sábado, 17 de agosto de 2024

Recordando Velhas Canções (Negue)


(samba-canção, 1960)

Compositores: Adelino Moreira/ Enzo de Almeida Passos

Negue o teu amor e o teu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise, machucando com jeitinho
Este coração que ainda é teu

Diga que o meu pranto é covardia
Mas não esqueça
Que você foi minha um dia!

Diga que já não me quer!
Negue que me pertenceu
Que eu mostro a boca molhada
E ainda marcada pelo beijo teu
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A Dor do Amor em 'Negue'
A música 'Negue', interpretada pelo icônico Nelson Gonçalves, é uma verdadeira viagem ao universo da dor e da saudade que o amor pode deixar. A letra da canção é um apelo emocionado de alguém que foi deixado para trás, mas que ainda guarda as marcas profundas de um amor que parece não ter fim. Através de palavras que expressam a negação e o pedido para que o outro admita que o amor existiu, a música toca em um ponto sensível de quem já viveu um amor intenso que chegou ao fim.

Nelson Gonçalves, conhecido por sua voz marcante e interpretações cheias de sentimento, dá vida à letra de uma forma que é quase possível sentir a dor do narrador. A música utiliza a metáfora do coração machucado e do pranto como covardia para expressar a vulnerabilidade de quem ama. O pedido para que o outro negue o amor e o carinho, enquanto ao mesmo tempo se mostra a prova física desse amor - a boca ainda marcada pelo beijo - é um contraste poderoso que revela a complexidade dos sentimentos envolvidos.

Culturalmente, 'Negue' se encaixa no estilo de música romântica brasileira, onde a expressão da dor e da paixão são frequentemente exploradas. Nelson Gonçalves foi um dos grandes nomes da era de ouro do rádio no Brasil, e suas músicas muitas vezes refletiam os altos e baixos do amor, um tema universal e atemporal. 'Negue' é um exemplo clássico dessa temática, e continua a ressoar com ouvintes de todas as idades, pois fala de um sentimento que muitos conhecem de perto: a dificuldade de deixar ir um grande amor.

Vários cantores de diferentes épocas e estilos — Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Agostinho dos Santos, Maria Bethânia, Ney Matogrosso gravaram “Negue”, o que atesta o prestígio deste samba, um dos melhores de Adelino Moreira.

Interpretada de forma veemente, como pedem os seus versos (“Diga que já não me quer / negue que me pertenceu / que eu mostro a boca molhada / e ainda manchada / pelo beijo seu...”), a composição foi  o grande sucesso de Adelino (parceria com Enzo de Almeida Passos) no fértil ano de 1960, quando ele abastecia os repertórios de Nelson Gonçalves, Carlos Augusto e Núbia Lafayette.

Aliás, foi o cearense Carlos Augusto (Carlos Antônio de Souza Moreira) quem puxou o sucesso da composição. Em 1983, “Negue” seria regravada pelo grupo punk Camisa de Vênus 

Fontes:
A Canção no Tempo - Vol. 2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Ed. 34

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 36

 

Renato Frata (A luz da estrela)

A luz amarela do lampião não ofuscou a da estrela cadente que despencou riscando o céu. Naquele lapso, o matuto desfez a carranca e pediu o que já vinha repetindo; "Ah! se Zefina pegasse bucho, estrela... ia sê a maió alegria..."

Firmou o olhar para repetir o pedido, mas nenhuma outra caiu. Então, já com os olhos pesados, limpou os chinelos no tapete de entrada e se recolheu, despindo-se. Tentaria de novo.

Ela fingia que dormia. Encolhida e agarrada ao travesseiro, passava horas como se embalasse a criança tão desejada. 

Ele se arrastou pelo colchão, aproximou com cuidado seu corpo ao dela, enlaçou-a com o braço forte e rude para que acordasse sem sobressalto, e esperou que ela correspondesse aos seus desejos, enlevando-se no sonho de ser mãe.

Entre a estrela captar seu pensamento e atender ao pedido, melhor seria não perder tempo e tentar, mais vezes, como vinha fazendo todas as noites.

