sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Eduardo Affonso (Propostas afins)

Amigues,

Vocês já se divertiram à beça com a proposta estapafúrdia de se implantar uma linguagem neutra que, trocando um “O” por um “E”, acabaria com todes es problemes de machisme, misoginie, homofobie, transfobie etcétere.

Mas a ideia, em si, não é ruim. O que estraga é ser pouco abrangente e se limitar à questão de gênero. Há várias outras formas de opressão linguística – e a maior delas é… a opressão linguística.  Eu aproveitaria que todos os livros terão que ser reescritos e mandaria ver numa linguagem realmente inclusiva.

Muita gente não entende, por exemplo, a diferença entre “mau” e “mal”. E deve se sentir muito mau contando a história do lobo mal para os filhos, sem saber quando está usando um adjetivo ou um advérbio.

Solução: uniformizamos a grafia, e daqui pra frente será “mao”. Tanto fará ser bom ou mao, andar bem ou mao acompanhado. Isso no singular, porque no plural continuará havendo males que vêm para o bem, e os bons acabarão pagando pelos maus.

De uma penada só, lá se vão 25% dos erros de português.

“Mas” e “mais” são outra desgraça que pode estar com os dias contados se adotarmos a grafia única “maes”.

O corretor ortográfico vai criar caso nos primeiros dias, maes nunca maes teremos dúvidas se é para usar a conjunção adversativa ou o advérbio de intensidade.

Outros 25% de erros eliminados.

“Menos” ou “menas”? Menes.

“Meio” ou “meia”? Meie, seja adjetivo, advérbio, numeral ou substantivo.

“Há” ou “a”? Ah! Seja artigo, verbo, preposição ou interjeição – e ah crase vai fazer companhia ao trema, ah fita para máquina de escrever e ao estado civil de “desquitada” no limbo das coisas que perderam ah razão de existir ah muito tempo.

Ah menes que você seja uma pessoa meie lenta, já terá percebido que ah inúmeras vantagens nessas alterações – ah maior delas sendo outros 25% de correções a menes ah fazer nas provas do Enem, nas matérias dos jornais, nos tuítes de ministros da Educação.

Finalmente, a pergunta que não quer calar: por que o português tem que ser tão complicado? Deve haver um porquê. Talvez porque um monte de filólogos mortos tenha decidido assim – mas por quê?

Não importa. Na reforma contra o preconceito linguístico tudo vai virar “pq”.

Pq? Pq sim. Não tem que ter pq.

E lá se vão os 25% de erros restantes.

Por isso, pensem duas vezes antes de criticar seus amigues progressistes e as fórmulas mirabolantes que eles inventaram para resolver os problemas do mundo com uma canetada. Eles podem ser çem noção mas não estão çem por cento errados. (O “ç” também é uma mão na roda, né não?)
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EDUARDO AFFONSO, arquiteto mineiro de Belo Horizonte, 1950. Colunista do jornal O Globo. Coordena a Oficina Literária Eduardo Affonso, voltada para cronistas. Participa do coletivo literário Flique Nenhum livro publicado.

Fonte:
Blog do Eduardo Affonso. 27 outubro 2020.
https://tianeysa.wordpress.com/2020/10/27/propostas-afins/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

AJ Fontes (A primeira ficou)

Nota do blog: Ontem havia sido publicada esta crônica, contudo só vim a perceber hoje que ela estava incompleta, por isso desconsiderem a de ontem, e vale a de hoje.
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A lâmpada na linha da cumeeira clareia as meias paredes que separam do dormitório e da copa, o quarto onde apetrechos de caminhadas e acampamentos cabem numa caixa organizadora, livros, dicionários, agendas antigas em outra e sabão em pó, desinfetante, água sanitária, pasta dental e papel higiênico numa terceira. Juntei a mesa plástica desmontada, o saco de ração, sapatos, retirei roupas penduradas na corda atravessada.

O chão está limpo e coberto por panos, faz dois dias. Passava das oito da noite quando trouxe Amora, a negra e grande cadela. Desde cedo da tarde se mostrava inquieta na área de serviço. Silenciosa, procurava meu olhar, caminhava pelos cantos, raspava o chão e a parede com a pata dianteira.

Instalei uma espreguiçadeira e, sentado, assisto aos movimentos repetidos: vai e vem, rói um canto da parede, deita e dá um grande suspiro e perde o olhar no cansaço.

Não adiantou os cuidados em evitar a prenhez. Um descuido e não a encontrei no quintal. Os dias seguiram, o apetite aumentou; buscava lixo e voltou, após nova escapada, com um bafo terrível. Saltou aos meus olhos o cansaço e o corpo redondo.

O imponderável presenteia o incauto e o cuidadoso. O pacote colorido, laçarote brilhante traz surpresas variáveis no valor, afinal são diferentes os olhos e corações que recebem.

