domingo, 30 de setembro de 2012

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Projeto Entre Poetas)



LUZ 
Antonio Manoel Abreu Sardenberg 
São Fidélis "Cidade Poema" 

Como a luz de um sol irradiante 
surgindo na manhã de primavera, 
procuro loucamente a todo instante 
ser também sua luz, doce quimera. 

Envolver o seu corpo com calor, 
fazer do nosso encontro um acalento, 
sonhar que a vida é feita só de amor, 
amar por toda a vida este momento! 

Em seguida, num cálido aconchego, 
sem pudor, e sem medo, e sem juízo, 
trançar os nossos corpos num apego, 
fingir que o nosso mundo é paraíso! 

Comer com gosto todas as maçãs, 
ignorando que o fruto é proibido... 
deixar que o despertar do amanhã 
desfaça esse sonho concebido! (sem pecado) 

ÂNSIA DE VIVER
Simone Borba Pinheiro

Meu tempo, não tem tempo
de esperar por ti.
Por ti que, só enganos, somou
aos meus desenganos.

A noite fria já não tem mais lua
E eu amor, já não sou mais tua.
Meu corpo hoje, se aquece em outros braços
e, é por isso que rompo todos os laços
com o tempo passado,
que nunca teve tempo para mim.

Cansei de esperar pelo vinho
que depois de feito,
já não fazia mais efeito em mim.
Cansei do dia, da noite,
da vida vazia
que se apoderou de mim.

Perdoe amor, os meus desencantos,
mas hoje só canto,
a alegria de viver.
Viver o amor, sem pranto,
com outro amor no meu canto,
cantando pra eu dormir!

POR AMOR 
Maria Tomasia

Por amor a ti, qualquer coisa faço;
enfrento ventos, atravesso brumas,
sem medo algum, vou até o espaço,
cruzo mares e me visto de espumas.
Desde que te entreguei meu coração,
nada existe que não possa enfrentar;
das vaidades fiz juras de abnegação...
só não deixo nosso amor se fragmentar.
Por amor a ti, transponho fronteiras;
para te encontrar, vou ao fim do mundo.
Sempre te amarei de todas as maneiras,
porque o que sinto é muito profundo.
Lembra que ninguém te amou assim;
por isso, peço-te, esquece o passado.
Olha o presente e o que tens, enfim:
amor como o meu tem que ser cultuado.

DOR...
Ciducha

Fala-me da dor
que meu coração abriga,
e que tanto nos castiga...

Fala-me de amor!
Do amor sofrido, não vivido,
desse amor feito de expectativas...

Fala-me da esperança,
que não ouso apartar-me dela, e a carrego
para onde vou, ou então seria o fim...

Fala-me agora disso tudo!
Estou cansada demais
para ter sono...
Ferida demais
para sentir dor...
Abandonada demais
para estar só...
Assustada demais
para ter medo...
E tão ostensivamente perseguida demais...
para fugir!

Depois... em outro tom,
com outro som,
fala-me de paz, de amor,
de esperança,
para que eu possa finalmente,
desvencilhar-me dessa dor tão terrível, e...
crer!

ORGULHO
Daria Farion

E foi na Áustria que André conquistou,
No peito as medalhas ostentou.
Lindo, garboso para o Brasil emigrou
E nesta Terra linda sua Maria encontrou.

Terra abençoada, esposa dedicada eis o laurel.
Prole numerosa, suor a pingar no solo arado.
Nas mãos dos filhos nunca uma enxada colocou,
Longe, longe para colégios enviou.

Meu André, minha Maria quanto orgulho!
Meus pais que a décadas partiram,
Mas do meu coração nunca saíram.
Numa realidade virtual eu afirmo:
- Saudade é vida, 
Vida sem vocês. 

AH! SAUDADE
Nancy Cobo

Saudade do tempo de escola, 
da primeira professora, 
da infância, mesmo sofrida, 
dos avós que se foram, 
dos pais que já partiram, 
das brincadeiras inocentes, 
da juventude que, agora, queremos que volte...