Nas manhãs de domingo também.

Era assim naquela hora; se agradavam por inteiro, depois deixavam que o sono os embalasse.

O pedido dele à estrela cadente havia sido feito de coração, mas vai que ela não escutasse... melhor não arriscar.

Pela manhã, as tarefas de sempre: a ordenha, a separação de bezerros, a preparação de ração. Depois iria a outras. Em certo momento, porém, enquanto ordenhava, ouviu algo como um chorico, que podia ser vagido de gato, tão fraco e leve pareceu. Mas lhe chamou a atenção. Tanto que assuntou mais, precipitando o ouvido nas mil direções.

Alertou-se para ouvir o cantar suave da brisa, e logo, depois de um tempinho, o tal chorozinho de nada se repetiu. Foi o que o fez largar dos tetos, desamarrar a vaca, afastar o rasteio usado para juntar cana triturada, desviar-se dos animais que se comprimiam no curral e correr à procura de onde o barulho parecia ter saído.

Seus olhos bem abertos queriam enxergar o mundo, para não perder sequer detalhe e, como ainda se fazia escuro, seguiu de testa franzida, olhar atento e mãos tateando a trilha e tábuas. Todo cuidado era pouco. Abismado e com tremor nas pernas que lhe subia e furava o oco do estômago, tomado por uma sensação de incerteza, parou na soleira onde sentara a conversar com a estrela na noite anterior. E gemeu nervoso. Enquanto sua boca vacilou em engolir a saliva, uma baba desavisada vazou queixo abaixo.

Bem ali, mexendo-se como se procurasse sair, uma criança recém-nascida, embrulhada em andrajos e com formigas a lhe passear pelo rosto, se contorcia, resmungando. Ágil e sem pensar, pegou-a com as mãos calejadas e, cheirando-a, levantou-a até os olhos, trouxe-a para o peito, amainando o coração e, admirado a quase não conter lágrimas que lhe turvaram a visão, chamou pela mulher duas vezes aos gritos.

Ao ouvir o chamado incomum do marido, ela correu e se debruçou na janela.

- Vem, Zefa, vê o que a estrela deixou pra nóis...

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Vereda da Poesia = 85 =


Trova de São Paulo/SP

HUMBERTO RODRIGUES NETO

As mulheres são primores,
que Deus fez pensando em mim...
e ao perceber que eram flores,
plantou-as no meu jardim.
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Poema de Cachoeira do Sul/RS

JAQUELINE MACHADO

Sou

Sou a lenda de mim mesma...
A sombra de um devaneio do mundo.
Sou a luz de um sonho contido
guardado numa cápsula divina!
A criança que ainda está por nascer...
Sou tudo. 
E sou nada.
Pedacinho e plenitude.
Sou um planetinha invisível 
a deslumbrar a imensidão  do universo...
Dentro do Ventre 
da Grande Mãe Natureza 
a quem devo a vida! 
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Trova de São Francisco de Itabapoana/RJ

ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE

Ao abrir minha janela,
inundada de luar,
mais forte a lembrança dela
fez a saudade apertar.
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Soneto de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Meu Pai...
(O soneto que ele não teve tempo de ler)
      
Quando te vejo, assim, domando a vida,
com a fibra invulgar do cavaleiro
que não teme as corcovas da subida,
nos reveses e quedas, altaneiro...
 
cabeça branca, face já curtida 
pelo tempo e inclemência do roteiro,
velho e valente, fronte sempre erguida,
que a rude estrada forja o caminheiro...
 
mesmo que eu queira te dizer o tudo
que na alma eu sinto, meu falar é mudo,
minha voz na garganta se retrai!