A situação inusitada me excitou, confesso. O desconhecimento do pai não foi problema. Preocupei-me com a saúde dela. Cuido de Amora faz poucos meses. A suposta idade acima de cinco anos e várias barrigas, além do coração aumentado, segundo o veterinário, trouxeram dúvidas quanto a capacidade do corpo suportar mais essa.

Cochilos sucedem às observações da cena repetida. Lembrei das horas angustiantes antes do nascimento do primeiro filho, da correria em busca do anestesista durante o parto do segundo. Será difícil carregar a aquele ser com seus cinquenta quilos até o carro, dirigir até a cidade mais próxima, cerca de vinte e cinco quilômetro do sítio onde estamos.

Ela aparenta estar bem. Sofre as dores, mas o comportamento é de uma conhecedora do assunto. Cabe aguardar.

Impressiona-me a força da mulher. Nós homens não temos como avaliar, embora se diga: expelir uma pedra dos rins pela uretra se aproxima ao sentimento físico, mas é físico. Não conseguimos ao menos imaginar outros sentimentos.

Sentir, em um instante, algo novo acontecendo dentro do corpo e acompanhar as mudanças de ambos até que esse novo se projeta aos nossos olhos, iniciando um caminho só dele, mas com marcas, visíveis ou não, dessa união ímpar.

O canto dos pássaros anuncia a chegada do sol. Abro a janela e recebo os raios, frios ainda. Cuscuz, café, ovos, depois de um suco verde, revigoram.

A amiga querida descansa, diz o ronco peculiar. Os afazeres me dividem entre ficar ou sair, mas o aparente estado de tranquilidade me encoraja. Carrego o medo no bolso da algibeira, de olho para que não se arvore em crescer, rasgar as calças e me arrastar. Otimista, repito: está tudo bem!

Desliguei o carro e procuro algum som vindo da casa... nada ouço. Sem estar certo se é bom ou não desço levando compras. Largo tudo no balcão da área de serviço, e atendo o celular. Uma chamada de vídeo da namorada, buscando notícias da parturiente. Caminho para o quarto. Mostro Amora, surge um pacote translúcido, brilhoso, molhado. Silenciosa a mãe trata de remover a placenta, limpar os vestígios e massagear vigorosamente. O rebento chora.

Nasceu o primeiro!

Uma hora depois chega o segundo e nem bem se recompunha, o terceiro; tempo suficiente para os trabalhos de recebimento, um breve descanso enquanto tateiam e reconhecem o corpo e sons a partir desse novo ângulo e encontram as tetas. A vida se inicia aqui fora.

Não sei qual foi mais difícil de deixar: o ventre de minha mãe ou a casa de meus pais na juventude. Do primeiro sei o que contaram, mas busquei sair de casa desde cedo. Nesses dias o conforto, a segurança da família e a vontade de realizar as proezas imaginadas, eram os dois lados de uma gangorra.

Passa do meio-dia e perco mais uma vez a contagem. As cores variam do creme ao negrume da mãe. Um grito fino e apanho o desgarrado ou desgarrada, não sei. Cheguei a perceber um “o que você pensa que está fazendo?” no olhar e devolvi ao mesmo lugar. Seguiu-se um muxoxo e as lambidas na cria.

À tardinha, deitada, arfando, apenas observa o movimento caótico dos sete ou oito ou nove em busca de uma teta. Ajudei a limpar, juntei, com a permissão devida, todos e todas – aproveitei e fiz uma contagem que defini confiável de nove nascidos – passei panos molhados, troquei por outros secos.

Nos dias seguintes os olhos se abrem. Será que pensam eu ser o pai? Afinal me viram depois da mãe. Limpo a sujeira após as mamadas, correm de mim a esconder sob a casinha de madeira no manejo, fitaram meu rosto, as fêmeas e o macho, sentados no momento que acertava a adoção deles. Confesso que acelerei o processo ou ficaria com todos.

Passados dois meses, resta um cocozinho aqui, um xixizinho ali; sobram latidos, grunhidos, garrafas plásticas amassadas; fujo das mordidas nos calcanhares e Amora brinca; lagartas e o gato correm do assédio. 

Paçoca, a primeira, ficou.
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AJ FONTES (ANTONO JOSÉ DE OLIVEIRA FONTES), pernambucano, contista e cronista, engenheiro aposentado, publicou o livro de contos: Mantas e Lençóis.

Fontes:
Flávia Suassuna (coord.). Rede solidária: coletânea de textos. Recide/PE: 2021. e-book. Enviado por Therezinha D. Brisolla
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 210


Poema de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Ars poética

Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba / PR

A beirada do céu 
sobre a serra desceu
derramando estrelas
pelo caminho,
Que ao balançar do vento
cintilam de mansinho:
brancas, rosas e lilás.
A alma respira energizada! 
Dos anjos,
mensagens perfumadas
encharcam o coração 
de amor e muita paz.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Prisioneiro em prisão de porta aberta
(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 82)

Prisioneiro em prisão de porta aberta
Nas grades dos teus olhos cumpro a pena
A que este amor tão cego me condena
Mas que faz a minha alma tão liberta.

