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quarta-feira, 19 de julho de 2017
terça-feira, 18 de julho de 2017
José Feldman (O Trovador)
Hoje é o Dia Nacional do Trovador. E,
em homenagem a este dia, tantas e tantas trovas são colocadas. Mas, afinal quem
é o trovador?
Trovas são os nossos sonhos, nossos
momentos de tristeza, de revolta, de solidão, de alegria, de amor, de fé.
Os trovadores carregam dentro de si uma
bagagem enorme de suas realizações, decepções, sonhos e principalmente, doação.
O trovador doa-se, para poder
compartilhar o momento com os outros. É como se recebesse um pão e deste
fizesse brotar tantos e tantos pãezinhos para que pudesse saciar a nossa fome
de esperança.
O trovador é coração, é alma, é sangue,
é lágrima, é riso.
O trovador busca em cada cantinho
escondido da vida um mínimo que seja de um grão de areia para poder mostrar ao
mundo, e transformar este grão em uma praia enorme para que todos possam
aproveita-la e se encantar com a maravilha que é um mero grão.
O trovador é luz. É luz que ilumina o
caminho de muitos que vivem nas trevas. É luz daqueles que a perderam nas
encruzilhadas da vida.
O trovador é sonho. Tantos sonhos são
sonhados, e o trovador carrega nestes quatro versos sonhos que se perderam na
névoa do tempo.
Enfim, o trovador é amor. É o amor dos
apaixonados, o amor dos casados e dos que ainda um dia irão amar. É o amor de
amigos, o amor ao próximo, o amor aos animais.
O trovador foi, é e sempre será VIDA!
Meus parabéns a todos os trovadores,
todos que batalharam e batalham para manter esta chama acesa.
São tantos nomes, por isto deixo os
meus parabéns a TODOS OS TROVADORES E AMANTES DA TROVA.
Artur de Azevedo (Poemas Escolhidos)
AS ESTÁTUAS
No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a essa*,
Fechados para sempre — oh, sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.
À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, oh, condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram...
Saíste por aquela mesma porta
Onde outrora os teus lábios me esperaram,
Cheios do amor que ainda me conforta.
Quando o jardim saudoso atravessaram
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choraram!
________________
*estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras
ETERNA DOR
Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.
Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.
Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!
E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!
________________
MUSA INFELIZ
Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.
Meia noite bateu. Sai risonho...
Brilhava - oh, musa, não me comprometas! -
O mais belo de todos os planetas
N'um céu que parecia um céu de sonho.
O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!
Pobres quartetos! míseros tercetos!...
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!...
________________
O MURO
Com justa maldição já te não falto,
Desalmado pedreiro, que tão alto
Fizeste o muro de jardim que cerca,
A habitação da minha namorada!
Baldado esforço! Qual o quê! Não salto!
Não quero espapaçar-me neste asfalto!
Fortuna, amor, prazer, tudo se perca!
Ah, maldito pedreiro, alma danada!
Furioso diante das paredes altas,
Consolação debalde vos procuro,
Peito que saltas, perna que não saltas!
Que lamente, que chore o fado escuro,
Quem fora o mais ditoso dos peraltas,
Se não fosse tão alto aquele muro!
________________
O RELÓGIO
Quando não vens, formosa desumana,
E, saudoso de ti, sem ti me deito,
Fica tão esperançoso o nosso leito,
Que me parece o campo de Sant'Ana!
Quando não vens, oh, pálida tirana,
Torna-se lúgubre o quartinho estreito!
Com muitas flores, flor, debalde o enfeito:
Falta-lhe a flor das flores soberana.
Se vens, é natural que isso me apraza;
Mas, se não vens, quanta amargura, quanta!
As próprias coisas sentem n'esta casa!
É o relógio, porém, que mais me espanta,
Pois, se não vens, o mísero se atrasa,
E, se vens, o ditoso se adianta!
________________
SONETO DRAMÁTICO
"O Incesto". Drama em 3 atos. Ato primeiro:
Jardim. Velho castelo iluminado ao fundo.
O cavaleiro jura um casto amor profundo,
E a castelã resiste... Um fâmulo matreiro
Vem dizer que o barão suspeita o cavaleiro...
Ele foge, ela grita... — Apito! — Ato segundo:
Um salão do castelo. O barão, iracundo,
Sabe de tudo... Horror! Vingança! — Ato terceiro:
Em casa do galã, que, sentado, trabalha,
Entra o barão armado e diz: "Morre, tirano,
Que me roubaste a honra e me roubaste o amor!"
O mancebo descobre o peito. — "Uma medalha!
Quem ta deu?!" — "Minha mãe!" — "Meu filho!" Cai o pano...
À cena o autor! à cena o autor! à cena o autor!
________________
TERTULIANO, O PASPALHÃO
Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;
Lá um dia deixou de andar à malta
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:
— Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: — Juízo!
________________
33 GRAUS À SOMBRA
Calor que os colarinhos me descolas,
Vê como tenho as roupas ensopadas!
Já tomei não sei quantas cajuadas!
Já gastei não sei quantas ventarolas!
Canícula que a toda a gente amolas
E me privas de algumas namoradas.
As pobres ficam; as remediadas,
Perseguidas por ti, vão dando as solas!
Do nosso "high-life" as pálidas donzelas,
Como um bando travesso de andorinhas
Para as montanhas vão, batendo as asas...
Sem me dizer adeus, voou com elas
A mais gentil das namoradas minhas!
Dize, meu anjo, é certo que te casas?