Saudade dos bailes da vida, 
do primeiro Amor, 
do verdadeiro Amor, 
aquele que, de corpo e Alma,
se entrega ao coração, 
mas que, um dia, perdeu-se no caminho...

Caminho esse que quero voltar 
para tentar encontrar 
a felicidade que ficou, 
a saudade do que foi, 
saudade do que é, 
saudade de você.

Fonte:
Antonio M. A. Sardenberg

Raquel Ordones (Cordel do Amor)


Amor, sem aclaração. 
Não adianta tentar 
E não há o que falar 
Contexto do coração 
Expresso em emoção 
Uma parte é sentida 
A outra: ação contida 
É transparência no ser 
Vem para entorpecer 
É a essência da vida! 

Está no sol da manhã 
Na claridade do dia 
E nos raios de magia 
Beleza do flamboyant 
É o sabor da maçã 
É a condição querida 
E jamais causa ferida 
É a alma integral 
Feição incondicional 
É a essência da vida! 

O caminho do andejo 
É café quente com leite 
No inverno em deleite 
É a delicia do beijo 
É a ânsia do desejo 
É a laranja partida 
É a rosa concedida 
O desabrochar da flor 
O abraço de calor 
É a essência da vida! 

Está nos olhos da criança 
No seu sorriso sincero 
E no Deus que eu venero 
Estampa da esperança 
Na certeza da aliança 
Na risada divertida 
Na poesia que é lida 
Fé que é força na hora 
No instante de agora 
É a essência da vida! 

Amor é tudo de bom 
É o cheiro de perfume 
Na entrega se resume 
Da nota ele é o tom 
E da voz ele é o som 
É primavera florida 
No colo a acolhida 
Está no ato do toque 
E do batom o retoque 
É a essência da vida! 

Enfim: amor é amor 
E com nada se compara 
O mundo anda e para 
Do orbe é o motor 
Da paixão é o ardor 
Sentimento de guarida 
Emoção não esquecida 
É uma ave que voa 
Profundeza que ecoa 
É a essência da vida! 

Fonte:
A Autora

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 683)


Uma Trova de Ademar  

O tempo, qual sanguessuga, 
para aumentar meu desgosto, 
fez nascer mais uma ruga 
entre as rugas do meu rosto! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Diz-me esta ruga esculpida, 
entalhe que o tempo fez, 
que a primavera da vida 
só nos floresce uma vez. 
–Jaime Pina da Silveira/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Meus sentimentos dispersos
podem ser lidos com calma,
pois na emoção de meus versos
há pedaços de minha alma. 
–José Lucas de Barros/RN– 

Uma Trova Premiada  

2002   -   Belém/PA 
Tema   -   FRUTO   -   M/H 

O mundo, a cada minuto,
mostra a ironia presente,
pois, nem sempre colhe o fruto
a mão que planta a semente!...
–Rodolpho Abbud/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Ah, que estranho desafio
e esquisita proporção:
quanto mais fica vazio,
mais nos pesa o coração! 
–Pe. Celso de Carvalho/MG– 

U m a P o e s i a  

Jesus Cristo em favor da humanidade 
deu a vida, pregado numa cruz, 
tantos outros assim como Jesus 
foram vítimas de tal barbaridade; 
Luther King em prol da liberdade 
expos suas ideias liberais, 
igual a Gandhi na Índia e outros mais 
que tiveram a luta interrompida; 
muita gente doou a própria vida 
rebatendo problemas sociais! 
–Carlos Aires/PE– 

Soneto do Dia  

MORTE DAS ROSAS. 
–Pe. Antônio Tomás/CE– 

Nos canteiros orlados de verdura,
de mil gotas de orvalho umedecidas,
cheias de viço e de perfume ungidas,
desabrocham as rosas a ventura.

Mas a vida das rosas pouco dura,
e em breve a desgraça enlanguescida
a fronte curva nos hastes pendida,
a um raio de sol que além fulgura...

E vão perdendo as pétalas mimosas,
a um sopro mal dos vendavais infestos,
é o despojo final das tristes rosas...