O mal de que te queixas é uma oferta
E eu dou-te a minha vida tão pequena
Em troca dos teus olhos de açucena
Onde a luz deste mundo se acoberta.

Mas impugno a sentença do juiz
E o que nos autos diz a acusação
E que num pobre réu me transformou

Pois nunca fui na vida tão feliz
E se aqui foi roubado um coração
É o meu!... e foste tu quem m’o roubou!
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia...
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Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Eu, na vida, sou barqueiro 
dos meus sonhos sem destino: 
- sonho bom é o passageiro, 
sonho mau é o clandestino.
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Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

Estrada afora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança...
E eu cuidei ver ali uma Esperança
E uma saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
Numa alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura...

No coração — um horto de martírios!
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campanhas desabrocham lírios.
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Haicai de
AFRÂNIO PEIXOTO
Lençóis BA, 1876 - Rio de Janeiro RJ, 1947

Comparação

Um aeroplano
Em busca de combustível...
Oh! é um mosquito.
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Poema de
ELINALDO VENCESLAU DA COSTA JUNIOR
Manaus/AM

Gelo em chamas

Por que meus olhos marejam
A cada vez que penso em ti?
E o mundo, preto em branco
Vai colhendo, num tom brando
As belas flores do jardim

Tens ideia do quanto isso é bom pra mim?

Me perguntas, ocasionalmente:
Mas o que foi que eu te fiz?
E eu não sei, verdadeiramente...
Só sei que tu me fazes feliz!

Por que teus beijos me marcam como cicatriz?

Em mente grito sem parar
E no teu carro, eu me calo
Pois só quero aproveitar
Ao teu lado, cada embalo

Seria isso ilusão ou início de paixão latente?

Quisera eu, sinceramente
Em grandes versos, te adorar
Só que me vêm estes singelos
Mas acredite, são tão sinceros
Quanto o ar que foge de mim...
Ao te olhar.
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Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Desce a lágrima insistente,
e há sempre alguém que a maldiz!
Mas a verdade é que a gente
chora até quando é feliz!...
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Hino de 
BALSA NOVA/ PR

Tua gente sempre acolhedora,
Tem no peito a semente da amizade,
Tem nos olhos luz reveladora
De um povo feliz de verdade.

Balsa Nova cidade criança,
teu futuro é riqueza e bonança.

O teu gado e toda a plantação
Dos teus campos compõem novo desenho
E revelam nobre coração:
De paz, de esperança, de empenho.

Balsa Nova cidade criança,
teu futuro é riqueza e bonança.

O teu chão fecundo, abençoado
O Iguaçu e Papagaio vem banhar,
E tuas matas trazem bom recado:
"Progresso é da vida cuidar".

Balsa Nova cidade criança,
teu futuro é riqueza e bonança. 
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

O trem (abrindo o baú)

À beira da estrada férrea
Ficava nossa escolinha.
Bem alegre a garotada
Corria pra lá e vinha.

Com todo aquele barulho
eu acabava ansiosa.
Ficava sempre à espera
E às vezes até manhosa.

Barulho ensurdecedor
Com ranger de ferro e apito
 faísca  no corredor.

Da janela da salinha
Podia se ouvir o grito
Do doido que nele vinha.
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Uma Lengalenga de Portugal
Eco
  
É suposto que cada frase desta lengalenga seja repetida por outra pessoa depois de uma a dizer.
 
 - Ó que eco que aqui há!
 - Que eco é?
- É o eco que cá há.
- O quê? Há cá eco?
- Há eco, há.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Estudante, deixe os livros, 
e volte-se para mim; 
mais vale um dia de amores 
que dez  anos de latim.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Esquina

Fim de tarde,
Dilui-se tua imagem na esquina
Tento chamá-lo, mas minha voz se dispersa
Na chuva que começa...
Dilui-se tua imagem na esquina
E, em gotas d’água
A saudade  cintila. 
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Estante de Livros ("A Terra do Velho Chefe", de Doris Lessing)

"A Terra do Velho Chefe" é uma das histórias mais conhecidas de Doris Lessing, publicada em sua coleção "Histórias Africanas" de 1965. A narrativa é uma reflexão sobre a descolonização e a desintegração das estruturas sociais tradicionais na África, vista através dos olhos de uma jovem garota branca que cresce em uma fazenda na Rodésia do Sul (atual Zimbabwe).

Resumo

A história segue a vida de uma menina de 14 anos, filha dos donos de uma fazenda europeia em uma região outrora tribal da África. A narradora descreve suas interações com o velho chefe tribal Mshlanga, que representa a resistência cultural e a tradição em um mundo em rápida mudança. A relação entre a menina e o chefe é marcada por um respeito mútuo, mas também por uma clara divisão cultural e social.

