DE ANDRADE 
Juiz de Fora/MG 

É no afago dos seus braços
que me enlaçam com calor,
que eu me esqueço dos cansaços
quando chego do labor.
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Poema de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Amo
(para Carolina Ramos)

Eu amo a lua, que me encanta, bela,
a ressaltar, da noite seus valores;
amo a cascata que borbulha espumas,
amo das brumas hibernais alvores,
Eu amo a brisa que suspira, calma,
deixando na alma o murmurar de amores;
amo dos astros o fulgente lume,
amo o perfume essencial das flores.
Eu amo tudo a que minha alma assiste,
tudo de belo que no mundo existe,
tudo que vibra em mim e amor requer.
Mas... se a tudo consagro um grande amor,
o que amo na terra com maior fervor,
é a inteligência, numa só mulher!
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Triverso do Rio de Janeiro/RJ

MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
1923 – 2012

Não tem nexo
Tudo é apenas
Reflexo
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Spina de Francisco Beltrão/PR

RICHARD ZAJACZKOWSKI

Violações 

Sedentos pela fonte,
ignoraram as leis.
Selaram seus destinos.

Emoções à flor da pele,
era tudo que eles anelavam.
Via-se que são bem ladinos.
Retiam eles, arte da astúcia
em enlevos de seres libertinos.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A ciência hoje é um colosso, 
com tudo fora de centro: 
faz laranja sem caroço, 
gravidez sem filho dentro...
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Fuga

De mim mesma eu quis fugir,
deixar a vida desdita,
mas sem saber aonde ir
curvei-me à sorte prescrita…

Fugir de insípida vida
por não ver outra saída,
quantas vezes desejei...
Fugir da espera sofrida,
do desamor, da partida,
aos quais não me acostumei.

Fugir, mas fugir de tudo,
do sofrimento desnudo,
do amor que em mim acordei..
Fugir da infelicidade,
deixar atrás a saudade,
que, sem querer, preservei.

Fugir de alguém que não vem,
que embora seja o meu bem,
nem sabe o quanto eu o amei.
Fugir da desesperança,
apagar toda lembrança
que em minha mente gravei.

Fugir desta solidão,
da amarga desilusão,
dos segredos que guardei.
Fugir do tempo inclemente,
do meu destino incoerente,
mas para onde?!... Não sei.

(Ninguém consegue fugir de si mesmo, 
nem da própria sorte.)
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Poetrix de Santo Antonio de Jesus/BA

RONALDO RIBEIRO JACOBINA

problemas, eis a questão

Não me envolvo em novelos:
Se posso resolve-los, resolvo, sem alaridos.
Se não, já estão resolvidos.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Figura sem estilo 

Ia eu pela rua, figura de estilo na lua
Sem siso, piso o piso molhado, mas que aliteração 
Escorrego numa inadvertida metáfora 
Por pouco não me estatelava no chão.
Podem pensar que é uma hipérbole 
Mas acreditem que não é exagero não 
É que até os pombos se riram
Na sua mais astuta personificação.
O meu joelho é que gemeu coitado
Desesperado com tanta falta de jeito
Pobre de mim, figura sem estilo.
Num mundo sem tino, valha o eufemismo
Um mundo que tropeça à beira do abismo.
Muito eu poderia discorrer sobre o assunto 
Mas já chega desta conversa fiada
As palavras são como as cerejas, valha-nos a comparação
Ainda bem que tive o bom senso, de não usar paralelismos nesta descrição.
Sacudo das vestes toda a ironia
E siga, pronto para mais um dia!
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Trova de Paranacity/PR

ANTONIO TORTATO

Este amor que te declaro
é tão puro e tão bonito
que, ao medi-lo, eu o comparo
à grandeza do infinito!
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Poema de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Conselhos de mãe

Meu filho, a vida é dura e fere... e nos magoa...
mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
não permitas que o mal altere o que é verdade!

Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho
sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
Cada dia que passa é um dia mais risonho,
quando o amanhã promete as glórias da conquista!

“Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
Os caminhos, verás, se abrirão à medida
que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
revelar o sentido e o Ideal da tua vida!

Não temas opressões nem quedas. Persevera!
Se achares que ao final o saldo não convence,
reage, continua... a vida tens à espera!
Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!

Recordando Velhas Canções (Pela luz dos olhos teus)


Compositor: Vinicius de Moraes

Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus, me sinto incendiar

Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais lá-rá-rá-rá
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor, que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar

Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus, me sinto incendiar (me sinto incendiar)

Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais lá-rá-rá-rá
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor, e só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar

Que a luz dos olhos meus precisa se casar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar
Precisa se casar (precisa se casar)
Precisa se casar (precisa se casar)

Precisa se casar, precisa se casar (6x)
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O Encontro de Olhares na Poesia de Tom Jobim
A música 'Pela Luz Dos Olhos Teus', interpretada por Tom Jobim e Miúcha, é uma obra que exalta a beleza e a profundidade do encontro de olhares entre duas pessoas apaixonadas. A letra, rica em imagens poéticas, utiliza a metáfora da 'luz dos olhos' para expressar a conexão e a intensidade do sentimento amoroso. A luz, elemento que simboliza vida, conhecimento e pureza, é usada aqui para representar a essência do amor que se revela quando dois olhares se encontram.