Assim... faço dos versos o ofertório...
do coração, um cálido oratório...
e neles rogo a Deus por ti, meu Pai! 
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Trova Premiada em São Paulo/SP, 2003

DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP

Lembro o passado risonho,
e esta saudade se acalma,
quando teu vulto, no sonho,
acaricia minha alma...
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Poema de Balneário Camboriú/SC

PEDRO DU BOIS
PEDRO QUADROS DU BOIS
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC 

Futuro

Não havia o traço esbranquiçado
rasgando o firmamento, nem a britadeira
e o caminhão misturando cimento e areia:

manualmente transportados
manualmente contados
manualmente colocados
blocos de pedras
superpostos
sobrepostos
erguiam paredes
em pequenos arcos
de telhados

sobre o topo o homem
sonhava traços de fumaça
cortando o firmamento.
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Trova Popular

Menina você me espera,
deixa correr esta sorte,
não temas, que serei firme
até na hora da morte.
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Soneto de de Montanha/ES

LINDA LACERDA

Soneto da flor da infância

 Eu me lembro, eu me lembro, doce perfume da flor!
 Brancas gotas perfumadas e tinham cheiro de amor...
 Inebriavam as noites, da minha infância perdida,
 Uma cascata verde e branca no verde da minha vida...

 Lua serena no céu, a embranquecer minha ruazinha,
 Sem saber que o jasmineiro por me ver assim sozinha,
 Eu menina inocente, a me embalar em seus galhos,
 Flores lançava aos meus pés, qual fina colcha de retalhos... 

 Foram-se meus verdes anos, cirandas e brincadeiras,
 A doce lembrança da infância, da juventude que passou...
 Joia que o tempo levou em leves asas ligeiras...

 De menina me fiz mulher, mas na memória ainda há dor
 Da doce lembrança dos dias, das minhas tardes trigueiras
 Quantas saudades eu sinto, meu jasmineiro em flor!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
LUIZ GILBERTO DE BARROS

Aquele que se disfarça,
quando vai se procurar,
tem a farsa por comparsa
da farsa do próprio olhar.
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Poema do Ceará

SIMPLÍCIO PEREIRA DA SILVA

Galope por Dentro do Mato

Companheiro, eu do mar não conheço nada, 
     Nunca fui à praia e menos ao banho, 
     Pois o mar é um lago pra mim tão estranho, 
     Que parece até um mistério de fada... 
     Eu gosto bastante é de uma caçada, 
     Lá no meu sertão, muito embora que ingrato! 
     Pra você não pensar que estou com boato: 
     Uma meia hora vamos pelejar...
     Pegue lá seu peixe por dentro do mar, 
     Que vou caçar peba por dentro do mato.

No sertão, à caçada, eu fui certo dia, 
     Num mato fechado, bem desconhecido, 
     Mas eu, na caçada, fui meio atrevido; 
     Chegando no mato, o sol já pendia ... 
     Tinha onça por praga, e eu não sabia; 
     Saí pisando devagar no sapato; 
     Senti um mau cheiro, pensei que era gato. 
     Quando vi a onça e a onça me viu: 
     O corpo tremeu e meu rifle caiu... 
     Foi carreira feia por dentro do mato!
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Trova Humorística de Salto/SP

GASPARINI FILHO

“Esse biquíni agarrado...
Meu bem, o que aconteceu?
– Foi na água que, molhado,
rapidinho se encolheu...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JORGE DE LIMA
JORGE MATEUS DE LIMA
União dos Palmares/AL (1893 — 1953) Rio de Janeiro/RJ

Velho tema, a saudade

Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente?
— Chama que já passou mas que assim mesmo é chama...
A Saudade, eu a sinto infinda, confidente.
Que de longe me acena e me fascina e chama...

Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente:
Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama...
..Um segredo de amor que se desfaz e mente...
Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama?

Olhos postos ao léu, altívagos, à toa,
Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente
Te ficaste gozando uma saudade boa?

Se vês que em teu passado uma saudade adeja,
— Faze que uma saudade a ti seja o presente!
— Faze que tua morte uma saudade seja!
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Foste brisa mansa, leve
e um vendaval, na paixão...
Deixaste, pós vida breve,
as marcas de um furacão!
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Spina de São Paulo/SP

ARTUR JOSÉ CARREIRA

Mudos

Encerra por aqui 
Todo aquele vão 
Entre eles, nós.