Temas Principais

Desenraizamento e Desintegração Cultural: 
A história aborda a desintegração das estruturas sociais tradicionais e a perda de identidade cultural devido à colonização e à modernização. O velho chefe Mshlanga simboliza a resistência à mudança e a preservação das tradições ancestrais.

Racismo e Desigualdade: 
Lessing explora as crueldades do racismo e da segregação racial nas fazendas europeias da Rodésia do Sul. A narradora, apesar de ser uma criança branca, começa a questionar as injustiças e desigualdades que observa ao seu redor.

Relação entre Culturas: 
A história destaca a complexidade das relações entre as culturas colonizadora e colonizada. A narradora desenvolve um respeito profundo pelo chefe Mshlanga, que lhe ensina sobre a importância da terra e da tradição.

Personagens

A Narradora: 
Uma garota de 14 anos que cresce em uma fazenda europeia na Rodésia do Sul. Sua visão da vida muda ao longo da história, à medida que ela começa a questionar as normas sociais e raciais ao seu redor.

Velho Chefe Mshlanga: 
Um líder tribal que representa a resistência cultural e a tradição. Sua relação com a narradora é marcada por um respeito mútuo, mas também por uma clara divisão cultural e social.

Estilo e Técnica

Narrativa em Primeira Pessoa: 
Lessing utiliza a perspectiva em primeira pessoa para proporcionar uma visão íntima e pessoal das experiências da narradora. Isso permite que o leitor se identifique com a protagonista e compreenda suas mudanças internas.

Descrições Detalhadas: 
Emprega descrições ricas e detalhadas para criar uma atmosfera autêntica e envolvente. As paisagens da África e a vida na fazenda são retratadas com precisão e profundidade.

Simbolismo: 
O velho chefe Mshlanga e a terra são símbolos poderosos de resistência e tradição. A narrativa utiliza esses símbolos para explorar temas mais amplos de desenraizamento e desintegração cultural.

Impacto e Relevância:
"A Terra do Velho Chefe" é uma obra-prima da literatura pós-colonial que continua a ressoar com os leitores devido à sua exploração profunda dos temas de desenraizamento, desintegração cultural e racismo. A habilidade de Lessing em criar personagens complexos e uma narrativa envolvente faz desta história uma leitura obrigatória para quem deseja entender as complexidades da história e da cultura africana.
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Doris Lessing (1919-2013) foi uma escritora britânica nascida em Kermanshah, Irã, em 22 de outubro de 1919. Seus pais eram britânicos, e a família se mudou para a Rodésia do Sul (atual Zimbabwe) quando ela tinha cinco anos2. Doris cresceu em uma fazenda, onde foi exposta às duras realidades da vida rural e às complexidades das relações raciais.

Ela começou a escrever cedo e publicou seu primeiro romance, "The Grass Is Singing", em 1950. Este livro abordava a relação entre um casal branco e seu servo africano, e já mostrava o interesse de Lessing pelas questões sociais e raciais2.

Lessing é mais conhecida por seu romance "O Carnê Dourado" (1962), que é considerado um marco do feminismo na literatura. A obra explora a vida de uma escritora feminista e suas lutas pessoais e políticas2. Ao longo de sua carreira, ela escreveu mais de 50 livros, incluindo romances, contos, ensaios e até mesmo ficção científica.

Em 2007, Doris Lessing foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se a pessoa mais idosa a receber o prêmio até então. O comitê do Nobel descreveu sua obra como "uma épica da experiência feminina, que com ceticismo, fogo e poder visionário, submeteu uma civilização dividida a uma análise"1.

Lessing faleceu em 17 de novembro de 2013, em Londres, aos 94 anos. Sua obra continua a ser amplamente lida e estudada, e ela é lembrada como uma das grandes vozes da literatura do século XX.

José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: Copilot. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Edy Soares (Fragata da Poesia) 72

 

Luís da Câmara Cascudo (Maria Gomes)

Um homem viúvo tinha tantos filhos que não os podia alimentar nem vestir convenientemente. Quase sempre, na hora das refeições, uma das crianças ficava com fome. O Pai lastimava-se de sua miséria e, na falta de outro auxílio, deliberou abandonar um dos filhos na floresta. Tirou a sorte e recaiu na filhinha Maria que era muito inteligente, bonita e trabalhadora.

O homem levou a mocinha para a floresta e a deixou debaixo de uns pés de araçá, recomendando que se orientasse pelas pancadas do machado com que ele ia derrubar uma árvore para tirar uns favos de mel de abelhas.

Maria ficou, ficou, ficou. As horas passavam e o dia estava escurecendo quando ela ouviu umas pancadas. Procurou caminhar na direção do som e encontrou apenas o cabaço amarrado a um galho. O vento é que o fazia bater e provocava o barulho.

Vendo-se perdida, Maria andou, andou, andou e, ao anoitecer, subiu a uma árvore e de lá avistou o telhado de uma casa. Desceu e caminhou até deparar um casarão muito velho quase em ruínas, num descampado que metia medo aos mais corajosos.