________________
VEM
Escrúpulos?...Escrúpulos!...Tolice!...
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traze o teu beijo ao encontro do meu beijo,
E deixa-os lá dizer que isto é doidice!
Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?... Farias mal? .... Quem disse?
Ora o dever! - o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve.
Vem!... que o sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
E outra vida melhor talvez não haja!
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Universos Di Versos
Como Escrever um Limerique
Um limerique é um poema curto, cômico e quase musical que beira o absurdo ou o obsceno. O nome do poema é geralmente considerado como uma referência à cidade irlandesa de Limerick, que é onde acredita-se tenha tido origem, mas seu uso foi documentado pela primeira vez na Inglaterra em 1846, quando Edward Lear publicou A Book of Nonsense, (e, portanto, o dia do Limerique é celebrado no seu aniversário, 12 de maio). Para escrever um, você precisa de um pouco de prática, mas não vai demorar para você ficar viciado em criar rimas espirituosas e imaginativas.
1
Aprenda as características básicas de um limerique.
Padrão de rimas. Um limerique tem cinco versos: o primeiro, o segundo e o quinto rimam entre si, e o terceiro e o quarto entre eles.
Número de sílabas. O primeiro, segundo e quinto versos devem ter oito ou nove sílabas, enquanto o terceiro e o quarto devem ter cinco ou seis.
Métrica. Um limerique tem um certo “ritmo” criado pela ênfase dada às sílabas.
Verso Anapéstico – duas sílabas curtas seguidas por uma longa (pa-pa-pam, pa-pa-pam)
Aqui vai um exemplo (note que a ênfase naturalmente cai nas sílabas entre aspas):
Es-ta-“rei” a-ma-“nhã” por-a-“qui”/ Es-tu-“dan”-do,o-ter-“ná”-rio-ca-“paz”
Verso Anfíbraco – uma sílaba longa entre duas curtas (pa-pam-pa, pa-pam-pa. Exemplo:
No-“ber”-ço pen”den”te de “ra”mos flo”ri”dos/Em “que eu” peque”ni”no fe”liz” dormi”ta”va.
Os versos podem começar com duas, uma ou ocasionalmente nenhuma sílaba átona. Alguns preferem continuar o ritmo de uma linha para a próxima, especialmente quando uma frase continua na linha seguinte, mas isso não é essencial.
2
Escolha o fim do seu primeiro verso, geralmente um lugar. Por exemplo, São “Pau”lo. Note que a primeira sílaba de Paulo é tônica, resultando em uma sílaba curta no fim do verso. Outro exemplo: Bau”ru”. Note que a segunda sílaba de Bauru é tônica.
3
Pense em diversas palavras que rimem com o fim do primeiro verso. Deixe a história e a graça do seu limerique se originarem das rimas que pensar. Desse modo você vai parecer engraçado, espirituoso e esperto.
Exemplo 1: Como a sílaba tônica de Paulo é a primeira, você terá que rimar a palavra toda. Algumas palavras que vêm à mente: alto, falo, calo, calvo, fidalgo.
Exemplo 2: Em Bauru a sílaba tônica é a segunda, então você só precisa encontrar uma rima para ela. Algumas palavras que vêm à mente: Canguru, jaburu, baiacu. Anote sua própria lista.
4
Faça associações com as palavras rimadas.
Exemplo 1: Com palavras como alto, calvo e fidalgo você pode fazer um limerique sobre um senhor e suas qualidades.
Exemplo 2: Com a combinação azul, baiacu e jaburu, você pode pensar em um limerique sobre animais coloridos. Vá pela lista que criou e invente pequenas histórias sobre o que pode ter acontecido e como suas ideias podem estar relacionadas.
5
Escolha uma história que te atraia, e decida quem é a pessoa que você introduz no primeiro verso. O que é importante sobre ela? Você vai se concentrar na profissão ou status social dela, ou na idade, saúde ou fase da vida?
Exemplo 1: Para o limerique de São Paulo, você pode escolher a palavra “idoso.”
Exemplo 2: Para o limerique de Bauru, você pode escolher “animais”.
6
Escreva o primeiro verso de acordo com a métrica.
Exemplo 1: A sílaba tônica de idoso é a segunda. Em São Paulo, a sílaba do meio é a tônica. Isso significa que precisamos de mais três sílabas, e a do meio deve ser tônica. Então temos: “Um homem idoso de São Paulo.”
Exemplo 2: Animais é formado por duas sílabas curtas e uma longa. Combinado com Bauru, isso nos deixa com quatro sílabas restantes. Você pode resolver isso, por exemplo, assim: Animais no fogão em Bauru.
7
Escolha uma situação ou ação com a qual começar o limerique. Esse é o início da sua história ou piada. Use uma das rimas da lista.
Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo.”
Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” Note como a rima no verso 2 parece se adequar com o assunto do verso 1, quando na verdade é o contrário.
8
Pense em uma reviravolta para sua história, tendo em mente as rimas do terceiro e quarto verso, mas salve a piada para o último verso.
Exemplo 1: Algumas partes da história podem ficar avacalhadas, já que limeriques muitas vezes beiram o obsceno. Por exemplo, você pode fazer os hormônios do herói se descontrolarem (sem deixar muito explícito). Que tal: “Ele sempre sonhava, que uma moça amava ”?
Exemplo 2: Pensando em baiacu e jaburu, você pode ter percebido como animal é uma palavra com muitas rimas.