Pedaço sem farpas, apenas riscos
por toda superfície ainda áspera...
Nada importa, pessoas todas sós,
talvez, em busca por companhias 
antes que, afônicas, percam voz!
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Trova de São Tomé-Açu/PA

JAIR ALMEIDA SALES

A Trova é uma luz pequena,
de clarear tão profundo,
que quando surge na cena
acende as paixões do mundo.
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Soneto Mineiro 

ALPHONSUS DE GUIMARAENS
AFONSO HENRIQUE DA COSTA GUIMARÃES
Ouro Preto, 1870 – 1921, Mariana

Soneto da defunta formosa

Temos saudade, pálida formosa,
De tudo quanto o pôr-do-sol fenece:
Ou seja o som final de extrema prece,
Ou seja o último anseio de uma rosa...

E mais ligeiramente a gente esquece
Uma hora que a alma de carinhos goza,
Que de ter visto, em roxa luz saudosa,
Uma imperial tulipa que adoece...

Um lírio doente no caulim de um vaso
Faz-nos lembrar um luar em pleno ocaso
Morrendo ao som das últimas trindades...

E nem eu sei, amor, por que perguntas,
Tu que és a mais formosa das defuntas,
Se eu de ti hei de ter loucas saudades.
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Trova Premiada em São Paulo/SP, 2003

ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP 

Às investidas do mal
murmure a prece com calma,
pois Deus escuta afinal
melhor, as súplicas da alma...
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Poema de Santiago de Chuco/Perú

CÉSAR VALLEJO 
1892 – 1938, Paris/França

Os Anéis Fatigados

Há ânsias de voltar, de amar, de não ausentar-se,
e há ânsias de morrer, combatido por duas
águas unidas que jamais hão de istmar-se.

Há ânsias de um beijo enorme que amortalhe a Vida,
que acaba na África de uma agonia ardente,
suicida!

Há ânsias de... não ter ânsias, Senhor,
a ti aponto-te com o dedo deicida:
há ânsias de não ter tido coração.

A primavera volta, volta e partirá. E Deus,
curvado em tempo, repete-se, e passa, passa
carregando a espinha dorsal do Universo.

Quando as têmporas tocam seu lúgubre tambor,
quando me dói o sonho gravado num punhal,
há ânsias de ficar plantado neste verso!
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

“Deixe-o que faça e aconteça”, 
diz a vovó com carinho... 
E eis que de ponta-cabeça 
vira-lhe a casa o netinho!... 
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Pantun de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Pantun do fraterno abraço

TROVA TEMA:
O abraço meigo e fraterno,
refletindo nitidez,
no retrato fez eterno
tudo o que o tempo desfez.
Hélio Alexandre 
Natal/RN

PANTUN:
Refletindo nitidez,
guardo ainda por lembrança,
tudo o que o tempo desfez
nesta foto de criança,

Guardo ainda por lembrança,
a paz dos nossos perfis,
nesta foto de criança
que tanto nos fez feliz.

A paz dos nossos perfis,
está na fotografia
que tanto nos fez feliz
nas marcas de cada dia.

Está na fotografia,
A expressão do amor eterno,
nas marcas de cada dia,
o abraço meigo e fraterno.
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TROVA DE JOAÇABA/SC

MIGUEL RUSSOWSKY
MIGUEL KOPSTEIN RUSSOWSKY
Santa Maria/RS, 1923 – 2009, Joaçaba/SC

Quanto mais o tempo avança
mais eu fico a perceber.
que a saudade é uma lembrança
que se esquece de morrer. 
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Hino de Manaus/AM

Dentre a pompa e real maravilha
Desses belos e grandes painéis
Toda em luz, como um sol surge e brilha
A cidade dos nobres Barés

Grande e livre, radiante e formosa
Tem o voo das águias reais
E eu subir, a subir majestosa
Já nem vê suas outras rivais

Quem não luta não vence, que a luta
Pelo bem é que faz triunfar!
Reparai: O clarim já se escuta!
É a fama que vem nos saudar!

Aos pequenos e aos bons, entre flores
Agasalha e se esquece dos maus
Ninguém sofre tormentos e dores
Nesta terra dos nobres Manaós

Todo o povo é feliz, diz a História
Quando se vê entre gozos sem fim
O progresso passara junto à glória
Em seu belo e dourado coxim!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

COLBERT RANGEL COELHO
Pitangui/MG (1925 – 1975) Rio de Janeiro/RJ

Esperança: o nosso ninho,
pobre, sim... mas com bonança.
Eu e tu... Nosso filhinho...
Ah, meu Deus, quanta esperança!
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Quadrão à Beira Mar* de Ipueiras/CE

DALINHA CATUNDA
MARIA DE LOURDES ARAGÃO CATUNDA

O sol empalidecendo
Ondas subindo e descendo
Nossa paixão acendendo
E o barco a sacolejar.
No balanço do veleiro
Um amor aventureiro
Vivi com meu timoneiro
No quadrão à beira-mar.
“Beira mar, beira mar,
O quadrão só é bonito
Quando é feito a beira mar”
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* De todos os gêneros de poesia popular e cantoria, o Quadrão, que tem a terminação das suas estâncias sempre com o estribilho da sua denominação, tem sido aquele estilo que talvez tenha mais sofrido alterações e adaptações na sua estrutura geral ao longo do tempo. Originariamente, os Quadrões eram compostos em estrofes de oito versos setessílabos, onde rimavam o primeiro com o segundo e o terceiro versos; o quarto com o oitavo; e o quinto verso com o sexto e o sétimo.
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Trova de Campo Belo/MG

ORLANDO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Neste mundo de ironias
Deus me deu a recompensa.
- As minhas horas vazias
cheias da tua presença.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O leão doente

Um leão vendo-se enfermo,
Passa aviso a seus vassalos
De que à vida vai pôr termo,
E que intenta aconselhá-los
Sobre a regência futura,
Dar-lhes beija-mão, e honrá-los.

Dos leões à fé lhes jura
Que trata bem qualquer fera
Que o visita e que o procura:
Porém na furna as espera,
E quando alguma entrar ousa,
Logo a mata e dilacera.

Eis uma esperta raposa
Para, e diz, sem que entre lá:
«Xau! Que eu observo uma coisa!
Pegadas mil aqui há;
Mas para lá todas vão,
E nenhuma para cá;

Saúde, senhor Leão!
Quero-me à glória eximir
De beijar-lhe a régia mão;
Porque jurei jamais ir
A qualquer casa ou lugar,
Vendo só por onde entrar,
E não por onde sair».

Foi reflexão mui sabida
Esta que fez a raposa;
Que é loucura desmedida
Entrarmos em qualquer coisa
Sem ver se temos saída.
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Trovador Homenageado

Rei da Trova
ADELMAR TAVARES 
ADELMAR TAVARES DA SILVA CAVALCANTI
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

1
A imagem de nossas almas
está nas águas profundas,
quanto mais tristes, mais calmas;
quanto mais calmas, mais fundas.
2
É nossa alma uma criança,
que nunca sabe o que faz.
Quer tudo que não alcança,
quando alcança, não quer mais.
3
Eu vi o rio chorando,
quando te foste banhar,
por não poder, te banhando,
dar-te um abraço, e parar...
4
O laço de fita preta
dos teus cabelos, faceira,
parece uma borboleta
pousada numa roseira…
5
Onde anda o corpo, é verdade,
vai a sombra pelo chão...
É assim também a saudade,
a sombra do coração.
6
Os búzios guardam das águas
do mar, os fundos gemidos.
- Assim fossem minhas mágoas,
guardadas nos teus ouvidos...
7
Quando a trova nos transmite
seu feitiço singular,
a gente lê, e repete,
e depois, fica a pensar...
8
Quando eu morrer, levo à cova
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova,
e o gemer de um violão.
9
Que tens tu, que és tão sombrio,
e hoje a rir, alegre, assim?...
- Mal sabem que só me rio,
porque riste para mim.
10
Saudade - doce transporte
da alma adejante e ferida...
- É viver dentro da morte!
- É morrer dentro da vida!
11
Todo rio na corrente,
busca um lago, um rio, um mar...
Mas o destino da gente,
quem sabe onde vai parar?
12
Vou vivendo a minha vida,
como Deus quer e consente.
- Sou como a folha caída
levada pela corrente...