Muito cansada e faminta, Maria rodeou a casa, entrou por uma porta larga e viu que as paredes estavam cheias de instrumentos de música e havia uma rede armada a um canto. A moça segurou um violino e tocou, tocou, tocou. De repente apareceu uma mesa coberta de iguarias fumegantes e apetitosas.

Uma voz misteriosa disse:

– Maria Gomes? O jantar está na mesa!

Maria jantou à vontade. Quando acabou, a voz se ouviu:

– Maria Gomes? Seu quarto é o último, no corredor!

A moça encontrou um quarto preparado de tudo, muito confortável, com roupa para mudar e objetos de uso. Deitou-se e dormiu tranquilamente.

Passaram-se muitas semanas. A moça tocava música; durante o dia, arranjava a casa, limpando-a. Não via pessoa alguma. Apenas a voz misteriosa dirigia o serviço.

Numa noite, a voz informou:

– Maria Gomes? Seu pai está doente. Quer ir vê-lo?

– Quero! – disse Maria Gomes.

A voz continuou:

– Amanhã pela manhã estará um cavalo branco selado esperando à porta. Dentro daquela gaveta há muito dinheiro. Leve quanto desejar para sua família. Tenha todo cuidado em obedecer a duas condições: primeira é não dizer onde e como está vivendo. A segunda é atender aos relinchos do cavalo. Quando ele der o primeiro relincho, despeça-se de todos. Ouvindo o segundo, esteja no meio do caminho e ao terceiro meta o pé no estribo. Se perder o cavalo nada mais posso fazer. Não esqueça!...

No outro dia tudo sucedeu como a voz ensinara. Maria encontrou o cavalo, com sela, montou-o e num minuto estava em casa do pai. 

O velho melhorou logo que a viu e recebeu muito dinheiro, ficando todos satisfeitíssimos com a visita da moça que julgavam morta e devorada pelas feras da mata.

No meio da conversa, Maria ouviu o relincho do cavalo branco. Imediatamente abraçou o pai, os irmãos e as irmãs, recusando todos os oferecimentos, e correu para a estrada. Nada dissera de sua vida, embora fosse muito interrogada. 

Ao segundo relincho do cavalo, a moça estava bem perto do animal e, mal este deu o terceiro sinal, Maria meteu o pé no estribo e foi transportada velozmente para o casarão misterioso no meio da floresta.

Assim outros tempos correram. Duas vezes Maria Gomes visitou seu pai. Na última ocasião o velho, já bem alquebrado pela idade e doença, faleceu. Maria chorou muito, agarrada com os irmãos. Soluçava tão alto que não ouviu o primeiro relincho do cavalo branco. Percebendo o segundo, correu como uma bala mas o terceiro relincho não a alcançou em ponto de montar. 

O cavalo partiu e Maria Gomes continuou correndo atrás do cavalo, gritando, chamando e chorando. Já estava exausta quando o animal voltou, coberto de espuma e se deteve esperando que ela o montasse.

– Se você não corresse atrás de mim eu voltaria para matá-la à força de coices –, disse o cavalo encantado.

No outro dia a voz explicou:

– Maria Gomes? Você já tem me servido muito. Agora eu devo ajudar você e completar minha sina. Vista-se de homem e monte o cavalo branco do qual nunca mais se separe e ouça todos os conselhos que ele lhe der. Será para sua e minha felicidade.

A voz emudeceu. Maria dormiu. Pela manhã vestiu-se de homem, encheu os bolsos de dinheiro, montou o cavalo branco e galopou até um reinado próximo.

Aí procurou empregar-se e, sendo robusto, benfeito e simpático, falando com desembaraço, encontrou o lugar de jardineiro no palácio do Rei.

O príncipe vinha todas as manhãs olhar as flores e conversar com o jardineiro com quem acabou sendo amigo íntimo. Sem saber por quê, ia-se apaixonando pelo rapaz. Os olhos do jardineiro pareciam duas joias. O príncipe dizia à rainha velha: Minha Mãe do coração, Os olhos de Gomes matam, De mulher sim, d’homem não!

A rainha velha dissuadia o filho dessa impressão, mas o príncipe teimava, teimava, teimava cada vez mais inseparável do Gomes.

Maria Gomes colocara o cavalo numa manjedoura vizinha ao seu quarto e não saía sem ele. Nunca montou outro animal apesar dos oferecimentos do príncipe.

Este vivia repetindo que os olhos de Gomes eram de mulher. A rainha velha aconselhou-o:

– Leve Gomes para uma caçada. Na hora de dormir arme as redes debaixo do jasmineiro grande que é encantado. As flores caem em cima das mulheres e as folhas em cima dos homens. Pela manhã, bote reparo onde ficaram as flores...

O príncipe foi com Gomes caçar. Armaram as redes, pela tardinha, debaixo do jasmineiro. O príncipe adormeceu logo e Gomes depois. As flores caíam na rede de Maria e as folhas em cima do príncipe. O cavalo branco que estava perto aproximou-se, relinchou e as flores caíram no príncipe e as folhas em Gomes.