E de cor vermelha pelo chão tombadas
fazem lembrar sanguinolentos restos
de pobres corações despedaçados.

sábado, 29 de setembro de 2012

Mário Quintana (Arte Poética)


Trova 230 - A. A. de Assis (PR)


Folclore Portugues ( A Lenda "Aninha-a-Pastora")


Conta a lenda que há muito tempo, talvez no tempo dos afonsinhos, apareceu no vale do Jamor uma pastorinha com o seu rebanho. Ninguém sabia donde ela viera, mas também a ninguém interessava saber. E a pastora por ali ficou, achando o local propício para si e para as suas ovelhas. 

 Todas as manhãs pela alba banhava-se a pastora na ribeira que atravessava o vale, límpida e cantante. Depois, o resto do dia, entretinha-se ora cantando, ora correndo atrás dos borregos. Por vezes, quedava-se horas a fio olhando o ramejar das árvores ou observando os pardais a construir os ninhos ou a alimentar as crias. 

 No Inverno, quando o tempo custava mais a suportar, a pastora alapava-se com o rebanho sob as fragas, esperando que a chuva passasse, agarrada às suas ovelhas preferidas para manter algum calor. 

 Assim passava o tempo a pastorinha que um dia chegou ao vale do Jamor com um rebanho de ovelhas. 

 Certo dia, porém, passou por ali um cavaleiro - que alguns dizem que era o rei - em vistosa cavalgada, acompanhado de alguns moços de armas que com ele iam montear no vale. Os olhos do cavaleiro deram subitamente com os da pequena pastora, que, encostada a uma árvore, bebia tranquilamente uma gamela de leite. Surpreendido com a inesperada visão, o cavaleiro exclamou: 

 - Meu Deus, como será possível que tal beleza exista assim perdida neste vale?! 

 E, encantado, o cavaleiro tentou saber da pastora tudo quanto lhe dizia respeito: 

 - Onde vives, pastora? - perguntou o cavaleiro.

 - Por aí, senhor. 

 - Na aldeia, queres tu dizer? 

 - Não. Vivo aqui, no vale, com estas poucas ovelhas. 

 - A quem pertence o rebanho, pastora? 

 - Ninguém, meu senhor. Encontrei-o no caminho e seguiu-me até aqui. 

 - Não vais querer que eu acredite nessa história, mulher?! Diz a verdade! 

 - Senhor, esta é a verdade, acreditai! 

 O velho aio do cavaleiro, que ouvia a conversa, inquieto com o que parecia simples de mais, interveio: 

 - Tende cuidado, meu amo. A pastora mais parece o demónio a tentar-vos! 

 A rir, o cavaleiro respondeu-lhe: 

 - Ora, velho aio! Se o demónio fosse tão belo como esta mulher, fácil lhe seria tentar o mundo! Deixai-vos disso!. .. 

 Pois, meu amo, vamos ver se o que digo não é verdade! 

 E virando-se para a pastora, que tremia, perguntou: 

 - Onde está a tua família, rapariga? 

 - Não tenho ninguém. 

 - Como te chamas? 

 - Não sei, nunca ninguém me chamou .. 

 - E as ovelhas, encontraste-as! 

 - É verdade, senhor. 

 Pois vede, meu amo, se tudo isto não é muito estranho!.. Por mim, acho que deveis ter cuidado! 

 - Ora, velho medroso! Que há de estranho numa pastora que vive sozinha e não tem família. Depois .. é tão bonita! 

 Enquanto dizia isto, o cavaleiro olhava a pastora, sentindo crescer em si uma ternura magoada e dolorida por haver quem fosse obrigado a viver em tal solidão. E num repente, como quem sente uma necessidade súbita e insuportável de suprir os desamores da vida, o cavaleiro disse suavemente à pastora: 

 - A partir de hoje nunca mais viverás só! Vou levar-te para a corte! 

 - Não quero sair daqui, senhor! - murmurou perentória a rapariga. 

 Pois então, virei eu viver contigo! Mandarei construir uma casa para ti e um redil para as ovelhas.

 E, virando-se para os acompanhantes, ordenou: 

 - Senhores, trazei vestidos e joias, mandai vir pedreiros e artífices que quero uma casa aqui! E tu - acrescentando, virando-se para um deles - tu que sabes vestir e pentear, aninha a pastora! 

