segunda-feira, 10 de março de 2025

Vereda da Poesia = 224


Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

DESALENTO

Quem vai nunca vai sozinho,
leva um pedaço da gente;
quem fica não fica inteiro;
pois, a alma fica doente.

Quem fica sente saudades,
o soluço sufoca o peito.
Quem chora apascenta a alma;
quem sorri, o faz com respeito.

Qual livro na prateleira
e conto que vai pra memória,
a saudade rasga o peito,
qual página que finda a história.

A lágrima, que lava os olhos,
não leva a dor de quem chora.
= = = = = = = = =  

Trova de
JOÃO NEY RODRIGUES DAMASCENO
Curitiba/PR, 1924 – 2005, Rio de Janeiro/RJ

Ciúme é como pimenta,
tem que se saber dosar:
- sendo pouco, condimenta,
muito, pode até matar!
= = = = = = 

Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

COMO SE FOSSE A ÚLTIMA VEZ!

Já era dia
Desejei tanto que fosse noite,
...E aquela noite parecia dia!
Aqueles dias infindáveis de tão grande harmonia.

Eu te amei de uma forma tamanha, estranha,
Que toda noite era dia, e o dia se aproximava,
E eu nem percebia! Queria velar teu sono,
Tocar seu rosto enquanto dormia.

Dizer-te baixinho eu amo você!
Fica mais um dia, mas se te acordasse,
Eu não me perdoaria, estava tão lindo!
Seus olhos fechados, sua boca entreaberta.

Pedia-me um beijo, eu não resistia...
Amei-te, como quem ama pela última vez.
Senti seu coração bater, Como se fossem as últimas batidas,
Senti seu calor como se fosse sentir frio o resto da vida.

E já era noite, a lua desejava ver-te, 
Encantá-lo com sua beleza, talvez.
Roubá-lo de mim outra vez.

Mas um tão grande egoísmo em mim se fez,
Fechei a janela, queria tê-lo só para mim dessa vez.
E desejar que fosse dia, mesmo sendo noite.

...Como se fosse a última noite, a última vez!
= = = = = = = = =  

Trova de
AILTON RODRIGUES
Nova Friburgo/RJ

Eu me rendo, baixo o tom,
te abraço e logo me apego...
tranco a porta, ligo o som,
fecho a cortina e me entrego!
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

TUDO O QUE SOU É MENOS DO QUE EU QUERO
(José Carlos Ary dos Santos in "Cem Sonetos Portugueses", p. 146)

Tudo o que sou é menos do que eu quero
Para matar a sede em que me afogo
E acabrunhado aos pés da vida eu rogo
O fim da pequenez que não tolero.

Amarrado a um corpo que é severo
Nas margens do impossível em que eu vogo
Perplexo, pobre e puro eu me interrogo
Do modo como ser mais do que um zero.

Tem razões para estar insatisfeito
O coração que trago no meu peito
Vestindo a sua estranha condição:

Com asas de voar para se erguer
O destino o condena a padecer
E a morder esse pó que há pelo chão.
= = = = = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me sonhando outra vez!
= = = = = = 

Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

A BELEZA

Neste crisol do coração, Beleza
Que iluminas a nossa noite escura,
És a Bondade — que se fez Grandeza
E a Dor sofrida — que se fez Doçura.

És a muda expressão da Natureza;
Beijo no amor, sorriso na candura,
Prece na morte, pranto na tristeza
E, para os poetas, mística tortura.

Ninfeia azul no pântano estagnado,
Flores brotando na aridez das lousas,
Ou mistério no páramo estrelado,

Em tudo o que nos cerca, tu repousas,
Porque a Beleza é Deus manifestado,
A nos sorrir pela expressão das cousas*.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
* cousa = a grafia correta é “coisa”. A forma ‘cousa’ era utilizada em português, mas caiu em desuso a partir da evolução da língua portuguesa moderna. Contudo, não é errado a sua utilização, tanto que a palavra ainda faz parte dos dicionários. 
= = = = = = 

Trova do 
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN

Não me faça mais perguntas,
erro assim, não mais cometa...
Talvez, só nossas mãos juntas
possam salvar o planeta!
= = = = = = 

Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

COMPONDO VERSOS

Eu quisera compor uns lindos versos
que falassem do amor e da paixão,
destes sonhos antigos e dispersos
que ocuparam meu pobre coração.