Pela manhã o príncipe estava que parecia uma noiva ou um anjo, todo vestidinho de jasmins. Ficou decepcionado e voltou ao palácio sem saber da verdade.

A rainha velha deu outra orientação:

– Leve Gomes para um banho no rio. O jeito é você ficar sabendo...

Foram os dois. O príncipe caiu logo n’água e Gomes começou a despir-se lentamente, conforme o cavalo lhe dissera. Quando ficou apenas com a camisa, o cavalo começou a pular, a piafar, atirando patadas e desembestou pelo campo, obrigando Gomes e o príncipe, este nu em pelo, a correrem para aquietá-lo. Quando o conseguiram, Gomes estava molhado de suor e o príncipe cansadíssimo.

A rainha velha escolheu outro caminho:

– Convide ele para almoçar no palácio. Se for mulher sentar-se-á em cadeira baixa e esperará que a sopa esfrie.

O príncipe convidou Gomes e este foi ouvir o cavalo que lhe explicou tudo. No almoço, Gomes escolheu uma cadeira alta e tomou a sopa bem quente.

A rainha velha não desanimou:

– Quando estiverem conversando, em roda, sacuda uma laranja para ele. Se for mulher, habituada com a saia, abrirá as pernas para ter maior espaço e melhor aparar a fruta. Se for homem, juntará as pernas.

O cavalo, que adivinhava, avisou a Gomes. Sacudiram a laranja e Gomes apertou as pernas.

A rainha velha falou ainda:

– Só resta uma forma. Durma uma noite no mesmo quarto.

O príncipe convidou Gomes para um trabalho no palácio e o prolongou tanto que o falso rapaz foi obrigado a ficar para dormir nos aposentos do amigo. O príncipe esperou que Gomes adormecesse mas a moça resistiu toda a noite. Assim ainda a segunda, mas, na terceira, não podendo com as pálpebras, dormiu. O príncipe passou a mão pelo busto do amigo e encontrou a saliência dos seios.

– Eu bem sabia que você era mulher e não homem. Como estou apaixonado, prepare-se para casar comigo.

Pela manhã Maria Gomes foi onde estava o cavalo e contou tudo.

– Sei perfeitamente. Já chegou meu tempo de liberdade. Daqui a dias é 13 de junho, dia de Santo Antônio, meu padrinho. Peça ao Rei velho que marque umas cavalhadas para esse dia, convidando todo mundo. Eu comparecerei e te levarei comigo porque teu noivo sou eu!

Maria Gomes ficou radiante e foi pedir ao Rei velho que anunciasse umas cavalhadas, com jogo de argolinhas, para o dia de Santo Antônio. O Rei velho, que era muito influído para essas festas, convidou toda a gente e preparou um terreiro enorme, com arquibancadas para os fidalgos e as famílias assistirem.

No dia de Santo Antônio o terreiro ficou negrejando de gente. Cavaleiros sem conta compareceram, vestindo luxuosamente. Logo ao começar a justa surgiu um cavaleiro desconhecido, coberto de prata, magnificamente montado e correu argolinhas com todos os outros vencendo-os facilmente. Trouxe todos os adversários e pôs as argolinhas no colo do Rei muito lisonjeado.

O príncipe achou o cavaleiro muito antipático e não o aplaudiu.

No segundo dia, o cavaleiro voltou, vestindo roupa de ouro, e venceu a todos, entregando as argolinhas à rainha velha.

No último dia o cavaleiro, vestindo diamantes, derrotou todos os adversários e pôs as argolinhas no colo do príncipe, que virou o rosto para não fazer a vênia de agradecimento.

Nesse momento o cavaleiro atirou uma fita azul em Maria Gomes. Esta segurou uma ponta com o bico do pé e a outra com os lábios, fechando os olhos, como lhe dissera o cavalo, dias antes. Instantaneamente encontrou-se na garupa do cavalo que o cavaleiro montava.

Rei, rainha, príncipe, povo, todos correram para prender o raptor mas ninguém viu senão a poeira.

O cavaleiro galopou até o casarão velho. Parou e desceu Maria Gomes. Assim que esta pisou no chão, ouviu-se um estrondo e o casarão transformou-se num lindo palácio, resplandecente de luzes e cheio de criados, fidalgos e camareiros. Maria Gomes casou-se com o cavaleiro que era o cavalo encantado, e foram felizes como Deus com os anjos.
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LUÍS DA CÂMARA CASCUDO nasceu em Natal/RN, em 1898 falecendo na mesma cidade em 1986. Foi um historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista e escritor brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo do folclore e da cultura brasileira. Foi professor da Faculdade de Direito de Natal, hoje Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujo Instituto de Antropologia leva seu nome. Deixou obra volumosa e de grande relevância, em particular sobre história, folclore e cultura popular. Recebeu o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras, em 1956, pelo conjunto de sua obra.