9
Volte para a sua lista de rimas e encontre uma boa para encerrar a história com uma boa piada. Essa é a parte mais difícil. Não desanime se os seus primeiros limeriques não são engraçados o bastante. Lembre-se primeiramente de que é tudo uma questão de gosto e em segundo lugar: tudo precisa de prática.
Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo. Ele sempre sonhava, que uma moça amava, mas ele caiu do cavalo.”
Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” “Foram cozidos, quase comidos, mas tinham sabor de jaburu.”
Dicas
Passe por todo o alfabeto para achar rimas. Isso vai te ajudar a lembrar rapidamente de um grande número de rimas. Por exemplo, pegue a palavra “Wiki” e troque o W por todas as letras do alfabeto. Quando você tiver passado mentalmente por todas as 26 letras, você terá: dique, fique, pique, tique. Também há dicionários de rima que podem ajudar.
Tente começar a primeira linha com “Era uma vez um ____ de ____”. Assim fica mais fácil.
Escolha animais, plantas ou pessoas como tópicos no começo. Não comece com nada abstrato demais.
Se você estiver sem saber como continuar, tente dar uma olhada em alguns limeriques que outras pessoas escreveram. Os limeriques de cada escritor tem sua atmosfera especial. Você nunca sabe qual deles pode quebrar seu bloqueio de escritor.
Bata palmas quando ler seus limeriques em voz alta. Isso vai te ajudar com a métrica do poema, e a verificar se está com o ritmo certo.
No Brasil, a arte do limerique também foi representada por escritores como Joaquim de Sousândrade e Clarice Lispector, sendo que os mais famosos foram escritos pela escritora de livros infantis Tatiana Belinky.
Poemas de amor são difíceis de escrever. Limeriques são piadas, não poemas de amor.
Quando você tiver dominado o básico, experimente rima interna, aliteração ou assonância para deixar seu poema ainda mais especial.
Exemplo de Limeriques
1
Ao ver uma velha coroca
fritando um filé de minhoca
o Zé Minhocão
falou pro irmão:
“Não achas melhor ir pra toca?”
Tatiana Belinky
2
Amarrei uma fita no dedo
Para não esquecer o segredo
Mas, reparem que azar
Esqueci de lembrar
Ai, que medo!
Tatiana Belinky
3
"Tremelique" ataca no escuro
(O susto é um páreo duro!)!
O cara atacado
É um gato escaldado
Que vive em cima do muro!
Tatiana Belinky
4
Eu ontem comi agrião
Temperado com açafrão
Me deu um piriri
Que quase morri
Com minhas calças na mão!
Pedro Antônio de Oliveira
5
Pela longa rua da feira
tem tudo de bom e primeira;
vê-se a granel,
quentinho. pastel...
Tem até gente barraqueira.
Nilton Manoel
6
Professor, é com letra de mão?
Sim! cursiva nesta lição.
Quem escreve de pé
tendo no aluno fé,
é professor de profissão.
Nilton Manoel
Fonte principal:
http://pt.wikihow.com/Escrever-um-Limerique
segunda-feira, 17 de julho de 2017
Maria Thereza Cavalheiro (O Bom Trovar : Como contar as sílabas poéticas - Escansão)
Vimos que cada verso
da trova deve ter sete sílabas poéticas, que não são contadas da mesma forma
que as gramaticais. As poéticas contam-se pela emissão de voz (fusão ou junção
de sons), agrupando-se as sílabas, geralmente quando há o encontro de duas ou
mais vogais fracas, ou, pelo menos, quando apenas uma delas é forte.
As sílabas poéticas
de cada verso são contadas até a última sílaba forte, também chamada tônica,
aguda ou longa. Convém ler os versos em voz alta, contá-los nos dedos e seguir
o ouvido. Quando houver dúvida, fazer a escansão do verso para ver se não está
de pé quebrado (nota do CDV: pé quebrado é quando o verso tem menos de 7
sílabas). Escandir um verso é dividi-lo em seus elementos métricos. Na contagem
das sílabas, procede-se como se não houvesse pontuação.
Vamos escandir uma
trova como exemplo, colocando barra entre as sílabas poéticas (cada uma com uma
emissão de voz), e pondo duas barras após a última sílaba tônica:
Felicidade,
surpresa
que
a vida às vezes nos faz…
Não
tem base nem firmeza,
e,
como é linda, é fugaz.
COLOMBINA
Fe/li/ci/da/de/
sur/pre//sa
quea/
vi/dás/ve/zes/ nos/ faz//
Não/
tem/ ba/se/ nem/ fir/me//za
e/co/moé/
lin/ dé/ fu/gaz//
Observe-se que as
sílabas de cada verso são contadas até a última tônica (pre, faz, me, gaz) e
cada verso tem sete sílabas poéticas, contadas pela emissão de voz. No 1o
e 3o verso do exemplo não se conta a última sílaba gramatical de
cada uma (sa, za), que vem depois das duas barras por ser fraca. A sílaba
fraca, aquela que não tem acento tônico, é também chamada átona, grave ou
breve.
Assim, o 1o
e 3o verso são versos graves, enquanto o 2o e o 4o
são versos agudos. Os agudos são os que terminam por sílaba tônica, acentuada.
Do ponto de vista gramatical, as últimas palavras do 1o e 3o
verso são paroxítanas; no 2o e no 4o, oxítonas. Em trova,
são muito pouco usados os versos esdrúxulos, que é quando o acento tônico cai
na antepenúltima sílaba, caso das palavras proparoxítonas,e, aí, desprezam-se
as duas últimas sílabas gramaticais, como no no 1o e no 3o
verso da trova a seguir:
É
todo prazer do vândalo
destruir
o que é sagrado:
“o
machado fere o sândalo
para
ficar perfumado”.