 Sem mais uma réplica, obedeceram os companheiros ao cavaleiro - ou seria rei? No vale do Jamor cresceu uma casa onde viveu o cavaleiro com a pastora que mandara aninhar. E à volta dessa casa surgiu, pouco a pouco, uma povoação que durante muito tempo se chamou Aninha-a-Pastora. 

 Hoje, passaram-se os anos, esqueceu-se a lenda, e Aninha-a-Pastora chama-se Linda-a-Pastora. 

Fonte:
Lendas Portuguesas da Terra e do Mar, Fernanda Frazão, disponível em Estudio Raposa

Constança Lucas (Poemas)


PALAVRA

Perdi-te sem nunca te saber
 envelhecemos os sons
 cansada de maus usos
 embarcou para terras velozes
 não soubemos cochichar
 nos abraços que ardiam
 por inventarmos alguém
 para sabermos perder
 perdi-te vontade de falar
 nesta cadência muda

“FOI NUM ADEUS…”

Foi num adeus que mais te amei
 nas nossas mãos as cores cantaram
 numa harmonia de saudades futuras
 nos quereres contorcidos em ondas quentes
 onde o lenço imaginado corria pelo vento
 nas ruas da nossa cidade encantada
 só de palavras e afeições longas
 olhávamos as folhas em silêncio
 por tanto querermos os toques
 em arrepios de ternuras
 lânguida corri pelo teu corpo
 por nada nele deixar de querer
 fiquei embevecida com o teu canto
 por infinitos tempos das nossas peles

“SONHO”

Escuta este sonho não é para ti
 ele pertence-me
 não desisto do meu medo
 da minha alegria
 da minha amargura
 de querer que acabe a realidade
 tudo me cansa
 tão profundamente
 quando me querem invadir
nos meus sonhos
 mesmo não os conhecendo

E por vezes quero que me deixem
 ver o mundo
 mandar a realidade tomar banho
 mudar de cheiro
 deixar de me perseguir
 nesta angústia de nada poder
 e ao mesmo tempo saber
 que tanto posso

Sonho nas noites
 de dias sem tempo
 acordada ou mesmo a dormir
 sempre num parque
 de cores caídas
 nesta nossa casa
 tão nossa
 mas os sonhos
 alguns são só meus
-
DO OUTRO LADO DO VIDRO

Pela janela, um rubor de nuvem,
 alguém sem articulação, rabisca,
 do outro lado do vidro, lá em baixo
 observo-o como quem não entende

Sinto falta de mais árvores
 a calçada tem um dono
 que não gosta das folhas
 e o rapaz rabisca como quem marca
 um território fictício

AS MÃOS

ardes em febre de eletricidade
 por esconderes almas
 de ti e por ti desenho
 contigo aprendi a desejar
 o que só dentro de mim existe
 as palavras crescem,
 em teus dedos amáveis
 para depois esquecermos
 o silêncio triste

TENS SIDO

Tens sido um ás nessa de protocolos 
acho que me contagiei 
Vales pelos sorrisos provocados 
pelas tuas e pelas minhas palavras 
não de entrelinhas, sem linhas mesmo 
cada palavra escrita 
talvez não fossem nunca ditas 
Vales pelas provocações 
dos conhecimentos de mundos 
onde o convencional perde lugar 
mas está presente 
Vales pelo pedaço de coração 
que roubastes 
sem saber onde o colocar 
anda no firmamento 
Vales assim nesta amizade 
que sem tempo vive 
sem lugar cresce 
com carinho segue 
Vales pela liberdade 
de conhecer e não concordar 
Vales pela diferença 
num mar de águas comuns 
Valho por assim sentir,
mesmo assim saber dizer-te 
sem medos demasiados 
mas com a vida pulsando 
neste mundo tão torto 
Oiço is a beautiful day 
de bem com os meus sentimentos 
saberás dizer-me mais de ti sem protocolos

Fontes:

Constança Lucas (1960)


Constança Lucas nasceu em Coimbra, em 1960 e cursou até o colegial em Portugal. 

