quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 103 =

 

Trova de Barreiro/ Portugal

VICTOR MANUEL CAPELA BATISTA

Dum jardim pleno de flores
salta sempre graciosa,
pra rima dos trovadores
a beleza duma rosa.
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Poema de Portugal

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa (1919 – 2004) Porto

O Anjo

O Anjo que em meu redor passa e me espia
E cruel me combate, nesse dia
Veio sentar-se ao lado do meu leito
E embalou-me, cantando, no seu peito.

Ele que indiferente olha e me escuta
Sofrer, ou que, feroz comigo luta,
Ele que me entregara à solidão,
Pousava a sua mão na minha mão.

E foi como se tudo se extinguisse,
Como se o mundo inteiro se calasse,
e o meu ser liberto enfim florisse,
e um perfeito silêncio me embalasse.
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Trova de Porto/ Portugal

EMÍLIA PEÑALBA DE ALMEIDA ESTEVES

Uma rosa perfumada,
numa jarra recolhida,
é como vida passada,
que existiu, mas não é Vida.
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Soneto de Portugal

FAUSTINO DA FONSECA JÚNIOR
Angra do Heroísmo, 1871 – 1918, Lisboa

Lira da mocidade

Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.

O futuro cor de rosa,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.

Desde o ar que se respira,
Ao céu da cor de safira,
Tudo ri e diz – Amar!

E contemplando a beleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
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Trova de Portugal

MARIA RUTH BRITO NETO

... Quatro letras que são cor,
... Que são mulher e formosa,
...que são frescura de flor,
quando se soletra... Rosa! 
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Poema de Lisboa/Portugal

CRIS ANVAGO

Acredito

Acredito no compasso
Das palavras que dançam
No papel colorido
Pauta perfumada de tons quentes
Acredito no livro ainda não escrito
Onde o coração transborda
Nas palavras que balançam
No olhar ternurento de quem as lê
Na sensibilidade de quem as sente
Acredito na melodia que ainda não foi tocada
Mas que está em construção
Nas mãos de um violinista
Acredito no quadro ainda não pintado
Mas já imaginado no pincel
Que replica as emoções do pintor
Acredito no amor que renasce todos os dias
Com toques de arte ainda não descoberta
Sonhada na ponta dos dedos
Acredito no AMOR
Num mundo mais colorido
Imaginado e vivido…
Acredito!
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Trova Popular

Fui no livro do destino
minha sorte procurar,
corri folhas encontrei:
eu nasci para te amar.
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Soneto de Portugal

DIOGO BERNARDES
Ponte da Barca, 1530 – 1605, Lisboa

[3]

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vo-los dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.
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Trova do Rei dos Trovadores

ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

A luz desse olhar tristonho
dos olhos teus, faz lembrar
essa luz feita de sonho
que a lua deita no mar.
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Poema de Lisboa/Portugal

CÉLIA EVARISTO

Dança dos dias
Os dias passeiam
nos biquinhos dos pés,
dançando graciosamente
no palco da vida.

Dançam, rodopiam…

De lés a lés,
vigorosamente,
ouvem-se aplausos
de uma loucura desmedida.

Sorrisos que brilham,
alma deliciada.
Felicidade que se mostra
numa bela gargalhada.

Dançam, rodopiam…

Por vezes, a desilusão.
Lágrimas desmedidas
que emergem da solidão.

É o tempo quem reina,
sem hesitação,
seguindo o compasso
desta canção.
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Trova de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
1888 – 1935

Eu bem sei que me desdenhas 
Mas gosto que seja assim, 
Que o desdém que por mim tenhas 
Sempre é pensares em mim.
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Soneto de Portugal

FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Ponte da Barca, 1540 – 1619, Setúbal

Da contemplação a mesma

Dos solitários bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais formosura.

Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registrada
Nas mãos do Criador da criatura?

A folha que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a flor,
Que tantas esperanças sustentava.

Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Tua demora, “frequente”,
fez-me ver com amargor,
que sou mendiga e carente
das migalhas deste amor!…
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Envolve com a tua claridade
A concavidade do meu âmago
Com feixes dourados de serenidade
Afasta a inclemência desta cegueira 
Chama-me à transparência da razão
Acentua-me o brilho do olhar
Com a luz líquida da emoção
Incendia o peito desnudado
O restolho que antes foi trigo
Onde morremos pra nascer de novo
Sê o entardecer que amanhece em mim
A canícula que alimenta novas paixões
A luz quente que dá forma às sensações  
Abraça-me na fugacidade do momento
Sê o sol do meu feliz contentamento.
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Trova Potiguar

ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 - 2013, Natal/RN

Construí dentro de mim,
com minh’ alma enternecida,
um teatro onde, por fim,
pude encenar minha vida!…
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Soneto de Aveiro/ Portugal

JOAQUIM DE MELO FREITAS
1852 – 1923

Misterioso abismo

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.
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Trova de Faro/ Portugal

ISIDORO CAVACO

As rosas da natureza
quando contigo cruzaram
ao ver a tua beleza
envergonhadas murcharam.
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Soneto de Coimbra/ Portugal

EUGÉNIO DE CASTRO
1869 – 1944

A coroa de rosas

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo afora, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando as rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensanguentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A regra é tirar vantagem, 
porém prefiro a exceção: 
– quero a inocente coragem 
dos puros de coração! 
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Soneto de Ilhavo/ Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

De tudo o que partiu sem ter partido
(Maria Celeste Salgueiro Seabra in "Ânsia de infinito", p. 22)

“De tudo o que partiu sem ter partido”
Eu guardo nas gavetas da memória
Misturado nas lamas dessa escória
Um brilhante, de todos, o mais querido.

Tudo o que eu fiz morreu, sem alarido
Da vaidade a herança é ilusória
Farta, a riqueza é sempre transitória
E o futuro, de sonhos, é tecido.

Mas uma coisa eu guardo com desvelo:
Um louro caracol do meu cabelo
Que a minha mãe cortou em pequenino.

E mesmo sem ter caixa eu guardo ainda
De todas essas coisas a mais linda:
Os ecos dos meus risos de menino.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Dessa cruel liberdade
de ofender, há quem abuse
a esquecer de que a verdade
um dia talvez o acuse!
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Hino de Caraguatatuba/SP

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Nas fímbrias da serra que aos céus se levanta
À margem formosa de imensa baía
Se estende uma terra que aos olhos encanta
A terra onde as praias têm mais alegria
Se sois dentre as joias a mais reluzente
Se dentre as cidades vós tendes mais vida
Então não sois obra divina somente
Sois obra de Deus pelos homens polida

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Oh! Terra, vós tendes um mar cristalino
Que tanto vos beija em carícias de irmão
Que traz ondulante um murmúrio divino
O suave murmúrio de Deus na amplidão
Vós tendes na frente uma ilha gigante
Que às nuvens se lança a perder-se de vista
A exemplo da ilha erguei-vos vibrante
E glória sereis brasileira e paulista
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Trova de Avis/ Portugal

FERNANDO MÁXIMO

Navegando em mar de rosas
aos teus braços aportei;
foi das coisas mais formosas
esse porto onde atraquei!
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Soneto de Portugal

AUGUSTO GIL
Porto, 1873 – 1929, Lisboa

De profundis clamavi ad te domine*

Ao charco mais escuso e mais imundo
chega uma hora no correr do dia
em que um raio de sol, claro e jucundo,
o visita, o alegra, o alumia;

pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
nesta contínua e intérmina agonia,
nem tenho uma hora só dessa alegria
que chega às coisas ínfimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
a movimentam vossas mãos leais
num aceno impulsivo e repentino,

sem que na cega turbulência a domem?!
Senhor! não é um seixo que esmagais;
olhai que é – o coração de um homem!... 
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*De profundis clamavi ad te domine : Eu te clamei das profundezas, Senhor
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Trova de Portugal

GABRIEL DE SOUSA 
Paredes, 1912 – 1997, Porto

O porvir já vem traçado
nas linhas da nossa mão,
mas poderá ser moldado
se tivermos ambição.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O mergulhão, a silva e o morcego

O mergulhão, a silva e o morcego
Fizeram sociedade: entram no emprego
De embarcarem, levando por contrato
Metais o mergulhão, a silva fato;
O morcego, sem fundo, foi forçado,
Para a carga, a valer-se do emprestado.