O refrão da canção, 'Pela luz dos olhos teus', sugere uma busca pela união e pelo entendimento mútuo, onde a luz dos olhos de um ilumina e completa a do outro. A repetição da frase 'precisa se casar' ao final da música reforça a ideia de que essa união é algo essencial, quase como um destino inevitável para aqueles que se amam. A expressão 'sem mais lá-rá-rá-rá' pode ser interpretada como um desejo de autenticidade e profundidade na relação, deixando de lado superficialidades e jogos de sedução.

Tom Jobim, um dos maiores nomes da música brasileira e um dos criadores da Bossa Nova, era conhecido por suas composições que misturam melodia suave e letras poéticas. 'Pela Luz Dos Olhos Teus' é um exemplo clássico de sua habilidade em transformar sentimentos complexos em música, criando uma atmosfera romântica e ao mesmo tempo sofisticada. A parceria com Miúcha, que também era uma artista de grande expressão na música brasileira, adiciona uma camada de harmonia e beleza à interpretação da canção.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Varal de Trovas n. 603

 

Newton Sampaio (Inspiração)

Ficaram estateladas com a saída brusca do Damião. Que diabo acontecera ao rapaz?

Corria a prosa tão animada, e eis que ele se levanta e zarpa, sem pedir licença.

— Ora já se viu?...

Ficou furioso o Silvino. Mas Damião caminhou indiferente à fúria do Silvino. Mal sentiu o vento que cortava.

— Eta invernão!

Fechou cuidadosamente a porta. E, ainda de sobretudo, tomou posição.

Maciazinha, a caneta nova! Uma beleza de macia... Compraria meia dúzia delas no dia seguinte.

Imediatamente, porém, expulsou do cérebro em faiscações, essa ideia mesquinha de “compra” e de “meia dúzia”. Urgia encetar a obra.

Escreveu, devagarinho:

“O destino, esse fatal desvelador.”

Botou uma vírgula bem caprichada. E repetiu, em alta voz:

— O destino, esse fatal desvelador...

Era bem esse o começo que idealizara.

— Fatal desvelador. Fatal... Bonito adjetivo. Só que parece um pouco trágico. Mas não. Quem manda no verso é o “desvelador”.

Desvelador vai bem. Vai bem.

Precisava de um complemento para “destino”. O destino tinha de fazer qualquer coisa. Escreveu:

“Que prevalece na paixão e predomina no amor.”

Muito comprida essa linha.

— Pre-va-le-ce... Pre-do-mi-na... Vá lá.
(Pausa).

— Amor... Paixão... Estas palavras significam o mesmo. Será o tal do pleonasmo?

Correu ao dicionário.

“Pleonasmo, s.m. (gr. Pleonasmos)”

— Vem do grego, hein?

O Dicionário Prático Ilustrado falava assim:

“Repetição de ideias ou de palavras que têm o mesmo sentido; viciosa, quando inconsciente ou devida à ignorância: legítima, quando propositada, para dar maior força à frase.”

— Legítima, quando propositada. É esse o meu caso. Eu repeti pra dar maior força à ideia. À ideia... Que ideia? O que eu queria era falar da Ofélia. Comecei com “tudo passa” pra lembrar aquilo que já passou. Qual! O melhor é atacar o assunto, diretamente.

A imagem da Ofélia cresceu dentro de si. Parecia um sonho.

— Ah! Um sonho... Direi que sonhei com ela. Isso mesmo.

A caneta nova trabalhou febrilmente.

Riscou tudo, tudo. Era o seguinte o novo texto:

“Eu te sonhei assim.”

Assim de que jeito?

Catou uma ideia. Catou. Nada. Quase desistiu.

O sobretudo já estava incomodando. Sacou-o fora.

Sem o sobretudo, teve momentos mais livres.

E foi com verdadeiro júbilo que grafou:

“Dama então pra mim desconhecida.”

— Querida... Desconhecida... Boa rima. Será que o primeiro verso pode rimar com o segundo? Acho que pode.

Corria dificílimo o parto. Em todo caso, sempre deu a terminar desse jeito o primeiro quarteto:

“Em cujo olhar todo cheio de candura,
Não lia a causa de minha desventura.”

— Candura... Desventura... Está rimado. A candura é dela. A desventura é minha.

Trabalhou mais duas horas e meia.

— Pronto, felizmente!

Não parecia mau o verso final:

“Foi assim que te sonhei, Ofélia.
Foi assim... Foi assim...”

Só então ele notou o cansaço. Doíam os rins.

Releu toda a obra, em voz alta, passeando no quarto, em diagonal.

Depois escreveu o título a lápis vermelho, letra de forma:

EU TE SONHEI ASSIM...

Nessa noite, Damião dormiu como um bem-aventurado.

(Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 8/11/1936.)

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.