Fontes> 
Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.
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Estante de Livros ("Histórias de Fantasmas", de Charles Dickens)

"Histórias de Fantasmas" (Ghost Stories) é uma coleção de contos escrita por Charles Dickens, publicados pela primeira vez em 1º de janeiro de 1866, onde ele explora o sobrenatural com sua habilidade única de capturar a essência da vida vitoriana.

Dickens utiliza sua habilidade narrativa para explorar o medo e o desconhecido. As histórias são ricas em detalhes e atmosfera, mergulhando o leitor em um mundo onde o sobrenatural se cruza com a realidade cotidiana.

Temas: 
Os temas principais incluem a culpa, a vingança, o medo do desconhecido e a fragilidade humana diante das forças sobrenaturais. Dickens frequentemente retrata personagens que são assombrados não apenas por fantasmas, mas por suas próprias consciências e ações passadas.

Estilo
O estilo é descritivo e detalhado, criando uma atmosfera sombria e opressiva. Ele usa a ambientação vitoriana para adicionar autenticidade às suas histórias, muitas vezes incorporando elementos de sua própria vida e das crenças da época.

Personagens: 
Os personagens de Dickens são complexos e muitas vezes moralmente ambíguos. Eles são desenhados de forma a refletir as tensões sociais e psicológicas da era vitoriana, tornando as histórias não apenas assustadoras, mas também reflexivas sobre a natureza humana.

Impacto: 
"Histórias de Fantasmas" é um clássico do gênero e influenciou muitos autores posteriores. As histórias são não apenas exemplos brilhantes de narrativa de terror, mas também comentários sociais disfarçados de contos de fantasmas.

Resumos dos principais contos:

O Sinaleiro: 
Um sinaleiro de trem começa a ver visões de um fantasma que aparece ao lado dos trilhos. Cada vez que o fantasma aparece, um acidente trágico segue. A história gira em torno do sinaleiro e de um visitante, enquanto tentam entender e prever os acontecimentos assombrosos.

Para ser lido ao anoitecer: 
Um grupo de amigos se reúne para contar histórias de fantasmas. Um dos amigos relata uma experiência pessoal em que foi assombrado pelo espírito de um homem morto em um duelo. A atmosfera sombria e os detalhes vívidos criam uma sensação de medo e suspense.

A visita do Sr. Testator: 
Este conto fala sobre um homem que é assombrado pelo espírito de um conhecido. O espírito aparece a ele em diversas ocasiões, causando medo e incerteza. A trama explora a ideia de culpa e redenção através das assombrações.

O Beco do Fantasma: 
A história segue um homem que se muda para uma casa nova em um beco assombrado. Ele começa a perceber atividades paranormais e tenta descobrir o segredo por trás do fantasma que assombra o lugar.

A Noite de Natal: 
Neste conto, um homem tem uma série de encontros com fantasmas na noite de Natal. Cada espírito revela algo sobre seu passado, presente ou futuro, levando-o a uma transformação pessoal e moral.
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Análise do conto "O Sinaleiro" de Charles Dickens

"O Sinaleiro" é um dos contos mais emblemáticos de Charles Dickens e exemplifica sua habilidade em criar atmosferas de suspense e terror psicológico. 

Resumo: "O Sinaleiro" narra a história de um sinaleiro de trem que é assombrado por visões de um fantasma perto de seu posto de trabalho, um túnel ferroviário. As visões do fantasma são sempre seguidas por desastres ferroviários ou mortes, levando o sinaleiro a viver em constante temor. A história é contada do ponto de vista de um visitante que se interessa pela estranha situação do sinaleiro e tenta ajudá-lo a compreender as visões.

Temas:

Fatalismo e Destino: 
A inevitabilidade dos acidentes após as aparições do fantasma sugere um forte sentido de destino, onde os eventos trágicos parecem predestinados e inescapáveis.

Medo e Loucura: 
O conto explora como o medo pode levar à deterioração mental. O sinaleiro vive em constante ansiedade e paranoia, o que levanta questões sobre a linha tênue entre sanidade e loucura.

Isolamento: 
O sinaleiro trabalha em um local isolado e sombrio, o que contribui para sua sensação de solidão e desespero. Seu isolamento físico reflete seu isolamento psicológico.

Personagens:

O Sinaleiro: Ele é um homem dedicado ao seu trabalho, mas as aparições do fantasma e os subsequentes desastres o deixam em um estado de pavor constante. Sua luta para entender e controlar as visões adiciona uma camada de tragédia pessoal à narrativa.

O Visitante/Narrador: Ele serve como o ponto de vista externo, tentando racionalizar os eventos que o sinaleiro experimenta. Sua descrença inicial se transforma em uma tentativa genuína de ajudar, mas ele permanece impotente diante das forças sobrenaturais.