Tal tormenta lhes deu, que lá ficaram
Os bens, e eles com custo se salvaram:
O mergulhão da praia agora gosta,
A ver se os seus metais deram à costa:
A silva, quando o fato nela embarra,
Cuidando que é o seu, a ele se agarra:
O morcego de dia não se atreve
A sair, temendo esses a quem deve.

Fatal vício o da sórdida avareza,
Porque além de meter os seus amigos
Em imensos trabalhos e perigos,
Por tenaz se converte em natureza.

No que procura o seu, não é defesa;
Mas hesita tormentos e castigos
Naqueles que perdendo os bens antigos,
Qual silva, nos alheios fazem presa.

O que intenta negócio do emprestado,
Manda a quem lhe emprestou muito presente;
Lá vai lucro, e talvez que vá dobrado.
Se houve perda, retira-se da gente,
Por andar do credor envergonhado,
Sente muito, e o que empresta ainda mais sente.

Recordando Velhas Canções (Dama das Camélias)


(
Marcha, 1940)

Compositor: João de Barro e Alcir Pires Vermelho

A sorrir você me apareceu
E as flores que você me deu
Guardei no cofre da recordação
Porém, depois você partiu
Pra muito longe
Me deixou
E a saudade que ficou
Ficou pra magoar meu coração
A minha vida se resume
Oh, Dama das Camélias
Em duas flores sem perfume
Oh, Dama das Camélias
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A Melancolia e a Saudade em 'Dama das Camélias'
A música 'Dama das Camélias' é uma obra que explora a melancolia e a saudade através de uma narrativa poética e emocional. A letra começa com a imagem de um encontro feliz, onde a figura amada aparece sorrindo e oferecendo flores. Essas flores são guardadas no 'cofre da recordação', simbolizando memórias preciosas e momentos de felicidade que o eu lírico deseja preservar.

No entanto, a alegria inicial é rapidamente substituída pela dor da separação. A pessoa amada parte para longe, deixando o eu lírico com uma saudade profunda que 'ficou pra magoar meu coração'. Essa transição de sentimentos reflete a dualidade da vida, onde momentos de felicidade podem ser seguidos por períodos de tristeza e solidão. A saudade aqui é quase palpável, uma presença constante que causa dor e sofrimento.

O título 'Dama das Camélias' faz referência à famosa obra literária de Alexandre Dumas Filho, que também trata de amor e perda. Na música, a 'Dama das Camélias' é uma figura que encapsula a beleza efêmera e a tristeza de um amor que não pode ser. A vida do eu lírico se resume a 'duas flores sem perfume', uma metáfora para a ausência de alegria e a presença de lembranças que, embora belas, não trazem mais felicidade.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 55

 

Trovador Homenageado do Dia: Messias da Rocha (Trovas em preto e branco)


 1
A arte se torna plena,
quando o ator, um menestrel,
coloca a verdade em cena
e encena o próprio papel.
2
A imensidão é por certo,
uma questão de lugar:
descobri que era um deserto
o que pensei que era um mar...
3
Cedo demais minha cãs
brotam em brumas de outono:
são as mudas temporãs
das sementes do abandono.
4
No buteco do Zé Galo
tanto a sujeira se agrupa,
que servem bife à cavalo,
com mosquito na garupa!
5
O meu Deus sempre despreza
quem na hora consagrada,
pede tudo enquanto reza,
mas não precisa de nada!
6
Para fugir do cansaço,
ensinou-me um velho monge,
que uma pausa a cada passo,
sempre nos leva mais longe!
7
Quando a paixão foge à norma,
a razão com maestria
rege a orquestra que transforma
nosso amor em sinfonia.
8
Quando tu cobres teu rosto
com este véu de tristeza,
vivo a impressão de um sol posto
numa tarde sem beleza.
9
Se a saudade me consome
e alimenta a minha dor,
lembrando apenas teu nome
eu mato a fome de amor!
10
Sempre o povo impõe seu veto,
quando a cegueira de um rei
cria trevas por decreto
e apaga as luzes da lei!
11
Seremos grandes e plenos,
se a equidade for premissa
e dermos, mesmo aos pequenos,
um pleno acesso à justiça.
12
Vejo a varanda sem rede...
Silêncio no casarão
e os retratos na parede
parecem vivos... não são...
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AS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Messias da Rocha são uma bela expressão poética, capturando temas como a busca pela verdade, a efemeridade da vida, e a condição humana.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A arte se torna plena...
A primeira trova aborda a relação entre arte e autenticidade. O ator, como menestrel, não apenas representa personagens, mas também expressa verdades pessoais. Isso sugere que a arte pode ser um reflexo da vida interior, onde a sinceridade é fundamental.