Teus olhos cor de mar (quase perversos),
pousaram sobre mim, que perdição,
e meus sonhos agora estão imersos
neste mar de beleza e solidão.

Por que partiste assim, sem dizer nada,
deixando apenas tua gargalhada
que em saudade se fez e em mim convive?

Peço para que voltes, doce amada,
porque sem luz não há mais alvorada,
sem teu amor meu coração não vive!
= = = = = = = = =  

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Dotada de amor profundo,
meiga e doce em seu mister,
- que graça teria o mundo,
sem a graça da mulher?
= = = = = = = = =  

Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

NOITE SEM AURORA

A noite de um adeus não tem aurora
mas tem silêncios longos por recheio;
tem farpas arranhando, bem no meio...;
tem desesperos mil vagando fora...

A noite de um adeus, eu sei que chora
ao ver a sepultura de um anseio.
Não a censuro e até a manuseio
com estes versos que componho agora.

A noite de um adeus ensina a gente
ter dias sem relógio...e alguém já disse
que nunca cicatriza totalmente.

A noite de um adeus...só bem depois
expõe a solidão, numa velhice,
em que murchamos tristes nós, os dois.
= = = = = = = = =  

Trova de
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
São Gonçalo/RJ

Para que tanta igualdade
nesta partilha de amor ?
Fique com tudo: A saudade,
esta tristeza e esta dor.
= = = = = = = = = 

Cantiga Infantil de Roda
A VELHA A FIAR

Estava a velha no seu lugar, 
veio a mosca lhe incomodar.
A mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava a mosca no seu lugar, 
veio a aranha lhe fazer mal.
A aranha na mosca, 
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava a aranha no seu lugar, 
veio o rato lhe fazer mal.
O rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o rato no seu lugar, 
veio o gato lhe fazer mal.
O gato no rato, 
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o gato no seu lugar, 
veio o cachorro lhe fazer mal.
O cachorro no gato, 
o gato no rato,
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o cachorro no seu lugar, 
veio o pau lhe fazer mal.
O pau no cachorro, 
o cachorro no gato, 
o gato no rato,
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o pau no seu lugar, 
veio o fogo lhe fazer mal.
O fogo no pau, 
o pau no cachorro, 
o cachorro no gato,
o gato no rato, 
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o fogo no seu lugar, 
veio a água lhe fazer mal.
A água no fogo, 
o fogo no pau, 
o pau no cachorro,
o cachorro no gato, 
o gato no rato, 
o rato na aranha,
a aranha na mosca, 
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava a água no seu lugar, 
veio o boi lhe fazer mal.
O boi na água, 
a água no fogo, 
o fogo no pau,
o pau no cachorro, 
o cachorro no gato, 
o gato no rato,
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o boi no seu lugar, 
veio o homem lhe fazer mal.
O homem no boi, 
o boi na água, 
a água no fogo,
o fogo no pau, 
o pau no cachorro, 
o cachorro no gato,
o gato no rato, 
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava o homem no seu lugar, 
veio a mulher lhe incomodar.
A mulher no homem, 
o homem no boi, 
o boi na água,
a água no fogo, 
o fogo no pau, 
o pau no cachorro,
o cachorro no gato, 
o gato no rato, 
o rato na aranha,
a aranha na mosca, 
a mosca na velha 
e a velha a fiar.

Estava a mulher no seu lugar, 
veio a morte lhe levar.
A morte na mulher, 
a mulher no homem, 
o homem no boi,
o boi na água, 
a água no fogo, 
o fogo no pau,
o pau no cachorro, 
o cachorro no gato, 
o gato no rato,
o rato na aranha, 
a aranha na mosca,
a mosca na velha 
e a velha a fiar.
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Vi hoje uma árvore velha
toda coberta de flores
e me lembrei da minh’alma
carregadinha de dores.
= = = = = = = = =  

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

MANDALAS DE FOLHAS

Em uma das mãos seguro
Uma folha  do Plátano
Lembranças do Outono...
Na fragilidade da folha,
Ainda sinto o toque das tuas mãos,
E, de um tempo em que fazíamos
Mandalas de folhas...
E depois ficávamos juntinhos,
Observando a brisa
Acariciar as folhas,
E as cores do pôr do sol.
Não resisto e...
As lágrimas escapam.
= = = = = = 

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