RODOLFO
C. CAVALCANTE
Fonte:
CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.
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Florilégio de Trovas,
Sopa de Letras
domingo, 16 de julho de 2017
Conto de Papua-Guiné (Indigam Toruai – O grande peixe)
Há muitos dias que não chovia. A água estava límpida, o rio baixo. Não podia haver melhor altura para a pesca.
Os rapazes de Kamberap preparavam as azagaias.
— É trabalho em vão — diziam os homens. — Não ides apanhar nada. Até as garças sabem que no rio Xilil já não há peixe.
— Mas nós queremos subir o rio até à foz do Troali — disseram os rapazes.
— Trabalho ainda mais inútil — disseram os homens. — Mas ide lá e tentai a sorte.
Os rapazes foram sentar-se à sombra dos hibiscos que rodeavam a praça da aldeia. Estavam em silêncio. Cada qual pensava para si se valeria ou não a pena levar a cabo a planeada pescaria.
Foi então que surgiu Bonifo com um grande peixe.
Yamandau foi o primeiro a vê-lo.
— Indigam! — gritou. — Indigam toruai! (Um peixe grande!)
Os rapazes levantaram-se de repente e correram para Bonifo, cercaram-no, admiraram e apalparam o peixe, queriam saber quando, onde e como é que Bonifo o tinha apanhado e assediavam-no com perguntas.
Bonifo não respondia. Só se ria e segurava o peixe no ar para o manter fora do alcance dos rapazes. Eles deram um passo para trás. O círculo à volta de Bonifo alargou-se e a confusão das vozes calou-se. Só Yamandau perguntava insistentemente:
— Diz-nos lá, Bonifo, onde é que o arranjaste?
— No sítio onde há muitos como este — respondeu Bonifo sorrindo de contente e pondo-se novamente a andar.
Agora já nada detinha os rapazes. Dispararam para casa, trouxeram as setas, correram para junto de Koere a pedir-lhe cestos para apanhar peixe, e em seguida abalaram todos para o rio.
O resto do dia foi passado no Yilil. Koere, que viera com eles, também ficou e ajudou os rapazes no que pôde. Preparou as setas, substituiu as pontas partidas por outras de tapioca, novas e duras, ensinou-os a atirar as setas e mergulhou nas partes mais fundas do rio para verificar pessoalmente se aí havia peixe ou não.
Havia peixes … aqui e ali, mas eram tão minúsculos que não valia a pena apontar-lhes uma seta nem perder tempo a pôr os cestos. O entrançado era demasiado imperfeito, de modo que os cestos não reteriam peixe algum. Para Koere isto era evidente.
Mas para os rapazes é que não. Estavam confiantes e não iriam desistir. Mesmo que todos os meios falhassem, restava sempre uma outra possibilidade: a magia!
Mesmo que os rapazes nunca tivessem visto, todos sabiam que os velhos da tribo conheciam uma forma de enfeitiçar os peixes através de fórmulas e canções mágicas. O líquido atordoante das lianas venenosas deixava os peixes cansados e sem forças, e tornava-se até possível apanhá-los à mão.
— Porque não tentamos? — perguntou Yamandau. — Já experimentámos tudo o resto, porque não a magia com as lianas?
Koere meneou a cabeça:
— Aqui não há as lianas certas para isso. Só nas montanhas, lá em cima.
— Não faz mal — disse Yamandau. — Usamos lianas daqui e fazemos nós a nossa magia.
Koere voltou a menear a cabeça.
— Não sabemos as palavras mágicas — disse.
— Não faz mal — insistiu Yamandau. — Inventamos nós as palavras mágicas.
Koere foi buscar lianas. Cortou-as em pedaços, atou-as e deu a cada rapaz um feixe de caules duros mas maleáveis. Os rapazes estenderam os feixes nas pedras da margem, procuraram seixos duros do tamanho de um punho e bateram com eles nos caules até as lianas se desfazerem e o sumo começar a escorrer.
Procediam exatamente como faziam os velhos com a magia autêntica das lianas, só que não eram nem as lianas certas nem as palavras mágicas certas.
Ainda assim, enquanto Yamandau batia no feixe de lianas, lembrou-se de uma canção que de certeza seria tão boa como qualquer outra fórmula mágica:
Indigan tangane O peixe está aqui
Kolop, kolop venham, venham
Kawaikare muitos!
Yamandau cantava com todas as suas forças, enquanto batia na água, tão cheio de raiva e de desapontamento pelo fracasso daquele dia passado no rio, que até fazia espuma e salpicava tudo à sua volta. A sua canção ecoava no barranco, misturando a voz de Yamandau com a de Koere e a dos outros rapazes, e com o eco que vinha de todos os lados. O bater das lianas na água marcava o compasso da música, como fazem os tambores nas festas da aldeia.
Antes do sol se pôr, os rapazes fizeram-se a casa. Estavam cansados e esfomeados. O máximo que tinham conseguido apanhar nesse dia foram sete caranguejos.
Assaram-nos num pequeno fogo à beira do rio e comeram-nos antes de subirem o monte a caminho da aldeia, já de noite.