Passou a viver em São Paulo no fim da década de setenta, onde fez Licenciatura Plena em Artes Plásticas na FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Mestrado em Poéticas Visuais - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - USP , Pós-Graduação em Artes na ECA - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - USP

Fez diversos cursos de artes plásticas, literatura, fotografia e de história da arte, em museus e instituições culturais. 

Viveu em Lisboa de 1988 a 1992, onde realizou algumas exposições de pintura e desenho, coletivas e individuais. 

 Também desenvolveu a pintura em azulejos e trabalhos na área de artes gráficas. 

Tem participado de várias exposições coletivas desde o início da década de oitenta em diferentes países  (Portugal, Espanha, Bélgica, Checoslováquia, França, Hungria, Itália, Japão, Argentina, Alemanha, Austrália e Brasil). Realizou diversas exposições individuais em Portugal e no Brasil. 

É autora de inúmeros desenhos publicados em jornais, revistas e livros. 

Atualmente vive e trabalha em São Paulo. Desenvolve o seu trabalho em pintura, desenho, gravura, aguarela e infografia.

Fonte:
http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_4895.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 682)


Uma Trova de Ademar  


Uma Trova Nacional  

Matuto filosofante 
vendo filme que arrepia: 
- E esse era o inferno de “dante”... 
Imagine o de hoje em dia!... 
–Dorothy Jonsson Moretti/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Senhor Cornélio, com medo
das balbúrdias do apagão, 
chegou em casa mais cedo 
nos rastros do Ricardão. 
–Djalma Mota/RN– 

Uma Trova Premiada

1996  - Pouso Alegre/MG 
Tema  - VERÃO –  Venc.

"Não conto mais com você!..."
 - Diz a mulher, lá da sala.
 "Se no verão não se vê,
 no inverno, então, nem se fala !..."
- Rodolpho Abbud/RJ

...E Suas Trovas Ficaram  

Com “fome zero”... zerado; 
a fome em mim fez um fosso, 
que o intestino delgado 
tá quase engolindo o grosso. 
–Francisco Macedo/RN– 

U m a P o e s i a  

Um candidato a prefeito 
falando aos aduladores 
distante dos eleitores: 
vamos ganhar esse pleito! 
Sou cidadão de conceito, 
só eu levo essa parada; 
porem o que mais me agrada 
nesta tremenda disputa, 
é ter um ano de luta 
e quatro sem fazer nada. 
–Vicente Gonçalves/PB– 

Soneto do Dia  

MEU ORGULHO. 
–Pedro Torquato Maciel/SP– 

Muito cedo morreu, infelizmente, 
o grande Rui, o mestre consagrado, 
a quem prestei auxílio eficiente 
na sua profissão de advogado. 

No escritório, à Rua do Senado, 
nós dois a trabalhar conjuntamente, 
íamos dando conta do recado, 
a contento, aliás, de toda gente. 

Obedecendo às normas do Direito, 
o meu trabalho, rápido, perfeito, 
em pouco tempo lá ficou notório. 

Tanto assim que, no meio de doutores, 
não poucas vezes mereci louvores 
por ter varrido bem o escritório!

Jorge Amado (A Bola e o Goleiro)


O futebol era uma das paixões de Jorge Amado. E esse amor rendeu um belo livro infantil, “A bola e o goleiro”, escrito em 1984. O romance fala sobre Fura-Redes, a bola que era a alegria dos artilheiros. Com ela, os jogadores faziam gols sensacionais e inesquecíveis. Os locutores também ficavam enlouquecidos ao narrarem seu percurso. A habilidade para balançar a rede deu-lhe vários apelidos, tais como Esfera Mágica, Goleadora Genial, Pelota Invencível e Redonda Infernal. 