Recordando Velhas Canções (A Conquista do Ar)


Compositor: Eduardo das Neves (Rio de Janeiro/RJ, 1874-1919)

A Europa curvou-se ante o Brasil 
E clamou “parabéns” em meio tom. 
Brilhou lá no céu mais uma estrela: 
Apareceu Santos Dumont. 

Salve, Estrela da América do Sul, 
Terra, amada do índio audaz, guerreiro! 
Santos Dumont, um brasileiro!

A conquista do ar que aspirava 
 A velha Europa, poderosa e viril, 
Quem ganhou foi o Brasil! 

Por isso, o Brasil, tão majestoso, 
Do século tem a glória principal: 
Gerou no seu seio o grande herói 
Que hoje tem um renome universal. 

Assinalou para sempre o século vinte 
O herói que assombrou o mundo inteiro: 
Mais alto que as nuvens. 
Quase Deus, Santos Dumont – um brasileiro. 
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A Conquista do Ar: Um Tributo a Santos Dumont

A música "A Conquista do Ar" de Eduardo das Neves é uma homenagem ao pioneiro da aviação, Alberto Santos Dumont, um dos maiores heróis brasileiros. A letra celebra a conquista de Dumont ao conseguir voar, um feito que não só marcou a história do Brasil, mas também a da humanidade. A Europa, que era vista como o centro do progresso e da inovação tecnológica, se curvou diante do Brasil, reconhecendo a importância do feito de Dumont. A música exalta o orgulho nacional e a glória de ter um brasileiro como protagonista de um dos maiores avanços do século XX.

Eduardo das Neves utiliza uma linguagem poética para enaltecer Santos Dumont, referindo-se a ele como uma estrela que brilhou no céu e como um herói quase divino. A letra destaca a importância do feito de Dumont não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro, rompendo barreiras e desafiando o medo do desconhecido. A conquista do ar é vista como um marco que assinalou o século XX, colocando o Brasil em uma posição de destaque no cenário internacional.

A música também faz uma referência ao orgulho nacional, ao mencionar que o Brasil gerou em seu seio o grande herói que assombrou o mundo inteiro. A figura de Santos Dumont é elevada a um patamar quase mítico, sendo comparado a um deus que voa mais alto que as nuvens. A letra transmite uma mensagem de admiração e respeito pelo pioneiro da aviação, celebrando sua contribuição para a humanidade e reforçando o sentimento de orgulho e patriotismo brasileiro.

O feito de Alberto Santos Dumont, contornando a Torre Eiffel em seu balão n° 6, no dia 19.10.1901, inspirou diversas composições, entre as quais a marcha "A Conquista do Ar", sucesso de 1902. Uma criação de Eduardo das Neves, a canção glorifica o inventor da aviação em versos desbragadamente ufanistas, que o público da época adorou ("A Europa curvou-se ante o Brasil / e clamou parabéns em meigo tom / brilhou lá no céu mais uma estrela / apareceu Santos Dumont").

Palhaço de circo, poeta, compositor e principalmente cantor, Eduardo das Neves foi o nosso artista negro mais popular no início do século. Pai do também compositor Cândido das Neves, deixou modinhas, lundus, cançonetas, sendo de sua autoria os versos em homenagem ao encouraçado Minas Gerais, feitos sobre a melodia da valsa "Vieni sul Mar", do folclore veneziano.

Aliás, ainda sobre a mesma melodia, o radialista Paulo Roberto escreveria, em 1945, nova letra exaltando o estado mineiro ("Lindos campos batidos de sol / ondulando num verde sem fim..."), mantendo o refrão popular ("Ó Minas Gerais / ó Minas Gerais / quem te conhece não esquece jamais...").

No auge da carreira, Dudu das Neves apresentava-se nos palcos de smoking azul e chapéu de seda. 

A conquista do ar (marcha, 1902) - Letra e música do cantor Eduardo das Neves