2. A imensidão é por certo...
Aqui, a imagem do deserto versus o mar simboliza a desilusão. O "deserto" representa solidão e aridez emocional, enquanto o "mar" poderia ser visto como esperança e abundância. A revelação da realidade muitas vezes é dolorosa, mostrando que nossas percepções podem estar repletas de ilusões.

3. Cedo demais minha cãs...
Essa trova reflete a inevitabilidade do envelhecimento e a perda de sonhos. As "brumas de outono" evocam a passagem do tempo, enquanto as "sementes do abandono" sugerem que as esperanças não realizadas podem germinar em tristeza. O uso de metáforas naturais reforça a conexão entre vida, crescimento e perda.

4. No buteco do Zé Galo...
Com uma abordagem humorística, essa trova critica a realidade social e as condições de vida. O "bife à cavalo" com "mosquito na garupa" representa a combinação de pobreza e descaso. O ambiente do buteco, sujo e caótico, também reflete a desumanização em contextos cotidianos.

5. O meu Deus sempre despreza...
Aqui, a relação entre fé e intenção é explorada. A crítica se dirige àqueles que pedem tudo sem reconhecer suas próprias carências. Esta trova sugere que a verdadeira espiritualidade envolve humildade e autoconhecimento.

6. Para fugir do cansaço...
A sabedoria do velho monge ensina sobre a importância da pausa. A ideia de que "uma pausa a cada passo" pode levar mais longe sugere que o descanso e a reflexão são essenciais para a jornada da vida. Esse ensinamento é uma crítica à pressa da sociedade contemporânea.

7. Quando a paixão foge à norma...
Essa trova aborda a complexidade do amor, onde a paixão desafia a lógica. A "orquestra que transforma" sugere que o amor, quando autêntico, cria uma harmonia única, capaz de transcender a razão. É uma celebração da intensidade emocional.

8. Quando tu cobres teu rosto...
A imagem do "véu de tristeza" evoca a vulnerabilidade emocional. O contraste entre o "sol posto" e a "tarde sem beleza" sugere uma luta interna entre esperança e desespero. Essa dualidade reflete a experiência humana de encontrar beleza mesmo em momentos difíceis.

9. Se a saudade me consome...
Essa trova explora a saudade como uma forma de sustento emocional. O ato de lembrar o nome do amado é uma forma de alimentar o desejo, mesmo na ausência. Essa relação entre dor e amor destaca a profundidade dos sentimentos humanos.

10. Sempre o povo impõe seu veto...
A décima destaca a resistência do povo frente à tirania. A "cegueira de um rei" simboliza a desconexão entre o poder e a realidade social. A escuridão criada pela opressão contrasta com a luz da justiça, enfatizando a importância da voz coletiva.

11. Seremos grandes e plenos...
Aqui, a busca pela equidade é central. A ideia de justiça acessível a todos, especialmente aos menos favorecidos, aponta para uma sociedade mais justa e inclusiva. Essa trova sugere que a grandeza de uma nação está em sua capacidade de tratar todos com dignidade.

12. Vejo a varanda sem rede...
A última trova evoca uma sensação de nostalgia e solidão. A "varanda sem rede" sugere um espaço de descanso que se tornou vazio. Os "retratos na parede" representam memórias que, embora presentes, são incapazes de trazer vida à solidão. Esta imagem finaliza com um tom melancólico, refletindo sobre o passado e a perda.

AS TEMÁTICAS DAS TROVAS DE MESSIAS DA ROCHA

1. A Arte e a Verdade
A busca pela verdade em suas trovas não é uma verdade universal, mas uma experiência subjetiva. Cada ator, cada artista, traz suas vivências e emoções para o palco da vida. Isso se reflete na forma como Messias aborda suas próprias experiências, usando metáforas que tocam em questões existenciais e sociais.

A relação entre arte e verdade também implica uma crítica à ilusão. Quando ele menciona a imensidão de um deserto que se pensava ser um mar, é uma metáfora poderosa para a desilusão. A arte, então, pode ser vista como uma forma de desvelar essas ilusões, ajudando o espectador a confrontar suas próprias percepções e a realidade ao seu redor.

A verdade na arte de Messias não é apenas intelectual, mas emocional. Ele busca provocar sentimentos profundos, levando o leitor ou ouvinte a uma jornada introspectiva. Ao fazer isso, a arte se torna um espelho que reflete não apenas a realidade externa, mas também a interna.

Este tema ressoa com Fernando Pessoa, que em sua obra muitas vezes examina a multiplicidade do eu e a busca pela verdade interior. Ambos os poetas valorizam a sinceridade na expressão artística.

2. Desilusão e Percepção do Mundo
A desilusão é tratada como uma experiência universal. Captura a essência da frustração humana ao perceber que as esperanças e sonhos podem ser ilusórios. Essa temática ressoa com a experiência de muitos, criando uma conexão emocional com o leitor.

A imagem do deserto em Messias dialoga com Cecília Meireles, que em "Romanceiro da Inconfidência" reflete sobre a solidão e a busca por significados em um mundo muitas vezes árido. A desilusão é um tema comum, onde a realidade se revela diferente das expectativas.

3. Passagem do Tempo e Nostalgia
A solidão é frequentemente explorada nas trovas, refletindo um sentimento de perda e saudade. A nostalgia por momentos passados e a busca por conexões significativas permeiam sua obra, revelando a fragilidade das relações humanas.

O envelhecimento e a saudade nas trovas lembram Carlos Drummond de Andrade, especialmente em poemas como "No Meio do Caminho", onde a passagem do tempo é inevitável. Ambos os poetas exploram a fragilidade da vida e a nostalgia como parte da experiência humana.

4. Cotidiano e Realidade Social
O trovador não hesita em criticar as injustiças sociais e a opressão. Suas trovas abordam a luta do povo e a resistência contra a tirania, destacando a importância da voz coletiva e da busca por equidade e justiça.

No buteco do Zé Galo, a crítica social de Messias se alinha com a obra de Adélia Prado, que frequentemente retrata a vida cotidiana e suas contradições. A ironia e o humor são usados para evidenciar as realidades duras da vida.

5. Espiritualidade e Humildade
A relação entre fé e intenção em Messias ecoa os escritos de Hilda Hilst, que explora a busca pela transcendência e pela verdade espiritual em sua poesia. Ambos questionam as convenções em busca de uma conexão mais profunda.

6. Amor e Passagem do Tempo
A inevitabilidade do envelhecimento e a passagem do tempo são temas que permeiam suas obras. Messias reflete sobre como o tempo molda nossas experiências e expectativas, levando à contemplação sobre a vida e suas transições.

A transformação do amor em sinfonia em Messias se relaciona com Vinícius de Moraes, especialmente em seus poemas sobre o amor, onde a paixão é exaltada e a música da vida é uma constante. A intensidade emocional é um tema comum.

7. Resistência e Justiça
A luta do povo contra a tirania nas trovas de Messias é um eco das obras de Castro Alves, que em suas poesias abolia a escravidão e clamava por justiça. A voz do povo e a luta por equidade são traços que conectam os dois poetas.

8. Memória e Solidão
A saudade e a solidão na última trova se conectam com a obra de Mário Quintana, que muitas vezes aborda a passagem do tempo e a melancolia. A memória é um tema recorrente, onde as lembranças se tornam simultaneamente fonte de dor e beleza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Messias da Rocha oferecem um tapete de temas que exploram a condição humana, a busca pela verdade, e a complexidade das emoções. Através de metáforas e imagens vívidas, o poeta convida à reflexão sobre a vida, o amor, a justiça e a passagem do tempo, fazendo com que as experiências individuais ressoem de maneira universal.

A relação entre arte e verdade nas trovas é complexa e multifacetada. Através da autenticidade, da crítica social e da busca pessoal, o poeta cria um espaço onde a arte se torna um meio poderoso de explorar e revelar verdades sobre a vida, a sociedade e a condição humana.

A busca por sentido e a reflexão sobre a espiritualidade são evidentes. Messias questiona convenções e busca uma conexão mais profunda com o divino, explorando a relação entre fé, dúvida e autoconhecimento.

A vida cotidiana é um cenário frequente nas trovas, onde Messias captura a beleza e a dureza do simples viver. Ele utiliza imagens do cotidiano para refletir sobre questões mais amplas, mostrando como as experiências comuns podem ser profundamente significativas.

Através de uma linguagem acessível e de metáforas poderosas, Messias transforma suas vivências e observações em um diálogo contínuo com o mundo. Suas trovas revelam a fragilidade da esperança diante da realidade, mostrando como as ilusões podem ser tanto um refúgio quanto uma fonte de dor. Essa dualidade é central em sua obra e ressoa na experiência humana, onde a busca por verdades autênticas é frequentemente marcada por desenganos.

Além disso, a crítica social presente em suas trovas não se limita a uma mera descrição das injustiças; ela é um chamado à ação, uma incitação à consciência coletiva. Messias se posiciona como um cronista da vida cotidiana, utilizando seu talento para dar voz aos marginalizados e para questionar as estruturas de poder. Essa abordagem confere às suas trovas uma relevância atemporal, instigando o leitor a refletir sobre seu próprio papel na sociedade.

A espiritualidade, entrelaçada nas suas reflexões, sugere uma busca por conexão e transcendência, evidenciando a luta interna entre fé e dúvida. Essa tensão permeia suas obras, criando um espaço onde a arte se torna um veículo de autodescoberta e de compreensão do mundo.

Em suma, as trovas de Messias da Rocha são um convite à introspecção e à empatia. Elas nos lembram da complexidade da vida, da beleza nas pequenas coisas e da necessidade de confrontar as verdades que muitas vezes evitamos. Ao explorar a intersecção entre o pessoal e o social, o poético e o político, Messias nos oferece uma visão profunda e multifacetada da experiência humana, fazendo de sua obra um legado duradouro na literatura brasileira.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Antônio Juraci Siqueira (O parto do poema)

Acordou com um verso atravessado na garganta. Uma frase sonhada ou ditada por alguém durante o sono. Saltou da cama à cata de papel e caneta ou qualquer coisa que servisse para prender o intruso. 

Papel à mão, não encontrou caneta nem lápis nem nada parecido. E o verso ali, incomodando, fazendo cócegas, pedindo luz. 

Correu para o computador e abriu uma página. Nada mais assustador que uma página em branco quando não se sabe direito o que escrever. Mas ele sabia, ele tinha um verso. E não era um verso qualquer, era um decassílabo. Daria um soneto, um poema épico ou mesmo uma composição em versos livres, jamais uma trova. 

Resolveu jogar na tela a frase nua e crua como quem joga um anzol na água à espera do peixe que virá ou não. Ou de quem aventura-se por um caminho que não sabe aonde vai dar. O verso, agora digitado, estava ali a espreitá-lo, desafiador, pedindo outro: “Esta casa que habito não é minha...” Que diabo de casa era essa se a que morava era sua, sim senhor, comprada em suadas prestações. Seria uma metáfora sugerindo o mundo, o corpo, a palavra? Como é que um verso chega assim, de repente, sem pedir licença, sem dizer a que veio? 

Já ia deletar o desaforado quando é literalmente atropelado por outro que afirmava: “tampouco os versos que te dou, são meus”. Coisa mais besta, pensou. Como não são meus se eu é que os concebo. Se não são meus, são de quem? 

A resposta não se fez por rogada e veio num jorro, clara e definitiva fechando um quarteto: “São como a chuva, o mar, a erva daninha: / frutos do mundo, dádivas de Deus.” Pronto! Estava fechado o primeiro quarteto! Possesso de poesia, partiu para o segundo e em seguida para os tercetos, trazendo à luz, guiado por força estranha, mais um soneto.