Totalmente imparcial, Fura-Redes não privilegiava nenhum time. Queria apenas proporcionar gols e mais gols. Jamais permitia um zero a zero nas partidas que participava. Até que conheceu o goleiro Bilô-Bilô, também conhecido como Cerca-Frangos, Mão Podre, engolidor de francos. Nem precisa dizer que era o desastre do desastre entre os goleiros. Contudo, o inesperado aconteceu. Ao ver Bilô-Bilô com sua camisa cor de caramelo, Fura-Redes se apaixonou. Perdidamente. Tudo o que queria era alinhar-se nos braços do seu amado. A partir daí, por mais que continuasse atuando da mesma forma, Bilô-Bilô não viu mais nenhuma bola entrar no “arco” que guardava. Defendia todas as jogadas. Todos os lances iam direto para suas mãos. Passou a ser chamado de Pega-Tudo e virou celebridade internacional.

Mas chega o dia em que o Rei do Futebol vai tentar seu milésimo gol. E quem entrará em campo junto com o time do melhor jogador do mundo? Bilô-Bilô e Fura-Redes, com certeza. O que será que vai acontecer? O livro foi publicado também em Portugal e ganhou versões em inglês, francês e alemão. A primeira edição, que é a que eu tenho (capa abaixo), traz ilustrações de Aldemir Martins. Boa história, com final que representa a inocência infantil. 
–––––-

Vou contar a quem a queira ouvir a história da bola Fura-Redes e do goleiro Bilô-Bilô, o Cerca-Frango, uma historinha para ninguém botar defeito, breve e louca como a vida.

     O destino das bolas de futebol é fazer gols e a bola Fura-Redes, como o nome indica, era a maior especialista do país na quantidade e na qualidade dos tentos assinalados.  Gols olímpicos, e de efeito, de folha-seca, de letra, de bicicleta, de placa, incomparáveis.

     Por isso mesmo tornou-se conhecida e aclamada como Esfera Mágica, Goleadora Genial, Pelota Invencível e Redonda Infernal, pelos locutores enlouquecidos ao microfone, quando a viam atravessar o campo, de passe em passe, de finta em finta, para marcar mais um tento sensacional.  A bola Fura-Redes era o pavor dos goleiros, a paixão dos pontas-de-lança e dos comandantes de ataque, a bem-amada da torcida.  Nascera para cruzar o arco, bater-se alegre  contra as redes, provocar o grito de guerra e de vitória da galera.

     Lustrosa, leve e atrevida, a mais redonda das pelotas, apesar de muito jovem, logo se tornou popularíssima devido ao número de tentos já marcados, cerca de seiscentos; muitos em cada partida.  Vários para a equipe A e vários para a equipe Z,pois Fura-Redes mantinha-se absolutamente imparcial quando se exibia no gramado.

     Marcava gols para as duas equipes, não protegia qualquer delas, era correta e justa.  Assinalaria maior número de tentos o time que mais procurasse o ataque, buscando encurralar o adversário.  Com ela, os artilheiros não erravam os chutes, não desperdiçavam bolas nas traves.  Mas, sendo igualmente bondosa, dotava de um coração de ouro, Fura-Redes tampouco deixava a outra esquadra em jejum: pelo menos um golzinho de consolação ela lhe concedia antes que o juiz trilasse o apito, dando o desafio por terminado.

     Fura-Redes fora proclamada inimiga número um do zero no placar.  Os resultados das partidas que jogava davam conta da impressionante vocação da Redondinha para o gol.  Redondinha, carinhoso apelido que lhe dera o Rei do Futebol.  Escores sempre altos: cinco a quatro, sete a seis, seis a seis.  Ou bem violentas goleadas: seis a dois, oito a três, cinco a um, quando se fazia evidente a diferença de qualidade entre os dois clubes, o campeão, dono do gramado, e o adversário, um timinho qualquer, de última categoria.

     Atingira Fura-Redes o ponto mais alto de sua brilhantíssima carreira: falava-se nela para ser a bola oficial da próxima Copa do Mundo.  Os principais artilheiros dos grandes clubes, os maiores pontas-de-lança do país morriam de amores por ela, todos queriam ser seus favoritos para alcançar o recorde mundial de gols.  Mas a heroína dos gramados não revelava preferência por nenhum deles.  Partia em direção ao arco tanto do pé do maior dos craques, Rei do Futebol, quanto da chuteira de um perna-de-pau qualquer até então desconhecido.  Para ela todos eram iguais, servia-se deles para buscar o gol e desatar a vibração do povo nos estádios a cada tento que marcava, todos dignos de placa.  Fura-Redes jamais se apaixonara.