Mas não foram logo para casa. Primeiro, passaram pela casa de Bonifo para ver se este já tinha comido o peixe. Ainda não! Ali estava ele, numa folha de bananeira, ao lado do fogão, assado, aloirado e tostado. Os rapazes ficaram de olhos perdidos no peixe.
Do fundo da varanda, Bonifácio exclamou:
— Até que enfim! Deixaram-me à tanto tempo à vossa espera! Subam.
Subiram à varanda. Bonifo foi ter com eles. Debruçou-se sobre o peixe, partiu-o e deu a cada um deles um pedaço de carne branca e bem cheirosa, e ainda uma porção de purê de tapioca.
— Que bem que isto sabe! — disse Yamandau. E passado algum tempo:
— Diz-nos lá, Bonifo, como é que apanhaste o peixe! Foi com magia?
— Não — respondeu Bonifo.
— Então? — exclamaram os rapazes.
— Com cocos — disse Bonifo, rindo-se divertido.
Os rapazes não perceberam. Bonifo soltou uma gargalhada e explicou-lhes. Tinha trocado o peixe por dois cocos… no mercado de Green River…
Fonte:
Lene Mayer-Skumanz (org.). Hoffentlich bald. Wien, Herder Verlag, 1986. Disponível em Contos de Encantar
Os rapazes de Kamberap preparavam as azagaias.
— É trabalho em vão — diziam os homens. — Não ides apanhar nada. Até as garças sabem que no rio Xilil já não há peixe.
— Mas nós queremos subir o rio até à foz do Troali — disseram os rapazes.
— Trabalho ainda mais inútil — disseram os homens. — Mas ide lá e tentai a sorte.
Os rapazes foram sentar-se à sombra dos hibiscos que rodeavam a praça da aldeia. Estavam em silêncio. Cada qual pensava para si se valeria ou não a pena levar a cabo a planeada pescaria.
Foi então que surgiu Bonifo com um grande peixe.
Yamandau foi o primeiro a vê-lo.
— Indigam! — gritou. — Indigam toruai! (Um peixe grande!)
Os rapazes levantaram-se de repente e correram para Bonifo, cercaram-no, admiraram e apalparam o peixe, queriam saber quando, onde e como é que Bonifo o tinha apanhado e assediavam-no com perguntas.
Bonifo não respondia. Só se ria e segurava o peixe no ar para o manter fora do alcance dos rapazes. Eles deram um passo para trás. O círculo à volta de Bonifo alargou-se e a confusão das vozes calou-se. Só Yamandau perguntava insistentemente:
— Diz-nos lá, Bonifo, onde é que o arranjaste?
— No sítio onde há muitos como este — respondeu Bonifo sorrindo de contente e pondo-se novamente a andar.
Agora já nada detinha os rapazes. Dispararam para casa, trouxeram as setas, correram para junto de Koere a pedir-lhe cestos para apanhar peixe, e em seguida abalaram todos para o rio.
O resto do dia foi passado no Yilil. Koere, que viera com eles, também ficou e ajudou os rapazes no que pôde. Preparou as setas, substituiu as pontas partidas por outras de tapioca, novas e duras, ensinou-os a atirar as setas e mergulhou nas partes mais fundas do rio para verificar pessoalmente se aí havia peixe ou não.
Havia peixes … aqui e ali, mas eram tão minúsculos que não valia a pena apontar-lhes uma seta nem perder tempo a pôr os cestos. O entrançado era demasiado imperfeito, de modo que os cestos não reteriam peixe algum. Para Koere isto era evidente.
Mas para os rapazes é que não. Estavam confiantes e não iriam desistir. Mesmo que todos os meios falhassem, restava sempre uma outra possibilidade: a magia!
Mesmo que os rapazes nunca tivessem visto, todos sabiam que os velhos da tribo conheciam uma forma de enfeitiçar os peixes através de fórmulas e canções mágicas. O líquido atordoante das lianas venenosas deixava os peixes cansados e sem forças, e tornava-se até possível apanhá-los à mão.
— Porque não tentamos? — perguntou Yamandau. — Já experimentámos tudo o resto, porque não a magia com as lianas?
Koere meneou a cabeça:
— Aqui não há as lianas certas para isso. Só nas montanhas, lá em cima.
— Não faz mal — disse Yamandau. — Usamos lianas daqui e fazemos nós a nossa magia.
Koere voltou a menear a cabeça.
— Não sabemos as palavras mágicas — disse.
— Não faz mal — insistiu Yamandau. — Inventamos nós as palavras mágicas.
Koere foi buscar lianas. Cortou-as em pedaços, atou-as e deu a cada rapaz um feixe de caules duros mas maleáveis. Os rapazes estenderam os feixes nas pedras da margem, procuraram seixos duros do tamanho de um punho e bateram com eles nos caules até as lianas se desfazerem e o sumo começar a escorrer.
Procediam exatamente como faziam os velhos com a magia autêntica das lianas, só que não eram nem as lianas certas nem as palavras mágicas certas.
Ainda assim, enquanto Yamandau batia no feixe de lianas, lembrou-se de uma canção que de certeza seria tão boa como qualquer outra fórmula mágica:
Indigan tangane O peixe está aqui
Kolop, kolop venham, venham
Kawaikare muitos!
Yamandau cantava com todas as suas forças, enquanto batia na água, tão cheio de raiva e de desapontamento pelo fracasso daquele dia passado no rio, que até fazia espuma e salpicava tudo à sua volta. A sua canção ecoava no barranco, misturando a voz de Yamandau com a de Koere e a dos outros rapazes, e com o eco que vinha de todos os lados. O bater das lianas na água marcava o compasso da música, como fazem os tambores nas festas da aldeia.