Ambiente: 
A ambientação do conto é sombria e opressiva, com descrições vívidas do túnel ferroviário e do posto de trabalho do sinaleiro. A escuridão e a desolação do local criam uma atmosfera de mistério e medo, realçando o terror psicológico.

Estilo e Técnica:

Narrativa em Primeira Pessoa: 
A escolha de Dickens de usar um narrador em primeira pessoa permite ao leitor vivenciar a história através dos olhos do visitante, aumentando a sensação de imersão e realismo.

Detalhamento: 
Emprega descrições ricas e detalhadas para criar uma atmosfera palpável. O leitor pode quase sentir a umidade e ouvir os sons do ambiente do sinaleiro.

Simbolismo: 
O fantasma pode ser visto como um símbolo dos próprios medos e ansiedades do sinaleiro, bem como das forças incontroláveis do destino.

Impacto e Relevância: 
"O Sinaleiro" é um conto atemporal que continua a ressoar com os leitores devido à sua exploração de temas universais como o medo, o destino e a fragilidade humana. A habilidade de Dickens em criar suspense e uma atmosfera tensa faz deste conto uma peça clássica da literatura de terror.

Fontes:
José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: Copilot. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Jerson Brito (Asas da poesia) 08


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JERSON LIMA DE BRITO, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.

Monsenhor Orivaldo Robles (O que fica do que passou)

Tirante a amplitude da circunferência abdominal, a dificuldade de subir ladeira, a urgência em levantar à noite várias vezes, o esforço de fazer a memória pegar no tranco e a facilidade de chorar até em comercial de detergente, não posso dizer que os anos me pesem muito. Tempo houve em que tudo era mais fácil. Ainda assim, não me queixo. Aborrecem-me saudosistas de olhos sempre fixos no passado. Não sofro por não ter de volta o que já foi. “Tudo tem seu tempo” (Ecl 3,1). Comento situações que vivi porque me ensinaram alguma coisa. “O saber não ocupa lugar”, dizia o pai. Já ouvi que, se alguém fala: “Tenho muita experiência”, o que quer dizer é: “Já fiz muita burrada na vida”. Pode ser. Sem negar as tolices que cometi, entendo que a idade também me forneceu lições determinantes de bem viver.

Exemplo: quem viveu meia dúzia de décadas lembra como funcionavam as coisas em família. Pai e mãe davam ordens, filhos obedeciam. Não se respeitava a individualidade dos filhos? Pais eram dominadores? Havia casos, sim, não dá para esconder. Afinal poucos tinham ouvido falar de psicologia. Ainda hoje, apesar do muito que progredimos, quantos podem considerar-se verdadeiro pai ou mãe? Naquela época, então... Às crianças não se davam chances de escolha. Moradia, comida, vestuário, calçado, brinquedo, tudo era decidido pelos pais. Roupa e sapato passavam de filhos mais velhos para mais novos. Sem arrufo, nem esperneio. Sequer em sonho passava pela cabeça de um adulto que criança lhe questionasse uma decisão. Não há como não reconhecer a melhora que conseguimos. Hoje, pais se empenham em acertar na formação dos rebentos. Não se permitem domesticá-los. Nem agir como ditadores.

Alguns, entretanto, talvez tenham virado o fio. Na ânsia de evitar excesso de autoridade optaram por autoridade nenhuma. O ambiente familiar virou do avesso. Antes era quartel, agora virou zorra. Há famílias em que o leme de comando foi entregue a uma gracinha de três anos. Nem fala direito, mas decide tudo. Os pais se julgam antenados. Sei. Esperem mais dez anos para ver.

Outro ponto: cedo aprendi que um homem vale tanto quanto a sua palavra. As pessoas ponderavam bem o que iam falar. Porque, uma vez proferida, palavra não tinha volta. Entrava em vigor com a força de compromisso. Testemunha, assinatura, firma reconhecida, registro público, para quê? O importante tinha sido empenhado: a palavra, que outra coisa não era senão o próprio ser da pessoa externado pela sua voz. Que garantia maior exigir? Ninguém pulava para trás desdizendo afirmação anteriormente feita. Por lucrativa que fosse a vantagem ou rendoso o interesse, honra não se negociava. Ninguém punha em dúvida este aforismo: homem que se vende, ainda que por um mísero centavo, sempre recebe mais do que vale. Bom tempo, sem dúvida, em que, de olhos fechados, se confiava no que a pessoa dizia. Quem sabe, por saudade ou anseio pela volta desse tempo foi que Thiago de Mello escreveu, no Estatuto do Homem: “Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. (...) O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino”. Em termos de recursos de comunicação hoje nos encontramos a anos-luz do passado. Ninguém há que não aprecie as fantásticas invenções da técnica e da ciência. Bom seria se o mesmo se verificasse também no respeito à verdade.
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MONSENHOR ORIVALDO ROBLES nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória - Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro "Celeiro Desprovido", com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região.Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.

Fonte:
Recanto das Letras. Publicado em 19 dez 2011.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3395981
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