     Um dia, porém, como sucede com todas as criaturas, Fura-Redes se apaixonou e logo por quem!  Em lugar de se apaixonar por um artilheiro, por um centro-avante, um ponta-de-lança, entregou seu coração a um goleiro, ao último dos goleiros, a Bilô-Bilô Mão Podre, engolidor de frangos.

     O goleiro Bilô-Bilô iniciara sua carreira de goleiro sendo saudado em campo com diversos apelidos, cada qual – como direi? – mais caloroso: Cerca-Frango, Mão-Furada, Mão-Podre, Rei-do-Galinheiro e outros nomes ainda mais feios que eu não reproduzo aqui por ser  esta historinha dedicada ao público infanto-juvenil.  Pois bem: Bilô-Bilô transformou-se no aplaudido, no popularíssimo Pega-Tudo, o Tranca-Gol, o Aranha, o Maior de Todos.

     Dizem ter sido a camisa de caramelo usada por Cerca-Frango a causa da paixão de Fura-Redes.  Quando o avistou no arco daquele time fuleiro que ainda não ganhara nenhuma partida no campeonato, que recebera goleada sobre goleada, Fura-Redes perdeu a cabeça, não teve olhos para ninguém.  Apenas iniciada a partida, ao ser chutada com violência para o arco, foi aninhar-se nos braços do Rei-do-Galinheiro.  Pela primeira vez na vida, Cerca-Frango viu-se ovacionado num estádio.

     Fura-Redes continuou a fazer gols sensacionais nos demais goleiros, um gol atrás do outro.  Mas quando entrava em campo a esquadra em cujo arco Pega-Tudo se exibia, era aquela glória.  O arqueiro adversário engolindo bola sobre bola, enquanto Pega-Tudo recolhia a pelota de mil maneiras diferentes, em defesas nunca vistas antes.  Outra coisa não desejava Fura-Redes além de aninhar-se nos braços de seu namorado.

     Para não faltar com a verdade, devo dizer que Bilô-Bilô mantinha-se igualzinho, não mudara: continuava sem saber se posicionar entre as traves, não saía do arco no momento certo, faltava-lhe visão do gol, enfim, prosseguia péssimo.  Apenas defendia tudo, absolutamente tudo.

     Cerca-Frango cercava a bola por um lado, ela estava no outro, a galera gritava GO-o-o-ol! E, de repente, na hora agá, o que se via? Via-se a bola encaixada nas mãos de Pega-Tudo, apertada contra o coração do goleiro, nos braços de Bilô-Bilô, sossegadinha, feliz da vida.  Em lugar de um novo gol de Fura-Redes, a torcida saudava mais uma portentosa defesa de Pega-Tudo.

     Durante um tempo mais ou menos longo, Fura-Redes e Tranca-Redes, ex-Cerca-Frango, dominaram os estádios brasileiros, empolgando multidões nas festas de tentos maravilhosos e de defesas deslumbrantes.  Ocupavam as manchetes dos jornais, as telas das televisões e dos cinemas, obrigavam os locutores a criarem expressões novas, ainda mais grandiloqüentes, aumentativos colossais para descrever os feitos da Bola e do Goleiro.

     Depois de varar as redes, aumentando o placar da surra humilhante  aplicada na equipe adversária, a Redondinha vinha redondinha, acolher-se nos braços de Bilô-Bilô, aconchegar-se em seu peito.  Por mais de uma vez aconteceu Tranca-Redes beijar Fura- Redes e então, no estádio, o numeroso público delirava.

     Parecia um milagre e assim era: milagre de amor não tem explicação, não necessita.

     Um dia os jornais, as rádios, as cadeias de televisão anunciaram para o Brasil e para o mundo inteiro que o Rei do Futebol havia faturado o gol novecentos e noventa e  nove e se preparava para varar o gol número mil, notícia empolgante e alvissareira.  Jamais outro artilheiro realizara tal façanha, metera mil gols nas redes adversárias.