Antes do sol se pôr, os rapazes fizeram-se a casa. Estavam cansados e esfomeados. O máximo que tinham conseguido apanhar nesse dia foram sete caranguejos.
Assaram-nos num pequeno fogo à beira do rio e comeram-nos antes de subirem o monte a caminho da aldeia, já de noite.
Mas não foram logo para casa. Primeiro, passaram pela casa de Bonifo para ver se este já tinha comido o peixe. Ainda não! Ali estava ele, numa folha de bananeira, ao lado do fogão, assado, aloirado e tostado. Os rapazes ficaram de olhos perdidos no peixe.
Do fundo da varanda, Bonifácio exclamou:
— Até que enfim! Deixaram-me à tanto tempo à vossa espera! Subam.
Subiram à varanda. Bonifo foi ter com eles. Debruçou-se sobre o peixe, partiu-o e deu a cada um deles um pedaço de carne branca e bem cheirosa, e ainda uma porção de purê de tapioca.
— Que bem que isto sabe! — disse Yamandau. E passado algum tempo:
— Diz-nos lá, Bonifo, como é que apanhaste o peixe! Foi com magia?
— Não — respondeu Bonifo.
— Então? — exclamaram os rapazes.
— Com cocos — disse Bonifo, rindo-se divertido.
Os rapazes não perceberam. Bonifo soltou uma gargalhada e explicou-lhes. Tinha trocado o peixe por dois cocos… no mercado de Green River…
Fonte:
Lene Mayer-Skumanz (org.). Hoffentlich bald. Wien, Herder Verlag, 1986. Disponível em Contos de Encantar
sábado, 15 de julho de 2017
Olivaldo Júnior (O catador)
Fazia um frio descomunal na Cidade. Quatro, cinco horas da manhã, e lá se ia. Não era velho nem jovem. Estava ao meio da vida e à margem de si. Sussurro seu nome, mas ele não ouve. Nem a ninguém, nem a mim. Sua única preocupação é passar a madrugada nas ruas fazendo o menor barulho possível. Assim, é fácil catar o lixo das casas, que dormem, sonham, esperam o dia. Para ele, o dia não vem. Quando chega, está em casa, na cama, coruja humana que só vai despertar com o primeiro raio lunar em seu rosto. Então, como se fosse um artista, paramenta-se todo e, com a cara limpa, palhaço às avessas, conversa com o cão que cria com restos de janta e se vai. Logo, não é nem mais visto com seu carrinho de lata, com sua cara de quem já teve outra vida. Vivo, fareja a sucata que pode lhe dar um pão mais quentinho, um leite mais puro no dia seguinte. Tento esperá-lo, mas o sono me vence e nunca o encontro. Triste, me deito e, de vez em quando, num sonho qualquer, lá está ele, o catador que se infiltra nas latas de lixo, em nossas calçadas, no vão das lixeiras, em busca de... Não, não pode ser! Detrás de seu rosto, outro rosto se vê! Não, não pode ser!... O catador de meus sonhos, quem diria, sou eu!
Fonte:
O Autor
Fonte:
O Autor
sexta-feira, 14 de julho de 2017
Chico Jó (Poemas Escolhidos)
CENAS DAQUELA FESTA
E é só vê-la outra vez... E é só fitá-la
Para em mim renascer o antigo ardor,
O mesmo antigo e apaixonado amor
Que de repente o coração me abala.
Os pares se entrelaçam pela sala,
A música maltrata a minha dor.
— Peço a todos silêncio, por favor,
Quero ouvir novamente a sua fala!
Mas ela não demonstra haver notado
Que busco o seu olhar, desesperado,
Nem parece entender minha aflição.
E alguém a chama e ela se vai, dançando,
Pisando tão de leve, mas pisando
Os restos de minha alma pelo chão!
__________________________
CONTRIÇÃO
Com migalhas de amor me satisfaço,
De nada, ou pouco menos, me sustento:
Vejo-te — e já venci todo o cansaço,
Sorris — e já esqueci todo tormento.
Na mesa farta em que te serves, passo
Por bem do que me dás, a teu contento:
Se me deixares o menor pedaço,
Será esse meu único alimento.
Não exijo, não peço, não suplico:
Espero - e se tu ficas, também fico,
E se foges de mim, eu te procuro.
Da luz que há nos teus olhos me cobriste:
Uma réstia de sol num dia triste,
Um raio de luar no céu escuro.
__________________________
DEPOIS DA TEMPESTADE
Nessas noites incertas e terríveis
Em que a farsa da vida me amedronta,
Dentro em meu ser um temporal aponta,
Rasgado por relâmpagos horríveis.
Chove; a água borbulha nos desníveis;
Não vê o sol que outra manhã desponta;
Monstro malsão de assombrações sem conta,
O vento inventa sons inexprimíveis.
Porém eu sei que essa aflição termina
E em minha alma lavada e cristalina,
Depois que a paz de espírito vier,
A brisa irá, como um clarim plangente,
Passando entre as folhagens, suavemente,
A murmurar um nome de mulher.
__________________________
EXILIUM
Muito tempo depois que neste mundo
Eu distante estiver, noutro lugar,
Quando alguém te sorrir, por um segundo,
Meu sorriso haverás de recordar.
Depois, muito depois que neste mundo
Eu esquecido for, em outro olhar
Qualquer coisa acharás, por um segundo,
Para a cor dos meus olhos relembrar.
E já longe, e depois de muito tempo,
Conhecerás alguém tímido e triste
Que te fará pensar que eu era assim.
E ouvirás dele o que de mim ouviste,
E notarás — depois de tanto tempo —
Que sem querer estás falando em mim!
__________________________
LINHA RETA
Por seres tu mulher e eu ser poeta
Foi que um dia juramos, com fervor,
Traçando a diretriz de nosso amor,
Seguir juntinhos uma linha reta.
Na geometria do viver, repleta
De curvas, com desvelo e sem temor,
Afrontei desengano e dissabor
E consegui manter a linha reta.
Mas, de juras e votos esquecida,
Foste aquela afinal que nesta vida
Perpendicularmente se afastou.
E hoje — trágica ideia desastrosa —
Tu vais como uma linha sinuosa
E eu... paralelo a tua vida vou!
__________________________
PIANO ANTIGO
Na penumbra de um canto da saleta,
Ex-amante infeliz e desprezado,
O teu piano de madeira preta
Esquecido ficou, velho e quebrado.
Mal se vê sua escura silhueta
Escondida no vão do cortinado;
Lá deixaste os papéis sobre a banqueta
E a poeira e o bolor sobre o teclado.
Mas em noites de lua e de surdina
Uma sombra saudosa, feminina,
Pairar nos ares, solitária, vem
E ele recorda, enternecido, quando,
Ao se entregar a tuas mãos, chorando,
Murmurava noturnos para alguém.
__________________________
TOUJOURS LA MÊME CHOSE
Hoje se foi minha última alegria:
Estou mais miserável do que Jó.
Vida, que enfim não passas de ironia...
Bem que dizia a minha sábia avó:
— À margem de qualquer filosofia,
Volvem, como o homem volve para o pó,
Todos os dias para o mesmo dia
E os sentimentos todos para um só.
Ontem, hoje, amanhã — depois de tudo,
Que é que resta, afinal? E por que a fútil
Dor de não entender que é sempre assim?
Por buscar e querer já não me iludo,
Ah! vi que tudo, em suma, é vão, é inútil,
Porque tudo há de ter o mesmo fim!
__________________________
VERÔNICA
Recordo agora os já desfeitos laços
Que nos uniram pela vida afora:
Ardentes confissões, doces abraços,
Eternidades gastas numa hora.
Vivos me surgem na memória os traços
Daquelas loucas emoções de outrora —
Lágrimas, risos, êxitos, fracassos,
Tudo que nos uniu recordo agora.
Ah! bem melhor seria o esquecimento,
Que essas evocações só desalento
Trazem, só desprazer, e não prazer,
E só me deixam na alma esta agonia,
Esta inquietude de quem não queria
Mas não mata a vontade de querer.
E é só vê-la outra vez... E é só fitá-la
Para em mim renascer o antigo ardor,
O mesmo antigo e apaixonado amor
Que de repente o coração me abala.
Os pares se entrelaçam pela sala,
A música maltrata a minha dor.
— Peço a todos silêncio, por favor,
Quero ouvir novamente a sua fala!
Mas ela não demonstra haver notado
Que busco o seu olhar, desesperado,
Nem parece entender minha aflição.
E alguém a chama e ela se vai, dançando,
Pisando tão de leve, mas pisando
Os restos de minha alma pelo chão!
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CONTRIÇÃO
Com migalhas de amor me satisfaço,
De nada, ou pouco menos, me sustento:
Vejo-te — e já venci todo o cansaço,
Sorris — e já esqueci todo tormento.
Na mesa farta em que te serves, passo
Por bem do que me dás, a teu contento:
Se me deixares o menor pedaço,
Será esse meu único alimento.
Não exijo, não peço, não suplico:
Espero - e se tu ficas, também fico,
E se foges de mim, eu te procuro.
Da luz que há nos teus olhos me cobriste:
Uma réstia de sol num dia triste,
Um raio de luar no céu escuro.
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DEPOIS DA TEMPESTADE
Nessas noites incertas e terríveis
Em que a farsa da vida me amedronta,
Dentro em meu ser um temporal aponta,
Rasgado por relâmpagos horríveis.
Chove; a água borbulha nos desníveis;
Não vê o sol que outra manhã desponta;
Monstro malsão de assombrações sem conta,
O vento inventa sons inexprimíveis.
Porém eu sei que essa aflição termina
E em minha alma lavada e cristalina,
Depois que a paz de espírito vier,
A brisa irá, como um clarim plangente,
Passando entre as folhagens, suavemente,
A murmurar um nome de mulher.
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EXILIUM
Muito tempo depois que neste mundo
Eu distante estiver, noutro lugar,
Quando alguém te sorrir, por um segundo,
Meu sorriso haverás de recordar.
Depois, muito depois que neste mundo
Eu esquecido for, em outro olhar
Qualquer coisa acharás, por um segundo,
Para a cor dos meus olhos relembrar.
E já longe, e depois de muito tempo,
Conhecerás alguém tímido e triste
Que te fará pensar que eu era assim.
E ouvirás dele o que de mim ouviste,
E notarás — depois de tanto tempo —
Que sem querer estás falando em mim!
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LINHA RETA
Por seres tu mulher e eu ser poeta
Foi que um dia juramos, com fervor,
Traçando a diretriz de nosso amor,
Seguir juntinhos uma linha reta.
Na geometria do viver, repleta
De curvas, com desvelo e sem temor,
Afrontei desengano e dissabor
E consegui manter a linha reta.
Mas, de juras e votos esquecida,
Foste aquela afinal que nesta vida
Perpendicularmente se afastou.
E hoje — trágica ideia desastrosa —
Tu vais como uma linha sinuosa
E eu... paralelo a tua vida vou!
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PIANO ANTIGO
Na penumbra de um canto da saleta,
Ex-amante infeliz e desprezado,
O teu piano de madeira preta
Esquecido ficou, velho e quebrado.
Mal se vê sua escura silhueta
Escondida no vão do cortinado;
Lá deixaste os papéis sobre a banqueta
E a poeira e o bolor sobre o teclado.
Mas em noites de lua e de surdina
Uma sombra saudosa, feminina,
Pairar nos ares, solitária, vem
E ele recorda, enternecido, quando,
Ao se entregar a tuas mãos, chorando,
Murmurava noturnos para alguém.
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TOUJOURS LA MÊME CHOSE
Hoje se foi minha última alegria:
Estou mais miserável do que Jó.
Vida, que enfim não passas de ironia...
Bem que dizia a minha sábia avó:
— À margem de qualquer filosofia,
Volvem, como o homem volve para o pó,
Todos os dias para o mesmo dia
E os sentimentos todos para um só.
Ontem, hoje, amanhã — depois de tudo,
Que é que resta, afinal? E por que a fútil
Dor de não entender que é sempre assim?
Por buscar e querer já não me iludo,
Ah! vi que tudo, em suma, é vão, é inútil,
Porque tudo há de ter o mesmo fim!
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VERÔNICA
Recordo agora os já desfeitos laços
Que nos uniram pela vida afora:
Ardentes confissões, doces abraços,
Eternidades gastas numa hora.
Vivos me surgem na memória os traços
Daquelas loucas emoções de outrora —
Lágrimas, risos, êxitos, fracassos,
Tudo que nos uniu recordo agora.
Ah! bem melhor seria o esquecimento,
Que essas evocações só desalento
Trazem, só desprazer, e não prazer,
E só me deixam na alma esta agonia,
Esta inquietude de quem não queria
Mas não mata a vontade de querer.
quinta-feira, 29 de junho de 2017
Silmar Bohrer (Caderno de Versos)
MEUS TRASTES
De onde tiras os trastes
daqueles teus ditos versos,
não digas que os encontrastes
nas vastidões dos universos.
Nas alturas, nas amplidões
só há pureza hialina
e comparas os teus bordões
a um Dante na relancina.
Vivências baças no mundo
jamais chegarão à luz,
compreenderás algum dia...
Este iluminar profundo
que traz vida e que seduz
só se encontra na divina Poesia.
NOITE
Dissipada a sidérea luz crepuscular
que em escuridão se vai convertendo,
um mistério sombrio está concebendo
em brumas espessas todo esse avatar.
Na calada da noite agora em repouso
a lua surge risonha atrás da colina,
invadindo o espaço todo e a campina,
que mais parece um cenário luminoso.
Repassa uma calmaria noite adentro
ouvindo-se o bulício suave do vento
a cantar para uma silente madrugada.
Nestas horas de sombras nos caminhos
os seres dormem serenos pelos ninhos
até o evolver da esplêndida alvorada.
A VOZ DO SILÊNCIO
Nas horas mais doces do teu viver
quando o interior está em bonança,
procura ao recôndito então volver,
fazendo contigo mesmo uma aliança.
Dentro do ser encontrarás solução
para criar teu mundo sem arremedo,
penetra nos escaninhos do coração,
dentro de ti mesmo está o segredo.
O divino silêncio torna soberana
essa crisálida que aciona silente
o âmago da tua consciência humana.
Nos teus vagares foventes e a sós
procura ouvir essa musa aliciante
que fala no esconso de todos nós.
POETA
Ser poeta! Que esplêndida alegria
sentir a doçura das coisas amenas
para semeá-las nos mádidos poemas
que são versos nossos de cada dia.
Ser poeta! Que estranha felicidade
cantar da vida as mais rudes penas,
liças. misérias, queixumes... dezenas
que abundam neste antro de maldade.
Ser poeta ! Que insólita dualidade
determinar nas rimas com harmonia
os quadros diversos da humanidade.
Ser poeta ! Qual arauto que anuncia
entre os males da vida e da bondade
um mundo eivado pela divina Poesia.
LÁGRIMAS
A nossa vida é um padecer incessante.
Em cada lágrima um mistério profundo
verte nos olhos o tormento constante
que aflige a alma humana neste mundo.
Em cada lágrima sangra com ardimento
a ferida duma paixão que silenciamos
e escorre da intimidade o sofrimento
pelo delírio do amor que alimentamos.
Em cada lágrima vivemos a desventura
dum adeus tristonho e o mais sagrado
anseio da volta esperada com ternura.
Em cada lágrima existe uma constância
a instruir que só após termos chorado
aprendemos a ver melhor uma distância.
AS NEBULOSAS
Ôba! o solzinho trigueiro
arrebentou as nebulosas,
aquelas nuvens grandiosas
que escondiam o dia inteiro.
Pequenas nesgas de céu
na vastidão das alturas
dão conta que iluminuras
vem chegando pra dedéu.
Igualmente em nossas vidas
vivemos pedindo guaridas
com raios de esperança,
Átimos, faíscas, lampejos,
consolidando nossos desejos
de dias com mais bonança.
Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=43868
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