     Movimentaram-se os goleiros do Brasil e de todos os países, todos queriam a honra e a glória de engolir o gol número mil do Rei.  Vieram telegramas propondo famosos quípers estrangeiros mas os brasileiros protestaram com razão: tinha de ser um goleiro nacional.

     Caberia a Bilô-Bilô aquele feito supremo: cercar o frango no milésimo gol do craque sem igual, pois cumprindo calendário do campeonato entraram em campo ou melhor adentraram o gramado – em embate tão importante não se entra em campo, adentra-se o gramado – a equipe do Rei e aquela cujo arco era guardado por Bilô-Bilô.

     Evidentemente a bola escolhida para o desafio não podia ser outra senão a famosa Fura-Redes, a quem o rei, como se sabe, galanteava dizendo-lhe “Redondinha, minha querida, minha formosa namorada”.

     Ainda hoje muita gente não acredita no que aconteceu em campo naquela tarde de sol com milhares de bandeiras desfraldadas no estádio onde mais de duzentas mil pessoas se comprimiam, gritando e aplaudindo.  O time do Rei do Futebol, que devia ganhar de goleada, apanhou uma surra de criar bicho.  Fura-Redes pintou e bordou e quando faltavam alguns segundos para a partida terminar, o escore subia a cinco a zero contra a equipe do Rei.

     Nos últimos segundos, porém, quando o público, decepcionado por não ter assistido ao gol número mil, começava a deixar o estádio,o juiz marcou um pênalti contra o time de Bilô-Bilô, pênalti que ninguém tinha cometido.  Roubo claro e evidente, foi no entanto aplaudidíssimo pois ia possibilitar que aquele imenso público visse e comemorasse o milésimo gol do Rei: mais do que ninguém, vibrou o nosso conhecido Cerca-Frango pronto para cercar o frango real e o engolir inteiro.

     Colocou-se a bola Fura-Redes na marca do pênalti, um silêncio enorme cobriu o estádio.  O Rei do Futebol tomou distância para dar ainda mais força ao chute potentíssimo, indefensável e fazer um límpido gol de placa.  Postou-se no arco Bilô-Bilô envergando a vistosa camisa cor de caramelo, nos lábios um riso de contentamento, pronto para não fazer a defesa, para engolir o frango cru, com penas e tudo.  Aliás nem se postou no centro do arco como era sua obrigação, ficou encostado na trave direita, do lado de fora, deixando o espaço livre para que Fura-Redes nele penetrasse.  Ninguém protestou, todos entenderam o gesto do arqueiro: iria se imortalizar ao receber aquele gol.

     Correu o Rei, chutou com a máxima violência a meia altura diante do arco vazio.  Duzentas e quatro mil trezentas e dezoito pessoas, sem contar os jornalistas, os cartolas e os penetras, viram Fura-Redes ser atirada com potente e certeiro chute do Rei do Futebol contra o desguarnecido arco de Bilô-Bilô.

     Puseram-se todos de pé no estádio, preparados para aplaudir, até o fim do dia e pelo resto da semana, o gol número mil do Rei do Futebol.  Viram então Fura-Redes dar meia-volta no ar, desviar-se antes de cruzar o arco, dirigindo-se, dengosa, para onde estava Bilô-Bilô vestido com a camisa cor de caramelo: queria aninhar-se  em seus braços.

     Mudou Cerca-Frango de posição, fugindo rápido para o outro lado, Fura-Redes fez o mesmo, a buscá-lo.  Assim ficaram os dois durante alguns minutos, um tempo enorme, correndo em frente às traves, de uma a outra, até que, desesperado, Bilô-Bilô disparou campo afora deixando o arco à disposição da bola.  Mas Fura-Redes partiu atrás de seu goleiro e o perseguiu até que o alcançou diante do arco adversário e em seu peito se aninhou redondinha e amorosa.

     Assim terminou a carreira futebolística da bola Fura-Redes e a do goleiro Cerca-Frango que foi o pior e o melhor de todos os goleiros.  O que fizeram depois? Ora, o que fizeram! Se casaram e viveram felizes para sempre.
     Bahia,janeiro de 1984.

Fontes: